SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO



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Transcrição:

VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Rio de Janeiro / 2007 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB. U n3p Universidade Castelo Branco. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: UCB, 2007. 48 p. ISBN 978-85-86912-19-1 1. Ensino a Distância. I. Título. CDD 371.39 Universidade Castelo Branco - UCB Avenida Santa Cruz, 1.631 Rio de Janeiro - RJ 21710-250 Tel. (21) 2406-7700 Fax (21) 2401-9696 www.castelobranco.br

Responsáveis Pela Produção do Material Instrucional Coordenadora de Educação a Distância Prof.ª Ziléa Baptista Nespoli Coordenadora do Curso de Graduação Ana Cristina Noguerol - Pedagogia Conteudista Carmem Maria G. F. Rangel Supervisor do Centro Editorial CEDI Joselmo Botelho

SOCIOLOGIA DA EDUCA- ÇÃO

Apresentação Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de graduação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, conseqüentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profissional. Nossos funcionários e nosso corpo docente esperam retribuir a sua escolha, reafirmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua. Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhecimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica. Seja bem-vindo(a)! Paulo Alcantara Gomes Reitor

Orientações para o Auto-Estudo O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos definidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito. Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades complementares. As Unidades 1e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1. Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades. Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todos os conteúdos das Unidades Programáticas 1, 2 e 3. A carga horária do material instrucional para o auto-estudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso. Bons Estudos!

Dicas para o Auto-Estudo 1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo. 2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções. 3 - Não deixe para estudar na última hora. 4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor. 5 - Não pule etapas. 6 - Faça todas as tarefas propostas. 7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina. 8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a auto-avaliação. 9 - Não hesite em começar de novo.

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SUMÁRIO Quadro-síntese do conteúdo programático... Contextualização da disciplina... 11 12 UNIDADE I A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS 1.1. Sociedade, solidariedade e educação: o ponto de vista de Durkheim... 1.2. Sociedade, alienação/transformação e educação: a perspectiva de Marx e Engels... 1.3. Sociedade, dominação e educação: a perspectiva de Max Weber... 13 14 16 UNIDADE II A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS 2.1 Sociedade, organização da cultura e educação: a perspectiva de Gramsci... 2.2. Sociedade, esperança/liberdade e educação: as contribuições de Karl Mannheim... 2.3. Sociedade, reprodução e educação: o ponto de vista dos crítico-reprodutivistas... 20 22 23 UNIDADE III A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NO SÉCULO XXI 3.1. Sociedade, currículo e educação: a contribuição de Michael Apple... 3.2. Sociedade, revolução e educação: a proposta de Peter McLaren... 27 28 Glossário... Gabarito... Referências bibliográficas... 34 43 45

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Quadro-síntese do conteúdo programático 11 UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS 1 A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS 1.1 - Sociedade, solidariedade e educação: o ponto de vista de Durkheim 1.2 - Sociedade, alienação/transformação e educação: a perspectiva de Marx e Engels 1.3 - Sociedade, dominação e educação: a perspectiva de Max Weber - Apresentar a educação como um objeto de reflexão da teoria sociológica. - Perceber a relação existente entre educação e a concepção que cada um dos fundadores da Sociologia formulou sobre a sociedade. 2 - A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS 2.1 - Sociedade, organização da cultura e educação: a perspectiva de Gramsci 2.2 - Sociedade, esperança/liberdade e educação: as contribuições de Karl Mannheim 2.3 - Sociedade, reprodução e educação: o ponto de vista dos crítico-reprodutivistas - Verificar como o ponto de vista dos fundadores influenciou as explicações de alguns pensadores com referência às demandas educacionais que se apresentaram no mundo contemporâneo. 3 - A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS NO SÉCULO XXI 3.1 - Sociedade, currículo e educação: a contribuição de Michael Apple 3.2 - Sociedade, revolução e educação: a proposta de Peter McLaren - Fornecer elementos para a compreensão do que a sociedade do Terceiro Milênio coloca como exigências para a educação.

