FORMIGAS OU ESCLERIFICAÇÃO FOLIAR: QUEM IRÁ PROTEGER HIBISCUS PERNAMBUCENSIS (MALVACEAE) DO ATAQUE DE HERBÍVOROS? INTRODUÇÃO MÉTODOS

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Transcrição:

FORMIGAS OU ESCLERIFICAÇÃO FOLIAR: QUEM IRÁ PROTEGER HIBISCUS PERNAMBUCENSIS (MALVACEAE) DO ATAQUE DE HERBÍVOROS? Paula Yuri Nishimura INTRODUÇÃO A herbivoria é uma interação antagonista em que o animal consegue alimento e a planta perde tecido vivo (Baraza et al. 2007). Em ambientes naturais, a alta freqüência de ataques dos herbívoros prejudica o crescimento e a reprodução das plantas (Coley 1983). Como resposta à herbivoria, as plantas desenvolveram mecanismos de defesa ao longo do tempo evolutivo (Baraza et al. 2007). Um desses mecanismos é a esclerificação foliar, que pode ser considerada uma defesa mecânica contra herbivoria, pois confere maior dureza à folha (Coley & Barone 1996). Geralmente, folhas mais duras são evitadas pelos herbívoros (Baraza et al. 2007). Além disso, a esclerificação foliar é um importante atributo para as plantas de ambientes com alta radiação luminosa, pois atua na proteção contra estresse luminoso e dessecação (Lüttge 1997). Outro mecanismo comum de defesa nas plantas é a associação mutualística com artrópodes mediada pela presença de nectários extraflorais (NEFs), que secretam uma substância rica em açúcares e outros compostos orgânicos (Baker et al. 1978). Os NEFs são visitados por diversos artrópodes, especialmente formigas (Ruhren & Handel 1999), que defendem a planta contra herbívoros, devido ao seu comportamento agressivo (Cogni et al. 2003). Portanto, a atividade das formigas pode afetar positivamente a aptidão da planta ao reduzir os danos causados por herbívoros (Cogni et al. 2003). Entretanto, a eficiência dessa defesa biótica depende da freqüência e agressividade das espécies de formigas que visitam a planta (Cogni et al. 2003). Além disso, a freqüência e os tipos de herbívoros, assim como a presença de predadores de formigas, também podem influenciar a eficiência da defesa por parte das formigas (Beattie & Hughes 2002). Hibiscus pernambucensis (Malvaceae) é um arbusto comumente encontrado em áreas de mangue e restinga (Joly 1976). Suas folhas possuem 1-5 NEFs que atraem diversas espécies de formigas que defendem a planta contra herbívoros (Cortinóz 2008). Estudos recentes demonstraram a existência de plasticidade fenotípica quanto à esclerificação foliar e número de NEFs por folha em indivíduos desta espécie vivendo em diferentes ambientes. Nestes estudos, a plasticidade fenotípica influenciou a herbivoria. Nishimura et al. (2009), por exemplo, observaram que em ambientes com alta radiação luminosa as folhas de indivíduos de H. pernambucensis apresentam maior esclerificação do que dos indivíduos de ambiente sombreado. Os autores concluíram que a dureza da folha fornecida pela esclerificação reduzia o ataque de herbívoros. Adicionalmente, Santos et al. (2009) observaram duas vezes mais NEFs nas folhas de indivíduos de H. pernambucensis em ambiente de restinga que sofre alagamento pela maré em comparação aos indivíduos crescendo em ambiente que não sofre alagamento. Neste mesmo estudo, foi observado que os indivíduos em local alagado são menos consumidos por herbívoros do que os de local não alagado. Sabendo-se que (1) a herbivoria em indivíduos de H. pernambucensis localizados em local sujeito ao alagamento pela maré é menor do que em indivíduos localizados em local que não sofre alagamento (Santos et al. 2009), (2) o número de NEFs é maior no ambiente alagado (Santos et al. 2009) e (3) que diversas formigas atraídas pelos NEFs defendem a planta contra herbivoria (Cortinóz 2008), o objetivo