DATALUTA Sergipe: metodologia e contribuição ao estudo da questão agrária 1

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Transcrição:

61 DATALUTA Sergipe: metodologia e contribuição ao estudo da questão agrária 1 Eraldo da Silva Ramos Filho 2 Rayane Mara Batista 3 Pedro Leão Ashton Vital Brazil 4 Lucas Feitosa de Souza 5 Isabela Jesus da Mota 6 Resumo 123456 A preocupação central deste artigo é disponibilizar informações sobre os diferentes processos de territorialização e territorialidades em construção pelo agronegócio e campesinato no Brasil, com ênfase para o Estado de Sergipe, no período compreendido entre 1988 a 2010. A partir de estudos realizados na Rede DATALUTA, analisamos as transformações recentes na questão agrária brasileira e sergipana com o intuito de contribuir com formulações teórico-metodológicas que permitam ampliar a compreensão dos modelos de desenvolvimento do agronegócio e da agricultura camponesa e das potencialidades, dos dilemas e desafios das políticas públicas vigentes para estes setores. Os levantamentos são produzidos em diálogo permanente com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na escala de Sergipe e, na escala nacional, com a Comissão Pastoral da Terra. Os resultados buscam possibilitar um panorama da questão agrária de modo a contribuir com os movimentos socioterritoriais na tomada de decisões sobre os modelos de desenvolvimento territorial rural. Palavras-chave: questão agrária, luta pela terra, reforma agrária, assentamentos rurais. 1 Projeto desenvolvido com auxílio financeiro da Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Estado de Sergipe (FAPITEC), e com bolsas de Iniciação à Extensão Universitária (PIBIX/PROEX) e de Iniciação Científica Júnior/CNPq/FAPITEC. 2 Professor do Departamento de Geografia/UFS, doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista, pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. E-mail: eramosfilho@pq.cnpq.br 3 Estudante em Geografia/UFS. E.mail: rayane.mara.geo@ gmail.com. 4 Estudante ensino médio/colégio Aplicação da UFS. E.mail: pedro-brazil@hotmail.com 5 Estudante ensino médio/colégio Aplicação/UFS. E.mail: lucas_feitosa23@hotmail.com 6 Estudante ensino médio/colégio Aplicação/UFS. E.mail: bel-mota@hotmail.com

DATALUTA Sergipe: methodology and contribution to the study of the agrarian question Abstract The central concern of this paper is to provide information about the different territorialization and territoriality processes in construction by agribusiness and peasants in Brazil, with emphasis on the state of Sergipe from 1988 to 2010. Based on studies in DA- TALUTA Network, we analyze recent changes in the agrarian question in Sergipe and in Brazil in order to contribute to theoretical and methodological formulations which permit a broader understanding of the development models of agribusiness and family farms and potentiality, dilemmas and challenges of current public policies for these sectors. The surveys are produced in continuous dialogue with the Movement of Landless Rural Workers in the range of Sergipe, and, in national scale, with the Pastoral Land Commission. The results allow seeking an overview of the agrarian question to contribute to the socio- -territorial movements in making decisions about rural land development patterns. Key words: agrarian question; struggle for land; agrarian reform; rural settlements.

