A ATUAÇÃO DE GRANDES EMBARCAÇÕES PESQUEIRAS NA REGIÃO COSTEIRA: O CONFLITO DE USO NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Transcrição:

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO AGÊNCIA PAULISTA DE TECNOLOGIA DOS AGRONEGÓCIOS INSTITUTO DE PESCA A ATUAÇÃO DE GRANDES EMBARCAÇÕES PESQUEIRAS NA REGIÃO COSTEIRA: O CONFLITO DE USO NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO Roberto William von Seckendorff Venâncio Guedes de Azevedo ISSN 1678-2283 Sér. Relat. Téc. São Paulo n. 31 jun./2007

COMITÊ EDITORIAL DO INSTITUTO DE PESCA Cláudia Maris Ferreira Marcus Henrique Carneiro (coordenador) Maria Teresa Duarte Giamas Paula Maria Gênova de Castro Rose Meire Vidotti ESTE NÚMERO FOI SUBMETIDO À REVISÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA Editor-chefe Marcus Henrique Carneiro Revisor do Idioma Inglês Gastão César Cyrino Bastos Gerenciamento de Informática Rodrigo Monteiro Diniz Junqueira Divulgação Centro de Comunicação e Transferência do Conhecimento Núcleo de Informação e Documentação

A ATUAÇÃO DE GRANDES EMBARCAÇÕES PESQUEIRAS NA REGIÃO COSTEIRA: O CONFLITO DE USO NO LITORAL NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO Roberto William von SECKENDORFF 1,2 & Venâncio Guedes de AZEVEDO 1,2 RESUMO Um dos principais conflitos de uso pela pesca no litoral norte do Estado de São Paulo, Brasil, ocorre entre as comunidades pesqueiras costeiras e a atuação das frotas industriais de isca-viva e de parelhas. Diversas são as ações que tentam amenizar este problema, adotando medidas que estejam a contento para ambos os lados. Palavras-chave: conflitos, atividade pesqueira, frota industrial ABSTRACT One of the main use conflicts in fisheries at the northern coast of the State of São Paulo, Brazil, occurs between the coastal fishing communities and the industrial fleets of pole and line and bottom pair trawlers. Diverse actions attempt to lighten up this problem, by adopting measures that satisfy both sides. Key words: conflict, fishery activity, industrial fleet 1 Pesquisador Científico Instituto de Pesca APTA SAA - SP 2- Estrada Joaquim Lauro de Monte Claro, 2275 - Itaguá, Ubatuba/SP. E-mail: rseckendorff@pesca.sp.gov.br 1

1. INTRODUÇÃO A pesca é uma atividade importante para as populações que habitam o litoral norte do Estado de São Paulo desde antes da chegada dos europeus (STADEN, 1974 e LERY, 1980). O modelo de colonização da região baseou-se primeiramente na agricultura, permanecendo a pesca durante muito tempo como uma atividade complementar à sobrevivência e com finalidade mercantil, sendo geralmente praticada com métodos simples, sem a utilização de tecnologias sofisticadas. DIEGUES (1983) descreve a atividade dos pescadores-lavradores no início do séc. XX, mesma época em que tem início no Estado do Rio de Janeiro a pesca embarcada, com a importação de tecnologias como as redes de cerco (traineiras) e de arrasto. Esta passou a ser praticada em moldes empresariais, criando um distanciamento da pesca praticada em pequena escala. Surgiram a figura dos armadores, as indústrias de salga, as tripulações especializadas e a crescente sofisticação dos métodos de captura. A atuação de grandes embarcações pesqueiras próximas à costa passou a ser constantemente citada como uma das responsáveis pela crescente escassez de recursos pesqueiros e, conseqüentemente, um entrave à sobrevivência da pesca de pequeno porte no Litoral Norte do Estado de São Paulo. O presente documento reflete a participação do primeiro autor nos diversos fóruns de debates sobre tais modalidades pesqueiras ocorridos na região, bem como do grupo responsável pela elaboração do Decreto Estadual nº 49.215 de 07 de dezembro de 2004, que instituiu o Zoneamento Ecológico-Econômico do litoral norte do Estado de São Paulo. 2. PRINCIPAIS MODALIDADES PESQUEIRAS GERADORAS DE CONFLITOS NA ZONA COSTEIRA 2.1.Modalidade de pesca de arrasto-de-parelha A pesca de arrasto de fundo efetuada pelas parelhas é reconhecida por apresentar baixa seletividade nas capturas e altos índices de descarte. Captura uma grande diversidade de organismos que não tem valor comercial, incluindo juvenis de espécies comerciais que, por seu pequeno tamanho, ainda não encontram colocação no mercado. Sua atuação próxima à costa, além 2

