Por que tratamos câncer de boca em estádios avançados?



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ARTIGO DE REVISÃO Por que tratamos câncer de boca em estádios avançados? Why do we treat mouth cancer in advanced stages? João Marcos Arantes Soares 1, Gustavo Waldolato Silva 2, Leonardo de Queiroz Gomes Belligoli 2, Louise Lanna Nunes 2, Pedro Messeder Caldeira Bretas 2, Severino Correia do Prado Neto 2, Viviane Bigodeiro dos Santos 2 DOI: 10.5935/2238-3182.20150079 RESUMO 1 Médico. Doutor. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São João Del Rei UFSJ. Divinópolis, MG Brasil. 2 Acadêmico(a) do Curso de Medicina da UFSJ. Divinópolis, MG Brasil. No Brasil, registros hospitalares de câncer revelam a boca como a oitava localização mais frequente de tumores malignos, sendo a maioria delas diagnosticada em estádio avançado. Em países desenvolvidos, as taxas de diagnóstico tardio são cerca de 40%. O diagnóstico e tratamento precoces representam mais chance de cura, baixo custo e menos morbidade. Este artigo objetiva verificar as possíveis razões de atraso no diagnóstico e tratamento das neoplasias bucais e refletir sobre os seus motivos. Os termos neoplasias bucais, diagnóstico, epidemiologia e terapia foram introduzidos nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SCIELO. Foram analisados 31 estudos, entre 1995 e 2011, que discorriam sobre o atraso diagnóstico em relação ao paciente, ao profissional e ao sistema de saúde. Observou-se que o atraso diagnóstico associou-se a: a) pacientes: solteiros, etilistas e com medo do diagnóstico; b) médico: pouco conhecimento sobre o assunto e alta carga de trabalho; c) sistema de saúde: filas para atendimento médico, distância de unidades de saúde e centros de referência da moradia do paciente e experiências negativas no serviço de saúde. É fundamental entender as possíveis causas de atraso e limitações dos serviços de saúde e de seus profissionais para que medidas adequadas sejam tomadas individual e coletivamente para propiciar diagnóstico e tratamento precoce aos pacientes. Palavras-chave: Neoplasias Bucais; Neoplasias Bucais/diagnóstico; Neoplasias Bucais/ epidemiologia; Neoplasias Bucais/terapia. ABSTRACT Recebido em: 17/03/2013 Aprovado em: 08/08/2014 Instituição: Curso de Medicina da UFSJ Divinópolis, MG Brasil Autor correspondente: João Marcos Arantes Soares E-mail: jmarcosccp@uol.com.br In Brazil, hospital cancer records reveal the mouth as the eighth most frequent location of malignant tumors, most of them being diagnosed at advanced stages. In developed countries, diagnosis of late rates is about 40%. Early diagnosis and treatment represent increased chances of a cure, low cost, and less morbidity. This article aims to assess the possible reasons for delays in the diagnosis and treatment of oral cancer and reflects on the reasons. The terms mouth neoplasias, diagnosis, epidemiology, and therapy were introduced in the MEDLINE, LILACS, and SciELO databases. A total of 31 studies published between 1995 and 2011 were analyzed, which discoursed about the delayed diagnosis in relation to patients, professionals, and healthcare systems. It was observed that the diagnostic delay was associated with: a) patients: single, alcoholic, and afraid of the diagnosis; b) Professionals: little knowledge on the subject and high workload; c) healthcare systems: queues for medical care, distance between the patient s residence and healthcare units and reference centers, and negative experiences in the healthcare service. It is critical to understand the possible causes of delay and limitations of healthcare services and its professionals for appropriate actions to take place individually and collectively providing early diagnosis and treatment to these patients. Key words: Mouth Neoplasms; Mouth Neoplasms/diagnosis; Mouth Neoplasms/ epidemiology; Mouth Neoplasms/therapy. 411

INTRODUÇÃO O câncer representa a terceira causa de morte na população mundial, sendo superada pelas doenças infectoparasitárias e cardiovasculares. É responsável por mais de seis milhões de óbitos a cada ano, cerca de 12% de todas as causas de morte no mundo. 1 No Brasil, os registros hospitalares de câncer mostram que a boca representa a oitava localização mais frequente de tumores malignos, sendo o mais predominante da região de cabeça e pescoço, excluindo- -se o de pele. A taxa de mortalidade por câncer de boca no Brasil está entre as mais altas do mundo 2 e a taxa de incidência em 2010 de 14.120 novos casos. 3 Está entre os seis e sete tipos de câncer mais comuns nos sexos masculino e feminino, respectivamente. Além disso, mais de 90% dos indivíduos acometidos por câncer bucal estão acima dos 55 anos de idade. 