ESCOLHAS E DIREITOS REPRODUTIVOS DE MULHERES PORTADORAS DE HIV/AIDS

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Transcrição:

ESCOLHAS E DIREITOS REPRODUTIVOS DE MULHERES PORTADORAS DE HIV/AIDS Nadja Miranda de Freitas 1 Inez Sampaio Nery 2 RESUMO: O incremento da infecção por HIV entre mulheres têm suscitado debates sobre as políticas de prevenção e questões reprodutivas devido a preocupação com a transmissão vertical, sinalizando para um redirecionamento das políticas públicas em HIV/Aids. Trata-se de uma revisão bibliográfica com o objetivo de refletir sobre as escolhas reprodutivas de mulheres com HIV, considerando os seus direitos sexuais e reprodutivos. Concluiu-se que o desejo de ter filhos está presente entre portadoras de HIV, fazendo-se necessário a estruturação dos serviços para o planejamento familiar, a fim de que elas tomem suas escolhas reprodutivas de maneira consciente e segura. Palavras-chave: HIV; Aids; reprodução. ABSTRACT: The increase of HIV infection among women have sparked debates about prevention policies and reproductive issues due to concern about the transmission, signaling for a redirection of public policy on HIV / AIDS. This is a literature review with the aim of reflecting on the reproductive choices of women with HIV, considering their sexual and reproductive rights. We conclude that the desire to have children is present among HIV, making it necessary to structure services for family planning, so that they take their reproductive choices consciously and safe. Keywords: HIV, AIDS; reproduction. 1 Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: nadjafreitas@yahoo.com.br. 2 Doutora. Universidade Federal do Piauí (UFPI).

1. INTRODUÇÃO A epidemia da Aids no mundo tornou-se um ícone de grandes questões que afligem a todos, como direitos humanos, qualidade de vida, políticas de medicamentos e propriedade industrial. Por seu caráter pandêmico e sua gravidade, a Aids representa um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade. (PERUCCHI, et al, 2011) O número de pessoas vivendo com HIV continuou a crescer, mundialmente, em 2010, chegando a estimados 34 milhões, um aumento de 17% comparado com 2001. (UNAIDS, 2011) No Brasil, de 1980 a junho de 2011, foram notificados 608.230 casos de aids. Em 2010 foram notificados 34.218 novos casos, com taxa de incidência nacional de 17,9/100.000 habitantes e razão de sexo de 1,7 novos casos em homens para cada caso em mulheres. Ao longo dos últimos 12 anos observa-se uma estabilização da taxa de incidência no Brasil, mas segundo as regiões a taxa diminuiu na Região Sudeste e aumentou nas demais regiões. (BRASIL, 2012) O que se observa nos dias atuais é uma alteração na tendência de padrão da infecção da doença, com interiorização, pauperização e feminização. Esses fatores alteram o quadro epidemiológico dos infectados pela síndrome e favorecem uma maior vulnerabilidade das mulheres, seja por uma questão biológica ou por deter menos poder nas decisões que envolvem a vida sexual e reprodutiva, ou ainda em decorrência da crença de invulnerabilidade feminina, considerando que no início dos anos 80 a mulher não era incluída nos chamados grupos de risco. (NASCIMENTO, 2005) A mudança no perfil epidemiológico da infecção por HIV, com incremento entre mulheres, tem suscitado reflexões e debates sobre as políticas de prevenção da infecção e também sobre as questões reprodutivas, pois este crescimento entre mulheres traz consigo a preocupação com a transmissão materno-infantil do vírus, sinalizando a necessidade de um redirecionamento das políticas públicas em HIV/Aids. Essa situação de vulnerabilidade feminina frente ao HIV continua a existir após o diagnóstico, refletindo em uma série de dificuldades. Quando a mulher se descobre soropositiva em idade reprodutiva é confrontada, muitas vezes, com decisões difíceis envolvendo sua sexualidade. Dentre elas podemos citar: dificuldade em exercitar uma

