A CONSERVAÇÃO NO ENSINO DE BELAS ARTES NO BRASIL: OS ANTECEDENTES DA ESCOLA DE BELAS ARTES E SUA HISTÓRIA

Documentos relacionados
1- A revisão historiográfica da arte brasileira do século XIX / início do XX.

BRASIL. ARTE INDÍGENA 1500 Arte integrada a cultura : Arte plumária, cerâmica, tecelagem,máscaras, pintura corporal

Arte do Brasil aplicada a Museologia II (MUL 193)

Bernardelli: vida e obra

Revista CPC, São Paulo, n.20, p , dez

NORMAS COMPLEMENTARES PARA ISENÇÃO DO CONCURSO DE ACESSO

CURSO PREPARATÓRIO. PARA O CONCURSO PÚBLICO DO IPHAN e IBRAM Autarquias do Ministério da Cultura

RESUMOS Discente do curso de mestrado em História e Crítica da Arte do Programa de Pósgraduação

ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX

SÉCULO XIX NO BRASIL: A MODERNIZAÇÃO DA ARTE

Pesquisas em andamento sobre os acervos do Museu D. João VI e do Museu Nacional de Belas Artes/IBRAM/MinC

LISTA DE EXERCÍCIOS ARTE

MEMÓRIA URBANA DE PALMAS-TO: LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES E MATERIAL SOBRE O PLANO DE PALMAS E SEUS ANTECEDENTES

De 1808 à Independência

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO REITORIA. Avenida Rio Branco, 50 Santa Lúcia Vitória ES

TÍTULO: GRUPO DE TRABALHO HISTÓRIA, PATRIMÔNIO E PRESERVAÇÃO : A ELABORAÇÃO DE PESQUISAS PARA A COMPREENSÃO DA ARQUITETURA DE MONTES CLAROS/MG.

ANEXO VI DO EDITAL Nº 01/ SECULT/SEPLAG, DE 29/06/2018 Programa das disciplinas integrantes das Provas Objetivas da 1ª fase do Concurso.

HISTÓRICO DOS MUSEUS NO BRASIL

CARTA DO RIO DE JANEIRO SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA 1

POLITICA NACIONAL DE MUSEUS

TEORIA e história da Preservação DA A r q u i t e t u r a e do URBANISMO

Trânsitos da moda brasileira

Conservação e restauração do patrimônio histórico nacional

A ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL E SEUS PRINCIPAIS REPRESENTANTES

PATRIMÔNIO C E N T R O D E E N S I N O S U P E R I O R D O A M A P Á C E A P T É C N I C A S R E T R O S P E C T I VA A N A C O R I N A

paul ramírez jonas domínio público

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO DISCIPLINA: ARQ 5624 ARQUITETURA BRASILEIRA I

segunda-feira 14/05 terça-feira 15/05

Plano de Estudos. HIS11633 Seminário Temático em História I História 10 Semestral 260

ESCOLA SECUNDÁRIA DE CASQUILHOS - BARREIRO Ficha de avaliação 03 de História A. 10º Ano Turma D Professor: Renato Albuquerque. 8.junho.

ESCOLA SECUNDÁRIA DE CASQUILHOS - BARREIRO Ficha de avaliação 03 de História A. 10º Ano Turma C Professor: Renato Albuquerque. 8.junho.

História das artes e estética. UNIARAXÁ - ARQUITETURA E URBANISMO 2015/2!!! Prof. M.Sc. KAREN KELES!

A Convenção do Patrimônio Mundial

1ª aula: 12/03 Módulo I Trabalhando os conceitos de memória, história e patrimônio (Apresentando os conceitos de memória e patrimônio)

Patrimônio da FAU-USP

PROGRAMA DE AQUISIÇÃO

CAESP - Artes Aula 16-23/08/2018 NEOCLASSICISMO: A ABERTURA PARA A ARTE MODERNA

Divisão clássica da História da humanidade

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Ensino secundário Departamento de Expressões Grupo de Artes Visuais Disciplina: HCA 10º ano Ensino Regular

TEORIA e história da Preservação DA A r q u i t e t u r a e do URBANISMO

Escola Secundária Dr. José Afonso

Licenciatura em Ciências da Arte e do Património

IMPORTÂNCIA DE PORTUGAL NA HISTÓRIA DA CONTABILIDADE DO BRASIL A HISTÓRIA DA CONTABILIDADE É AQUELA DE SUA CULTURA

PALAVRAS-CHAVE: Preservação, Conservação, campo de saber, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade.