12 Contextualização da Disciplina A educação é um fenômeno presente em toda e qualquer sociedade humana e, neste sentido, é um objeto privilegiado da Sociologia, ciência preocupada em revelar como se dão as relações construídas coletivamente pelos homens e mulheres, em sociedade. Num curso que pretende formar professores, o objetivo maior do ensinamento-aprendizagem de Sociologia, tendo a educação como foco, é possibilitar que as relações entre indivíduo e sociedade, neste âmbito específico, sejam entendidas, tal qual em outros, como um fenômeno dialético: qual o papel da educação? Educa-se para a reprodução ou para a transformação da sociedade? A educação pode mudar a sociedade? A vida social determina a educação? Infelizmente, ao longo do desenvolvimento da Sociologia como ciência, o tema educação foi perdendo relevância e se tornando um sub-campo da Sociologia, ou uma sub-disciplina como temia Florestan Fernandes, defensor da Sociologia como disciplina única. Segundo o saudoso sociólogo brasileiro, como acontece em qualquer Ciência, os métodos sociológicos podem ser aplicados à investigação e à explicação de qualquer fenômeno social particular sem que, por isso, se deva admitir a existência de uma disciplina especial, com objeto e problemas próprios! 1. Tendo em vista essa concepção, não se deveria falar numa Sociologia da Educação e sim em estudos sociológicos que têm a educação como objeto de reflexão. Esta é a proposta deste instrucional que pretende, abandonando a simples listagem de temas ou conceitos, levar o futuro pedagogo a conceber a educação como um processo em que está presente a contradição, desde as teorias que pretendem explicá-la até o fato de que só será compreendida se pudermos percebê-la como um processo social no qual a linearidade não está presente. Positivistas, marxistas, compreensivas, funcionalistas, reprodutivistas, neomarxistas, multiculturalistas, as teorias que pretenderam/pretendem explicar o fenômeno educacional ou o que se pode depreender do que os diferentes autores escreveram/escrevem sobre a educação e/ou a sociedade, sempre se preocuparam em tentar desvendar o processo através do qual a sociedade humana se reproduz e se transforma. Neste sentido, a nossa discussão focalizará o que os formuladores da teoria sociológica têm pensado sobre a educação. Inicialmente, a palavra estará com Durkheim que articula suas concepções, profundamente marcadas pelo positivismo comtiano da ordem e do progresso, a partir da noção de que a educação é o processo pelo qual nos tornamos membros da sociedade. Em seguida, a interpretação que Marx e Engels fizeram da sociedade capitalista do século XIX servirá de guia no entendimento de qual educação serve a uma sociedade de classes e, para além da análise conceitual que empreendem, de como deve atuar aquele que pretende, através da educação, contribuir para transformar a realidade que é no que deveria ser. Ainda no terreno dos clássicos do pensamento sociológico, chega-se a uma breve discussão das idéias de Max Weber, com relação ao fato da educação se constituir no modo como os homens, ou determinados tipos de homens, se preparam para desenvolver uma ação social, de forma a atender a um determinado tipo de dominação, entre eles o racional-legal, que exige a criação de um comportamento burocrático e vai acarretar o desenvolvimento de um sistema de educação que enfatiza a pedagogia do treinamento, deixando de lado a formação do Homem. Como desdobramento das formulações desses três pensadores, vemos no século XX, alastrando-se pelo século XXI, as idéias de outros vigorosos pensadores sociais: o italiano Antonio Gramsci, com sua crença inabalável na educação como aquela ação que, possibilitando a formação de intelectuais orgânicos, leva, também à organização de uma nova cultura; o húngaro-germânico Karl Mannheim, que se refere à possibilidade de se pensar o binômio planificação democrática e educação e retoma a formulação de Max Weber sobre a pedagogia do cultivo e a pedagogia do treinamento, atribuindo-lhe novas perspectivas, e os franceses Bourdieu e Passeron, Establet e Baudelot, os chamados crítico-reprodutivistas que desenvolveriam a tese de Louis Althusser expressa em Os aparelhos ideológicos de Estado. Focalizando o grande debate que hoje se apresenta em todos os países do mundo, chega-se, por fim, às contribuições do estadunidense Michael Apple, com suas reflexões mais que atuais sobre a necessidade de uma análise crítica do currículo, que respeite a diversidade, superando as desiguais relações étnicas, de classe e de gênero que operam em educação e do canadense Peter McLaren, propondo uma pedagogia do dissenso, de orientação marxista, para o terceiro milênio. 1 FERNANDES, Florestan. Ensaios de Sociologia geral e aplicada. 1960, p. 29-30.