prática sexual saudável e segura e a escolha por ter ou não filhos. Assim, o exercício da sexualidade, que em nossa cultura parece ainda estar muito atrelado à maternidade, pode se tornar ameaçado pela condição sorológica. De acordo com Paiva, et al, (2002), poucos estudos dedicam-se à vida sexual e reprodutiva das portadoras de HIV, e confirmam que os determinantes sócio-culturais da sexualidade, inclusive do sexo não-protegido, são os mesmos entre portadores e nãoportadores. Mostram ainda, que mulheres soropositivas seguem engravidando como as demais mulheres. (CARVALHO; PICCININI, 2008) Porém, muitos serviços de saúde designados ao atendimento de pessoas que vivem com HIV ainda não conseguiram desenvolver um trabalho efetivo de auxílio a questões de sexualidade e reprodução, principalmente junto às mulheres, não estando preparados para lidar com questões ligadas ao planejamento familiar e aos direitos reprodutivos. (CARVALHO; PICCININI, 2008) Neste sentido, faz-se necessário conhecer as interfaces que permeiam a relação existente entre a saúde sexual e reprodutiva de mulheres com HIV/Aids, com vistas às políticas públicas definidas para contemplarem este importante aspecto. Tem-se, então, como objetivo deste estudo refletir sobre os aspectos das escolhas reprodutivas de mulheres com HIV/Aids, na busca de compreender como esta temática vem sendo problematizada levando em consideração os seus direitos sexuais e reprodutivos. 2. METODOLOGIA Estudo reflexivo, realizado através de levantamento bibliográfico no Sistema BIREME. Para isto, foi preciso definir inicialmente, os descritores que melhor se adequariam ao objeto proposto, sendo escolhidos os termos HIV, Aids e reprodução. Para a busca do material foi feito o cruzamento dos descritores já apontados. Os artigos encontrados foram submetidos aos seguintes critérios de inclusão terem sido publicados no período de 2002 a 2012 e se referirem a questões de sexualidade e reprodução no contexto do HIV.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO As doenças sexualmente transmissíveis (DST) e as gestações são possíveis de acontecer nas relações sexuais em vários cenários e como resultado do mesmo script sexual determinado pelas relações de gênero. Muitos estudos confirmam o acesso limitado das mulheres brasileiras às informações que lhes permitiram fazer escolhas com relação à contracepção. As mulheres HIV-positivas estão às voltas com esses mesmos problemas. Para a maioria delas, as escolhas reprodutivas são um dilema que raramente é foco de discussão a partir de sua própria ótica. (SANTOS, et al, 2002) A abordagem das necessidades relativas à saúde sexual e à saúde reprodutiva nos serviços de saúde que atendem pessoas vivendo com HIV e Aids, assim como em todas as outras instâncias que compõe o Sistema Único de Saúde (SUS), deve ser pautada nos direitos de homens e mulheres de: decidirem de maneira livre e responsável sobre sua reprodução; ter acesso à informação e aos insumos necessários para o exercício saudável e seguro da reprodução e da sexualidade; ter controle sobre o próprio corpo; exercer a orientação sexual sem sofrer discriminações ou violência, entre outros. O exercício desses direitos deve ser garantido pelo Estado, promovendo espaços e possibilidades para que tais escolhas se realizem. (BRASIL, 2010) Mesmo assim, a saúde sexual e reprodutiva das mulheres soropositivas não é, ainda, tratada com o cuidado necessário no Brasil; o aconselhamento para o planejamento familiar dessas mulheres ainda não é uma prática sistemática ou mesmo prevista na maioria dos programas de Aids. Mesmo serviços considerados de boa qualidade de atendimento não atentaram para essa questão de gênero, de fundamental importância. São implementados métodos para evitar que as crianças se infectem pelo HIV, mas não se dá aos pais e mães HIV-positivos suficiente aporte para a tomada de decisões sobre ter ou não filhos juntos. (SANTOS, et al, 2002) Segundo estudo descritivo realizado com seis mulheres soropositivas em idade reprodutiva no Distrito Federal, o diagnóstico para o HIV teve impacto negativo no desejo sexual e reprodutivo, impacto que pode causar adiamento ou extinção dos planos de ter filhos. (SANT ANNA, et al, 2008) Em outro estudo qualitativo, a maioria das mulheres

