Baile de máscaras : a tipificação penal de terrorismo e a Copa do Mundo - breves considerações

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Transcrição:

Baile de máscaras : a tipificação penal de terrorismo e a Copa do Mundo - breves considerações Saulo Bueno Marimon 1 Recentemente, o país foi surpreendido por uma série de manifestações em várias partes envolvendo manifestantes protestando por diversos motivos e pleiteando reivindicações distintas À luz dos protestos ocorridos em 2013 e no começo de 2014 e enquanto a sociedade tenta compreender a maior onda de insurgência social na recente história republicana, o Estado brasileiro tenta responder aos casos de violência e a uma sensação de confusão (o que alguns setores chamam de caos) e da impunidade Tendo em vista a utilização de máscaras por alguns ativistas em suas manifestações, setores da sociedade passaram a exigir do Poder Legislativo uma resposta punitiva imediata A questão ganhou força ultimamente especialmente em razão da proximidade do evento Copa do Mundo, a ocorrer em junho de 2014 Para garantir a manutenção da paz social, tem crescido no meio legislativo e jurídico o debate acerca da tipificação de terrorismo e a proibição do uso de máscaras por parte dos manifestantes Há de se frisar que a proposta de tipificação do crime de terrorismo ganhou uma percepção midiática e social após as manifestações nas ruas No entanto, tal proposta já estava prevista no Projeto de Lei nº 236/2012 2, atualmente em tramitação no Senado Federal Frise-se que se trata de uma tipificação de tema previsto na Magna Carta de 1988 como delito inafiançável e insuscetível de graça ou anistiam, sendo o mesmo crime hediondo 1 Saulo Bueno Marimon é Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Bacharel em Direito pela PUCRS, Licenciado e Bel em Ciências Sociais pela UFRGS, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na FACOS, professor na FADERGS, professor na ACADEPOL e Oficial de Gabinete na 7ª Vara Federal da Justiça Federal de Porto Alegre 2 Deve-se observar que existem vários projetos visando criminalizar o ato de terrorismo, a saber: PLS nº 707/2011, de autoria do Senador Blairo Maggi, PLS nº 762/2011, do Senador Aloysio Nunes Ferreira e o PLS nº 499/2013, do Senador Romero Jucá Página 29

No caso em comento, a tipificação proposta no projeto traz uma série de conceituações que merece uma análise a partir do tipo criado, assim dispostas: Art 239 Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando: I tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe; II tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; III forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade,sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas 1º Sequestrar ou manter alguém em cárcere privado; 2º Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; 3º Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado; 4º Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados; ou 5º Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares: Pena prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas Forma qualificada 6º Se a conduta é praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos: Pena prisão, de doze a vinte anos, além das penas correspondentes à ameaça,violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas Exclusão de crime 7º Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade Página 30

Financiamento do terrorismo Art 240 Oferecer ou receber, obter, guardar, manter em depósito, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativos, bens e recursos financeiros com a finalidade de financiar, custear ou promover a prática de terrorismo, ainda que o atos relativos a este não venham a ocorrer: Pena prisão, de oito a quinze anos Favorecimento pessoal no terrorismo Art 241 Dar abrigo ou guarida a pessoa de quem se saiba ou se tenha fortes motivos para saber, que tenha praticado ou esteja por praticar crime de terrorismo: Pena prisão, de quatro a dez anos Escusa Absolutória Parágrafo único Não haverá pena se o agente for ascendente ou descendente em primeiro grau, cônjuge, companheiro estável ou irmão da pessoa abrigada ou recebida Esta escusa não alcança os partícipes que não ostentem idêntica condição Disposição comum Art 242 As penas previstas para os crimes deste Capítulo serão aumentadas até a metade se as condutas forem praticadas durante ou por ocasião de grandes eventos esportivos, culturais, educacionais, religiosos, de lazer ou políticos, nacionais ou internacionais Observa-se que o caput do artigo 239 possui a subjetividade em si ao iniciar com a expressão causar terror Terrorismo vem do terror, do latim terrere, que significa fazer tremer Thackrah 3 afirma que o terrorismo possui uma variedade de definições, mas que todas levam à percepção de atos criminosos contra vidas, propriedade e outros interesses Tal ato seria avaliado a partir de seus objetivos e menos através de aspectos ideológicos, dificultando a diferenciação entre o que seria ou não um ato terrorista, sendo o ato terrorista um meio de comunicação entre o terrorista e a sociedade Ademais o agir proposto (causar terror) exigiria uma contextualização que a norma não prevê o que pode gerar uma série de subjetivismos no julgar Afinal, um grupo considerado terrorista por uns pode ser definido por outros como revolucionário, que luta por liberdade 3 THACKRAH, J R Dictionary of terrorism New York: Routledge, 2004 p85 Página 31

