Registro: 2014.0000096938 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0019286-28.2012.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇOES S A, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU. ACORDAM, em 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente), OSVALDO CAPRARO E FRANCISCO OLAVO. São Paulo, 13 de fevereiro de 2014. Wanderley José Federighi RELATOR Assinatura Eletrônica
2 Apelação nº 0019286-28.2012.8.26.0071. Apelante: MRV Engenharia e Participações S.A ( e outra). Apelada: Prefeitura Municipal de Bauru. Voto n. 19.828. AÇÃO ANULATÓRIA ISSQN Construção Civil Exigência da Municipalidade relativa a recolhimento de diferença de ISS que se mostra descabida - Imposto que deve ser recolhido com base no preço do serviço e não em outra hipótese prevista por instrução normativa Inteligência do artigo 7º da Lei Complementar nº 116/2003 Sentença reformada Recurso provido. Vistos. MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A., nos autos de ação ordinária (proc. n. 071.01.2012.. 019286-8, da E. 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Bauru) que move contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU, em síntese, alega que desenvolve atividades de incorporação imobiliária direta, conforme definido pela Lei nº 4.591/64, e que vem sendo cobrada pela Municipalidade, na qualidade de responsável tributária, em relação ao ISS devido em razão do serviço de construção civil tomado de terceiros, quando da implementação do empreendimento denominado Residencial Spazio Brescia. Afirma que procedeu ao recolhimento da alíquota de 2% incidente sobre o total do serviço prestado; todavia, quando apresentou a documentação para o habite-se, a requerida entendeu que ainda havia uma diferença de ISS a recolher, no valor de R$ 176.583,20 (cento e setenta e seis mil, quinhentos e oitenta e três reais e vinte centavos). Assevera ainda que a diferença
3 exigida pela Municipalidade é ilegal, já que a base de cálculo deve ser calculado sobre o valor do serviço efetivamente prestado e não sobre a pauta fiscal dos preços praticados na construção civil. Após longa explanação dos fatos, com citação de legislação e jurisprudência, pugna pela antecipação dos efeitos da tutela, a fim de suspender a exigibilidade do crédito combatido, decisão esta que deverá ser confirmada ao final, com o julgamento de procedência da ação e o consequente decreto de nulidade do lançamento do tributo impugnado. O pedido de antecipação de tutela foi indeferido às fls. 510/511, v. Houve o depósito integral do valor cobrado, tendo sido suspensa a exigibilidade do tributo (fl. 560). Registre-se que foi proferida a r. sentença de fls. 640/642, cujo relatório é adotado, e que julgou improcedente a ação. Apresenta a autora, então, o recurso de apelação de fls. 644/673, resumidamente, em preliminar, alega que houve cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide. No mais, reitera os argumentos já lançados na peça inicial. Ao final, requer o provimento do recurso, para o fim de ser reformada a r. sentença apelada, julgando-se a ação procedente. Tempestivo o recurso, foi o mesmo regularmente processado, com a apresentação das contrarrazões (fls. 677/681). Subiram os autos a esta Corte. É o relatório. De início, é de se afastar a questão preliminar, invocada pela apelante, em suas razões recursais, referente à nulidade da sentença por cerceamento de defesa. Em verdade, a r. sentença recorrida entendeu tratar-se de hipótese de julgamento antecipado da lide, considerando desnecessária a produção de outras provas. Irretocável tal entendimento, uma vez que a matéria arguida é exclusivamente de direito, além do fato da prova documental acostada aos autos
4 demonstrar ser plenamente satisfatória para o julgamento da ação. Portanto, efetivamente torna-se descabida a dilação probatória pleiteada pela apelante. O douto magistrado de primeiro grau decidiu pela aplicação do artigo 330 do Código de Processo Civil, julgando-se antecipadamente a lide, o que lhe é legalmente permitido, uma vez que tenha o magistrado firmado o seu convencimento, num sentido ou no outro. Além disso, o juiz, na impulsão do processo, tem amplos poderes para determinar a produção de provas que entender necessárias, bem como para indeferir aquelas que entender inúteis ou meramente protelatórias. Também é pertinente trazer-se à baila, neste ponto, o texto do artigo 130, segunda parte, do Código de Processo Civil, que estabelece