DATALUTA Sergipe: metodologia e contribuição ao estudo da questão agrária 63 A Contribuição do DATALUTA para a Análise da Questão Agrária Nesta primeira década do século XXI a questão agrária permanece como uma das problemáticas centrais da sociedade brasileira. A permanência de elementos históricos, como a concentração fundiária e subutilização das terras rurais, a superexploração do trabalho e o trabalho escravo e as lutas dos trabalhadores se fundem aos processos e dinâmicas recentes de reconversão produtiva, materializadas na expansão do agronegócio, sobretudo com a produção comercial de agrocombustíveis, voltada para um mercado mundializado. Dessa forma também se une à multiplicação de iniciativas da agricultura camponesa no desenvolvimento da produção agroecológica, na construção de mercados justos e em avanços na construção do paradigma da educação do campo. A questão agrária é uma problemática estrutural do desenvolvimento desigual, contraditório e combinado do capitalismo. Sua complexidade desafia permanentemente diferentes sujeitos sociais (pesquisadores, governos, movimentos socioterritoriais, organizações não governamentais, etc.), exigindo a realização de esforços analíticos e explicativos do real. Historicamente a questão agrária brasileira é marcada pela conflitualidade, que resulta do permanente movimento de enfrentamento de forças sociais antagônicas que impulsionam a territorialização, a desterritorialização e a reterritorialização (T- -D-R) das relações sociais capitalistas e camponesas (RAFFESTIN, 1993; FERNANDES, 2005, p. 43). O movimento sobre o espaço das diferentes relações sociais resulta da ocorrência de conflitos, compreendidos como o momento de confronto entre diferentes classes, com vistas a atingir uma determinada intencionalidade (FERNANDES, 2005, p. 2). A concentração fundiária no país tem sido um importante fator causador dos conflitos ocorridos historicamente no território brasileiro, sendo, nas últimas décadas, a principal forma de ocupações de terras que reivindica do Estado a criação de assentamentos de reforma agrária. Contudo, o acesso aos dados sobre ocupações de terras, assentamentos rurais e movimentos socioterritoriais é um sério problema para o entendimento da questão agrária brasileira, seja por parte dos movimentos socioterritoriais, dos gestores públicos e dos pesquisadores. A razão principal é a fragmentação das informações pelas fontes primárias e as diferentes formas de organização dos dados, que impossibilitam comparações em escalas geográficas e períodos históricos. Um esforço para superar esta situação tem sido o desenvolvimento do Banco de Dados da Luta pela Terra DATALUTA. Esse projeto foi criado no ano de 1998, no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA), ligado ao Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista Campus de Presidente Prudente, com a finalidade de acompanhar, registrar e divulgar os dados das ocupações de terras e assentamentos de reforma agrária no Pontal do Paranapanema (SP). Sua relevância foi disponibilizar uma leitura sobre a intensidade da luta pela terra materializada por meio das ocupações de latifúndios e da criação dos assentamentos rurais, tendo em vista que esta microrregião apresentava-se, na segunda metade da década de 1990, como aquela com maior número de conflitos no campo. Neste primeiro momento, organizou-se um banco de dados que reunia os registros de jornais e informes gerados pelas organizações sociais sobre as ocupações de terras e assentamentos de reforma agrária. Os relatórios anuais sobre o comportamento destas categorias foram publicados pela primeira vez no ano de 2000 e seus dados foram organizados nas escalas microrregional (Pontal do Paranapanema), estadual (São Paulo) e nacional. Em 2003, o DATALUTA incluiu mais duas categorias: os movimentos socioterritoriais e a organização dos dados da estrutura fundiária brasileira (Organograma 1).