TEORIA e história da Preservação DA A r q u i t e t u r a e do URBANISMO

NORMAS COMPLEMENTARES PARA MUDANÇA DE CURSO

Conexões Rio de Janeiro Museus em Números e as políticas culturais no RJ

O ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NAS ESCOLSA ESTADUAIS DE DOURADOS/MS RESUMO INTRODUÇÃO

PERCEPÇÕES LOCAIS DO PATRIMÔNIO: A ESCOLA SENAC DE MARÍLIA.

minors documento orientador

Programa de Ensino. Turno: 18:50-20:20hs 20:30-22:00hs. Ementa da Disciplina

PROVA DISCURSIVA. B : Primeira restauração arquitetônica completa.

Plano de Ensino. Identificação. Câmpus de Bauru. Curso 2003/08 - Arquitetura e Urbanismo. Ênfase. Disciplina A - Técnicas Retrospectivas

Metas. Planificações anuais Educação. Visual. Grupo 600 AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DA SÉ

ACORDO ENTRE O GOVERNO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPÚBLICA DA POLÔNIA SOBRE COOPERAÇÃO CULTURAL

História e Geografia de Portugal-05 Prova Escrita

CONTABILIDADE GERAL. Noções Gerais. Teoria da Contabilidade Parte 1. Prof. Cláudio Alves

Educação e Sociedade (GEPES). Pesquisa em Educação e Sociedade (GEPES) e do Centro Universitário UNA.

Licenciatura em Pintura

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE (PPG-ARTE) EDITAL N. 02/2017

EXPOSIÇÃO DE LONGA DURAÇÃO DO ACERVO DA PINACOTECA

ARQUITETURA DO SÉC. XX: RELAÇÕES ENTRE A ARQUITETURA DE PAULO MENDES DA ROCHA E O MINIMALISMO

Licenciatura em Design de Equipamento

Cliente: Itaú Cultural Veículo: IstoÉ Gente Online Data: 14/01/2015 Página: 01 Seção: Home

A CONSTRUÇÃO DA CIDADE

Licenciatura em Desenho

CASA REGIONAL DE MEMÓRIA: UM COMPLEXO MUSEÓLOGICO NA TRANSXINGU

PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS CULTURAIS DA UEPG: DE ÓRGÃO UNIVERSITÁRIO À ATRATIVO PARA O PROJETO CONHECENDO PG

Retrato de Pedro II: de monumento a memória a documento para a escrita da História

ESCULTURA E MEMÓRIA TESTEMUNHO DE LAGOA HENRIQUES NA COLECÇÃO DA FBAUP

Licenciatura em Escultura

Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3)

A Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva o seu papel no estudo, preservação e divulgação das Artes Decorativas portuguesas

EXAME DE SELEÇÃO/2018 Doutorado Exame do Projeto de Pesquisa de Tese

Licenciatura em Arte Multimédia

Programa Analítico de Disciplina EDU241 Políticas Públicas em Educação

Ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN Pará

ESTUDO DIRIGIDO. 1º Trimestre º ano Artes Sharlene CONTEÚDO DO TRIMESTRE CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO TÓPICOS DO CONTEÚDO

Nome do Curso: Historiografia da arte - séculos XVII, XVIII e XIX - e os conceitos definidores de estilos, períodos e movimentos artísticos

teoria e história da PRESERVAÇÃO DA ARQUITETURA horas/semana 80 horas/semestre

Código 0222P Objetos de Conhecimento e Habilidades BNCC (V3)

Colégio Santa Dorotéia

Resenha. Educar, Curitiba, n. 17, p Editora da UFPR 1

PRATICAS PEDAGÓGICAS DO BIBLIOTECÁRIO: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA.

