Aquedutos/ Túnel de Benfica/ IC17 António Campos e Matos 1 Ricardo Leite 1 Domingos Moreira 1 Pedro Araújo 2 Pedro Quintas 2 RESUMO O presente artigo expõe alguns dos aspetos da conceção e projeto de estruturas da suspensão do aqueduto das Águas Livres e do aqueduto das Francesas, no Túnel de Benfica, na CRIL. A construção dos aquedutos das Águas Livres e das Francesas iniciou-se no século XVIII, permitindo o abastecimento de água à cidade de Lisboa até meados do século XX. O traçado da CRIL interfere com ambos os aquedutos, ficando a respetiva casa de ligação completamente inserida no espaço ocupado pela plataforma da via. Pela sua importância histórica e cultural, tornou-se imperioso preservar essas estruturas, quer na fase de construção do túnel, quer durante a vida útil da obra. A preservação dos aquedutos com o Túnel de Benfica exigiu uma análise estrutural elaborada e minuciosa, já que o canal rodoviário se desenvolve imediatamente abaixo destas estruturas centenárias e relativamente frágeis. Esta análise suportou a conceção dos sistemas estruturais e construtivos aplicados. PALAVRAS-CHAVE Túnel, aquedutos, suspensão 1 2 Gabinete de Estruturas e Geotecnia Lda, 4300-273 Porto, Portugal. geg@geg.pt, ricleite@geg.pt, dmoreira@geg.pt Odebrecht Bento Pedroso Construções S.A. pedro.araujo@odebrecht.com, pedro.quintas@odebrecht.com
1. INTRODUÇÃO O Túnel de Benfica insere-se no IC17 (Circular Regional Interior de Lisboa), no sublanço Buraca- Pontinha. Figura 1. Esboço corográfico A obra localiza-se numa zona fortemente urbanizada, na fronteira dos concelhos de Lisboa e da Amadora. Interfere com diversas infra-estruturas de grande importância, que exigiram soluções particulares. Nó da Buraca início do Túnel Figura 2. Integração do túnel no meio urbano Nó das Portas de Benfica fim do Túnel A extensão do túnel é de 1446m. Consiste numa galeria dividida por uma parede contínua, materializando um tubo independente para cada sentido de tráfego. Cada tubo tem largura entre 14,5m e 23,5m e altura entre 5,0 e 15,3m. Em termos de tipologia estrutural, a estrutura corrente do túnel é realizada com um pórtico de dois vãos, em betão armado, constituído por duas cortinas de estacas laterais e por um alinhamento de pilares-estaca centrais, todos encabeçados por vigas longitudinais, às quais fica rigidamente ligada a laje de cobertura. 2
Figura 3. Túnel de Benfica corte transversal tipo 2. APRESENTAÇÃO DOS AQUEDUTOS 2.1 Localização A secção em análise do Túnel de Benfica possui uma extensão de 156m, a eixo da CRIL. Desenvolvese entre o km 0+694 e o km 0+850. Figura 4. Planta da zona dos aquedutos 2.2 Descrição A solução estrutural adotada resulta da conjugação dos diferentes tipos de condicionamentos impostos à obra, nomeadamente os arqueológicos, topográficos, rodoviários, geológico-geotécnicos e os decorrentes da ocupação dos terrenos confinantes e dos equipamentos e da sinalização a instalar e ainda da reposição de serviços afetados. Os condicionamentos arqueológicos são, neste caso, os mais importantes já que os aquedutos são estruturas em alvenaria de qualidade relativamente fraca (figura 5) e que a solução estrutural e construtiva previa a preservação destes elementos do património histórico da cidade de Lisboa. 3
Figura 5. Escavação para caracterização dos aquedutos Trata-se de estruturas pesadas e sensíveis a assentamentos. Neste sentido, na escolha da tipologia estrutural foram respeitados os seguintes condicionamentos: O faseamento construtivo para a execução da obra devia contemplar as diretivas do IPPAR e dos estudos ambientais efetuados, relativas à realização de um registo documental e fotográfico dos troços dos aquedutos e à observação, sob o ponto de vista arqueológico, da área onde estes estão inseridos; A solução a adotar devia assegurar a completa integridade do sistema de aquedutos das Águas Livres e das Francesas, quer na fase construtiva quer de serviço. Figura 6. Estrutura de suporte do aqueduto das Francesas Figura 7. Estrutura de confinamento dos aquedutos 4