referiu que a soropositividade modificou o desejo de ter filhos. Os motivos mais frequentes apontados foram o medo de transmissão para o bebê e a soropositividade com o sentido de morte atribuído. (SANT ANNA; SEIDL, 2009) Por outro lado, alguns estudos mostraram que a infecção pelo HIV não modifica, substancialmente, o fato de querer ter filhos, embora teoricamente apareça, para muitas mulheres, como motivo para coibir a maternidade. Em trabalho conduzido por Santos, et al, (2002), uma em cada cinco mulheres estudadas queriam ter filhos, entretanto tinha medo do estigma e da falta de apoio. Em outro estudo realizado em Jequié (BA), revelouse que a sorologia positiva para HIV não é fator limitante para o desejo da maternidade. Mesmo diante dos preconceitos enraizados na sociedade, da falta de orientação e apoio dos profissionais de saúde e dos efeitos adversos da terapia antirretroviral, as mulheres, ainda assim, cultivavam o desejo de serem mães. (SANTOS; JÚNIOR, 2010) Igualmente, em estudo conduzido em Fortaleza, com mulheres em idade fértil portadoras de HIV, 13,7% delas manifestaram o desejo de engravidar, destacando como principal motivo ter informações sobre as chances de redução da transmissão vertical do HIV. Portanto, cabe à equipe de saúde, estar preparada para promover o aconselhamento adequado voltado para a concepção do público alvo, respeitando os direitos sexuais e reprodutivos de livre escolha dessas mulheres, as recomendações do protocolo de redução de transmissão do HIV, bem como os cuidados específicos para as mulheres e/ou casais que decidem pela concepção. (EVANGELISTA; MOURA, 2011) De acordo com o manual sobre Recomendações para profilaxia da transmissão vertical do HIV e terapia antirretroviral em gestantes, o aconselhamento pré-concepcional é um processo que deve ser integrado à assistência das pessoas que vivem com o HIV. Ele possibilita a implementação precoce de medidas que visam a reduzir sua carga viral a níveis indetectáveis, melhorar as condições imunológicas, conhecer o status sorológico das mulheres frente às principais doenças infecciosas transmissíveis durante o ciclo gravídico puerperal e realizar o diagnóstico e o tratamento das doenças sexualmente transmissíveis (DST). Com o planejamento e o acompanhamento adequados, é possível à mulher soropositiva ter uma gestação segura, com menor risco de transmissão vertical do vírus. (BRASIL, 2010)

A mulher que convive com HIV deve ter o direito de fazer sua escolha reprodutiva pela anticoncepção ou pela concepção. É um direito garantido por lei, e existem orientações e protocolo do Ministério da Saúde embasando os profissionais de saúde em como realizar o planejamento familiar de soropositivos, no sentindo de prevenir uma gravidez ou mesmo de planejar ter um filho com baixo risco de contaminação pelo vírus. Porém, o que em geral acontece nos centros de acompanhamento é a pouca discussão sobre aspectos ligados à sexualidade, com baixo nível de informação sobre métodos anticoncepcionais, bem como alternativas para concepção. Muitos profissionais de saúde temem estar estimulando a disseminação do vírus com a gestação, indo de encontro com o controle epidemiológico. Como pode ser visto em alguns trabalhos, a contaminação com HIV não coibiu o desejo de ter filhos em muitas mulheres, e esta será uma realidade cada vez mais presente, pois a partir de 1996, com a disponibilização gratuita e universal dos medicamentos anti-retovirais pelo governo brasileiro, ampliou-se a expectativa de vida das pessoas soropositivas. A Aids passou a ser considerada doença crônica e tratável, e a letalidade da epidemia diminui sensivelmente no Brasil. É razoável supor que essas mudanças trazem para os portadores do vírus ampliação da perspectiva de futuro e motivem o investimento em projetos orientadores da vida cotidiana. Nesse sentido, a emergência do projeto reprodutivo é um caso particular, no qual se expressa um processo mais amplo de resignificação da relação entre os sujeitos da doença. (VARGAS, et al, 2010) Além do protocolo de planejamento familiar do Ministério da Saúde para portadores do HIV, existem hoje outras alternativas, como as tecnologias de reprodução assistida que até o momento estão restritas à população com maior poder aquisitivo, devido ao alto custo dos tratamentos, tais como fertilização com sêmen purificado de portador de HIV. No entanto, de acordo com Vargas, et al, (2010), há muitas controvérsias em torno do tema reprodução assistida e Aids. De um lado está a reivindicação de movimentos sociais com base na concepção do direito à saúde como princípio universal e como dever do Estado, de outro, há argumentos que questionam se a reprodução assistida é um direito, se deveria ser financiada pelo Estado e qual é a prioridade de gastos para as