O QUE AS PEDRAS NOS CONTAM

A Exposição. Equipes, Elaboração, Etapas do Trabalho

ANEXO I. QUADRO DE OFICINAS INTEGRANTES DOS PROGRAMAS DE FORMAÇÃO ARTÍSTICA DO CUCA (COM EMENTAS) Categoria I

atelier para crianças a cidade ideal

AGENDA CULTURAL U.PORTO 2015

AGENDA CULTURAL U.PORTO 2015

Licenciatura em Design de Comunicação

Decreto-Lei nº32/78. de 10 de Fevereiro

Ano Lectivo 2012/ ºCiclo 8 ºAno. 8.º Ano 1º Período. Unidade Didáctica Conteúdos Competências Específicas Avaliação.

Outubro de 2015 AGRUPAMENTO LOUSADA DE ESCOLAS DE

Pesquisa de doutorado pela fauusp recebe importante prêmio nacional

Departamento de Ciências Sociais e Humanas Ano

CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS APRENDIZAGENS ESSENCIAIS TEMPO. Identificar e localizar os elementos geométricos da esfera terrestre numa rede cartográfica;

APRECIAÇÃO PARLAMENTAR N.º 40/VIII

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA GABINETE DO REITOR. Retificação nº 01

Transcrição:

A CONSERVAÇÃO NO ENSINO DE BELAS ARTES NO BRASIL: OS ANTECEDENTES DA ESCOLA DE BELAS ARTES E SUA HISTÓRIA Mariah Martins Doutoranda HCTE-UFRJ mariah@hcte.ufrj.br RESUMO Pretende-se impulsionar o pensamento para o entendimento da Escola de Belas Artes, e as instituições antecessoras, como algo além de um instituto pertencente a uma universidade, explorando sua história que perpassa períodos anteriores à ideia de uma universidade brasileira. Junto às criações de academias militares, escolas de direito e faculdades de medicina, o ensino no Brasil oitocentistas também teve espaço para as artes. Como objetivo principal desse estudo deseja-se ressaltar a importância da Escola de Belas Artes no desenvolvimento de estudos e pesquisas em disciplinas artísticas e suas parceiras, em especial a Conservação, apresentando o modo como a Instituição tem influenciado áreas de conhecimento já consagradas e permanece impulsionando novos campos, dentro e fora da Universidade Palavras-chave EBA, UFRJ, Conservação A Conservação enquanto campo do conhecimento tem hoje importantes avanços tanto em suas ações e atividades profissionais, com uma base mais científica e tecnológica, como no desenvolvimento de suas bases teóricas e conceituais. Apesar do aspecto prático em que a Conservação se estabelece as questões teóricas são essenciais para o desenvolvimento deste saber. Conhecer a história desta área, congregando a trajetória das ações, dos profissionais, das instituições, dos discursos e etc são indispensáveis ao esforço de desenvolvimento da Conservação. Pesquisas no campo da teoria e da história irão fortalecer e embasar as discussões e projetos na área. Assim, deseja-se apresentar um recorte da história institucional da Escola de Belas Artes, pertencente atualmente à Universidade Federal do Rio de Janeiro, com objetivo de levantar práticas e discursos sobre a Conservação.

