O DIREITO AUTORAL NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: A PROTEÇÃO DA OBRA INTELECTUAL E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA *

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O DIREITO AUTORAL NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL: A PROTEÇÃO DA OBRA INTELECTUAL E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA * THE COPYRIGHT UNDER CONSTITUTIONAL JURISDICTION: THE PROTECTION OF WORKS OF AUTHORSHIP AND THE DIGNITY OF THE NATURAL PERSON RESUMO Iara Rodrigues de Toledo Marcos Freitas Pereira A presente pesquisa procura expor o direito autoral dentro do cenário jurídico constitucional, demonstrando, com isso, a expansão da jurisdição constitucional nas mais variadas relações jurídicas, sobretudo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, relacionando-o às disposições da legislação autoral. Traz elementos para demonstrar os traços originários do direito autoral e a proteção conferida aos autores de obras intelectuais na legislação brasileira, de acordo com a Lei 9.610/98, por meio da tutela constitucional dos direitos de personalidade. Paralelamente será tratado, de forma resumida, a aplicabilidade desses direitos como requisito para a consagração do próprio Estado Democrático de Direito na medida em que a exigibilidade e a aplicabilidade da legislação autoral deva ocorrer sempre no contexto constitucional e embasada no princípio maior da dignidade da pessoa humana. PALAVRAS-CHAVES: PROPRIEDADE INTELECTUAL; DIREITOS AUTORAIS; OBRA INTELECTUAL; DIREITOS DA PERSONALIDADE; DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ABSTRACT The present research aims at scrutinizing the copyright under the constitutional jurisdiction, demonstrating the heightening of the constitutional jurisdiction, mainly the principle of the dignity of the natural person on the most varied legal relationships and establishing its relationship to the copyright principles. It demonstrates elements to verify the copyright s origin and the protection of works of authorship under Law 9.610/98, by means of the protection of personality rights. At the same time it briefly discusses the applicability of the copyright as a requisite for the affirmation of the Democratic State of Right given that copyright law shall ever apply under the context of constitutional laws and based on the principle of the dignity of the natural person. KEYWORDS: INTELLECTUAL PROPERTY; COPYRIGHT; WORKS OF AUTHORSHIP; PERSONALITY RIGHTS; DIGNITY OF THE NATURAL PERSON. * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009. 9778

INTRODUÇÃO Nos últimos tempos, especialmente depois de 1998, com a aprovação da Lei 9.610, as discussões a respeito da proteção às obras intelectuais têm ganhado cada vez mais intensidade, aliadas, consequentemente, a consagração mais ampla e efetiva dos princípios constitucionais. Não são raras as oportunidades em que o operador do direito se depara com um cenário extremamente complexo ao redor desse tema e, cada vez mais, percebe a necessidade de aprofundar-se no estudo do caso concreto, alinhando-o com as diretrizes e interpretações trazidas pela referida Lei e pelo panorama constitucional. Busca-se, com isso, garantir a correta interpretação e aplicabilidade dos direitos autorais. Essa interpretação deve estar calcada em princípios constitucionais entre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana demonstrando quão amplo pode ser esse hemisfério e a abrangência do assunto em relação à realidade fática do mundo atual. Entre outros destaques, o que se procura estabelecer é que o cumprimento das normas de direitos autorais é de fundamental importância para a garantia do referido princípio da dignidade da pessoa humana e, conseqüentemente, do próprio Estado Democrático de Direito. 1. EXPANSÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O PRINCÍPIO MOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO CENÁRIO DAS RELAÇÕES JURÍDICO-PRIVADAS À atual opção de sobreposição da teoria dos princípios a das regras agrilhoa-se a visualização da Constituição Federal como o núcleo hermenêutico do intérprete, caracterizando o fenômeno jurídico da descodificação dos direitos materiais e processuais e, conseqüentemente, a constitucionalização desses direitos. Assim, passouse a adjetivar, por exemplo, o Direito Processual Civil como Direito Processual Civil Constitucional, ou o Direito Civil como Direito Civil Constitucional, a significar uma releitura de todo o Direito à luz dos princípios constitucionais, plasmado pelo que se passou a denominar processo de filtragem constitucional. Nas palavras de Clève (2006, p.36) trata-se, portanto, de uma doutrina amiga da Constituição, enfim, de uma doutrina constitucional amorosa, vinculada até a medula à idéia de normatividade integral da lei fundamental. Vislumbra-se, por esse diapasão, uma nova dogmática da interpretação constitucional, nos quais se põe ênfase nos seguintes princípios: a) unidade da Constituição; b) efeito integrador; c) máxima efetividade; d) conformidade funcional; e) concordância prática ou da harmonização; f) força normativa da Constituição; g) leis conforme à Constituição (CANOTILHO, 1995, p. 226-230). 9779