deste trabalho foi investigar a causa da diferença de herbivoria no ambiente alagado e não alagado da restinga. Minhas hipóteses são que: (1) o maior número de NEFs nas folhas dos indivíduos da área alagada atrai mais formigas que, conseqüentemente, defendem mais os indivíduos de H. pernambucensis nesta área e (2) as folhas dos indivíduos da área alagada são mais esclerificadas, dificultando o ataque dos herbívoros. MÉTODOS Coleta de dados Desenvolvi este estudo na restinga da praia do Guarauzinho, no Núcleo Arpoador da Estação Ecológica da Juréia-Itatins (24º17-35 S; 47º00-30 O), localizada no litoral sul do estado de São Paulo. Selecionei duas áreas, uma que sofre 1

alagamento pela maré e outra que não sofre. Em cada área, amostrei sistematicamente 22 indivíduos de H. pernambucensis. Para escolher esses indivíduos, estiquei ao longo das manchas de H. pernambucensis uma linha a 1 m do solo e 20 cm para interior dos ramos e delimitei intervalos de 10 cm a cada metro. Dos ramos que estavam dentro deste intervalo e que possuíam pelo menos cinco folhas, sorteei um ramo como unidade amostral. Em cada ramo, selecionei as cinco folhas apicais (excluindo as folhas não expandidas), que são aquelas onde as formigas forrageiam preferencialmente, devido à maior atividade dos NEFs nas folhas jovens (Cogni & Freitas 2002). Contei o número de NEFs em cada folha para realizar o teste da premissa de que os indivíduos do ambiente alagado possuem mais NEFs por folha do que os indivíduos do ambiente não alagado. Ao longo de um dia, vistoriei os indivíduos às 10 h, 13 h e 17 h para contar e identificar as formigas que estavam forrageando sobre os NEFs. Sabendo que nos ambientes estudados existem quatro espécies de formigas que forrageiam sobre os NEFs das folhas dos indivíduos de H. pernambucensis, separei as espécies de formigas em duas classes: boas defensoras, que são aquelas de defendem a planta contra herbívoros, e más defensoras, que são aquelas que não defendem a planta contra herbívoros. Considerei Camponotus spp. e Pseudomyrmex spp. como boas defensoras, pois são muito agressivas, recrutam rapidamente outros indivíduos para a defesa e se alimentam dos herbívoros presentes na planta (e.g. Del-Klaro & Oliveira 2000). Apesar de serem menos agressivas, Crematogaster spp. também se alimentam dos herbívoros e, portanto, considerei as formigas deste gênero como boas defensoras (e.g. Vasconcelos 1991). Considerei Cephalotespp. como más defensoras, pois as espécies deste gênero se alimentam apenas de néctar, não atacando os herbívoros presentes na planta (Hölldobler & Wilson 1990). Na primeira vistoria realizada às 10 h, fixei um operário de cupim (Termitidae) com cola branca, na face adaxial, próximo ao pecíolo da folha mais apical de cada ramo, para simular a presença de um herbívoro. Na segunda e na terceira vistorias contei o número de cupins removidos e repus os cupins que haviam sido removidos. Considerei como freqüência de remoção a razão entre o número de cupins removidos e o total de cupins fixados em cada vistoria. Estimei a esclerificação foliar pela massa seca das folhas. Para isso, coletei a folha apical do ramo mais próximo daquele utilizado como unidade amostral no experimento de remoção de cupins (22 folhas). Em seguida, sorteei 20 folhas das quais recortei um círculo de 3,14 cm 2 na mesma região foliar. Sequei os fragmentos de folhas em forno doméstico em temperatura baixa por 15 min e pesei-os em balança com precisão de 10-3 g. Análise dos dados Para analisar os dados obtidos, realizei reamostragens com estatísticas de interesse específicas para cada hipótese. Após 2.000 aleatorizações, obtive a probabilidade dos valores iguais ou maiores