64 REVISTA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA UFS São Cristóvão-SE N 2 2013 Organograma 1: escalas, categorias e fontes do DATALUTA Fonte: DATALUTA Brasil, 2011-2012. Os primeiros registros de ocupações de terras no Brasil foram realizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Criada em 1975, durante a ditadura militar, desde então vem atuando em prol de três eixos: dos assalariados e melhores condições de trabalho; dos posseiros e contra a grilagem de terras; e dos sem terra na defesa da reforma agrária, realizando e fortalecendo acampamentos, caminhadas e conquista da terra. Desde o ano de 1985, a CPT publica sistematicamente o relatório Conflitos no Campo Brasil que reúne registros das lutas por terras e água, manifestações, conflitos trabalhistas e em tempo de seca, violência contra a pessoa. Com a criação do DATALUTA na escala Brasil, passou-se a sistematizar os dados de ocupações de terra, tendo como fonte a CPT e o levantamento nos jornais diários paulistas. Essa sistematização levou a compreender que a CPT, apesar de todo o trabalho desenvolvido com seus agentes de pastorais que acompanham in loco, registrava parcialmente as ocorrências. Ou seja, a CPT registrava dados que o DATALUTA não catalogava e este por sua vez apontava ocorrência que aquela não detectava. Essa constatação levou os profissionais envolvidos no desenvolvimento do DATALUTA a intercambiar os registros de ocupações de terras no Brasil a fim de obter maior aproximação do movimento do real. Em 1995, com a escalada dos conflitos no campo brasileiro, o governo determinou que a Ouvidoria Agrária Nacional (OAN), ligada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), realizasse o registro das ocupações de terras para auxiliar na tomada de decisão por parte do governo. A partir de 2006, buscou-se ampliar as fontes de dados com a confrontação e análise das informações levantadas pela Ouvidoria Agrária Nacional (OAN), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A confrontação de informações produzidas pelo DATALUTA, CPT e OAN possibilitou conhecer que os números de ocupações e de famílias no período de 1995 2005 eram em torno de 30% maiores que os divulgados pela CPT e 40% maiores que os constatados pela OAN. Esse resultado proporcionou um encontro cuja finalidade era debater as metodologias de pesquisa e a criação de um conjunto de procedimentos de disponibilização dos dados junto às organizações sociais, de modo a superar as discrepâncias. Inaugurou-se, assim, uma nova fase no processo de registro de dados dos conflitos por terra no Brasil. Neste mesmo ano, iniciou-se a estruturação dos trabalhos da REDE DATALUTA, que se constitui de parcerias e/ou convênios entre diferentes grupos de pesquisa e laboratórios de universidades públicas brasileiras que desenvolvem o levantamento de dados sobre as categorias do Projeto, tomando como referência principal as escala e fontes estaduais. As primeiras parcerias foram firmadas com o Laboratório de Geografia Agrária (LAGEA), do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia e com o Laboratório

DATALUTA Sergipe: metodologia e contribuição ao estudo da questão agrária 65 das Lutas no Campo e na Cidade (GEOLUTAS), do Departamento de Geografia da Universidade do Oeste do Paraná. No ano de 2009, incorporou-se o Núcleo de Estudos Agrários (NEAG) do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde janeiro de 2010, também participam da REDE DATALUTA os seguintes grupos de pesquisa: Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos (LABE- RUR), do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS); Grupo de Estudos sobre Espaço, Trabalho e Campesinato (GETEC), do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e Conservação da Biodiversidade do Pantanal, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT); e o Observatório dos Conflitos no Campo no Espírito Santo (OCCA), ligado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Nesse ano, o PROJETO DATALUTA foi incorporado à carteira de projetos da Cátedra UNESCO de Desenvolvimento Territorial e Educação do Campo. Desde então, o DATALUTA vem passando permanentemente por um processo de aprimoramento metodológico, de incorporação de novas categorias de acordo com o movimento da questão agrária, bem como de ampliação da escala de sua elaboração. Ele tem se caracterizado como um banco de dados que sistematiza informações de fontes primárias e secundárias e as organiza de modo a possibilitar comparações em escalas geográficas e períodos históricos, contribuindo assim com a pesquisa, com o debate a respeito da questão agrária, reforma agrária e do desenvolvimento territorial rural, e com a tomada de decisões, principalmente pelas organizações sociais que atuam na defesa da reforma agrária no Brasil. O Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALU- TA é um projeto de extensão, ensino, pesquisa e inovação tecnológica. A natureza da pesquisa do mesmo relaciona-se à produção de um conhecimento revelador das faces da questão agrária