Rente a essa hermenêutica que premia os princípios em desfavor da lei, releva considerar, ademais, o princípio da dignidade humana, mormente frente à Constituição Federal pátria de 1988, que o prestigia, de pronto, no art. 1º, inciso III, e que, anteriormente, em 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Humanos, fez-se presente no início do Preâmbulo, in verbis: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Dessa forma, o princípio da dignidade humana, adjetiva-se como um sobreprincípio, no sentido de princípio estruturante de todos os direitos constitucionalmente consagrados na Lei Maior, com função de um vetor mor da hermenêutica jurídica. Portanto, supondo-se o julgamento de um caso sub judice, no qual colocam-se dois ou mais direitos fundamentais em rota de colisão, dever-se-á maximilizar, na interpretação, o princípio da dignidade da pessoa humana, minimizando-se o outro ou os demais. Num outro plano, urge considerar não se paramentar como absoluto este princípio-mor, sendo certo que no jogo de balanceamento, imanente ao princípio constitucional implícito da proporcionalidade e respectivos corolários, este poderá sofrer relativização no plano decisório do discurso jurídico. Com proficiência, doutrina Sarlet (2008, p. 63) sobre a dignidade da pessoa humana: Portanto, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínsica e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2008, p. 63) 1.1. PROJEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS? A interrogação supra justifica-se, uma vez que, historicamente, no constitucionalismo liberal-burguês, com predomínio do chamado individualismo possessivo, a regência dos direitos humanos circunscreviam-se às relações públicas, ou seja àquelas que se aperfeiçoam com a presença do Estado num dos seus pólos. Indiscutível, como facilmente se infere, tal qual ocorre nas relações públicas, as relações privadas, por meio dos seus atores atuantes na sociedade civil, sejam elas situadas em searas mercadológica, empresarial, financeira, bancária, religiosa, educacional, trabalhista, familiar, informativa, entre outras, são passíveis de promover lesão e violência aos direitos fundamentais da pessoa humana 9780

