Educação no Sistema Prisional: Desafios e Compromissos



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Transcrição:

Educação no Sistema Prisional: Desafios e Compromissos ASSIS, Luana Rambo; NASCIMENTO, Lizandra Andrade URI São Luiz Gonzaga e-mail: luanarambo@yahoo.com.br RESUMO: O presente artigo tem a pretensão de refletir acerca da importância da educação enquanto política pública no sistema prisional Brasileiro. Busca-se primeiramente problematizar a educação na cena contemporânea, mencionando a relevância da educação emancipatória como prática que visa à politização dos sujeitos frente à realidade social. Posteriormente discute-se o sistema prisional e suas principais deficiências no processo de preparo das pessoas privadas de liberdade para o convívio social. Por fim elenca a importância da educação no sistema prisional, como uma das formas de pensar a execução penal com vistas a conceber o sujeito como cidadão de direitos e deveres e que através da política educacional tem a possibilidade de realizar uma leitura de realidade de forma crítica e comprometida com a realidade que os cerca. PALAVRAS- CHAVE:Educação; Sistema Prisional; PolíticasPúblicas; Pessoa Privada de Liberdade. INTRODUÇÃO Pensar a importância da educação no sistema prisional é antes de tudo, conceber a pessoa privada de liberdade como ser humano de direitos e deveres de cidadania e que necessita ter a dignidade humana respeitada e preservada. A educação é uma política pública, considerada direito do cidadão e dever do Estado. A educação na cena contemporânea tende ser pensada de modo a proporcionar, humanização, politização, criticidade, ou seja, não pode servir de aparelho ideológico do Estado para manter parcelas da população alienadas e despidas de espírito reflexivo. A missão é formar seres capazes de provocar mudanças em suas próprias vidas, bem como na sociedade. Refletir acerca da relevância da educação no sistema prisional, é uma tarefa complexa e que exige certa profundidade o que talvez não será possível no presente trabalho, merecendo ser aprofundada posteriormente. O sistema prisional brasileiro vem passando por sérios problemas, que vão desde a falta de infraestrutura, condições de habitabilidade, ausência de políticas públicas comprometidas com o processo de preparo para o retorno a sociedade. Percebe-se que ainda utiliza-se em algumas situações tratamentos punitivos e coercitivos como forma de responsabilização pelo crime. A educação no sistema prisional é apresentada como uma possibilidade de despertar nas pessoas privadas de liberdade, o sentimento de reconhecimento da sua condição de seres humanos de direitos e deveres, tendo como base o conhecimento que enriquece o potencial dos sujeitos em desenvolver atitudes críticas e reflexivas acerca da conjuntura social, econômica, cultural e ambiental, na qual estão inseridos. Problematizando a Educação na Cena Contemporânea A Educação é uma política pública, direito do cidadão e dever do Estado. Quando mencionamos o termo Público, logo entendemos que se dirige a todos os segmentos da população, independente de etnia, orientação sexual, credo religioso, dispõem de caráter universal. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 enfatiza a educação como: Dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (LDB, Art. 2, 1996). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ao apontar a política educacional como forma de preparo para o exercício da cidadania, coloca uma responsabilidade ética no processo de operacionalização da mesma, a qual requer comprometimento político dos mais diversos profissionais. O exercício da cidadania é entendido como a forma de se garantir dignidade humana e qualidade de vida a todos os seres humanos, mediante o acesso dos direitos civis, econômicos, sociais, ambientais e culturais. Se faz mister, quando falamos sobre a educação, entender que o capitalismo permanece como modo de produção hegemônico em todo o mundo. A ideologia capitalista neoliberal idealiza um Estado máximo para o capital e mínimo para o social. A partir dessa premissa se pode entender o descaso do Estado Brasileiro no processo de implantação de políticas sociais públicas de qualidade. Nesse sentido, Oliveira e Machado (2013) destacam que: A necessidade que é cada vez mais urgente, de construir