ao valor real ter sido obtida ao acaso. Para o teste de premissa, utilizei como estatística de interesse a diferença entre as médias dos números de NEFs por folha nos indivíduos de H. pernambucensis no ambiente alagado e não alagado. Minha primeira hipótese era que no ambiente alagado haveria mais formigas visitando os NEFs das folhas dos indivíduos de H. pernambucensis e que neste ambiente as formigas defenderiam mais as folhas. Para testar a primeira parte desta hipótese, analisei se existia diferença entre o número total de formigas visitando os NEFs das folhas dos indivíduos nos dois ambientes, utilizando como estatística de interesse a média da diferença entre o número total de formigas presente em cada ramo nos ambientes alagado e não alagado em cada vistoria (valor real). Minha previsão era que haveria mais formigas visitando os NEFs das folhas dos indivíduos da área alagada. Realizei um teste complementar para investigar se as formigas forrageiam preferencialmente nas folhas com mais NEFs. Para isso, utilizei como estatística de interesse o coeficiente de correlação de Pearson entre o número de NEFs e o número de formigas observado nas três vistorias em cada folha (valor real). Para testar a segunda parte da primeira hipótese, analisei se existia diferença entre a freqüência de remoção de cupins nas folhas dos indivíduos nos dois ambientes, utilizando como estatística de interesse a média da diferença entre a freqüência de remoção em cada ramo nos ambientes alagado e não alagado em cada vistoria (valor real). Minha previsão era a freqüência de remoção de cupins seria maior no ambiente alagado. Realizei um teste complementar para investigar se havia diferença nas classes de formigas (boas e más defensoras) que visitam os NEFs dos indivíduos de H. pernambucensis. Para isso, utilizei como estatística de interesse a média da diferença entre o número 2

de formigas por classe em cada ramo nos ambientes alagado e não alagado em cada vistoria (valor real). Para testar a segunda hipótese de que as folhas dos indivíduos de H. pernambucensis da área alagada seriam mais esclerificadas, a estatística de interesse foi a diferença entre as médias das massas secas nos dois ambientes (valor real). Minha previsão era que a massa seca seria maior nas folhas dos indivíduos do ambiente não alagado. RESULTADOS O número de NEFs nas folhas dos indivíduos de H. pernambucensis foi maior no ambiente alagado (2,0 ± 0,9) do que no não alagado (1 NEF em todas as folhas). Encontrei 3,3 ± 1,3 formigas/indivíduo (média ± desvio padrão) no ambiente alagado e 3,5 ± 0,8 formigas/indivíduo no ambiente não alagado. No total, observei 72 formigas nos indivíduos de ambiente alagado e 77 nos indivíduos de ambiente não alagado. Não houve diferença entre o número de formigas visitando os indivíduos de H. pernambucensis no ambiente alagado e não alagado (p = 0,57). Como o número de NEFs no ambiente não alagado foi um em todas as folhas analisadas, realizei a correlação entre o número de NEFs e o número total de formigas visitando os NEFs apenas para o ambiente alagado. Esta correlação não foi observada (p = 0,72). Entretanto, no ambiente alagado, a freqüência total de remoção de cupins foi quase três vezes maior que no ambiente não alagado (0,61 vs. 0,25; p = 0,003). Encontrei quatro espécies de formigas visitando os NEFs de indivíduos de H. pernambucensis: Camponotus spp., Crematogaster spp., Cephalotes spp. e Pseudomyrmex spp., sendo esta última encontrada apenas no ambiente alagado (Figura 1). Não houve diferença entre a abundância das formigas boas defensoras entre os dois ambientes (p = 0,24), porém houve maior abundância das formigas más defensoras no ambiente não alagado (p < 0,001). Não houve diferença entre a massa seca das folhas dos indivíduos de H. pernambucensis no ambiente alagado e não alagado (p = 0,7). No ambiente alagado, a massa seca foi de 0,0083 ± 0,002 g/cm 2 (média ± desvio padrão) e no ambiente não alagado foi de 0,0087 ± 0,001 g/cm 2. DISCUSSÃO Figura 1. 1 Abundância de formigas forrageando nos nectários extraflorais de folhas de 20 indivíduos de Hibiscus pernambucensis em ambiente alagado e não alagado. 3