A problemática, contudo, circunscreve-se ao binômio direitos fundamentais da pessoa humana versus autonomia privada da pessoa humana, no âmbito do direito material. Em contraponto, em leito processual civil, a polêmica tem como cenário o cruzar de lanças entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, em torno do tema do ativismo judiciário na efetividade dos direitos fundamentais. Fruto desses debates, há posições que propendem pela ampla eficácia dos direitos fundamentais entre os particulares e a um papel mais acentuado de concretização dos direito humanos pelo Poder Judiciário. A contrario sensu, propendem pela mitigação da incidência dos direitos humanos nas relações privadas as teses que valorizam a autonomia privada e sobrelevam as funções do Poder Legislativo na efetividade dos direitos humanos. Posição mais feliz, nesse debate entre doutrinas com dimensões nacionais e internacionais, põe-se, no Brasil, sob a égide da Constituição Federal vigente, a escola doutrinária estampada no ensino de Daniel Sarmento (2007, p. 155) ao propor que (...) a eficácia dos direitos individuais nas relações privadas é direta e imediata, não dependendo da atuação do legislativo ordinário, nem se exaurindo na interpretação das cláusulas gerais do Direito Privado. Relacionando ao tema o princípio da dignidade humana, complementa,com uso de linguagem candente, o mesmo autor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ, in verbis : A própria compreensão de que o princípio da dignidade da pessoa humana representa o centro de gravidade da ordem jurídica, que legitima, condiciona e modela o direito positivado, impõe, no nosso entendimento, a adoção da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. De fato, sendo os direitos fundamentais concretizações ou exteriorizações daquele princípio, é preciso expandir para todas as esferas da vida humana a incidência dos mesmos, pois, do contrário, a proteção à dignidade da pessoa humana - principal objetivo de uma ordem constitucional democrática permanecerá incompleta (SARMENTO, 2007, p. 162). Em suma, verossímil, convincente, a doutrina que se espelhando no Texto Maior brasileiro, propugna pela eficácia direta e imediata da subsunção das relações privadas aos direitos fundamentais, escoimando interpretações outras advindas do direito comparado, com fundamentos históricos e jurídicos, legais e constitucionais díspares aos que vicejaram e vicejam nesta quadra histórica, social e jurídica constitucional nacional, mormente no que toca à grandeza maior do princípio da dignidade humana no trato diário das relações entre atores particulares. Por tudo e ao fim, esse desenho jurídico constitucional põe-se como estrutural à compreensibilidade da árdua área científica dos direito autorais, que passar-se-á a tratar nos tópicos que se seguem. 9781

2. TRAÇOS ORIGINÁRIOS E CONCEITUAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS Tendo em vista que a obra intelectual constitui uma manifestação do espírito humano, que seu criador teve inúmeros esforços para a sua concretização, nada mais justo do que garantir a ele alguma proteção, que lhe propicie, ao menos, a segurança de que outros não irão se apoderar de sua obra como se de outro fosse. Evidentemente, essa preocupação evoluiu ao longo dos anos, à medida que novas tecnologias e formas de utilização surgiram. O homem, à semelhança de Deus, cria. A criação literária e artística recebe a tutela do Direito de Autor. Porque corresponde a uma atividade particularmente nobre, a tutela conferida pelo Direito de Autor é a mais extensa e a mais apetecida de todas as tutelas, dentro dos direitos intelectuais (ASCENSÃO, 1997, p..3). Assim também, com igual escala de importância para os anglo-saxões, que denominam os Direitos Autorais como copyright, como se verá na seqüência, esse ramo do Direito apresenta um forte impacto nas mais variadas áreas, e o fato que se observa é o destaque que a disciplina tem ganhado nos últimos tempos, de acordo com a doutrina: [ ] copyright has become one of the more popular electives in the law school curriculum. For good reason: whether your background lies in the liberal arts or engineering, your reading preferences run towards speculative fiction or statutory compilations, or your practice focuses on personal liberties or internacional commerce, copyright has become a significant topic for every lawyer (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 10) Houve um tempo em que as manifestações do intelecto não mereciam nenhuma proteção, e ao explicar sobre a real necessidade de proteção dos Direitos Autorais alinhando-a com a evolução dos novos mecanismos e novas tecnologias, Eliane Abrão (2002, p. 27), esclarece: O surgimento da máquina de escrever, da máquina de imprimir com tipos móveis, em 1450, a uma dezena de vezes maior que o registro manual, foi o ponto de virada no surgimento desse direito em virtude da infinita capacidade de reprodução de um mesmo 9782