um projeto contrahegemônico de sociedade a partir de novos paradigmas, o que requer de todos os movimentos locais a efetivação de um projeto educacional e de ensino voltado para as atuais e futuras gerações. A educação historicamente esteve e está no centro da reprodução da lógica de funcionamento do sistema capitalista. E a formação acadêmica, ainda com mais ênfase, deteve a tarefa de formar pessoas para o sistema, adaptadas a irracionalidade do modo de produção capitalista; a aceitação da lógica de exploração do homem pelo homem; da mercantilização do ser humano; este tem sido o papel chave da educação e do ensino (OLIVEIRA; MACHADO, p.25, 2013). Conforme mencionado, a educação na contemporaneidade é um aparelho ideológico do Estado, contribuindo com o processo de reprodução das relações sociais impostas pelo sistema capitalista. O que coloca como entrave a efetivação dos princípios elencados pela Lei de Diretrizes e Bases, a qual prevê o exercício da cidadania. A formação humana está sendo pensada e executada em consonância com a ideologia dominante, que forma seres irreflexivos e sem criticidade, ou seja, a alienação e a falta de leitura de realidade se tornaram uma constante. Para se manter ativo e forte no mercado, o neoliberalismo necessita de seres alienados, afinal, sem conhecimento o sujeito não buscará formas de romper ou lutar por uma sociedade mais humana e livre de discriminação. De acordo com o pensamento dos autores, se torna urgente, a busca por um movimento contra- hegemônico, contra a desigualdade social, a alienação, a ausência de criticidade. É nesse terreno que se torna relevante a responsabilidade ética e política dos mais diversos profissionais que atuam na área da educação onde a busca pela emancipação e a politização sejam encaradas como forma de almejar uma sociedade mais igualitária e humanizada, que forma sujeitos para a vida independente e que tem como pressuposto a criticidade, a reflexão, o espírito investigativo. Ainda se tratando da educação como espaço de efetivação da cidadania e da politização, Gouvêa (2005) discute duas concepções de educação que prevalece no imaginário social, são elas: A concepção Liberal de educação inibe a possibilidade de homens tornarem-se sujeitos de sua história, pois, legitima a dominação, não permitindo ao indivíduo apropriar-se criticamente da realidade em que vive;

por outro lado a Concepção Progressista fundamenta-se na prática dialógica, aquela que valoriza uma relação horizontal, assegurando ao indivíduo ou ao grupo um espaço para dizer a sua palavra sem se neutralizar (GOUVÊA, p.07, 2005). Infelizmente a concepção liberal de educação é a que prevalece na sociedade contemporânea. O que não impede de buscar sua superação, o que requer seriedade e compromisso político dos diversos setores, pois, a concepção de educação progressista não está atrelada aos ditames da sociedade do capital, este a considera uma ameaça contra a hegemonia. A concepção progressista forma seres com leitura de realidade e criticidade suficiente para perceber no bojo da sociedade as mais diversas formas de exploração, dominação e alienação, nas quais o homem se vê aprisionado. Além de despertar a criticidade, instiga a postura ativa dos sujeitos, onde é através da mobilização e da resistência que resultados positivos poderão surtir. Paulo Freire (1974) discute de forma competente e ética acerca dos princípios da educação popular a qual define como libertadora, emancipatória e humanizadora. Educação Libertadora, entendida como a forma de se libertar dos ditames impostos pela ideologia dominante. Emancipadora, pois, resgata a condição do ser humano de ser sujeito de sua própria história. Já a educação humanizadora, coloca o ser humano como sujeito de direitos e deveres, detentor de direitos humanos fundamentais, condição indispensável na busca pela consolidação da cidadania. Desta forma, pensar a educação na contemporaneidade, requer atitude de responsabilidade e comprometimento com a prática educacional, pois, conforme exposto, o que prevalece é um modelo de educação atrelado aos ditames e valores da sociedade capitalista. No entanto a superação desse paradigma é possível desde de que haja compromisso político com a tarefa de educar, mas educar para a cidadania, para a democracia, com vistas a formar