poder o magistrado indeferir a produção de provas que entenda serem desnecessárias ao desate da lide. Como bem disse o Ministro José Delgado, no julgamento do EDROMS 15771/SP, publicado no D.J. 17/11/2003, o magistrado não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas, sim, com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC), utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto. Não há, outrossim, por esse procedimento, qualquer lesão ao disposto no art. 5º, incisos XXXV e LV, da Constituição Federal, que ficam, desde já, devidamente prequestionados. Desta forma, rejeita-se a preliminar arguida. b) No mérito, malgrado o zelo e a combatividade do digno procurador municipal, atuante neste feito, bem como o entendimento do ínclito magistrado sentenciante, é de se concluir que a presente ação é procedente em sua totalidade. Senão, vejamos. Trata-se de ação anulatória de débito fiscal, na qual a autora, na qualidade de responsável tributária, se insurge contra a cobrança da diferença do ISSQN cobrado pela Municipalidade de Bauru, sob a alegação de que a base de
5 cálculo utilizada pela Municipalidade ré é contrária àquela estabelecida na legislação federal. Contudo, com razão. De acordo com o princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, I, da CF), somente poderá haver tributação se houver lei a exigindo. Cabe, portanto, à lei complementar, estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição e seus respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Neste passo, a Constituição da República de 1988, em seu art. 156, III, atribuiu aos Municípios a competência para instituir o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), consignando expressamente que tal instituição deveria observar o contido em lei complementar. Tem-se, assim, que o Município somente poderá tributar aqueles serviços que estiverem previstos em lei complementar. A matéria referente ao ISSQN foi originalmente regulamentada pelo Decreto-lei nº. 406, de 1968, alterado pelo Decreto-lei nº 834/1969 e, posteriormente, pela Lei Complementar n. 56/1987, atualmente revogado pela Lei Complementar nº 116/03, a qual determina que o sujeito passivo da obrigação tributária é o prestador do serviço (artigo 5º), possibilitando o Município atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação ( pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos, nos subitens 3.05, 7.02, 7.04; 7.058, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15.7.16.7.17.7.19.11.02, 17.05 e 17.10, da lista em anexa artigo 6º, 1º, inciso II), delimitando-se que a base de cálculo do imposto será o preço do serviço (artigo 7º). No entanto, a supramencionada lei complementar, em seu artigo 7º, 2º, inciso I, determina que não se inclui na base de cálculo do imposto; o valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta lei complementar". Os referidos itens 7.02 e 7.05 da lista anexa à lei complementar, por sua vez, dizem respeito à prestação de serviços pertinentes à construção civil:
6 7.02 - Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). 7.05 - Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS). Assim, observa-se que a base de cálculo do ISSQN, na prestação de serviços de construção civil, será o preço do serviço, deduzidos os materiais fornecidos pelo prestador do serviço. O Município de Bauru, no que tange à construção civil, por meio da Instrução Normativa nº 27/2010, da Secretaria Municipal de Finanças e do Decreto Municipal nº 11.424/2010, instituiu tabelas, denominando-as de Pauta Fiscal, com a definição do preço por metro quadrado de construção (internet: www.bauru.sp.gov.br). Isso significa que a base de cálculo do imposto é previamente definida, sem considerar o preço do serviço efetivamente prestado. Assim sendo, como se pode observar, a base de cálculo do tributo, utilizada pela Municipalidade de Bauru, é diversa daquela estabelecida pela Lei Complementar nº 116/03; qual seja, o preço do serviço. Neste ponto, por determinação expressa do art. 146, III, a, da CF, cabe à lei complementar estabelecer normas gerais sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nessa Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. Diante deste cenário, impende considerar que decretos e instruções normativas são normas jurídicas hierarquicamente inferiores à lei propriamente dita, devendo com esta guardar relação e obediência, realidade esta, conforme se afere, não respeitada pela recorrida.