texto, pela máquina, dispensando novas interferências dos autores (ABRÃO, 2002, p 27). A preocupação surgiu com a evolução da sociedade. O primeiro passo no sentido de buscar uma proteção aos Direitos Autorais embasou-se no surgimento da imprensa, que possibilitou a reprodução da obra e, conseqüentemente, fragilizou o controle e a proteção do autor. O surgimento das primeiras linhas sobre o assunto remontam a 1710 e, quanto a eles, José de Oliveira Ascensão (1997, p. 4) e Eliane Abrão (2002, p. 29) esclarecem ter a proteção ao autor os primeiros traços com o Statue of Anne, o Ato da Rainha Ana, em 1710, garantindo o direito de cópia ao livreiro, pelo período de 21 anos. Para Roger Schechter e John Thomas (2003, p. 13) The Statute of Anne marked a paradigm shift from its predecessor licensing statutes. Rather than offering rights to the publishers of new works, it protected the authors that created them. Curiosamente, ao falar sobre a origem da expressão copyright, Henrique Gandelman (1997, p. 67) esclarece que essa expressão surgiu na Inglaterra e que, com ela, estava previsto também o pagamento de royalties aos autores das obras; entretanto, só teria direito ao recebimento dos royalties quem realizasse o registro de sua obra. Na realidade, por meio desse mecanismo, a Coroa poderia recusar o registro tornando-o, assim, como um mecanismo de cesura. Quer dizer, sem o registro da obra, você não tinha direito e, por que isso? Essa foi uma maneira sagaz, inteligente, britânica de exercer uma certa censura, porque, no momento em que você vai registrar uma obra, a Coroa poderia dizer: não, essa obra não me interessa, eu não quero, porque fazia crítica ao governo. Então o registro se tornou, indiretamente, uma forma de censura quando aplicado neste sentido. Mas tinha que haver o registro para que o editor e o autor tivessem direito a receber um royalt pela cópia gráfica das suas obras; eu estou me referindo ao Copyright Act de 1709. (GANDELMAN, 1997, p. 67). Na seqüência, surgiram também em outros países diferentes ordenamentos garantindo algum tipo de proteção autoral; entretanto, foi em 1886 que algumas nações se reuniram em Berna, na Suíça, e estabeleceram uma regulamentação mínima para a proteção das obras intelectuais, o que hoje, na doutrina, encontramos como Convenção de Berna. O alcance da Convenção é o das obras literárias e artísticas, incluindo-se entre aquelas as de caráter científico qualquer que seja seu modo de expressão. Assim, não só os livros e esculturas, objeto tradicional de proteção, mas o multimídia, produções a laser ou qualquer outra criação com auxílio em tecnologias futuras, cabe no âmbito da 9783

Convenção desde que redutíveis à noção de artístico ou literário (BARBOSA, 2003, p. 191). A Convenção de Berna, à qual o Brasil aderiu em 1922, procurou estabelecer garantias mínimas, como é o caso dos prazos de proteção da obra intelectual, dos direitos morais de autor, entre outros, deixando a cargo das legislações de cada um dos países estabelecer um rol maior de protecionismo, assim como a respectiva sanção em caso de descumprimento (ABRÃO, 2002, p. 44 e 45). Não se pode também esquecer a Convenção Universal de Genebra, de 1952, de fundamental importância para o regramento dos Direitos Autorais. No Brasil, os Direitos Autorais encontram uma breve previsão na Constituição Federal, no inciso XXVII, do artigo 5º, quando o diploma estabelece que cabe exclusivamente ao autor o direito de utilização, publicação ou reprodução de sua obra, garantindo-se ainda a transmissão desses direitos aos herdeiros, pelo prazo que a lei fixar. Evidentemente, essa breve previsão não foi suficiente para garantir plenamente a proteção ao instituto, tanto que outras leis coexistem, atualmente, disciplinando essa relação. A matéria é regulada no Brasil, entre outras, pela Lei Federal n. 9.610 de 19.2.1998, por artigos do antigo e do novo Código Civil, pela Lei n. 9.609, de 19/2/98, pela Lei 6.533, de 24.5.78, pelos Decretos n. 75.699 de 29/4/75, 76.905 de 24/12/75 que promulgaram as Convenções Internacionais de Berna e Genebra, respectivamente, pelo Decreto n. 1.355 de 31/12/94 que promulgou o Tratado sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o comércio, conhecidos pela Sigla TRIPS em inglês, ou pela Sigla APDIC em espanhol, pelos artigos 184 a 186 do Código Penal, artigos 524 a 530 do Código de Processo Penal e demais Tratados Internacionais, bi ou multilaterais, a que tenha o Brasil aderido (ABRÃO, 2002, p. 16). A matéria tem regulamentação ampla; entretanto, para o operador, ganha destaque a Lei 9.610/98. Na seqüencia, para que se possa continuar com a análise e entendimento do tema, fundamental trazer a visão de alguns doutrinadores sobre a conceituação de Direitos Autorais. Nesse sentido, destacamos: [...] o Direito de Autor ou Direito Autoral é o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências (BITTAR, 2005, p.8) Em um primeiro momento, pode parecer não tão clara a visão de obra intelectual estética, porém o autor esclarece esse conceito, explicando poderem existir, considerando a atuação do intelecto, duas espécies de obras: as de cunho estético, 9784