brasileira atual a partir da coleta e confrontação de diferentes fontes relacionadas às seguintes categorias analíticas: ocupações de terras, assentamentos de reforma agrária, estrutura fundiária e movimentos socioterritoriais. Os resultados obtidos são organizados desde a escala local até a nacional, mediante a elaboração de planilhas, quadros, cartogramas, gráficos. A condição extensionista do DATALUTA reside no diálogo permanente entre os profissionais envolvidos no seu desenvolvimento e as organizações sociais responsáveis pela produção de informação sobre as dimensões da luta pela terra no Brasil e a relação emblemática da Comissão Pastoral da Terra, a qual presta assessoria teórico-metodológica na elaboração da publicação Conflitos no Campo Brasil. Uma outra incumbência seria a de disponibilizar os relatórios anuais para os movimentos socioterritoriais camponeses, com vistas à leitura do território. Os governos, pesquisadores nacionais e internacionais, a imprensa etc. também se beneficiam do DATALUTA nas suas análises, uma vez que o relatório Brasil e os relatórios estaduais são disponibilizados na rede mundial de computadores através dos sítios: http://www2.fct. unesp.br/nera/projetos.php, http://www.lagea. ig.ufu.br/rededataluta.html e http://www.laberur.ufs.br. O projeto em destaque é considerado de ensino, uma vez que está relacionado com a produção de conhecimento que possibilita a atualização dos cursos que estão sendo ministrados na graduação e pós-graduação pelos membros da REDE DATALUTA e por outros professores/investigadores. E, por fim, é também caracterizado como de inovação tecnológica, tendo em vista o funcionamento de um banco de dados sob a plataforma Microsoft Excel para compilação da informação, a utilização dos softwares PhilCarto e Adobe Ilustrator na representação espacial. A criação do DATALUTA facilitou o acesso às informações aos movimentos socioterritoriais, pes-

66 REVISTA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA UFS São Cristóvão-SE N 2 2013 quisadores, gestores públicos da política nacional de reforma agrária, à imprensa e aos usuários em geral, de modo que seus dados puderam ser sistematizados das mais diferentes formas, permitindo compreender a dinâmica de luta e a problemática da reforma agrária. Atualmente o DATALUTA já é considerado o mais amplo e completo banco de dados da questão agrária brasileira. Suas informações têm contribuído com a elaboração de estudos realizados desde a iniciação científica até o doutorado em instituições nacionais e no exterior, bem como tem sido uma referência obrigatória para os articulistas dos principais veículos de comunicação (a exemplo da Folha de São Paulo, O Estadão, Revista Veja, Revista Isto É, Carta Capital, Caros Amigos, etc.) quando desejam tratar dos números da luta pela terra no Brasil. Procedimentos Metodológicos do DATALUTA Sergipe Em Sergipe o PROJETO DATALUTA está sendo desenvolvido desde o mês de janeiro de 2010. Mantemos um diálogo permanente com os demais grupos de pesquisa integrantes da REDE DATALUTA no intuito de intercambiar reflexões teórico-metodológicas sobre os estudos em curso e a disponibilização das informações produzidas. A estrutura do relatório anual do DATALUTA SERGIPE é formado por 05 categorias, a saber: manifestações, ocupações de terras, assentamentos rurais, estrutura fundiária e reforma agrária de mercado. Outras duas categorias que integram o Projeto são: movimentos socioterritoriais e a estrangeirização. Porém, como ainda se encontram em processo de sistematização, elas não compõem o relatório anual. O levantamento de informações quantitativas e/ou qualitativas sobre as diferentes categorias toma fontes distintas e seus respectivos procedimentos metodológicos como referência. Para o grupo assentamentos rurais, utilizamos os relatórios anuais fornecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Desta instituição adotamos também os dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural para elaborar as tabelas de evolução da categoria estrutura fundiária. No tocante às categorias manifestações e ocupações, a principal fonte é o Jornal da Cidade, do qual reunimos todos os tipos de registros (matérias, editoriais, notas, etc.) sobre estes eventos. Neste periódico além de compilarmos as ocorrências relacionas às referidas categorias, reunimos os registros de outros 67 temas relacionados à questão agrária, terra e território (Quadro 01). Durante o ano de 2010, foi possível reunir 849 matérias relacionadas aos temas supracitados. A este acervo jornalístico denominamos DATALUTA JORNAL SERGIPE, o qual resguarda a memória da questão agrária. Ele é importante para a sociedade, pois seus registros constituem-se como um referencial quantitativo e qualitativo para a leitura da realidade. Após a seleção das matérias, realizamos a organização digital das mesmas, o que incluiu a digitalização e o registro das informações principais (fonte, data e resumo da ocorrência, etc.) para posteriormente realizar a organização física das matérias.