seres críticos, reflexivos e propositivos e não meros fantoches da ideologia dominante. Contextualizando o Sistema Prisional Brasileiro O Sujeito que comete ato infracional, crime ou delito, dependendo da gravidade do fato, terá que prestar contas á justiça, ou seja, ser responsabilizado. No Brasil uma das formas de se responsabilizar alguém que cometeu crime é a detenção, ou seja, a privação da liberdade de ir e vir e a suspensão dos direitos políticos de votar e ser votado. Enquanto está cumprindo pena, o sujeito não escolhe mais o rumo de sua vida, agora quem o faz é a prisão. No momento em que o cidadão tem sua liberdade privada, a prisão tem suas responsabilidades no desenvolvimento da pena, ou seja, sua função está em um primeiro momento, em afastar o infrator da sociedade de forma temporária, já em um segundo momento, necessita oferecer meios para que o mesmo consiga viver de forma harmônica no meio social. Mas, a realidade vem mostrando de forma assustadora, que a prisão não vem cumprindo com seu papel, pois, ao invés de acolher o sujeito, exclui, segrega e inflige tratamento desumano. Desta forma concorda-se com Paixão (1987) quando ressalta que: Prisão significa aprendizagem do isolamento. Segregada da família, dos amigos e de outras relações socialmente significativas, o preso espera-se vai cotidianamente refletir sobre o ato criminoso e sentir a representação mais direta da punição preservar os cursos normais de interação das

externalidades do crime. Em outras palavras, a penitenciária é a escola do sofrimento e purgação (PAIXÃO, 1987, p.09). Partindo do pensamento do autor, é possível entender a caráter da prisão no mundo atual. Considera-se uma forma visível de segregação, pois, o recluso acaba ficando distante da família, dos amigos, da comunidade local, que são considerados segmentos importantes na vida de quem cumpre pena privativa de liberdade. O apoio da família é insubstituível no processo de reclusão. O sujeito necessita de acolhimento externo para que mesmo de forma morosa, consiga estabelecer relações saudáveis com o mundo ao seu redor. A prisão ainda possui o caráter punitivo e coercitivo dos séculos XVII, XVIII, XIX, pois, entende-se que é a partir do isolamento e da segregação que o sujeito se arrependerá e pagará pelo ato cometido. Punição e sofrimento não preparam ninguém para o convívio social, muito pelo contrário, acaba contribuindo de maneira alarmante com o aumento da reincidência no sistema prisional. Deve-se despir de certas visões preconceituosas e moralistas e, ao invés de punir com toda vingança e violência, acolher de forma a possibilitar uma nova cultura, capaz de entender a pessoa privada de liberdade como alguém que pode constituir família, filhos, amigos, que estuda, trabalha, se qualifica profissionalmente, possui qualidades e defeitos, e que, talvez, por não encontrar na sociedade rígida e preconceituosa melhores condições de vida, acaba recorrendo ao mundo da criminalidade, este sim estará sempre com as portas abertas. Não se pretende vitimar a pessoa privada de liberdade, ciente de que esta necessita ser responsabilizada por seus atos, o grande desafio em fazer a comunidade em geral pensar de forma séria e competente acerca do sistema prisional. Refletir a respeito do sistema quando um de seus familiares, amigos se encontra nesse universo, mostra que a sociedade está cada vez mais individualizada. A responsabilidade de pensar a qualidade do sistema prisional é de todos nós cidadãos brasileiros, posto que a pessoa não ficará para sempre privada da liberdade, e após o cumprimento da pena, retornará ao convívio social e irá precisar do acolhimento de todos. A Lei de Execução Penal é um dos mais importantes documentos no que se refere ao sistema prisional. Neste é possível entender quais são os direitos e deveres dos reclusos. Desta forma a Lei nº 7.210 de 1984, menciona que: Art. 41. Constituem direitos do preso: - alimentação suficiente e vestuário; - atribuição do trabalho e sua remuneração; - previdência social; - constituição de pecúlio; - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas, e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; - entrevista pessoal e reservada com o advogado; - visita do cônjuge, da companheira, dos parentes e amigos em dias determinados; - chamamento nominal; - igualdade de tratamento salvo quanto ás exigências da individualização da pena; - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

- representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes (LEI DE EXECUÇÃO PENAL, 7.210/84, p. 37). Pode-se constatar que dentre os direitos da pessoa privada de liberdade à assistência educacional é mencionada, como forma de se garantir qualidade de vida dentro do sistema prisional. Contudo deságio maior está em fazer os órgãos competentes efetivarem na realidade carcerária essas garantias reconhecidas em lei. De nada adianta uma legislação magnífica se ela é totalmente violada, muitas vezes pelos próprios profissionais dos estabelecimentos que não entendem nada de execução penal e acabam fazendo prevalecer uma postura punitiva e moralista. O sistema prisional brasileiro vem apresentando no decorrer do percurso sérias deficiências. Violações dos direitos humanos em muitas casas prisionais se tornaram uma constante, a falta de investimentos em políticas públicas acaba fazendo do sistema prisional um mero depósito humano, onde pessoas são jogadas nesse espaço sem perspectiva alguma de mudança, pois, a prisão faz com que os sujeitos que ali se encontram se tornem cada vez mais embrutecidos. Desrespeito aos direitos humanos não prepara ninguém para a vida em sociedade. Diante do exposto, concorda-se com Oliveira (2007) quando enfatiza que: O Brasil encarcera mais pessoas do que qualquer outro país da América Latina e infelizmente os problemas desse imenso sistema requerem proporções de soluções correspondentes. Desrespeitos aos direitos humanos são cometidos constantemente em todas as unidades prisionais afetando milhares de apenados e suas famílias, com o agravante de que a sociedade mantém uma relativa indiferença a tais desrespeitos, tendo como principal motivo a compreensão de que marginais especialmente os assassinos não devem ter direito a preservação de suas vidas e integridade física (OLIVEIRA, 2007. p. 01). É possível analisar, a partir da concepção do autor, a falência do sistema prisional brasileiro. O Brasil, no que se refere ao encarceramento, assume a quinta posição, estando atrás somente dos Estados Unidos, Rússia, China, Japão. São assustadores estes dados, pois, revelam a falta de compromisso político dos órgãos competentes e sociedade civil que, ao invés de pensar políticas públicas de qualidade e formas alternativas ao encarceramento, contribui de maneira alarmante com a superlotação dos sistemas prisionais. As violações dos direitos humanos é outro fator que deixa visível a falência e ineficácia do sistema penitenciário, que não se dispõem a pensar políticas de prevenção da criminalidade. A influência da sociedade contribui com o desrespeito aos direitos humanos, acaba por ser mais bandida que o criminoso, pois, aplaudem alegremente quando são informadas que o preso X foi violentado até a morte, prevalecendo à ideia de que o sujeito precisa pagar pelo que fez. Certamente a pessoa que comete crime necessita ser responsabilizada por seus atos, uma vez que, ninguém tem o direito de prejudicar o bem estar individual ou da coletividade. Quando se responsabiliza alguém por algum ato ilegal, deve-se ter, como princípio ético, que a forma de se responsabilizar tem de ser humanizada, com o intuito de preparar o sujeito para o convívio social. Em se tratando das pessoas privadas de

liberdade, Foucault (2010, p. 72) aponta que: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua humanidade. O autor deixa claro que não interessa a gravidade do crime cometido, em se tratando de ser humano, tem-se o dever de assegurar sua humanidade e dignidade, enquanto cidadão de direitos e deveres de cidadania. Educação no Sistema Prisional: Desafios e Compromissos A educação no sistema prisional é um desafio, pois representa uma luta em prol de melhores condições de vida, visando á preservação da dignidade humana. Desafio porque se processará dentro de um projeto de sociedade que não está preocupada com os direitos e deveres das pessoas privadas de liberdade. Compromisso dos mais diversos setores que se ocupam da execução penal, com a finalidade de romper barreiras e preconceitos sem desanimar ou deixar-se seduzir pela ideologia dominante, que encara o recluso como marginal que deve ficar a margem