submetidas ao regime dos Direitos Autorais, e as de cunho utilitário, submetidas ao regime do Direito de Propriedade Industrial (BITTAR, 2005, p. 19). Sobre o assunto vale trazer uma conceituação utilizada antes da atual Lei 9.610/98 mas que conserva sua fidedignidade: Direito Autoral é o que tem o autor da obra literária, científica ou artística, de ligar seu nome às produções do seu espírito e de reproduzi-las ou transmiti-las. Na primeira relação, é manifestação da personalidade do autor; na segunda, é de natureza econômica (BEVILÁQUA, 1946, p. 251). Ou então: O direito de autor protege as criações expressadas em obras literárias, musicais, científicas e artísticas, em sentido amplo, e nasce com a obra mesma, como conseqüência do ato de criação e não pelo reconhecimento da autoridade administrativa, ainda que se possam estabelecer formalidades com diferentes finalidades (facilitar provas, formar e nutrir arquivos e bibliotecas públicas, etc.) O sistema de registro constitutivo de direito de autor, em virtude do qual o titular tem sobre a obra direitos exclusivos e oponíveis erga omnes sempre e quando se cumprem as formalidades registrais estabelecidas na lei, é, como vermos mais adiante [...], um vício da instituição dos privilégios, numa concepção do direito de exploração econômica das obras superada pela doutrina e pela quase totalidade das legislações (LIPSYC apud ABRÃO, 2002, p. 39).[1] Os anglo-saxões chamam os direitos autorais de copyrights, e, os franceses, de droit d auteur ou diritto d autore. O copyright é considerado por nós, entretanto, como uma das vertentes dos direitos de autor (ABRÃO, 2002, p. 31). Copyrights provide protection for original works of authorship. The types of creations addressed by copyright range from traditional works of art, including literature, music and visual art, to such modern forms of artistic expression as sound recordings, motion pictures and even computer software (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 2). 3. NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS AUTORAIS Em relação a qualquer direito do qual se procure um aprofundamento um pouco maior, nada mais racional do que buscar a origem do fato social para justificar a natureza 9785