Figura 8. Colocação da armadura da laje de cobertura Os vãos estruturais são constantes ao longo do desenvolvimento da secção, e medem 2 x 18,78m, perpendicularmente ao eixo da CRIL. As contenções laterais são constituídas por estacas com 1,00 m de diâmetro, afastadas de 1,40 m entre eixos. Este afastamento corrente é, na vizinhança imediata dos aquedutos, reduzida para suportar a concentração de cargas verticais. O alinhamento de pilares centrais é constituído por pilares-estaca de secção circular, com 1,00m de diâmetro, afastados de 1,25m nas zonas mais próximas dos aquedutos e de 2,50m na secção corrente. A laje de cobertura é maciça, de betão armado, com espessura constante de 1,20m, nas zonas mais esforçadas do túnel, nomeadamente na zona de influência dos aquedutos das Águas Livres e das Francesas. Neste caso, o aligeiramento seria dificilmente compatível com o comportamento marcadamente tridimensional da laje de cobertura e traria problemas construtivos sérios nas ligações das paredes de suspensão dos aquedutos à laje. Nos restantes casos, a laje de cobertura mantém a espessura de 1,20m mas é nervurada. As nervuras estão afastadas de 2,40m, numa solução em tudo semelhante à utilizada na generalidade das secções do Túnel de Benfica. Junto aos apoios laterais e central, existe um maciçamento da laje para resistir a um acréscimo de esforços localizados nessas zonas. Figura 9. Túnel de Benfica corte transversal na zona dos aquedutos 2.3 Influência no perfil longitudinal Devido aos condicionamentos arqueológicos e rodoviários, a cota da laje de cobertura do Túnel de Benfica apresenta inclinações longitudinais e transversais variáveis, ao mesmo tempo que a rasante da CRIL é obrigada a baixar, relativamente ao que seria previsível, numa extensão considerável. O abaixamento da rasante implica assim uma grande altura interior, que conduziu à execução de um nível de escoramento definitivo, a meia altura. As cotas do escoramento intermédio são condicionadas pela existência dos aquedutos, casa de ligação e respiradouro. 5
Figura 10. Perfil longitudinal da zona dos aquedutos 3. DESCRIÇÃO DO PROBLEMA 3.1 Cargas a suspender A estrutura de suporte direto dos aquedutos é constituída por microestacas horizontais, executadas sob os aquedutos. Trata-se de microestacas materializadas por um tubo metálico Φ273mm, com espessura de 5 ou 10mm, dependendo da sua localização, e por um perfil HEB160, embebido no betão que preenche o tubo. Os perfis estendem-se o necessário para descarregarem a carga em vigas que acompanham a base das paredes dos aquedutos. Estas vigas têm continuidade estrutural com o nível intermédio de escoramento, com o qual formam um todo. Após a primeira fase de escavação sob os aquedutos e o escoramento, as microestacas serão solidarizadas por uma camada de betão projetado sobre malha eletrosoldada, soldada às microestacas. Pretende-se assim garantir um certo nível de funcionamento conjunto destas peças, que é necessário para cumprir a sua função de continuidade do escoramento. A solução de suspensão das vigas é diferente nos aquedutos das Francesas e das Águas Livres. A orientação dos dois aquedutos relativamente ao eixo do Túnel de Benfica é muito diferente. No caso do aqueduto das Águas Livres, o ângulo dos alinhamentos é próximo de 25º. No caso do aqueduto das Francesas, o ângulo dos alinhamentos é próximo de 70º. Esta caraterística, no Aqueduto das Francesas, faz com que as paredes laterais ao aqueduto