4 Em 2008, 6.214 pessoas 4.898 homens e 1.316 mulheres morreram em decorrência do câncer oral. 3 No Brasil, a exemplo dos países em desenvolvimento, a maior parte das lesões, aproximadamente 73% dos casos, é diagnosticada em estádio avançado. Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, as taxas de diagnóstico tardio são cerca de 40%. 3 Pacientes diagnosticados e tratados em estádio avançado possuem pior sobrevida do que se o fossem em estádio inicial. 5 Além da menor sobrevida global, os atrasos no diagnóstico resultam em aumento do sofrimento devido à possível desfiguração física resultante de ressecções cirúrgicas mais extensas, limitação das funções da boca e custos elevados para o sistema de saúde. 6,7 Várias razões contribuem para o diagnóstico tardio do câncer da boca e, naturalmente, seu tratamento em estádios avançados, como: o desconhecimento e a falta de percepção dos sinais e sintomas pelo paciente; a ignorância sobre seus fatores de risco; a ausência de exame clínico rotineiro da boca pelos profissionais de saúde; e a falta e/ou precariedade de assistência médica e odontológica. Por que o câncer de cavidade oral, no nosso meio, é abordado com tanto descaso? O tratamento em estádio avançado e, consequentemente, seu pior prognóstico dependem do paciente, que só procura atendimento após estádios avançados do tumor; ou o seu acesso ao serviço de saúde é limitado? Será que há demora no tratamento efetivo do paciente, mesmo após seu diagnóstico a tempo? São muitas as variáveis que surgem no percurso a ser percorrido pelo paciente, desde o aparecimento da lesão até o seu tratamento, e que podem interferir decididamente em seu prognóstico (Figura 1). O objetivo deste artigo é verificar as possíveis causas no atraso do diagnóstico e tratamento de portadores de Carcinoma de Células Escamosas (CCE) de boca e refletir por que motivos, no Brasil, os pacientes são tratados em estádios avançados ao invés de estádios iniciais. MATERIAL E MÉTODOS Foi realizada revisão bibliográfica nas bases de dados MEDLINE, LILACS e SCIELO, de janeiro de 1995 a abril de 2011. Os termos utilizados foram: neoplasias bucais AND [diagnóstico] OR [epidemiologia] OR [terapia]. Foram encontrados 5.747, 291 e 88 artigos; e selecionados 28, 1 e 1 no MEDLI- NE, LILACS e SCIELO, respectivamente. O artigo selecionado no SCIELO estava relacionado também no MEDLINE. Os critérios para a seleção dos artigos foram: língua: espanhol, inglês e português; referência a situações de atraso do diagnóstico e tratamento; menção à quantificação de tempo entre apresentação clínica, diagnóstico e tratamento. Todos os artigos selecionados versavam sobre diagnóstico tardio. Não foi encontrada abordagem referente ao período entre o diagnóstico e o tratamento. 1º Tempo 2º Tempo 3º Tempo 4º Tempo Primeira queixa Primeiro profissional de saúde Centro de Referência Diagnóstico Exames pré-operatórios Tratamento Figura 1 - Percurso do paciente desde o aparecimento da lesão até o tratamento. 412

RESULTADOS As causas de atraso foram atribuídas a três possíveis razões: a) demora do paciente em procurar atendimento; b) despreparo dos profissionais de saúde para diagnóstico e encaminhamento; c) sistema de saúde estabelecido: poucos serviços de referência capacitados para tratamento dos tumores de cavidade oral e/ou geograficamente maldistribuídos. Atraso relacionado ao paciente Os fatores relacionados aos pacientes podem ser divididos em fatores socioeconômicos, demográficos, culturais, psicossociais e clínicos. fatores socioeconômicos, demográficos e culturais: Scott et al. 8, ao analisar as variáveis demográficas, identificaram que negros apresentam elevado risco relativo de serem diagnosticados em estádio avançado quando comparados aos brancos. Gómez et al. 9 encontraram que pacientes com idade inferior a 45 anos atrasam em procurar auxílio, por não estarem na faixa etária de risco para câncer de cavidade oral. Outro ponto determinante de atraso é o estado civil. Scott et al. 8 detectaram que os casados são diagnosticados em estádio mais precoce, enquanto os que moram sozinhos têm mais risco de apresentarem tumores avançados. Os pacientes etilistas demoram mais tempo para procurar assistência médica que a população em geral, sendo o tempo diretamente proporcional ao grau de etilismo. Os tabagistas buscam auxílio médico mais rapidamente que os ex-tabagistas e estes mais rapidamente que os não tabagistas. 9,10 O uso de fitoterápicos e a automedicação estão associados ao diagnóstico de lesões em estádio mais tardio. 11,12 O nível socioeconômico precário e baixo desenvolvimento cultural estão relacionados a mais atraso no diagnóstico do que na população em geral. 11 As pessoas com mais conhecimento acerca do câncer oral procuram mais precocemente assistência médica. 12,13 O custo elevado do tratamento e dos procedimentos necessários para sua consecução também representa causa de atraso. 