Juridicamente, o conceito de terrorismo é muito abrangente e há uma certa dificuldade na doutrina brasileira e mundial na conceituação do delito, que sofre alterações de acordo com a carga política considerada em cada contexto, conforme já vimos acima Frise-se que no sistema penal brasileiro, a legislação que mais se aproxima a um conceito de terrorismo na atualidade é a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7170/1983) que, em seu artigo 20, impõe pena de 3 a 10 anos de reclusão, aumentada até o triplo no caso de morte, para quem devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas Observe-se que o PLS que trata do Novo Código Penal apresenta um significativo incremento na tipificação penal Não só pune o terrorismo mas também o financiamento e atividades correlatas Dentro deste contexto, observa-se uma preocupação do legislador em criar uma responsabilização penal significativa para quem praticar o ato denominado como terrorismo A questão que exsurge no campo do direito penal é: não seria uma forma muito abrangente de classificar penalmente o terrorismo? E mais, nesta questão: não haveria um uso circunstancial de tal tipificação penal, de forma oportunista? Historicamente, o direito penal foi utilizado pelos governantes para manter as classes sociais que se opunham aos governos ou ao modo de pensar de uma dada época Podemos ver na herança getulista tais traços quando vemos a figura penal da vadiagem prevista na Lei de Contravenções Penais 4 e todo o discurso inculcado nesta e em outras formas de controle social através do direito penal Observa-se que a proposta supracitada é ampla, genérica e poderá possibilitar a prisão de dezenas ou centenas de pessoas por delitos que não teriam o contexto de 4 Vide o decreto-lei nº 3688/1941, que assim disciplina o delito: Art 59 Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena prisão simples, de quinze dias a três meses Parágrafo único A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena Página 32

prática de ato terrorista, mas que poderiam ser enquadrados penalmente de acordo com a visão do agente do Ministério Público e do magistrado que recebesse a denúncia No ensinamento de Nilo Batista, formular tipos penais genéricos ou vazios, valendo-se de clausulas gerais ou conceitos indeterminados ou ambíguos, equivale teoricamente a nada formular, mas é prático e politicamente muito mais nefasto e perigoso Não obstante tal tema já ser motivo de controvérsia em razão da dificuldade em se conceituar terrorismo, ganhou maior força o tema com o PLS 499/2013, do Senador Romero Jucá, no qual ficou aberta a possibilidade, na leitura de juristas, de haver punição a movimentos sociais se o texto do PLS fosse aprovado no estado em que foi proposto Tal recrudescimento na tipificação penal ganhou força com a morte do cinegrafista da Rede Bandeirantes de Televisão, ocorrida em 10/02/2014 No caso, o Projeto define terrorismo da seguinte forma: Art 2ºProvocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa Pena reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos Observa-se uma tendência perseguidora na proposta em comento Primeiro, por, diante do que ocorre na sociedade hoje, cercear a manifestação democrática e social nas ruas Pelo texto, inviabilizaria qualquer forma de protesto, ganhando o Estado mais um instrumento de utilidade para a perseguição daqueles que não concordam com seu posicionamento ou sua forma de ver politicamente Segundo, pela extensão que a interpretação do tipo penal permite Manifestantes sociais poderiam ser enquadrados como terroristas, enquanto, em tese, seriam, no máximo, vândalos Observa-se uma utilização do direito penal para reprimir e criar instrumentos que inibam as manifestações sociais visando manter a paz social de qualquer forma Quando isso realmente alcançou objetivos? Terceiro, a aprovação de um projeto com tal estrutura penal serviria apenas para recrudescer a tensão social que existe sem que se reflita sobre a manifestação em si e seus intentos Página 33

Para piorar o cenário, o Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, José M Beltrame, apresentou projeto de lei criando a tipificação penal de desordem Tal idéia foi originada a partir da observação, desde as manifestações públicas de junho do ano passado, da uso contumaz de máscaras ou objetos similares que inibem ou dificultam a identificação do manifestante em uma eventual prática de delito 5 sendo definido nesta proposta que quem praticar desordem em local público, agredir ou cometer ato de violência contra qualquer pessoa; destruir, danificar ou invadir bem público ou particular; e bloquear vias públicas poderá ser condenado a penas de dois a seis anos, sendo que a pena seria aumentada para oito anos se os manifestantes usarem substância inflamável ou explosiva, saquearem o comércio ou usar meios de comunicação, incluindo a internet, para divulgar o protesto No mesmo diapasão, alguns municípios pelo Brasil estão, no afã de criar instrumentos para reprimir as manifestações dos grupos que divergem sobre algumas práticas públicas, criando normas municipais vedando o uso de máscaras em manifestações Utilizam-se de uma interpretação estreita e adequada aos seus interesses do inciso IV da Magna Carta, o qual assim delimita: é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" Como bem assevera Dornelles 6, a correta hermenêutica constitucional, visando a aplicação ao maior âmbito possível de sua proteção, só poderia autorizar o entendimento de que toda manifestação de pensamento é livre, salvo se anônima A exceção à proteção ao anonimato jamais pode ser interpretada como uma proibição a este Neste raciocínio, seria óbvio que teríamos que analisar como inconstitucional o sistema do "Disque Denúncia", bem como seria ilegal os atos envolvendo policiais que usam balaclava em suas atividades policiais para não serem identificados 5 Para maiores informações, verificar no site do Senado Federal (http://www12senadogovbr/noticias/materias/2014/02/12/senado-recebe-proposta-de-beltrame-paratipificar-2018crime-de-desordem2019) 6 DORNELLES, Rodrigo Veto ao anonimato não justifica proibição a máscaras Disponível em < http://wwwconjurcombr/2013-set-06/rodrigo-dornelles-veto-anonimato-nao-justifica-proibicaomascaras> Acesso em 09/03/2014 Página 34