Em 1826 se encontrava nomeada como Imperial Academia e Escola das Belas Artes a instituição criada para a atuação de artistas franceses no Brasil, nova sede da 1 Coroa Portuguesa. Entretanto, sua primeira constituição, dez anos antes, se deu por decreto como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Wanderley (2011) ressalta que a percepção acerca da criação da Academia é permeada por uma diversidade de compreensões, muitas delas apresentando oposições entre si. Em 1816 chegam ao Brasil os artistas franceses capitaneados por Joachim Lebreton, secretário do Instituto Real da França, que em contato com o governo português apresenta proposta para a criação da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios afim de que seja desenvolvido no território o ensino de ofícios e artes (TAUNAY, 1983). Em novembro de 1820, a partir da promulgação de outro decreto que nasce a Academia Real e Escola das Belas Artes. Em 1824, já tendo o Brasil se tornado independente do Reino de Portugal, e as negociações a cabo de D. Pedro I, o novo imperador se encanta com aulas dos professores franceses e propõe novos direcionamentos e avanços para a Academia. Desta maneira é produzido um plano para a então Academia Imperial das Belas Artes (AIBA) fruto de discordias entre o corpo docente que leva a um novo decreto em 1824 apresentando esta nova nomenclatura para a instituição. A partir do estatuto aprovado em 1826 se estabelece o desenvolvimento das atividades divididas em 6 classes a saber: Desenho de figura, paisagem e ornamentos; Pintura Histórica, retratos, paisagem e ornamentos; Escultura de figuras e ornamentos; Arquitetura Civil, perspectiva e geometria prática; Gravura em diversos gêneros; e Mecânica. Sendo estas desenvolvidas por professores de Pintura Histórica, Escultura, Arquitetura Civil, Gravura e Mecânica. Este regulamento seguiu próximo às intenções nos decretos anteriores, e também ao Projeto do Plano para a Imperial Academia das Belas Artes do Rio de Janeiro apresentado por Debret ao Imperador D. Pedro I em 1824, entretanto possuiu maior detalhamento e considerações sobre as disciplinas e suas respectivas atividades em relevância às diversas práticas, aparentemente ressaltando de forma mais específica as atividades mecânicas que estariam sendo contempladas nas classes. Cardoso (2008) ressalta o ensino técnico pretendido pela 1 Sobre a participação de artistas franceses e as controvérsias acerca da chamada Missão Artística Francesa ver SCHWARCZ, Lilia Moritz. O sol do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Coroa Portuguesa, na figura de D. João VI, indicado pelo primeiro decreto em 1816 que diz ( )promova e difunda a instrução e conhecimentos indispensáveis aos homens destinados não só aos empregos públicos da administração do Estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia, indústria e comércio, ( ) fazendo-se portanto necessário aos habitantes o estudo das Belas Artes com aplicação e referência aos ofícios mecânicos, cuja prática, perfeição e utilidade depende dos conhecimentos teóricos daquelas artes e difusivas luzes das ciências naturais, físicas e exatas; (BRASIL. Decreto de 12 de agosto de 1816.) Em 1831 um novo estatuto foi promulgado, onde cada vez mais distantes se encontravam as atividades técnicas, em processo de distanciamento das atividades 2 artísticas desde o século anterior e intensificado no século XIX pelo mundo. Na segunda metade do século XIX, no Brasil, cessa-se o tráfico negreiro e barreiras de importação, e na Europa as Exposições Universais dão novo impulso para as atividades técnicas industriais. Araújo Porto-Alegre, grande defensor do ensino dos ofícios na Academia, é nomeado diretor em 1854, e no ano seguinte dá início a uma 3 das principais reformas da instituição, Reforma Pedreiras. Esta reforma propôs um estatuto que contemplava a criação de programa de ensino industrial com disciplinas que variavam de desenho industrial, geométrico, ornatos, escultura de ornatos e matemáticas aplicadas. Este cenário representa um importante destaque à AIBA que se destingue de grande parte das academias, principalmente européias, que já optaram por criar intitutos distintos para o desenvolvimento das artes-técnicas (CARDOSO 2008). Em 1889 algumas intenções de mudanças atingiram também a AIBA, em especial a criação de um prédio com instalações voltadas para as atividades da Academia, salas de aula, laboratórios, espaço para guarda das coleções e exposições. E em 1908 é inaugurado o edifício da então Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) na Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, no centro da cidade do Rio de Janeiro. A partir de 1930, com as profundas alterações políticas brasileiras marcadas pelo Governo de Getúlio Vargas, a ENBA passará por intervenções influenciadas pelo 2 Para melhor compreensão deste proceso de distanciamento e suas distintas temporalidades ver: Robert Fox & Anna Guagnini, orgs., Education, Technology and Industrial Performance in Europe, 1850-1939 (Cambridge: Cambridge University Press, 1993). 3 Ver Donato Mello Júnior, Manuel de Araújo Porto-alegre e a Reforma da Academia Imperial das Belas Artes em 1855: a Reforma Pedreira, Revista Crítica de Arte, n.4 (1981), pp.27-53; e SQUEFF, L. C. A Reforma Pedreira na Academia de Belas Artes (1854-1857) e a constituição do espaço social do artista. Cadernos Cedes, ano XX, no 51, novembro/2000. pp 103-118.