jurídica conferida a tal ordenamento. Não se pode esquecer, e aqui haverá essa correlação a todo momento, que a natureza jurídica é a raiz de determinado princípio e é capaz de determinar a extensão de sua aplicabilidade. Nesse sentido, destacam-se alguns pontos da doutrina: Na gênese, pois, da criação intelectual como forma de propriedade, dois sistemas se enfrentaram, desde o início, gerando uma oposição entre o sistema anglo-saxão de proteção à obra, e o sistema europeu de proteção à personalidade do autor. Dessa dualidade nasceu a disciplina jurídica, tal qual a concebemos hoje: um complexo de regras de proteção de caráter real, outro de caráter pessoal, correspondendo o primeiro aos chamados direitos patrimoniais e o segundo, aos chamados direitos morais de autor. (ABRÃO, 2002, p. 28) A análise sobre a natureza jurídica dos Direitos Autorais é complexa, tendo em vista não ser possível, isoladamente, classificá-lo somente como direito patrimonial ou puramente como disposições de direito moral. Acerca da natureza jurídica da matéria, a melhor doutrina pátria (Antonio Chaves, Walter Moraes, Carlos Alberto Bittar, José de Oliveira Ascenção, Fábio Maria de Mattia) é unanimemente dualista: direitos de autor são um conjunto de prerrogativas de ordem moral e de ordem patrimonial, que se interpenetram quando da disponibilização pública de uma obra literária, artística e/ou científica. Os direitos morais pertencem exclusivamente à pessoa física do criador e, no caso da obra audiovisual, são exercidos pelo diretor. Os patrimoniais, ao criador originário se não os transferiu ou, ao terceiro, pessoa física ou jurídica, a quem os tenham cedido ou licenciado. Herdeiros podem exercer alguns dos direitos morais, e têm legitimidade para todos os patrimoniais no período que entremeia a morte do criador da obra intelectual e a queda da obra em domínio público (ABRÃO, 2002, p. 16). Grifos nossos. Verifica-se, pois, existirem duas prerrogativas inerentes aos Direitos Autorais, indissociáveis e essenciais, para, em conjunto, estabelecer a natureza desse ramo do Direito. Nesse sentido, encontramos: [...] esses aspectos não são isolados, se considerados em um plano científico: ao reverso, esses direitos integram-se, unem-se, completam-se. Na integração desses direitos é que se acha a unidade da categoria: assim como facetas de uma mesma realidade são, por natureza, incidíveis pois se combinam em um sistema binário de correlação e de interferência recíproca, imprimindo caráter especial aos direitos intelectuais (BITTAR, 1999, p. 140). 9786

As prerrogativas de ordem patrimonial traduzem para o autor da obra uma perspectiva econômica, ou melhor, a parcela patrimonial se refere à exploração econômica que o autor pode fazer de sua obra (COSTA NETTO, 2008, p. 140); ao passo que as prerrogativas de ordem moral desvinculam-se do caráter pecuniário e estão intimamente ligadas ao ideal de criação do espírito e sua reivindicação; os direitos morais são os vínculos perenes que unem o criador à sua obra, para a realização a defesa de sua personalidade (BITTAR, 2005, p. 47). 4. A PROPRIEDADE INTELECTUAL E OS DIREITOS AUTORAIS Muita confusão se faz entre essas expressões e muitas vezes a denominação propriedade intelectual é utilizada para denominar tão somente os direitos autorais, embora saibamos que essa não é a melhor definição. A literatura divide os direitos de propriedade intelectual (e daí a palavra no plural) em dois grandes ramos, os direitos autorais e a propriedade industrial [...] (BARRAL, PIMENTEL, 2007, p. 19). Em uma busca pela distinção entre essas duas denominações, verifica-se que foi com a Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMPI que se definiu a expressão Propriedade Intelectual. A Convenção da OMPI define como Propriedade Intelectual a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico. Antes da definição convencional, a expressão Propriedade intelectual aplicava-se, mais restritamente, aos direitos autorais. (BARBOSA, 2003, p. 1). Com isso, o que se observa é ser a expressão Propriedade Intelectual mais abrangente e envolver mais de um instituto, entre os quais estão inseridos os direitos autorais. Assim também se visualiza em doutrina estrangeira: 9787

By now it should be apparent that intellectual property is na umbrella therm. It concerns a variety of disciplines with important historical, theoretical ans operational differences. There are, however, common themes that unite these diverse fields of law and a sense of some of these will provide a useful point of departure (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 4). De acordo com a doutrina nacional, também há o entendimento de a expressão propriedade intelectual envolver institutos relacionados ao direito industrial e ao direito de autor, tanto que se conceitua: A propriedade intelectual passou a englobar as proteções distintas oferecidas pelo direito industrial e pelo direito de autor. Assim, o registro de patente dos equipamentos (tipos móveis) passou a ser tutelado sob a égide jurídica da propriedade industrial, enquanto a obra intelectual reproduzida (livros) é tutelada e protegida pelo direito autoral (WACHOWICZ, 2008, p. 227). 5. OS DIREITOS AUTORAIS NAS CONSTITUIÇÕES Em relação à consagração dos direitos autorais em plano constitucional, o que se verifica é terem ganhado eles essa proteção somente na Constituição de 1891. A Constituição da República, no art. 72, parágrafo 26, consagra o direito exclusivo de reprodução dos autores e a proteção dos herdeiros. Com pequenas alterações, é esse o texto que tem comandado toda a evolução do Direito de Autor no Brasil [...] (ASCENSÃO, 1997, p. 11, 12). Nesse sentido, a Constituição de 1891 garantia: Art. 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 26 Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzi-las, pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar. 9788

BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Atualmente, na Constituição de 1988, nos mesmos moldes da disposição anterior com a proteção à reprodução e ampliando a garantia também para qualquer outra utilização ou publicação, encontra-se o seguinte: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXVII aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil 6. OS DIREITOS MORAIS DE AUTOR E O DIREITO DA PERSONALIDADE De acordo com o que já foi visto, os direitos morais de autor são direitos de natureza pessoal, inserindo-se nessa categoria direitos de ordem personalíssima (BITTAR, 2005, p. 48), indisponíveis, intransmissíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, e com isso podem ser considerados, portanto, como direitos da personalidade, tanto que há quem os denomine como direito autoral de personalidade (MIRANDA apud COSTA NETTO, 2008, p. 135). Se a personalidade do autor acompanha o exercício do direito de autor, é a qualidade da obra diferentemente de um bem patrimonial comum que é representativa da personalidade do autor na sociedade. O autor, como tanto já se escreveu, vive na obra. Tendo em vista que a sociedade identifica a natureza e o valor da obra com o dom pessoal e o mérito do autor sua personalidade tanto se engrandecerá em decorrência da obra como, ao contrário, poderá ser por esta diminuída ou obscurecida. (CASELI apud COSTA NETTO, 2008, p. 135). Grifos nossos. A relação existente entre o autor e sua obra é muita mais complexa e profunda do que possa parecer. Se a obra é considerada uma manifestação do intelecto humano, 9789

obviamente, é também a expressão da personalidade do autor, ou de parte dela, que se materializa e exterioriza em obras literárias, artísticas ou científicas. [ ] the relationship between authors and their works of authorship is viewed as much more personal and intimate than the ordinary associations between individuals and objects. Creative works are seen as virtual extensions of the author herself, allowing others to view her consciousness and emotional, intellectual, or spiritual being. As such, authors possess the fundamental right to control, and should be compensated for, uses of their works (SCHECHTER; THOMAS, 2003, p. 9). Dessa forma, analisando as prerrogativas do direito autoral, sobretudo as prerrogativas referentes aos direitos morais de autor, considerando que estas últimas fazem parte dos direitos de personalidade, e justamente pelo fato delas se complementarem e serem consideradas perfeitamente integradas umas às outras disposições de ordem moral e as de ordem patrimonial temos a afirmar que o direito autoral, como um todo indissociável, a despeito de estar previsto no artigo 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal, merece realmente ser protegido como direito fundamental da pessoa humana. 6.1. OS DIREITOS AUTORAIS, O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Assim, na sequência do sentido acima exposto, temos que os direitos morais de autor estão integrados a área dos direitos de personalidade (MIRANDA apud COSTA NETTO, 2008, p. 135) e, com isso, obviamente, os direitos autorais estão diretamente relacionados ao princípio da dignidade da pessoa humana e, tendo em vista que as disposições autorais foram consagradas para tutelar uma relação privada, procurando garantir uma harmonia horizontal, se suas disposições não existissem estaríamos flagrantemente em relação de desigualdade, violando valores e o referido princípio mor. É certo que os direitos de personalidade representam uma fonte importante de irrupção dos valores personalistas do Direito Privado. Tais direitos que, de acordo com a conhecida fórmula de Adriano de Cupis, serviriam para proteger o minimum necessário e imprescindível do conteúdo da personalidade destinam-se, segundo Orlando Gomes, a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana o que se tornou premente, entre outras razões, pelos avanços científicos e técnicos no mundo contemporâneo (SARMENTO, 2006, p. 96). O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e, portanto, deve estar presente na interpretação e aplicação de todos os direitos 9790