UNIDADE I 13 A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CLÁSSICAS 1.1 Sociedade, Solidariedade e Educação: o Ponto de Vista de Durkheim As diferentes correntes do pensamento sociológico têm tentado explicar a relação entre indivíduo e sociedade, na perspectiva teórica que formularam. Na ótica de Durkheim, por exemplo, a sociedade impõe ao indivíduo maneiras de agir e pensar que são consagradas pela sua condição de ser social, isto é, exterior, coercitiva e geral, e que atuam sobre todos nós, independentes das manifestações que possam ter do ponto de vista individual. Toda teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência própria e são independentes daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Ele chamou isto de consciência coletiva. É ela que vai revelar o tipo psíquico da sociedade. A consciência coletiva é o meio moral vigente na sociedade. A consciência humana que devemos realizar integralmente em nós mesmos não é outra coisa senão a consciência coletiva do grupo do qual fazemos parte, tendo em vista que cada povo cria para si uma concepção particular de mundo. Peter Berger coloca que segundo a perspectiva durkheimiana, viver em sociedade significa existir sob a dominação da lógica da sociedade (...) 1, o que equivale a dizer que os indivíduos estão submetidos ao controle da sociedade. Assim, além de indivíduos humanos vivos, para que haja sociedade é necessário que se realize neles a consciência coletiva, que estabelece, enquanto meio moral, a forma como devem desempenhar, na sociedade, as diferentes funções que deles se esperam. Constitui-se, desta forma, a cooperação, que é fundamental para que ocorra o que Durkheim chamou de divisão social do trabalho, condição para que a sociedade tenha prosseguimento. No entanto, dependendo do meio moral, esta diferença/similaridade entre as funções, isto é, a divisão do trabalho social, poderá ser maior ou menor. Numa sociedade tribal, por exemplo, na qual todas as pessoas desempenham praticamente as mesmas atividades, crêem nos mesmos deuses, adoram o mesmo totem, obedecem aos mesmos tabus, estabelece-se o que na teoria durkheimiana se conhece por solidariedade mecânica, já que no seu interior há pouca diferença e maior similaridade entre as funções a serem desempenhadas, o que acarreta pouca divisão do trabalho social. (...) a solidariedade permanece mecânica enquanto a divisão do trabalho social não se desenvolve (...) Assim, existe uma estrutura social de natureza determinada a que corresponde a solidariedade mecânica. Caracteriza-se por um sistema de segmentos homogêneos e semelhantes entre si. 2 Ao contrário, quando se trata de uma sociedade mais complexa, como a moderna sociedade industrial, em que há uma intensa divisão do trabalho social, acontece o que Durkheim chamou de solidariedade orgânica. A sociedade industrial exige um tal grau de diferenciação entre as funções que os indivíduos devem desempenhar, que a solidariedade baseada na semelhança é, praticamente, substituída pela solidariedade baseada na diferença. Diferente é a estrutura da sociedade onde a solidariedade orgânica é preponderante. Elas são constituídas, não por uma repetição de segmentos similares ou homogêneos, mas por um sistema de órgãos diferentes dos quais cada um tem um papel especial, sendo eles próprios formados de partes diferenciadas. Assim como os elementos sociais não são da mesma natureza, tampouco estão dispostos da mesma maneira.(...) 3 Portanto, a diferentes sociedades correspondem diferentes tipos de solidariedade. Quanto mais complexa a sociedade se mostra, maior possibilidade de interpretações pessoais das regras que estão postas no grupo, mais se caminha da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica. Entretanto, positivista que era, Durkheim acreditava que (...) todo o progresso desencadeado pelo capitalismo, traria um aumento generalizado da divisão do trabalho social e, por conseguinte, da solidariedade orgânica, a ponto de fazer com que a sociedade [capitalista] chegasse a um estágio sem conflitos e problemas sociais. 4 Para chegar a esse estado de ausência de conflitos seria necessário resolver a questão de como preservar