da sociedade. A Educação dentro dos espaços prisionais tem sido encarada por muitos autores e estudiosos, como uma política pública que poderá contribuir com o processo de humanização da pena, trazendo resultados positivos na vida da pessoa privada de liberdade. Concorda-se com Freire (1995) quando diz que: A melhor afirmação para definir o alcance da prática educativa em face dos limites a que se submete é a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma coisa. E ao se pensar na educação do homem preso, não se pode deixar de considerar que o homem é inacabado, incompleto, que se constitui ao longo do tempo de sua existência e que tem a vocação de ser mais, o poder de fazer e refazer, criar e recriar (FREIRE, 1995, p. 96). De acordo com Freire, o homem é um ser inacabado, inconcluso, o que quer dizer que este no decorrer da vida comete falhas, erros, passa por dificuldades das mais diversas, mas tem o potencial de transformação da realidade que os cerca, bem como da própria vida. A sua inconclusão por si só o faz um ser de grandes potencialidades, pois, o novo sempre está por vim. Sendo o ser humano um ser inconcluso, a pessoa privada de liberdade possui formas de superação e transformação do ambiente na qual a criminalidade faz parte. Atrelado ao potencial de mudança que o ser humano detém, a implantação de políticas públicas dentro do sistema prisional, vem a contribuir de maneira significativa no processo de preparo para o retorno social. As escolas na prisão além de possibilitar uma oportunidade de adquirir conhecimentos, é um espaço propício para se pensar acerca da realidade de vida das pessoas privadas de liberdade. A apreensão do conteúdo programático é de fundamental relevância, muitas vezes superando o analfabetismo que ainda é um fenômeno preocupante. Mas para além do conteúdo programado, a discussão e reflexão acerca das mais diversas formas de sobrevivência é fundamental para se entender a realidade individual de cada pessoa privada de liberdade. A educação tem como responsabilidade e compromisso a formação de seres humanos éticos, críticos e reflexivos, que consigam compreender a realidade na qual estão inseridos. Por isso o aprofundamento acerca das principais causas da criminalidade é um ponto importante para se discutir no universo da escola. É produzindo conhecimento

através da experiência de cada um que se poderá pensar formas alternativas ao mundo da criminalidade. Talvez uma das formas de enfrentamento da criminalidade é o investimento em políticas públicas nas mais diversas áreas, saúde, educação, habitação, trabalho, renda, lazer, esporte, entre outras. O ser humano deve ser pensado na sua totalidade, como alguém que necessita de um conjunto de garantias para que possa desfrutar de uma vida com dignidade. Conforme mencionado no decorrer do texto, a ideologia neoliberal não está preocupada com a satisfação das necessidades básicas dos sujeitos. O que se pode explicar, os elevados índices de criminalidade, não encontrando melhores condições de vida em uma sociedade que nega direitos, muitos acabam se obrigando a entrar no mercado da ilicitude como forma de garantir um mínimo de qualidade de vida, direito negado constantemente pela conjuntura capitalista neoliberal. Desta forma, a educação na prisão aparece como um importante mecanismo de preparo para a vida em sociedade. Fernandes Julião (2007) reflete que: A escola nos presídios tem uma enorme responsabilidade na formação de indivíduos autônomos, na ampliação do acesso aos bens culturais em geral, no fortalecimento da auto-estima desses sujeitos, assim como na consciência de seus deveres e direitos, criando oportunidades para o seu reingresso na sociedade. No que concerne a reinserção social, a educação assume papel importante, pois, além dos benefícios da instrução escolar, oferece também ao interno a possibilidade de participar de um processo de modificação capaz de melhorar sua visão de mundo, contribuindo para a formação de um senso crítico que auxilie no entendimento do valor da liberdade e melhorando o comportamento na vida carcerária (JULIÃO, 2007, p. 47-48). O mesmo autor acrescenta: É fundamental que não nos esqueçamos de que, diante da atual proposta legislativa de execução penal, os internos penitenciários, independente do delito cometido, retornarão