A primeira hipótese para explicar a menor herbivoria nos indivíduos de H. pernambucensis no ambiente alagado referia-se à maior atividade de patrulhamento das formigas neste ambiente. Ao contrário do esperado, entretanto, não foi observado maior número de formigas forrageando sobre os NEFs. Cogni et al. (2003) observaram maior densidade de formigas em indivíduos de H. pernambucensis em comparação aos indivíduos de outras espécies de plantas sem NEFs do mesmo ambiente. Este resultado sugere que apenas a presença de NEFs nas folhas dos indivíduos é suficiente para o recrutamento de formigas e que o maior número de NEFs por folha não necessariamente atrai proporcionalmente mais formigas. Além disso, o fato das formigas não forragearem preferencialmente sobre as folhas que contêm maior número de NEFs nos indivíduos de ambiente alagado, reforça o argumento de que a variação no número de NEFs não influencia o número de formigas atraídas. Apesar da abundância de formigas não ter sido diferente nos dois ambientes, houve maior defesa no ambiente alagado, corroborando a segunda parte da primeira hipótese. Este padrão pode ser atribuído à diferença das abundâncias entre as formigas boas defensoras e más defensoras nos dois ambientes. A maior abundância das más defensoras no ambiente não alagado poderia explicar a menor defesa e maior herbivoria neste local. Porém, a semelhança nas abundâncias das boas defensoras nos dois ambientes não explica a maior defesa no ambiente alagado. Uma explicação alternativa para a menor defesa observada no ambiente não alagado pode ser a presença de predadores de formigas, como uma aranha da família Theridiidae que constrói sua teia na região dos NEFs, predando as formigas que lá forrageiam. Esta aranha, ou apenas sua teia, estava presente em cinco folhas amostradas do ambiente não alagado e em nenhuma do ambiente alagado. Adicionalmente, notei a presença de outros artrópodes bons defensores no ambiente alagado, como vespas e aranhas papa-moscas, que forrageiam sobre os NEFs e também podem defender a planta contra herbívoros (Schoonhoven et al. 2005). A esclerificação foliar foi semelhante nas folhas dos indivíduos de H. pernambucensis de ambiente alagado e não alagado, indicando que não há diferença na dureza das folhas entre os indivíduos dos dois ambientes, ao contrário do esperado. Como as áreas alagada e não alagada estão sob condições de luz semelhantes, os indivíduos de H. pernambucensis nos dois ambientes estão sob o mesmo estresse luminoso. Portanto, é possível que os indivíduos em ambos os ambientes invistam na esclerificação foliar para proteção contra a alta radiação luminosa e a dessecação (Lüttge 1997). Dessa forma, a esclerificação foliar nos indivíduos de H. pernambucensis nos ambientes alagado e não alagado não explica a menor herbivoria no ambiente alagado. Finalmente, uma explicação adicional para a menor herbivoria no ambiente alagado é que os indivíduos de H. pernambucensis podem ter água salgada borrifada em suas folhas durante a maré cheia. O acúmulo de sal nas folhas as tornaria menos palatáveis, reduzindo o consumo pelos herbívoros. Sugiro que o efeito da salinidade sobre a herbivoria em indivíduos de H. pernambucensis seja