discurso de modernização, e realizará mudanças antes não sentidas com a sua ligação à Universidade do Rio de Janeiro (URJ). Entre 1931-45 a ENBA passou por reforma de cunho modernista marcada por disputas pela intenção de mudanças curriculares no Curso de Arquitetura que possuia procura muito maior em relação aos outros cursos e que acabou gerando a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA), em 1945, já na então Universidade do Brasil (UB), antiga URJ. Em 1965 a UB se torna Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que incorpora também a ENBA e a FNA como, respectivamente, Escola de Belas Artes (EBA) e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) atuais unidades da Universidade. Da AIBA descenderam ainda o Museu Nacional de Belas Artes (1937) que até hoje se encontra no edifício da Avenida Rio Branco atualmente vinculado ao Ministério da Cultura (MinC) e ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), e o Museu D. João VI (1979) pertencente à EBA/UFRJ que abriga parte da coleção da AIBA dividida com o MNBA. Dentre os 11 cursos no nível de graduação que fazem parte da EBA nos chama atenção dentro desta configuração o curso de Conservação e Restauração criado apenas em 2009 tendo agora seus primeiros formandos. O curso de Conservação e Restauração da UFRJ se dedica à formação de profissionais para a atuação da conservação de bens culturais móveis, visando a realização de disciplinas teóricas e práticas referente à preservação do patrimônio cultural. Apesar da distância temporal e mesmo do distanciamento prático das atividades de Conservação nesses espaços, EBA e AIBA, a compreensão dos antecedentes da constituição da área nos antecedentes da atual Escola contribuirão aos estudos da formação do campo da Conservação. O cargo Restaurador de quadros e Conservador da Pinacoteca da AIBA, criado em 1854, foi o primeiro cargo referente a essa atividade na esfera pública e tinha como objetivo atuar junto ao acervo vindo da França em 1816. A primeira apuração mais efetiva da necessidade de ações dessa natureza no acevo da AIBA é refletida no relatório da instituição do ano de 1840 (CASTRO, 2013, p.33). Será no período da direção de Manuel de Araújo Porto Alegre, de 1854 a 1857, momento caracterizado pela principal reforma na Academia da era Imperial, onde o cargo relativo às funções de conservador será criado, em 1855, sendo este nomeado