DATALUTA Sergipe: metodologia e contribuição ao estudo da questão agrária 67 Quadro 1 - TEMAS DO DATALUTA JORNAL SERGIPE 01. ABAG Associação Brasileira de Agribusiness 35. Questão agrária 02. Agricultura 36. Reforma Agrária 03. Agrocombustíveis 37. Segurança alimentar 04. Agroenergia 38. Sem terra 05. Agroindústria 39. Sem teto 06. Agronegócio 40. SNA Sociedade Nacional da Agricultura 07. Água doce 41. Soberania alimentar 08. Assentamentos rurais 42. SRB Sociedade Rural Brasileira 09. Biocombustíveis 43. Território 10. Bioenergia 44. Território da Cidadania 11. Bloco Ruralista 45. Trabalhador Rural (exemplo: cortador de cana) 12. Bolsa Família 46. Transgênicos 13. Campo e Cidade 47. UDR União Democrática Rural 14. Camponês/Campesinato 48. Via Campesina 15. CNA Confederação Nacional da Agricultura 49. Violência no Campo 16. CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura 50. Carnalita 17. CPT Comissão Pastoral da Terra 51. PAC 18. Desenvolvimento territorial rural 52. Mão Amiga 19. Espaço 53. Solidariedade 20. Estrutura fundiária 54. Movimentos Sociais Urbanos 21. FETRAF Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Brasil 55. PRONESE 22. Lugar 56. Crédito Fundiário 23. Luta pela Terra 57. Reforma Agrária de Mercado 24. Manifestação 58. FETASE 25. Marcha 59. Centro Dom José Brandão de Castro (Agroecologia) 26. Movimentos sociais 60. Moradia 27. Movimentos socioterritoriais 61. Comercialização 28. MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra 62. Condições sanitárias 29. Ocupações de terra 63. Crédito Rural 30. Paisagem 64. Situação de pobreza 31. Pecuária 65. Situação de miséria 32. PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura 66. Ações governamentais Familiar 33. PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária 67. Extensão Rural 34. PRORURAL Fonte: DATALUTA JORNAL SERGIPE. Organização: Rayane Mara Batista, Pedro Leão Ashton Vital Brazil, Lucas Feitosa de Souza, Isabela Jesus da Mota, 2010.