investigado, usando uma abordagem experimental. Para isso, proponho que as folhas de indivíduos do ambiente alagado e não alagado sejam lavadas em quantidade conhecida de água destilada para posterior medida da condutividade elétrica desta água. Espero que a condutividade elétrica seja maior na água utilizada para lavar as folhas do ambiente alagado, devido aos sais provenientes da água do mar. Adicionalmente, sugiro um experimento de preferência com um herbívoro generalista em que fossem oferecidas áreas iguais de uma folha do ambiente alagado sem tratamento e outra lavada com água corrente, a fim de retirar o sal. Desta forma, será possível testar se a salinidade reduz a palatabilidade das folhas de indivíduos de H. pernambucensis. AGRADECIMENTOS Agradeço todos os coordenadores, professores, monitores e colegas do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica 2009. Agradeço, em especial, ao professor Glauco Machado por tornar este projeto muito mais sexy e ao professor Paulo Inácio Prado pela ajuda na análise dos dados. Agradeço também a todos da Estação Ecológica Juréia-Itatins, Núcleo Arpoador. REFERÊNCIAS Baker, H.G., P.A. Opler & I. Baker. 1978. A comparison of the amino acid complements of floral and extrafloral nectars. Botanical Gazette, 139:322-332. Baraza, E., R. Zamora, J.A. Hódar & J.M. Gómez. 2007. Plant herbivore interaction: beyond a binary vision, pp. 481-514. In: Functional plant ecology (F.I. Pugnaire & F. Valladares, eds.). Boca Raton: CRC Press. 4

Beattie, A. & L. Hughes. 2002. Ant-plant interactions, pp. 211-235. In: Plant-animal interactions an evolutionary approach (C.M. Herrera & O. Pellmyr, eds.). Great Britain: Blackwell Science Ltd. Cogni, R. & A.V.L. Freitas. 2002. The ant assemblage visiting extrafloral nectaries of Hibiscus pernambucensis (Malvaceae) in a mangrove forest in southeast Brazil (Hymenoptera: Formicidae). Sociobiology, 40:373-383. Cogni, R., A.V.L. Freitas & P.S. Oliveira. 2003. Interhabitat differences in ant activity on plant foliage: ant at extrafloral nectaries of Hibiscus pernambucensis in sandy and mangrove forests. Entomologia Experimentalis et Aplicata, 107:125-131. Coley, P.D. 1983. Herbivory and defense characteristics of tree species in a lowland tropical Forest. Ecological Monographs, 53:209-233. Coley, P.D. & J.A. Barone. 1996. Herbivory and plant defenses. Annual Review of Ecology and Systematics, 27:305-335. Cortinóz, J.R. 2008. Associação entre Hibiscus pernambucensis (Malvaceae) e formigas: o ambiente afeta a proteção proporcionada por formigas contra herbivoria? In: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado, P.I. Prado & A.A. Oliveira, eds.). São Paulo: USP. Del-Claro, K. & P.S. Oliveira. 2000. Conditional outcomes in a neotropical treehopper-ant association: temporal and species-specific variation in ant protection and homopteran fecundity. Oecologia, 124:156-165. Joly, A.B. 1976. Botânica - introdução à taxonomia vegetal. São Paulo: Editora Nacional. Hölldobler, B. & E.O. Wilson. 1990. The ants. Camdrigde: Harvard University Press. Lüttge, U. 1997. Physiological ecology of tropical plants. Germany: Springer-Verlag Berlin Heidelberg. Nishimura, P.Y., S. Boff, A. Fujikawa & R.S. Bovendorp. 2009. Alocação de recursos e herbivoria em Hibiscus pernambucensis (Malvaceae) em uma área de restinga. In: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. Machado, P.I. Prado & A.A. Oliveira, eds.). São Paulo: USP. Santos, C.F., P.Y. Nishimura, F.M. Barros & F.M.D. Marquitti. 2009. A influência do alagamento pela maré sobre a herbivoria em folhas de Hibiscus pernambucensis (Malvaceae) na restinga. In: Livro do curso de campo Ecologia da Mata Atlântica (G. 5