políticas de Aids, sob a alegação de existirem medidas mais urgentes, tais como os programas de prevenção e a produção de matéria-prima para fabricação de antiretrovirais. 4. CONCLUSÃO Sabendo-se que a maioria das mulheres portadoras de HIV está em idade fértil e que o desejo de ter filhos é algo culturalmente cultivado, a estruturação dos serviços, técnica e humanamente preparados para o aconselhamento, anticoncepção e planejamento familiar faz-se necessário, para que estas mulheres HIV tomem suas escolhas reprodutivas de maneira consciente e segura. Não cabe ao profissional de saúde responsável pela orientação de planejamento familiar o julgamento do benefício ou não de uma gestação no contexto do HIV. Essa decisão cabe à usuária, que deve estar bem orientada sobre os riscos de transmissão vertical do vírus e o acompanhamento necessário para minimizá-los. Em geral, o planejamento familiar nos centros especializados está voltado para medidas anticoncepcionais e de controle epidemiológico, sem levar em consideração as perspectivas e direitos reprodutivos dessas mulheres, que em muitos casos engravidam sem um acompanhamento anterior, iniciando o protocolo de medidas para reduzir a transmissão vertical do HIV apenas no pré-natal. Conclui-se que a atenção ao planejamento familiar no contexto de HIV/Aids necessita ter suas especificidades reconhecidas e monitoradas pelos profissionais de saúde, uma vez que a falha traz como consequência usuárias com pouca informação sobre a prática contraceptiva, bem como gestações com medidas preventivas para transmissão do HIV iniciadas de maneira tardia. 5. REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em saúde. Programa Nacional de DTS e Aids. Recomendações para profilaxia da transmissão vertical do HIV e uso de antirretrovirais em gestantes. 5.ed. Brasília, 2010.

, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico Aids e DST. Ano VII, n 01. Brasília, 2012. EVANGELISTA, Danielle Rosa; MOURA, Escolática Rejane. Planejamento familiar de mulheres portadoras de HIV/Aids. Rev. Min. Enferm. v. 15, n. 3, p. 386-393, 2011. NASCIMENTO, A. M. G.: BRABOSA, C. S.; MEDRADO, B. Mulheres de Camaragibe: representação social sobre a vulnerabilidade feminina em tempos de Aids. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v.5, p.77-86, jan/mar, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v5n1/a10v05n1.pdf. Acesso em: 07 de outubro de 2012. CARVALHO, Fernanda Torres de; PICCININI, Cesar Augusto. Aspectos históricos do feminino e do maternal e a infecção pelo HIV em mulheres. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 6, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1413-81232008000600024&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 05 de outubro de 2012. PAIVA, Vera et al. Sexualidade de mulheres vivendo com HIV/AIDS em São Paulo. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.18, n.6, p. 1609-1620, Dec, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.com.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-311x2002000600015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 05 de outubro de 2012. PERUCCI, et al. Psicologia e políticas públicas em HIV/Aids: algumas reflexões. Psicologia & Sociedade, n. 23, p. 72-80, 2011. SANT ANNA, Ana Carolina C.; SEIDL, Eliane Maria; GALINKIN, Ana Lúcia. Mulheres, soropositividade e escolhas reprodutivas. Estudos de Psicologia. Campinas, v. 25, n.1, p. 1001-1009, 2008.

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