de revolver o fundo do mar, incide sobre áreas de criadouros, fazendo com que este método de pesca seja considerado uma grande fonte de impacto ambiental. A legislação vigente (Portaria SUDEPE n N-54, de 20 de novembro de 1984) determina a proibição da pesca de arrasto pelos sistemas de portas e de parelhas realizada por embarcações acima de 10 TAB, nas áreas costeiras do Estado de São Paulo, a menos de 1,5 milhas náuticas da linha da costa, o que torna sua atuação um flagrante desrespeito à lei, devendo ser severamente coibida pelos órgãos competentes. Nas diversas ocasiões em que tais órgãos foram questionados sobre o problema, a falta de infraestrutura operacional e de recursos humanos foram os motivos apontados para a ineficiência das autuações. O fato de que a maioria das parelhas não tem nas cidades da região seu porto, sendo em geral oriundas de Santos ou de outros estados, faz com que a fiscalização dependa da utilização de embarcações para que a autuação ocorra no mar, concordando com CASTRO (2000). De acordo com o Sistema de Controle Estatístico da Produção Pesqueira Marinha, o ProPesq (ÁVILA-DA-SILVA et al., 1999), pertencente ao Instituto de Pesca/APTA/SAA/SP, o número médio de parelhas atuantes no Estado de São Paulo entre 1998 e 2005 foi de 24 duplas, sendo que o menor valor encontrado foi 18 em 1998 e o maior 31 em 2001 (INSTITUTO DE PESCA, 2007). 2.2. Modalidade de pesca de vara-isca-viva A pesca de atuns e bonitos com uso de vara e isca viva teve início no Brasil, no Estado do Rio de Janeiro, no final da década de 1970. Inicialmente, a isca era fornecida aos atuneiros por uma frota de pequenas traineiras que se especializou neste método, realizando capturas dentro da Baía de Guanabara. O excedente das capturas de sardinha, isca preferida pelos atuneiros, passou a ser comercializada em bares e restaurantes da região, o que contraria a legislação vigente quanto ao tamanho mínimo de captura da espécie (17 cm) (Portaria IBAMA n 120-N de 17 de novembro de 1992), levando o IBAMA a determinar, no início da década de 1990, que cada atuneiro capturasse sua própria isca, visando com isto a eliminar o excedente e a atividade associada (Portaria IBAMA n 68, de 30 de outubro de 2003). Segundo DIAS-NETO (2003): Na região sudeste/sul há o caso da pesca com isca-viva, executada pela frota atuneira que pesca bonito-listrado, que desencadeou uma série de conflitos com os pescadores artesanais e turistas. Pescaria iniciada no final da década de 70 e que se desenvolveu rapidamente nos anos 80. A captura da isca-viva, no seu início, foi realizada pelas traineiras, com redes de cerco. Posteriormente, surgiram pequenas frotas de cerqueiros especializadas na captura e venda da isca. Em função da 3

comercialização paralela do excedente de isca, esta atividade foi proibida. Os atuneiros foram obrigados a capturar as suas próprias iscas. Pequenas redes de cerco foram adaptadas à frota, que passou a atuar sobre os abundantes cardumes de pequenos pelágicos, mas sempre em regiões abrigadas. Na época, a sardinhaverdadeira, muito abundante e com uma ótima sobrevivência, foi adotada como a melhor isca viva. As manjubas são mais frágeis e necessitam de um manuseio mais cuidadoso após a captura, já que morrem com muita facilidade. Com a recuperação dos estoques da sardinha, entre 1993 e 1996, as críticas e pressões sobre a pesca da isca-viva diminuíram. Hoje, com a nova crise, as críticas e conflitos voltaram. Aos questionamentos do setor sobre a permissão para captura de juvenis mesmo durante o período do defeso de uma espécie considerada em sobre-explotação (Instrução Normativa MMA n 5, de 21 de maio de 2004, alterada pela Instrução Normativa MMA n 52 de 08 de novembro de 2005), o setor técnico argumenta-se que a sardinha destinada à isca viva representa uma porcentagem insignificante para os estoques da espécie. Entretanto, esta afirmação não considera outros problemas resultantes desta atividade, como: a importância da sardinha na cadeia trófica e como as espécies capturadas pela pesca costeira são afetadas; e a movimentação de grandes embarcações dentro de baías e enseadas, locais onde o setor da pesca de pequena escala atua com apetrechos como o cerco-flutuante, rede-de-emalhe e realizam a maricultura. As fortes demandas do setor pesqueiro de pequena escala provocaram, entre outras, iniciativas como a Lei Municipal nº 1955/2000 do Município de Ubatuba, que proíbe a captura de isca viva, levando o IBAMA a convocar a I Reunião Técnica sobre o Ordenamento da Captura de Isca Viva nas Regiões Sudeste e Sul do Brasil em abril/2001, Itajaí, SC. A partir desta reunião, formou-se o Grupo Técnico de Trabalho para tratar do assunto da isca viva (GTT - Isca Viva), com a participação de representantes dos órgãos federais, estaduais e municipais de pesquisa e proteção ao meio ambiente, Marinha do Brasil, sindicatos e colônias de pescadores artesanais e embarcados. Posteriormente ocorreram outras reuniões onde as principais ações foram: - Identificar e compilar as pesquisas existentes referentes ao uso de iscas alternativas; - Estabelecer oficina para a criação de uma rede de pesquisa; - Propor um programa integrado de pesquisa para o uso de iscas alternativas; - Identificar e compilar as informações referentes às embarcações pesqueiras que operam com a utilização de isca viva; - Discutir a pesca e o fornecimento de isca viva por parte de pescadores artesanais em projetos locais, demonstrativos e monitorados (3 unidades); 4