A Constituição não proíbe o anonimato, mas apenas o retira do âmbito de proteção da norma A Constituinte não pretendeu que o anonimato fosse proibido civil ou penalmente até porque não previu nenhuma sanção para tal, em nenhum âmbito nem tampouco quis autorizar o legislador infraconstitucional a fazê-lo, uma vez que a redação não se aproxima nem um pouco do inciso XLII, por exemplo, (que determina a criminalização do racismo) Desta forma, está-se diante de um cenário em que a aproximação do evento Copa do Mundo poderá trazer conflitos sociais que deveriam ser resolvidos ou pacificados através de canais democráticos e amplos, não sendo a perseguição macartista do Estado a solução para as controvérsias que existem na sociedade Não se trata de acenar com a conivência aos episódios de crimes praticados por alguns indivíduos O direito penal já possui instrumentos legais para responsabilizar penalmente aqueles que acreditam no vandalismo como forma de resolução de conflitos e não será a criação de uma nova norma que irá pacificar uma sociedade que está nas ruas buscando mudanças no status quo da política nacional e do seu agir diário Considerações finais Diante disso, deflui que o Direito acaba por buscar uma universalização da sua forma de ver a sociedade para esta sociedade, incutindo nesta toda uma carga ideológica constante nos projetos de lei e suas justificativas Os projetos apresentados possuem uma carga muito forte de um subjetivismo político que vai além da atividade político-partidária Mesmo um conceito bem delineado e aparentemente objetivo estará apoiado em outros, mais subjetivos O que é terror? O que constitui ou não as recorrentes motivações religiosas e políticas? O que nos preocupa na atualidade é a emergência que se quer dar em uma construção penal que merecia ser amadurecida e pensada com serenidade e atenção pelo legislador E mais! Ao invés de se criar uma oportunidade de dialogar com os movimentos sociais e haver uma criação de canais legítimos diferentes dos Página 35

que atualmente existem (como os partidos políticos) para a discussão sobre os questionamentos existentes no Brasil, opta-se por uma solução penalista quando não existe no campo do direito penal uma resposta adequada e eficaz ao que se almeja: a pacificação e a concórdia social Ainda existem pessoas que entendem que o direito penal pode ser utilizado como ultima ratio em uma questão existente na sociedade O que se constata é que é, de fato, a primeira solução a ser percebida e utilizada pelas autoridades formalmente legitimadas Há muito mais uma preocupação exarcebada em criar limites aos manifestantes do que em discutir e dialogar na sociedade acerca das reivindicações Antes disso, é preciso compreender o que está acontecendo e como enfrentar os desafios, sob uma ótica transdisciplinar O que é preocupante é que não há uma preocupação em se resolver as questões fora do campo do direito penal através do diálogo E o direito penal nunca teve atitude dialógica Não nasceu para isso Referências bibliográficas BATISTA, Nilo Introdução crítica ao direito penal brasileiro Rio de Janeiro: Revan, 1990 BRANT, Leonardo N C (Coord) Terrorismo e direito: os impactos do terrorismo na comunidade internacional e no Brasil Rio de Janeiro: Forense, 2003 BRASIL Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil Brasília, DF: Senado, 1988 Lei n 7170, 14 dez 1983 Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências Diário Oficial Brasília, 15 dez 1983, p 21004 Lei n 8072, 25 jul 1990 Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências Diário Oficial Brasília, 26 jul 1990, p 014303 Página 36

Senado Federal Projeto de Lei do Senado nº236/2012 Disponível em < http://wwwsenadogovbr/atividade/materia/getpdfasp?t=114750&tp=1> Acesso em 09032014 CHOMSKY, Noam Poder e Terrorismo Tradução de Vera Ribeiro Rio de Janeiro: Record, 1995 Página 37