7 fatores psicossociais: os diversos sentimentos apresentados pelo paciente podem interferir na procura ou não por assistência médica diante da percepção de lesões. O atraso na busca pelo ser- viço de saúde pode estar relacionado a angústia, medo do diagnóstico, estigma do câncer; crença em resolução rápida e espontânea do problema; e negação em relação ao enfrentamento do problema. 14,15 Os pacientes que interpretam erroneamente seus sinais e sintomas e desvalorizam suas queixas, por não considerá-las dignas de ocuparem o tempo dos médicos, atrasam mais o diagnóstico. 16 O risco de diagnóstico tardio pode ser determinado também pelo incômodo sentido pelo paciente em ir à consulta, assim como a descrença no tratamento proposto. 16 O adiamento da procura ao serviço de saúde é também determinado pelas experiências negativas prévias em centros de referência, que acabam creditando baixa resolutividade ao tratamento e adiam o seu início. 16 Algumas circunstâncias vivenciadas pelo paciente como comorbidades, conflitos conjugais e necessidade de cuidar de crianças mais novas também atrasam o diagnóstico e/ou o início da terapêutica. 16 fatores clínicos: as características de apresentação do tumor são fatores determinantes do diagnóstico, tratamento e prognóstico do câncer de boca. A ausência de sinais e sintomas e o crescimento lento do tumor estão relacionados ao atraso na procura pelo sistema de saúde. 12 As lesões em regiões mais expostas, como lábio e língua, estão associadas à procura precoce por atenção médica quando comparadas com as menos expostas. 13,15 Os tumores menores, de difícil identificação, e sintomatologia não atribuída ao câncer se associam à demora na busca por assistência médica. 13 Onizawa et al. 17 identificaram que pacientes com úlcera ou lesão branca, como primeira queixa, demoraram mais para serem referenciados ao sistema de saúde do que se tivessem dor ou edema. Gómez et al. 12, entretanto, encontraram que sinais inflamatórios inespecíficos se relacionam a mais atraso em relação à procura de atenção no sistema de saúde. Atraso relacionado ao profissional de saúde O profissional de saúde desempenha importante papel no diagnóstico tardio, uma vez que tem o primeiro contato com o paciente com a lesão inicial. Esse atraso pode ser associado a: baixo nível de conhecimento do profissional e diferença de conhecimento entre diferentes profissionais, sobrecarga de trabalho 413

com consequente não realização de exame completo da cavidade oral e características de apresentação do tumor. Muitos profissionais desconhecem os principais fatores de risco e a sintomatologia do câncer oral, 13 o que determina erros no diagnóstico, com tratamentos prolongados e não relacionados ao câncer. 15 Patton et al. 18 encontraram que 31% dos dentistas possuíam nível de conhecimento médio a alto sobre fatores de risco e critérios diagnósticos para câncer oral. Macpherson et al. 19 (encontraram que 85% dos médicos e 63% dos dentistas não possuíam confiança ou confiança moderada em detectar lesões pré- -malignas ou malignas. No mesmo estudo, 42% dos médicos e 32% dos dentistas consideraram o trauma como importante fator de risco. Apenas 3% dos dentistas questionam rotineiramente sobre o uso de álcool a fim de identificar pacientes em risco de câncer oral. A falta de conhecimento também fica evidente, uma vez que 91% dos médicos e 92% dos dentistas desejavam mais treinamento em detecção do câncer oral. 18 Outro fator crucial para detecção precoce é a experiência do profissional no manejo do câncer. 13 Observou-se nos Estados Unidos da América que a graduação feita nos últimos 20 anos, a realização de biópsias e encaminhamentos mais frequentes de pacientes e o contato prévio com informações sobre câncer oral em dentistas se associavam a mais conhecimento sobre fatores de risco e conceitos diagnósticos para câncer oral. A reduzida experiência do profissional de saúde promove erros na conduta e encaminhamentos excessivos e desnecessários; 19 sem considerar que s passagem por vários profissionais de saúde atrasa ainda mais o seu tratamento definitivo. 19 Outro aspecto relevante é a formação do profissional de contato inicial do paciente. Essa relação é ainda controversa, mas deve ser levada em consideração. Existem relatos discordantes em relação ao atraso diagnóstico em relação à procedência do encaminhamento de pacientes com câncer oral, observando-se que dentistas o fazem em estádio inicial com mais frequência do que médicos; entretanto, com mais atraso do que cirurgião geral ou dermatologista. 17,21 Pacientes que foram abordados por médico que têm contato com a unidade hospitalar apresentaram lesões em estádios mais iniciais ao diagnóstico se comparados àqueles que tiveram cuidado de um médico generalista. 15 Parece haver relação entre profissionais especialistas e curto atraso diagnóstico. 