previstos no ordenamento jurídico. Dessa maneira, ao ser tutelada a proteção às obras intelectuais e aos seus respectivos criadores garante-se também um direito de personalidade e, consequentemente, o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao Estado de Direito. É incorreto pensar que o respeito a referido princípio constitucional e os próprios direitos de personalidade devam ser somente aplicados para as disposições expressamente previstas na Constituição Federal cada vez mais, estes princípios estão ganhando força e presença, felizmente, em todas as formas de garantias jurídicas e suas respectivas interpretações e aplicações, como narrado inicialmente. Os chamados direitos da personalidade representam uma das formas de proteção da pessoa humana no Direito Privado. Sem embargo, a personalização deste ramo do direito está longe de esgotar-se na tutela de direitos de personalidade, pontualmente tipificados em textos legislativos infraconstitucionais, como ocorreu no novo Código Civil brasileiro, que tratou da matéria nos seus artigos 11 a 21. Na verdade, figurando, por imperativo constitucional, no centro do Direito Privado, a tutela da personalidade se projeta por todos os seus campos, remodelando seus institutos e conformando-os aos valores sociais acolhidos pela Lei Maior (SARMENTO, 2006, p. 96). Não podemos deixar de lado que o direito moral existe antes mesmo do efetivo aperfeiçoamento de qualquer direito patrimonial de autor. São os direitos morais de autor que garantem a ligação da obra emanada a partir da criação do espírito humano ao seu respectivo criador e lhe assegura a proteção independentemente de qualquer exploração econômica a ser, eventualmente, realizada. Na medida em que se aperfeiçoa, dessa forma, o direito moral de autor, eficazmente, garante-se a respeitabilidade ao princípio da dignidade da pessoa humana e o próprio respeito ao Estado Democrático de Direito. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista, como aqui esclarecido, que os direitos autorais possuem disposições de ordem patrimonial e disposições de ordem moral, não se pode analisar uma em prejuízo da outra. Assim, os direitos autorais aqui envolvendo o conjunto das duas disposições devem merecer ampla proteção essencial à garantia do princípio da dignidade da pessoa humana e ao próprio Estado Democrático de Direito. Garantir a proteção aos direitos patrimoniais de autor é forma de tutela por meio da qual se protege a própria subsistência do autor, fazendo-se com que seja implementada a dignidade do criador da obra. Garantir a proteção aos direitos morais, por todos os motivos aqui expostos, é garantir o cumprimento dos direitos de personalidade. 9791

Garante-se, nas duas situações, o sopreprincípio da dignidade da pessoa humana um dos elementos norteadores da proteção ao Estado Democrático de Direito. Muito embora possam ser, em princípio, diferentes os fundamentos da proteção, há sempre um ponto em comum a garantia do princípio maior da dignidade da pessoa humana, que se faz repletamente presente na legislação como um todo, e como não poderia deixar de ser, assim também, nas disposições referentes à proteção autoral. A interpretação e aplicabilidade das disposições autorais deve ser constantemente embasada nos princípios e regras constitucionais e, assim também, pelo aqui fundamentado, no referido sobreprincípio; mantendo-se, com isso, a hegemonia da jurisdição constitucional no ordenamento jurídico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de Autor e Direitos Conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002., Eliane Yachouh (Organizadora). Propriedade Imaterial. São Paulo: Editora SENAC, 2006. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otávio. Propriedade Intelectual e Desenvolvimento. Florianópolis: Boiteux, 2007. BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Coisas. 2.ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1946 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. 9792

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[1] Esclareça-se que no Brasil, atualmente, de acordo com a Lei 9.610/98 Art. 18, a proteção dos direitos previstos nesta Lei independe de registro. 9795