7 Desta forma, verifica-se que a diferença de ISS apurada pela Municipalidade apelada é totalmente ilegal, uma vez que a Lei Complementar n.º 116/03 não autoriza a cobrança do ISSQN com base em uma pauta fiscal a ser expedida por ato do Poder Executivo. Neste sentido, esta Colenda Câmara já se manifestou, como se pode ver do julgamento da Apelação nº 9099896-82.2008.8.26.0000, assim ementado: Mandado de segurança. (...) ISSQN - Serviço de construção civil - Base de cálculo - Valor do metro quadrado de construção, previamente definido pela administração tributária municipal - A adoção da base de cálculo fictícia não encontra guarida na legislação federal, violando, destarte, o direito do contribuinte ao recolhimento do imposto com base no preço real do serviço prestado (art. 7º da Lei Complementar 116/03) - Segurança concedida - Dá-se provimento ao recurso (j. 09.02.2012; Rel.(a). Des. (a) Beatriz Braga). E ainda: IMPOSTO - ISS - Ação ordinária - Municipalidade de São Paulo - Insurgência contra a expedição de habite-se condicionada ao recolhimento de ISS sobre base de cálculo estimada - Inadmissibilidade - Certificado de quitação do ISS que tem natureza tributária, devendo o imposto ser cobrado pelas vias próprias - Desvirtuamento na base de cálculo do tributo - Sentença mantida pelos seus próprios e bem deduzidos fundamentos, ora adotados como razão de decidir, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça - Ação procedente Recursos oficial e da Municipalidade desprovidos (Apelação n. 0009169-37.2009.8.26.0053; 14ª Câmara de Direito Público do E. Tribunal de Justiça de São Paulo; j. 13.12.2012; Rel. Des. Rodolfo César Milano). APELAÇÃO CÍVEL - Mandado de Segurança - Serviços prestados para o METRO - ISSQN - Construção Civil - Exigência da Municipalidade relativa a recolhimento de diferença de ISS que se mostra descabida - Imposto que deve ser recolhido com base no preço do serviço e não em outra hipótese prevista por portaria - Alteração da base de cálculo por Portaria - Impossibilidade - Afronta ao princípio da legalidade e hierarquia das normas - Alegação do impetrante de recolhimento do tributo,
8 através da retenção nas notas fiscais pela contratante - Comprovação da retenção - Documentação (Notas Fiscais) que discriminam o tributo e a alíquota - litigância de máfé não caracterizada Sentença reformada - Recurso provido (Apelação nº 0027732-79.2009.8.26.0053; 15ª Câmara de Direito Público do E. Tribunal de Justiça; j. 12.04.2012; Rel. Des. Eutálio Porto). Acresça-se, ainda, que a postura adotada pela Municipalidade fere o disposto no art. 148 do Código Tributário Nacional, na medida em que apenas quando o sujeito passivo da obrigação tributária é omisso em informar o preço, ou não mereçam fé suas declarações, esclarecimentos ou documentos, é que o fisco fica legitimado a arbitrar o valor dos serviços, hipótese inocorrente nos autos. Destarte, descabe outra conclusão senão a de que houve inovação na base de cálculo do ISS, não autorizada por lei. Assim, diante do exposto, imperiosa é a reforma da r. sentença, para o fim de julgar-se procedente a presente ação, invertendo-se os ônus da sucumbência. Para os devidos fins de direito, ficam os dispositivos legais citados no presente voto devidamente prequestionados. Com isto, dá-se provimento ao recurso. WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI Relator.