21 A explicação para esse fato pode ser a presença desses especialistas mais próximos do hospital e, natural- mente, mais facilidade no encaminhamento dos pacientes. 20 É muito importante o exame físico completo do paciente que se apresenta ao profissional de saúde. Pacientes que procuraram o serviço com queixa diferente de cabeça e pescoço são diagnosticados em estádio mais precoce; 12 entretanto, o exame físico ideal não é o que se observa na prática. Os médicos relatam em 43% das vezes que a falta de tempo para a consulta constitui-se em dificuldade para o diagnóstico precoce. 20 Wei Gao e Guo 16 encontraram que o excesso no número de consultas está relacionado à não realização ou à realização de exame clínico incompleto da boca. Alguns tumores possuem características que de alguma forma fazem com que o profissional de saúde não identifique o tumor em estádio primário. Diferentes sítios de lesão estão relacionados a diferentes tempos de atraso diagnóstico. 18 Atraso relacionado ao sistema de saúde O atraso no diagnóstico precoce do câncer bucal pode estar associado também ao sistema de saúde, seja por sua precariedade, barreias geográficas que dificultam o acesso ou incapacidade do sistema em dar vazão à demanda do paciente por serviços. Apesar de este ser aspecto de extrema importância para que haja mais do que o diagnóstico e tratamento precoces, não existem muitas referências sobre este tema, requerendo mais estudos nesta área. Existem ainda algumas regiões sem assistência médica de saúde, e pacientes provenientes desses locais tendem a ser diagnosticados tardiamente. 13 Em outros locais, existe baixa qualidade do serviço prestado. 15,16 Gomez et al. 12 e Scott et al. 15 mostraram que serviços de referência localizados em regiões distantes à moradia do paciente também se associam a mais tempo até o diagnóstico,, o que pode se justificar pela dificuldade do acesso ao profissional de saúde. 15 É muito comum também o paciente enfrentar filas em todo o seu percurso pelo sistema de saúde, o que ocasiona a evolução do tumor inicial para estádio mais avançado. A demora na liberação e agendamento de exames pré-operatório, bem como a lentidão de marcação da sala de cirurgia, também atrasa a realização do tratamento efetivo. 22 No Brasil, a maior parte dos especialistas em cirurgia de cabeça e pescoço se encontra nas regiões Sudeste e Sul, com grandes vazios demográficos de especialistas nas demais regiões. 23 414

CONCLUSÃO O caminho percorrido pelo paciente em busca da assistência à saúde evidencia as possíveis causas de atraso em seu tratamento. Mais do que o diagnóstico precoce, deve-se propiciar tratamento precoce para se ter impacto efetivo na mortalidade e morbidade do câncer de boca. É preciso avaliar as possíveis causas de atraso em relação ao diagnóstico e erros de conduta dos serviços de saúde e seus profissionais. O tratamento de pacientes em estádio avançado pode decorrer de três causas básicas, isto é, do paciente, profissional e serviço de saúde. Caso a responsabilidade maior seja do paciente, poderão ser tomadas medidas de educação em saúde; se forem devidas a falhas na qualidade da assistência, os gestores poderão desenvolver políticas públicas voltadas para prevenção e detecção precoce do câncer de boca por meio da capacitação dos profissionais; e se está na operacionalização do tratamento após o diagnóstico poderiam ser tomadas medidas visando à melhoria na cobertura de atendimento, investimentos em infraestrutura ou compra de equipamentos, bem como ampliação da rede de tratamento local. É importante destacar que cada população apresenta características culturais e socioeconômicas peculiares e a maneira como estão organizados os sistemas de saúde em cada região do Brasil é distinta. Por isso, medidas diferentes deverão ser tomadas em cada local, de acordo com suas especificidades. No entanto, o objetivo final deve ser o mesmo entre todos: a valorização da qualidade de vida e a sobrevida do paciente a partir de diagnóstico e tratamento precoces. REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. Policies and managerial guidelines for national cancer control programs. Rev Panam Salud Publica. 2002 Nov; 12(5):366-70. 2. Salles JMP, Freire ARS, Vicente LCC, editores. Câncer de Boca: Uma visão multidisciplinar. Belo Horizonte: Coopmed; 2007. 3. Instituto Nacional de Câncer -INCA. Estimativa 2010: Incidência de câncer no Brasil. [Citado em 2011 out 22]. Disponível em: http:// www.inca.gov.br/estimativa/2010/estimativa20091201.pdf. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde (Funasa). Vigilância Epidemiológica dos Fatores de Risco de Câncer: Utilizando o tabagismo como modelo. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. 5. Carvalho AL, Singh B, Spiro RH, Kowalski LP, Shah JP. 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