como "restaurador de quadros e conservador da pinacoteca" por meio de decreto que renova os estatutos da Academia. O surgimento deste profissional se dá no momento em que o Império Brasileiro deseja incorporar valores de nações consideradas pelo alto grau de civilização, logo reformas na instrução pública foram estabelecidas para o alcance deste objetivo. Porto Alegre se especializa na França e na Itália durante os anos 1830, seguindo o pintor Jean-Batiste Debret. Foi aluno da École des Beux-Arts e conviveu com muitos intelectuais, das mais diversas áreas, pôde conhecer distintas atividades que acompanhavam as artes, inclusive a "Arte da Restauração". Desejoso de concretas ações para o progresso e civilização, foi o responsável por estabelecer a reforma característica desse período na AIBA. ( FERNANDES, 2010, p.77.) A atividade do profissional conservador estabelecida no decreto nº 1603, de 14 4 de maio de 1855, compreendia ações de restauração, com intervenções na obra, além da conservação e gestão. A restauração neste momento fundamentava-se na ideia de trazer a obra a seu estado anterior. O restaurador deveria ser um artista e buscar intervir na obra sem que ninguém percebesse sua interferência, sendo uma ação perfeita aquela que permanecesse indistinguível após a intervenção. O profissional deveria estar imbuído do conhecimento do artista autor da obra, para alcançar sua intenção. Advinda de um olhar para a arquitetura, a obra de E. E. Viollet-Le-Duc contemplou bem alguma dessas intenções, sendo uma obra clássica do campo voltada para a linha da restauração estética, que considerou de maneira veemente o 5 conhecimento profundo do estilo arquitetônico para ações intervencionistas. (KUHL, nov. 2006/ abr. 2007) É possível verificar que a AIBA seguiu em certa medida o entendimento da época, onde a Restauração deveria ser uma arte desenvolvida por artistas, logo o cargo na Instituição foi ocupado pelos artistas oriundos da própria Academia. A restauração no século XIX era tida como uma arte e deveria ser ensinada em constante entendimento com as técnicas artísticas. Observa-se por meio da análise documental da AIBA que as atividades de conservação e restauração eram consideradas de 4 O decreto n 1603, de 14 de maio de 1855, "Dá novos Estatutos à Academia das Bellas Artes", tem seus originais no Museu D. João VI, na EBA/UFRJ. 5 A obra de Violet-Le-Duc não intencionava apenas retornar ao estado anterior da obra, considerava a grande possibilidade de se alcançar um estado em que a obra nunca existiu. Mesmo com conceitos mais drásticos, suas ações intervencionistas, com vias ao valor estético, respaldaram as medidas direcionadas às obras de arte.

vertente técnica. A existência de uma oficina de restauração indica o espaço em que eram desenvolvidas as atividades, representando os aspectos artesanais em que a atividade era classificada. A ocupação por parte dos alunos da Academia na função de ajudante do conservador evidencia em certa medida um viés de formação na área na Instituição. (CASTRO, 2013) Observa-se que a AIBA conseguiu de maneira distinta ao que estava dado nos países europeus persistir com o ensino técnico para fins artísticos na Academia. Entretanto, no que concerne a área da Conservação desenvolvida nela observa-se a falta de autonomia desta disciplina. Não ocorre um ensino programático da Conservação, este foi sendo desenvolvido em atividades paralelas que contribuíram tanto para a preservação do acervo da Instituição como para complementar a formação de alguns alunos. Já na ENBA observou-se uma atuação mais restrita do conservador, momento onde também aparece pela primeira vez o termo "conservador-restaurador. Alguns manuais estrangeiros encontrados no Museu D. João VI revelam o estabelecimento da preocupação com os referenciais teóricos. Castro (2013) analisa manuais europeus do século XIX que indicam a concepção de restauração e respectivos profissionais da área: pintores preparados para atuar de maneira múltipla, em diversos materiais, sem especialização. Na direção de Henrique Bernardelli (1893) há a contratação de conservadores em especialidades: conservador e restaurador de escultura e restaurador e conservador de quadros. Contudo permanece a necessidade de uma formação artística, com prática exemplar nas disciplinas artísticas clássicas e a conquista de premiações relativas a essas disciplinas. Singular nesta trajetória são as ações de Rodolfo Amoedo, professor de pintura, pois que constrói seu conteúdo programático inserindo neste o ensino de medidas de restauração com base na teoria italiana de Secco-Suardo estabelecendo a entrada deste conhecimento em sintonia com sua disciplina de pintura. Os conservadores da ENBA buscaram se dedicar também à formação documental referente às obras da instituição, objetivando inventariar e controlar.(rocha, 2014) Observa-se que pouco foi alterado nesta área por não haver aumento dos profissionais durante os 80 anos de existência da vaga. Observa-se a manutenção da necessidade da formação artísticas, já que todos os profissionais que ocuparam o cargo

