Dra. Marília Levacov (artigo publicado no jornal Planeta Animal, Ano I, n.4, maio 2000)



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E O S O U T R O S? Dra. Marília Levacov (artigo publicado no jornal Planeta Animal, Ano I, n.4, maio 2000) A cinofilia mundial e a gaúcha realizaram grandes progressos. Animais de qualidade são adquiridos, procriam e geram filhotes saudáveis e esperados com amor. Mais e melhores veterinários, fármacos para cachorros, rações variadas, um grande mercado de serviços e produtos para animais de estimação que movimenta grandes quantias de dinheiro. A maioria dos donos alegramente destina parte de seu orçamento para atender estes amigos. Entretanto, um grande número de animais sobrevive no mais completo abandono ou em meio a grandes maus-tratos. Andamos com nossos cães vacinados, limpos e bem-alimentados entre viralatas abandonados, doentes e agonizantes, fechando os olhos à sua miséria e terríveis sofrimentos. Cães carentes e com os ossos à mostra, com sarna, piolhos e carrapatos, escorraçados, que tiveram o azar de nascer de pais igualmente esquálidos, desfavorecidos e doentes. Fingimos não ver seu sofrimento e absoluto desamparo, enquanto seguimos sem culpa e sem remorso com nossos belos exemplares em direção a uma petshop para comprar uma capinha de lã, um shampoo perfumado, um brinquedinho novo para roer. Por que fazemos isto? Como podemos seguir indiferentes e sem compaixão? Como nos tornamos cegos a esta violência com os animais?. Existem, entretanto, pessoas que não dão as costas, pessoas com compaixão e com coragem, que não desanimam ante a vastidão e a ingratidão da tarefa de proteger e amar TODOS os animais, independentemente da circunstância em que se encontram.

Aqui no Rio Grande do Sul tivemos o recente exemplo da D. Palmira Gobbi, senhora de diminuta estatura e de grande coragem, que iniciou um movimento público para a proteção de animais abandonados. Depois de sua morte, alguns outros movimentos e associações se seguiram e, entre eles, a APRODAN - Associação Pró-Direitos dos Animais. A APRODAN, fundada por decreto federal 24.645, Lei 5.195 e 9.605 de Utilidade Pública, em 1983, está situada num miserável casebre numa área de 13.000m2 doada pela prefeitura, na Av. 21 de Abril 1610, no Sarandi. A Associação não recebe do governo municipal, estadual ou federal NENHUM auxílio para pagar os poucos voluntários que lá trabalham, ou para alimentar ou tratar os mais de dois mil animais que abriga. O presidente Pedro Borba e seu vice, Airton Alexandre Marcolino, pessoalmente atendem os cães, gatos e cavalos abandonados ou sob-mal-tratos que lá passam a habitar. Lutam com dificuldades terríveis mas não desistem. São gigantes ou anjos disfarçados em dois homens comuns que, sem amargura e com tremenda paciência, atendem a tarefa infindável de recolher, abrigar e lutar pelos direitos dos animais que nós abandonamos, que nós fazemos força para esquecer que existem, enquanto mimamos os nossos, em casa. Quando cheguei à sede da APRODAN fui cercadas por carinhosos viralatas em graus variados de idade e de magreza (não há como alimentá-los melhor, neste momento). Cercaram-me confiantes, em diferentes graus de problemas dermatológicos que seu Pedro e seu Marcolino lutam por tratar com os remédios vencidos que são doados por umas poucas clínicas. O seu Pedro chegou em seguida com um trailler minúsculo, de madeira, preso a um velho jipe. Dentro do trailler havia alguns ossos e carcassas doados por um açougue. Não o suficiente para alimentar todos mas a magra refeição foi recebida com tremenda e comovente alegria e alívio. Um pouco depois chegou seu Marcolino, com um cavalo que havia sido retirado de um carroceiro que o