68 REVISTA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA UFS São Cristóvão-SE N 2 2013 Das matérias encontradas relacionadas às manifestações de trabalhadores, registramos em planilha eletrônica as seguintes informações: data e local da ocorrência, classificação do tipo de manifestação, o número de pessoas e o nome/sigla dos movimentos socioterritoriais. Já naquelas cujo tema estava relacionado às ocupações, registramos na planilha eletrônica: a data da ocorrência, o número de famílias envolvidas, o nome do imóvel reivindicado, o município e o nome/sigla do movimento socioterritorial. Os grupos de pesquisa integrantes da REDE DATA- LUTA organizam os relatórios mensais, que incluem a planilha eletrônica com as informações sintéticas das ocorrências e as respectivas matérias jornalísticas digitalizadas. Para melhor fluxo de informações na REDE e entre esta REDE e a CPT, estabeleceu-se que o LAGEA coordenaria a organização da categoria manifestações e o NERA, relativo às ocupações. As coordenações detém a atribuição de organizarem os dados das respectivas categorias na escala nacional, que devem ser repassados para CPT na segunda semana do mês corrente. Após este procedimento, um fluxo contrário se realiza, quando as coordenações recebem da CPT os dados gerados por esta última sobre as referidas categorias. Fica a cargo das coordenações procederem à confrontação de dados gerados pelo DATALUTA e pela CPT, eliminando duplicidades e realizando complementações quando necessário. No caso da classe das ocupações, a confrontação de informação se dá também com a relação aos dados da Ouvidoria Agrária Nacional (OAN) e Associação Nacional dos Institutos de Terras (ANO- TER). Desta intercessão entre diferentes fontes, resultam os dados de manifestações e ocupações publicados no Relatório DATALUTA, através de gráficos, tabelas e mapas. Essas publicações, além de serem disponibilizadas na rede mundial de computadores, são entregues ao Acervo Documental do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, estabelecido no Centro de Memória e Documentação da UNESP (CEDEM). Das matérias compiladas no DATALUTA JORNAL SERGIPE, na primeira quinzena de cada mês, organizamos e enviamos para a CPT os registros de um conjunto de temas que contribuirão para a elaboração da informação quantitativa da publicação Conflitos no Campo Brasil, publicada anualmente. Os temas são os seguintes: conflitos por terras e águas, ocupações, acampamentos, trabalho escravo, superexploração, desrespeito e conflitos trabalhista, ações de resistência, manifestações, violência contra o trabalhador e seus direitos, assassinatos e tentativas, ameaçados de morte, violência contra a pessoa (CPT, 2009). Por fim, organizamos ainda os dados a respeito dos empreendimentos de crédito fundiário implantados no estado de Sergipe. Para tal, adotamos como fonte a consulta ao sistema de informações gerenciais do Programa Nacional de Crédito Fundiário, cuja base de dados já passou por confrontação com dados fornecidos pela Empresa de Agropecuária de Sergipe (EMDAGRO), pela Empresa de Desenvolvimento Sustentável de Sergipe (PRONESE) e pela Secretária de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SRA/MDA). Ou seja, a categoria anteriormente citada contém informações dos empreendimentos de crédito fundiário em suas diversas linhas de financiamento (Banco da Terra, Cédula da Terra, Combate à Pobreza Rural, Consolidação da Agricultura Familiar, etc.), no tocante as seguintes variáveis: unidade da federação, município, nome do empreendimento, número de famílias atingidas, área, ano de criação e valor dos investimentos comunitários e valor de aquisição da terra. Os diferentes dados da diversidade de categorias são organizados, sistematizados e representados sob a forma de tabelas, gráficos e mapas e publicados anualmente no Relatório DATALUTA SER- GIPE que é encaminhado para as organizações e movimentos sociais, além de ser disponibilizado na rede mundial de computadores através dos sites: http://www.laberur.ufs.br, http://www2.fct.