detinham essa formação e a valoração baseada nos prêmios adquiridos relativo a concursos de disciplinas artísticas. Pode-se compreender também que o desenvolvimento de atividades da Conservação se dá juntamente ao processo de estabelecimento de um museu na AIBA. Segundo Rocha, isso se dá, inicialmente, junto à direção de Porto Alegre quando este investe na estruturação da pinacoteca da Academia, e as ações de conservação passam a ter papel significativo simbolizadas pelo surgimento do cargo de corservador. (2014, p.27) Apesar do espaço encontrado na AIBA e na ENBA para as atividades em Conservação, essas permaneceram limitadas ao conhecimento artístico, devido a seu valor estético e histórico para a arte. A história da Escola remete sua criação ao ensino das artes, e suas vertentes técnicas, os chamados ofícios. A Conservação é constituída por importantes atividades técnicas, manuais e tecnológicas, sistematizadas por meio do desenvolvimento científico. As questões iminentes da a área ganharam largo alcance nos tempos modernos onde guardar e lembrar são necessidades constantes das gerações que passam e ainda virão. A Conservação manterá as ações em prol da preservação, admitindo uma intervenção, certo de que todo bem, com o passar do tempo, sofre deteriorações. Por meio de suas medidas, reconhecendo valores culturais ao bem, analisará a formação física, seu processo de produção, admitindo a passagem do tempo e suas consequências. A Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro por meio de sua história demonstra sua transversalidade que atravessa espaços fundamentais de desenvolvimento do ensino, aplicação e pesquisa das artes no Brasil e períodos excepcionais de sua história durante sua extensa existência, alterando não apenas nome como configuração, mas mantendo sua proposta de acompanhamento de desenvolvimento no ensino das mais diversas áreas artísticas e sua missão para com a sociedade. Apesar do forte debate sobre a fundação da Academia é observado que seu primeiro decreto de criação acompanha o momento de estabelecimente de uma corte nos trópicos, marcado pelo surgimento de distintas instituições que buscavam o desenvolvimento do conhecimento, com atividades de ensino e pesquisa. As atividades da então AIBA sofrem também com as dificuldades econômicas e políticas, mas sentirá

ainda o desenvolvimento industrial com a onda do progresso desejoso pelas nações da segunda metade do século XIX impulsionar as atividades e seu programa. A constituição das primeiras instituições universitárias alcançarão a Escola de Belas Artes e os desafios e necessidades atuais continuam sendo sentidos e trabalhados por ela. Assim acreditamos que este é o início de uma extensa pesquisa a ser feita para compreender a constituição e o papel fundamental que campos do conhecimento possuem para sociedade em suas missões de formação cidadã e profissional, aplicação de tecnologia, e desenvolvimento de pesquisas. O campo da Conservação nos parece um caso especial para a aplicação deste estudo fortalecendo a relação arte e ciência em prol da preservação do patrimônio cultural. REFERÊNCIAS Arquivo do Museu D. João VI, Escola de Belas Artes da UFRJ (AMDJVI EBA/UFRJ). Livro de registro das atas da Congregação da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA) CARDOSO, Rafael. A Academia Imperial de Belas Artes e o Ensino Técnico. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/rc_ebatecnico. htm>. CASTRO, Aloisio A. N. de. Do restaurador de quadros ao conservador-restaurador de bens culturais: o corpus operandi na administração pública brasileira de 1855 a 1980. 2013. 257f. Tese (Doutorado em Artes) - Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. FERNANDES, Cybele Vidal. A consolidação da reforma Reforma Pedreira a partir das teses de Porto-Alegre em 1855. In: MALTA, Marize. O Ensino Artístico, a História da Arte e o Museu D. João VI. EBA/UFRJ. 2010. pp. 52-65. KUHL, Beatriz Mugayar. A restauração de monumentos históricos na França após a Revolução Francesa e durante o século XIX: um período crucial para o amadurecimento teórico. R. CPC, São Paulo, n.3, p. 110-144, nov. 2006/ abr. 2007. ROCHA, Claudia Regina Alves da. Da Pinacoteca ao Museu: historicizando processos museológicos. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-graduação Interunidades Museologia da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2014. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O sol do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. TAUNAY, Afonso de E. A missão artística de 1816. Brasília: Universidade de Brasília, 1983 WANDERLEY, Monica Cauhi. A Criação da Imperial Academia e Escola das Belas Artes e o primórdio da Pintura Acadêmica no Brasil. (Dissertação de Mestrado em História e Crítica da Arte) - Programa de Pós-graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.