ao convívio social, e que, portanto, necessitamos investir em propostas políticas que viabilizem o seu retorno, visto que as atuais, falidas e ultrapassadas, não atendem ao seu objetivo (JULIÃO, 2007, p. 48). Conforme se pode analisar, as políticas de execução penal contemporâneas estão falidas e ultrapassadas, não se pode mais entender que métodos coercitivos e punitivos recuperam alguém, esta é uma visão totalmente deturpada da realidade. Até porque as casas prisionais continuam superlotadas e o fenômeno da reincidência ainda persiste. O momento é agora, precisa-se pensar uma execução penal humanizada que respeita o sujeito como ser humano independente da condição em que se encontra. A Política educacional se encarada de forma séria e competente, poderá contribuir com o processo de transformação da realidade na qual a pessoa privada de liberdade se encontra. A escola na prisão tem uma tarefa que lhe é peculiar, qual seja de propiciar acesso ao conhecimento socialmente acumulado e garantir uma nova visão de mundo. Portanto o compromisso político de pensar a humanização da prisão é de toda a sociedade, pois, é um problema que necessita ser discutido e problematizado na coletividade. Considerações Finais Considerando o aporte estudado no decorrer do presente trabalho, entende-se ser de fundamental importância pensar a educação no sistema prisional brasileiro. A busca

por uma educação emancipatória, progressista, tende de ser responsabilidade de todos os profissionais envolvidos com a política educacional. Uma educação que não está atrelada aos ditames da sociedade capitalista neoliberal é aquela que forma seres críticos, reflexivos e propositivos, capaz de realizar uma leitura de realidade de maneira competente e comprometida com o bem estar da coletividade. O sistema prisional tem-se mostrado no decorrer do tempo falido, pois, desrespeitos aos direitos humanos se tornaram uma constante, atrelados á falta de investimentos em políticas públicas de qualidade, comprometidas com o processo de preparo da pessoa privada de liberdade para o convívio social. O caráter punitivo e coercitivo de execução penal continua ocupando lugar de destaque nas mais diversas casas prisionais. A humanização da pena é vista como uma das formas de pensar o recluso como ser humano de direitos e deveres de cidadania. A educação no sistema prisional tem se mostrado a partir de diferentes analises, um componente relevante no processo de humanização da pena privativa de liberdade, possibilitando oportunidades de transformação na vida dos sujeitos. Uma das principais contribuições da política educacional no sistema prisional é o despertar para uma leitura de realidade que oferece a um só tempo a possibilidade de tornar os sujeitos críticos, reflexivos e propositivos, capazes de problematizar a realidade que os cerca de forma competente. Portanto, a implantação de políticas públicas de qualidade no sistema prisional, é fator primordial no processo de humanização e qualificação dos serviços, com vistas a atingir uma execução penal mais humanizada, que coloca o ser humano, como sujeito detentor de direitos humanos fundamentais. Referências Bibliográficas FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da Violência nas Prisões, 38º ed. Vozes, Rio de Janeiro, 2010. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1974., Paulo. Política e Educação. São Paulo. Cortez, 1995. GOUVÊA, Meireles Conceição da Maria. O Serviço Social no Espaço Escolar In O Serviço Social e a Política Pública de Educação. Cândida Canêdo, Minas Gerais, 2005. JULIÃO, Fernandes Elionaldo. As Políticas de Educação para o Sistema Penitenciário In Educação Escolar Entre as Grades. EDUFScar, São Carlos, 2007. LEI DE EXECUÇÃO PENAL. Lei nª 7210. Saraiva. São Paulo, 1984. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO. Lei nª 9.394, 1996. OLIVEIRA, Câmara Hilderline. A Falência da Política Carcerária Brasileira. Artigo Científico. 3ª Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luiz- MA, 2007. OLIVEIRA, Rosângela, MACHADO, Ferreira Ilma. Qual a Formação para os Sujeitos das Escolas do Campo? In Freire na Agenda da Educação. Educação Ambiental e outros Autores. Editora, Unijuí, Ijuí, 2013. PAIXÃO, Antônio Luiz. Recuperar ou Punir. Como o Estado trata o Criminoso. V.21. Cortez, São Paulo, 1987.