DATALUTA Sergipe: metodologia e contribuição ao estudo da questão agrária 69 unesp.br/nera/projetos.php e, http://www.lagea. ig.ufu.br/rededataluta.html Síntese de Resultados do DATALUTA Sergipe 2010 O Brasil vive nesta primeira década do século XXI uma conjuntura político-econômica marcada pelo fortalecimento da democracia, ascensão do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República e expressivo crescimentos econômico verificado na ampliação dos empregos formais, proporcionados, sobretudo, pelos megaprojetos, bem como no acesso de parcela da sociedade aos recursos mínimos de sobrevivência, decorrente dos programas de transferência de renda, como Bolsa Família. Ademais, observa-se a expansão do agronegócio 7 decorrente de forte drenagem de recursos públicos sobre a forma de créditos agrícolas, investimentos, incentivos fiscais e tributários a imóveis antes passíveis de serem incluídos na condição de latifúndios. Estes fatores têm impactado a transformação da conjuntura agrária. Embora os conflitos por terras se mantenham na centralidade da questão agrária brasileira, a publicação da CPT, Conflitos no Campo Brasil 2010, revelou que, pela primeira vez na história agrária do Brasil, os posseiros assumiram a dianteira na realização de conflitos por terras em detrimento dos sem terras. O relatório DATALUTA Brasil 2009 revela que as ocupações sofreram declínio nos anos que conformam a Era Lula e repercutem diretamente na diminuição de famílias beneficiadas com assentamentos de reforma agrária. As ocupações são ações coletivas das famílias sem terra que, por meio da entrada em imóveis rurais, reivindicam terras que não cumprem a função social para a reforma agrária. O relatório DATALUTA Sergipe 2010 revela que a conflitualidade entre campesinato e o agronegócio se expressa através das manifestações no campo e na cidade, tornando fundamental o estudo das ações dos movimentos socioterritoriais. Somente no ano de 2010, registramos a ocorrência de 26 manifestações de trabalhadores. Sendo, 16 realizadas por movimentos urbanos (espacializadas na cidade) e 10 realizadas por movimentos do campo. As manifestações são ações coletivas dos trabalhadores e trabalhadoras que reivindicam diferentes políticas públicas e ou repudiam políticas governamentais ou exigem o cumprimento de acordos e promessas. (CPT, 2009, p. 11). Dentre as que ocorrem no campo, verifica-se uma espacialidade que envolve os municípios de Aracaju, Canindé do São Francisco, Estância e Poço Redondo, cujas reivindicações são a agilidade de processos desapropriatórios e o ato político para relembrar o Massacre de Eldorado dos Carajás. Em 2010 foram realizadas no Estado 06 ocupações, dentre as quais 04 foram no campo, reivindicando a desapropriação de latifúndios localizados, respectivamente, nos municípios de Japaratuba, Estância e Poço Redondo; e 02 ocupações na cidade de Aracaju, reivindicando moradia. Os movimentos socioterritoriais articulares destas lutas foram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU). No gráfico 1, abaixo, podemos observar as ocupações do Estado de 1988 a 2010. De 1988 a 1995 podemos notar que há uma constante nas ocupações. A partir de 1996 até 2004 é intensificada a luta pela terra, havendo várias ocupações no Estado. Esse período coincide com os governos do Albano do Prado Pimentel Franco (1995-2002) e João Alves Filho (2003 a 2006). A partir de 2005 há uma diminuição da luta pela terra, período esse que coincide com o mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e com o mandato do governando Marcelo Dedá Chagas. Isso mostra que a luta por terra está em declínio. Uma das possíveis explicações para essa diminuição são as políticas compensatórias criadas pelo governo federal, a exemplo do Programa Bolsa Família.