- Discutir sobre a paralisação da pesca de Sardinha para Isca Viva durante os períodos de defeso da espécie; - Discutir sobre a definição de defeso específico para a captura de iscas, visando aumentar o rendimento e reduzir o esforço sobre o estoque de juvenis; - Discutir possíveis áreas para a captura de isca viva; - Discutir a definição de tamanho mínimo de malha de redes para captura de isca viva; - Discutir sobre espécies e métodos para a captura de isca alternativa para a pesca de bonito e outras espécies; - Compilar e analisar as normas vigentes referentes à pesca de isca viva; - Discutir, elaborar e propor, se for o caso, adequações às normas que tratam das medidas de ordenamento da pesca de isca viva; - Discutir proposta para o ordenamento específico para a pesca com vara e isca viva. (Revisão da Portaria IBAMA n 68, de 30 de outubro de 2003). Como forma de ordenamento da atividade pesqueira, o primeiro autor deste documento participou do grupo que discutiu e elaborou o texto que define o Zoneamento Ecológico- Econômico do Litoral Norte, conduzido pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA, 2005). Foi proposto pelo grupo que, dentro do que é definido como Zona Costeira, que vai da linha da costa até a isóbata de 23,6 m (Lei nº 10.019 de 3 de julho de 1998 do Estado de São Paulo) não seja permitida a captura de isca viva bem como qualquer modalidade de pesca de arrasto praticada por embarcações acima de 10 TAB. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Brasil é desde 1995, signatário voluntário do Código de Conduta para a Pesca Responsável organizado pela Organização das Nações Unidas-ONU através da FAO (1995), e com isto assume uma série de compromissos, tais como: incentivar o uso de métodos de pesca de baixo impacto ambiental, reduzir a captura de espécies não-alvo, reduzirem desperdícios, e principalmente respeitar os direitos de pesca de comunidades tradicionais e proteger adequadamente os locais utilizados pela pesca artesanal. O aumento da população do país faz com que se aumente a demanda por alimentos, fazendo com que se intensifiquem os cultivos em áreas férteis e não na área terrestre, assim como a captura de organismos diretamente no meio ambiente. Com a diminuição dos estoques verifica-se a sobreposição de esforços entre a pesca artesanal e a industrial, gerando intensos conflitos tanto dentro quanto fora de seu Estado de origem. 5

A fim de sanar tal impasse, verifica-se a necessidade de que as medidas a serem tomadas sejam ponderadas entre a conservação do meio e de populações de organismos; o modo de vida e a utilização do meio pelas populações costeiras; o conhecimento científico e o adquirido na pesca; e do maior controle sobre a atividade industrial, através do trabalho conjunto entre os grupos de interesse da pesca, o governo e a iniciativa privada, tendo como objetivo primordial o ordenamento do setor pesqueiro. Salienta-se que como todo processo participativo de tomada de decisão, existe a necessidade de várias reuniões e muita discussão para que as decisões tomadas estejam de comum acordo entre as partes envolvidas, tal ação caracteriza-se por ser de médio e longo prazo em sua aplicabilidade. 4. BIBLIOGRAFIA ÁVILA-DA-SILVA, A. O.; CARNEIRO, M. H.; FAGUNDES, L. 1999 Sistema Gerenciador de Banco de Dados de Controle Estatístico de Produção Pesqueira Marítima ProPesq. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA DE PESCA, 11.; CONGRESSO LATINO- AMERICANO DE ENGENHARIA DE PESCA, 1., Recife, 17-21/out./1999. Anais, 2: 824-832. CASTRO, P. M. G. 2000 Estrutura e Dinâmica da Frota de Parelhas do Estado de São Paulo, e Aspectos Biológicos dos Principais Recursos Pesqueiros Demersais Costeiros da Região Sudeste-Sul do Brasil (23-29 S). Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, Departamento de Oceanografia Biológica. 261p. DIAS-NETO, J. 2003 Gestão do uso dos recursos pesqueiros marinhos do Brasil. Brasília IBAMA, 242p. DIEGUES, A. C. S. 1983 Pescadores, Camponeses e Trabalhadores do Mar. São Paulo. Ed. Ática, 287 p. FAO 1995 Codigo de conducta para la pesca responsable. FAO, Roma. 46p. INSTITUTO DE PESCA 2007 Estatística pesqueira: Pesquisa Online. São Paulo. Disponível em: www.pesca.sp.gov.br/estatistica.php. Acesso em: 16 abr. 2007. LÉRY, J. de 1980 Viagem à terra do Brasil. São Paulo. Ed. da Universidade de São Paulo. 302 p. SMA 2005 Zoneamento Ecológico-Econômico Litoral Norte de São Paulo. Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Coordenadoria de Planejamento Ambiental Estratégico e Educação Ambiental, São Paulo. 56p. STADEN, H. 1974 Duas viagens ao Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo. 218p. 6