funcionem, de facto, como vigas de grande altura porque o seu vão é apenas ligeiramente superior ao da laje. Na prática, para o Aqueduto das Francesas, o suporte principal é materializado por duas vigas em I, em que o banzo inferior é a viga de ligação das microestacas, a alma é a parede que ladeia os aquedutos e o banzo superior é a laje de cobertura. Este esquema estrutural é extremamente rígido, como convém, e suficientemente resistente para suportar grande parte do peso da casa de ligação dos aquedutos (figura 11). Pode-se dizer que esta se encontra em consola relativamente ao vão esquerdo do túnel. O desalinhamento de uma das paredes laterais, motivada pela maior largura da casa de ligação, foi resolvido com um significativo espessamento da viga de ligação das microestacas. Ao nível da laje, e uma vez que esta é maciça, o problema não é relevante. Ao nível intermédio (que corresponde à alma da viga) o desvio coincide com a parede que se desenvolve ao longo do separador central. 6
Figura 11. Planta dos aquedutos esquema de pesos a suportar O mesmo tipo de esquema (paredes dos aquedutos funcionando como viga) traria sérios problemas de aplicação no Aqueduto das Águas Livres por causa da sua orientação, muito enviesada. O vão reto de 18,78m traduzir-se-ia num vão real próximo de 50m. Mesmo admitindo que este vão seria resolúvel, daria reações de apoio incomportáveis no separador central. Optou-se, em alternativa, por realizar as paredes em trechos sem continuidade entre si e pendurado da laje de cobertura por barras tipo Dywidag. Este sistema permite colocar as barras em carga depois da conclusão da laje e antes da escavação sob os aquedutos. Compensa-se assim, em larga medida, a deformação da laje e as suas eventuais consequências nas alvenarias dos aquedutos. A continuidade das vigas de ligação das microestacas é fundamental para evitar que deformações na laje sejam ampliadas até à base dos aquedutos, o que seria certamente nefasto para as alvenarias. A não continuidade entre painéis e entre os painéis e a laje de cobertura é necessária para que a continuidade das vigas não se traduza no comportamento global que se pretende evitar. O sistema de continuidade é aplicado junto às extremidades e no separador central. Junto às cortinas laterais, os maciçamentos abrangem duas estacas. Para a sua execução, foi necessário recorrer a contenções provisórias de muito pequena extensão. No alinhamento central, uma vez que as cargas verticais a suportar são muito mais importantes, os maciçamentos são mais extensos. São materializados por paredes, acima do nível de escoramento, e por paredes de forra às estacas, abaixo desse nível. Nos espaços sem estacas (sob os aquedutos) a parede não será apenas de forra e solidarização mas sim maciça, fundada numa sapata contínua. Esta peça foi executada previamente à aplicação do revestimento sobre a laje de cobertura. Para melhorar a eficiência desta sapata, no caso particular do Aqueduto das Águas Livres em que a extensão sem estacas é considerável, foram previstas 4 estacas provisórias, Φ1,00m, posicionadas de ambos os lados da futura parede/sapata e sem interferir com o nível de escoramento intermédio nem com a restante estrutura. Estas estacas só foram demolidas após a execução das paredes e sapatas. No cruzamento dos Aquedutos das Águas Livres e das Francesas com as cortinas das estacas laterais, os panos de parede abaixo dos aquedutos foram materializados por paredes de betão, ancoradas. 3.2 Estabilidade durante a construção Até à colocação dos painéis pré-fabricados, a estabilidade dos aquedutos foi garantida pelos taludes resultantes da escavação das zonas não directamente confinantes. 7