açoitara tanto, com seu facão, que o animal caira em via-pública e não pode mais levantar-se. Examinado ali na minha frente, constataram ainda uma bicheira enorme por baixo de uma das patas magras e sarnosas do pobre animal. NA sede da APRODAN descobri uma inacreditável coleção de chicotes recolhidos de carroceiros. É difícil dormir a noite depois de olhar estes chicotes, alguns feitos de arame-farpado, e de ter que aceitar que muitos são os animais expostos a maus-tratos inimagináveis por seus ignorantes e cruéis donos. Quantas vezes passamos por carroceiros que estão tratando seus animais com brutalidade e olhamos para o outro lado? Por que não ligamos para a APRODAN? Eles iriam buscar o animal imediatamente e autuar o dono do mesmo sob o Artigo 64 das Leis de Contravenções Penais e Lei 9605 de Crimes Ambientais, que prevê prisão e multa para quem submete um animal a maus-tratos. O animal seria recolhido, tratado e protegido. Temos que começar a chamá-los! Enquanto conversávamos dentro da sede, miseravelmente mobiliada com alguns poucos móveis dilacerados, vários gatinhos de diferentes ninhadas, andavam pelo chão, subiam no nosso colo, na escrivaninha entre os papéis avulsos, nos dois bancos onde estavam os desbotados coletes do seu Pedro e do seu Marcolino, com a sigla da APRODAN e na cama desmantelada que pude enxergar por detrás de um biombo, onde pude avistar também a única coisa impecavelmente limpa e organizada da sala: uma pequena prateleira com os remédios doados. Os telefones, enquanto isso, não pararam: ninhadas estavam sendo doadas e precisavam ser recolhidas, denúncias, pedidos de socorro, de recolhimento de animais atropelados ou sem-dono, a Brigada Militar comunicando ocorrências em que animais estavam envolvidos e solicitando a presença da APRODAN. A Associação cobra atualmente uma taxa de R$ 36 a 46 para recolher animais

quando o dono quer doar (é uma ajuda na gasolina e nas despesas iniciais) mas faz o serviço gratuito quando o animal está abandonado. No meio dessa bagunça entra um menino correndo avisando que alguém havia abandonado um carregamento de caixas de papelão num terreno próximo. Rápido, diz seu Marcolino, pega que podemos vender! Pois seu Pedro e seu Marcolino vendem tudo o que podem para sustentar seus animais e aceitam doação de qualquer coisa: móveis podem ser deixados em brique, lixo limpo, material de construção, qualquer coisa que puder ser transformada em dinheiro e que ajude a pagar as contas: de luz, de telefone, de comida, remédios. pois muitas são as despesas básicas da Associação. É preciso que se diga que alguns veterinários são solidários com a enorme tarefa da APRODAN e se voluntariam para castrar um ou dois animais por semana. Um plantador em Santo Antônio doa, de vez em quando, uma certa quantidade de quirela, as sobras de grãos de arroz, de sua plantação, que a APRODAN vai buscar. Mas tudo é muito pouco para as tremendas necessidades dos dois mil animais da Associação. Ela precisa de madeira para construir as baias para os cavalos, de tijolo e cimento para construir casinhas para as cadelas com filhotes, de comida e remédios, de um computador para cadastrar os animais, as doações e os remédios, precisam de voluntários para ajudar a tratar e alimentar os animais e para buscar doações. Precisam de gente que os ajude a conseguir ajuda, que monte uma campanha publicitária que, por exemplo, permita que pessoas adotem algum dos animais que eles possuem, responsabilizando-se por sua alimentação e remédios. Enquanto eu terminava de colher os dados para este artigo, senti um focinho quente enconstar em minha mão. Olhei para baixo e vi um filhote de uns 6 meses, pelo branco crespo e irregular, sujo, com algum ancestral poodle, tão magrinho que quase caia cada vez que abanava o rabo para mim. Este, disse seu Marcolino, foi atropelado por que estava fraquinho demais para fugir dos

automóveis. Quando o trouxemos aqui ele não caminhava mas agora está se recuperando. E passou, com grande delicadeza, sua enorme mão encardida sobre a cabeça do animal que fechou os olhos e suspirou. Como um animal tão magrinho pode parecer tão feliz? Ah, pensei Se eu pudesse colocar a foto deste bichinho na mídia, com seus enormes olhos doces e esse pelo crespo e irregular ao redor da carinha carente Quem resistiria? Quem quiser visitar ou ajudar a APRODAN com alguma idéia, doação, ou trabalho voluntário, pode contactar com seu Pedro ou seu Marcolino no endereço acima, ou pelos telefones: 9106-6152 ou 9971-3083. Quem gosta de animais e por qualquer razão não pode tê-los, lembre-se da Associação e pense em um modo de ajudá-los. Quem já tiver seu animalzinho, quando olhar para ele, lembre-se também destes desamparados lá da APRODAN e pense como repartir e multiplicar seu afeto, fazendo alguma doação ou de algum modo auxiliando aqueles desamparados a ter uma vida mais digna e feliz.