70 REVISTA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DA UFS São Cristóvão-SE N 2 2013 Gráfico 1 SERGIPE - OCUPAÇÕES DE TERRAS - 1988-2010 Fonte: DATALUTA SERGIPE, 2010. Organização: Rayane Mara Batista. No gráfico 2 estão representados os assentamentos de reforma agrária criados no Estado. De 1988 a 1995 há a criação de uma média de 1,87 assentamentos rurais por ano. A partir de 1996 verifica-se o aumento desse número a cada ano, embora o quantitativo sofra uma oscilação em todo o período. Podemos inferir que o crescimento do número de assentamentos rurais criados decorre do aumento do número de ocupações de terras realizadas pelos trabalhadores. Não necessariamente uma área ocupada vem a se tornar um assentamento de reforma agrária, pois, para se chegar a este processo, é necessário, além de constatar-se a improdutividade do imóvel, atingir a desapropriação do mesmo e obter a imissão da posse a favor do INCRA pelo Poder Judiciário. Na maioria dos casos este processo é demasiado moroso e para que seja desencadeado é necessária a espacialização da luta pela terra. Gráfico 2 SERGIPE ASSENTAMENTOS RURAIS - 1988-2010 A partir das representações quantitativas do DA- TALUTA SERGIPE, pode-se inferir que, entre os camponeses e o agronegócio, um conjunto de ações assentadas no território se ergue como parte das estratégias de existência, resistência e expansão de ambos os modelos de desenvolvimento. A relação social camponesa, embora incorporada à dinâmica capitalista de uma forma desigual e contraditória, não se fundamenta nem objetiva a realização do lucro médio como ocorre com a relação social capitalista do agronegócio. Parte de sua produção é elaborada e destinada ao consumo direto da família e a outra transformada em mercadoria no seu próprio comércio. O campesinato, ao mesmo tempo em que se constitui como trabalhador, também é proprietário de terra e meios de produção. Para entender sua existência, é preciso considerar que o desenvolvimento do capitalismo no campo, ao mesmo tempo em que cria as relações capitalistas de produção, (re)cria contraditoriamente relações não-capitalistas de produção. Sua existência e recriação estão relacionadas também à realização da reforma agrária. Neste contexto, assume proeminência a criação do DATALUTA SERGIPE como ferramenta de análise do território disponível para os movimentos socioterritoriais. A breve sistematização dos dados da questão agrária brasileira revela que, em Sergipe, se acompanha a tendência nacional de redução das lutas por terras, comparando-se a períodos anteriores. Contudo, demonstra que a desigualdade e exclusão do campo avançam com o agronegócio e se materializam na cidade com o aparecimento dos conflitos urbanos, sob a forma de ocupação. Notas Fonte: DATALUTA SERGIPE, 2010. Organização: Rayane Mara Batista. 7 O agronegócio é um complexo de sistemas que compreende agricultura, indústria, mercado, finanças, tecnologias, marketing e que possibilitou a formação de um modelo de desenvolvimento econômico comandado por corporações transnacionais que atuam em

DATALUTA Sergipe: metodologia e contribuição ao estudo da questão agrária 71 diversos setores da economia. Além disso, é concebido como parte de um projeto de desenvolvimento do campo brasileiro em contraponto a um projeto de desenvolvimento assentado na pequena agricultura. Referências CAMPOS, Janaína Francisca de Souza; CUBAS, Tiago Egidio Avanço. O papel do DATALUTA Jornal no estudo da questão agrária brasileira. Importância, Metodologia e Contribuições. digitado, 2009. CAVALCANTE, M. B.; FERNANDES, B. M.. Territorialização do agronegócio e concentração fundiária. Revista NERA (UNESP. Online), v. 13, p. 16-25, 2008. CLEPS JUNIOR, João. DATALUTA: banco de dados da luta pela terra. Relatório 2009. Uberlândia, 2010. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no campo Brasil 2010. Goiânia: CPT, 2011.. Conflitos no campo Brasil 2009. São Paulo: Expressão Popular, 2010. CUBAS, Tiago Egidio Avanço. Análise das representações dos ruralistas e camponeses no estado de São Paulo, de 1998 a 2008, a partir do acervo DATALUTA Jornal. 2009. Relatório de pesquisa FAPESP. FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão Agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial. In: Luta pela Terra, Reforma Agrária e Gestão de Conflitos no Brasil. Antônio Márcio Buainain (Editor). UNICAMP, 2005. FILHO, José Sobreiro. Organização de dados da luta pela terra e da reforma agrária para análise e mapeamento da questão agrária. 2009. Relatório de pesquisa FAPESP. ORIGUELA, C. F.. Formação da Rede DATALUTA: Um estudo das mudanças das ocupações de terras no contexto da questão agrária atual. Relatório Parcial FAPESP, 2010. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.. Reconceitualizando a Reforma Agrária. NERA - Núcleo de Estudos Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária, http://www4.fct.unesp.br/nera/boletimdataluta. Boletim DATALUTA, julho de 2010.