3.3 Condições de conservação a longo prazo Figura 12. Taludes de estabilização Para garantir boas condições de conservação, era importante evitar que os elementos estruturais do túnel ficassem em contato direto com as alvenarias dos aquedutos. A separação foi materializada por um geotêxtil colocado sobre a alvenaria e por uma camada de areia, no preenchimento do espaço remanescente até à estrutura de suporte. Esta camada serve também para proporcionar o desejável confinamento dos aquedutos. Figura 13. Conservação dos aquedutos 4. FASEAMENTO CONSTRUTIVO O Faseamento Construtivo previsto para a zona onde existe interferências com os aquedutos, é o seguinte: 1. Identificação exata dos alinhamentos dos aquedutos. Execução das estacas das contenções laterais. Eventual execução de algumas estacas no separador central (tarefa que pode ser antecipada da fase 5); Figura 14. Fase 1 2. Solidarização das estacas da contenção poente; 8
3. Escavação das zonas não diretamente confinantes com os aquedutos; Figura 15. Fase 1 4. Execução progressiva, ao longo do seu desenvolvimento, da estrutura de suporte e confinamento dos aquedutos, nomeadamente: 4.1. Escavação do terreno adjacente aos aquedutos e criação de plataformas de trabalho. Demolição de estruturas acessórias; 4.2. Aplicação do geotêxtil na face dos aquedutos; Figura 16. Aplicação do geotêxtil 4.3. Materialização de apoios provisórios para os painéis de parede de confinamento; 4.4. Colocação dos painéis e estabilização do topo (ligação com barras entre os painéis de um e outro lado dos aquedutos); Figura 17. Colocação dos painéis com auxílio de grua móvel 4.5. Vedação inferior e lateral e colocação de areia entre os aquedutos e os painéis, até uma altura de 3m, para confinamento dos aquedutos; 4.6. Furação e execução das 6 microestacas centrais de cada painel, alternadamente; 9
Figura 18. Furação das microestacas e colocação do painel 4.7. Ligação provisória dos painéis às microestacas já executadas; 4.8. Execução das duas microestacas das extremidades do painel; 4.9. Execução da viga de encabeçamento das microestacas; Figura 19. Pormenorização de obra da viga de encabeçamento das microestacas 4.10. Betonagem complementar de solidarização dos painéis, no sistema monolítico (Aqueduto das Francesas); 4.11. Conclusão do confinamento dos aquedutos com areia. 5. Execução das estacas definitivas do alinhamento central e das estacas provisórias; 6. Execução do escoramento intermédio; 7. Construção dos pilares e das paredes do alinhamento central e dos trechos extremos das paredes de contenção; Figura 20. Fases 6 e 7 8. Execução das vigas de encabeçamento das estacas das cortinas laterais e da laje de cobertura do túnel, sobre cavalete ao solo; 10
Figura 21. Fase 8 concluída 9. Aplicação de carga nas barras de suporte do Aqueduto das Águas Livres e selagem. Figura 22. Pormenorização de obra das barras Dywidag Figura 23. Tensionamento das barras Dywidag 10. Impermeabilização da laje, aterro, pavimentação e reposição da circulação rodoviária e pedonal à superfície, nos trechos antes e depois da zona dos aquedutos; 11. Escavação até à base do leito da plataforma da CRIL, incluindo: 11.1 Solidarização das microestacas com betão projetado sobre malha eletrosoldada, fixa às microestacas; 11.2 Execução por níveis em troços sucessivos dos muros ancorados localizados nas contenções laterais sob os aquedutos; 11
Figura 24. Fase 11 12. Execução das paredes sob os aquedutos localizadas no separador central e respetivas sapatas de fundação; 13. Demolição das estacas provisórias; 14. Construção ascendente das paredes de forro, com a instalação de geocompósito drenante entre estacas. Eventual reajuste das barras de suporte dos aquedutos (tarefas finais da fase 9); 15. Instalação de infraestruturas diversas e acabamentos. Figura 25. Fase 15 12