14 a consciência coletiva numa sociedade que se torna cada vez mais diferenciada, uma vez que sem uma moral coletiva a sociedade não sobrevive. É neste contexto que a educação, para Durkheim, se torna o processo que nos torna aptos a viver em sociedade. É a educação que permite que, numa sociedade, as crenças e valores básicos que devem ser comuns a todos, e sem os quais o grupo social não se manteria, sejam aprendidos. No entanto, não nos esqueçamos que, para Durkheim, a sociedade é constituída não por uma repetição de segmentos similares ou homogêneos, mas por um sistema de órgãos diferentes, dos quais cada um tem um papel especial, sendo eles próprios formados de partes diferenciadas. E ele completa que se nada entrava ou nada favorece injustamente os concorrentes que disputam entre si as tarefas, é inevitável que apenas os que são os mais aptos a cada gênero de atividade a alcancem. Michel Löwy, analisando o pensamento de Durkheim, diz que entre as leis naturais da sociedade que seria vão, utópico, ilusório em uma palavra: anticientífico querer interromper ou transformar, Durkheim situa com destaque a desigualdade social. 5 Por isso, além de aprender os valores que são comuns a todos que participam de uma dada sociedade, é necessário que se aprenda a agir na vida de acordo com o meio específico em que se vive ou se viverá. Uma vez que a diferença é natural, para Durkheim existe uma educação adequada ao meio moral em que cada um vive, embora haja crenças e valores básicos que devem ser comuns a todos. Tendo em vista sua concepção de que o funcionamento da sociedade deve se dar na linha do Referências bibliográficas: 1 BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. 2004, p.50. 2 DURKHEIM, Emile. De la division du travail social. 1926, p. 157. equilíbrio-linearidade-harmonia e que basta que se compreenda, objetivamente, a forma como a sociedade capitalista se desenvolve e, descobrindo as leis sociais que são falhas, se proceda à sua substituição por outras mais eficientes, Durkheim via na educação um processo social capaz de garantir a solidariedade necessária à manutenção da ordem social, fixando na criança, desde o início da vida social, as diferenças e semelhanças que a vida coletiva exige. Assim, é cabível, nesta perspectiva, entender a definição de educação dada por Durkheim, citada por Rodrigues (2001: 34): A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que ainda não se encontram preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine. (DURKHEIM. Educação e Sociologia. 1922. In: RODRIGUES, 2001: 34) Além de ser difícil acreditar no ideal de sociedade equilibrada, visando sempre uma solidariedade orgânica, quase harmônica, mormente depois do advento de teorias sociais mais críticas, as referências de Durkheim a uma educação especializada e diferenciada, apesar de una em suas bases sociais, soam excludentes. Sua defesa da educação como capaz de constituir-se numa ação capaz de moralizar a sociedade parece praticamente irrealizável, num momento de contestação e pedagogias mais participativas. Mas a definição durkheimiana de educação como processo socializador das novas gerações nos valores sociais hegemônicos, continua atual. 3 Ibid, p. 157. 4 MEKSENAS, Paulo. Sociologia, p. 68. 5 LÖWY, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen Marxismo e Positivismo. 1994, p. 17-18. 1.2 Sociedade, Alienação/Transformação e Educação: a Perspectiva de Marx e Engels Na perspectiva de Marx e Engels, o Homem, isto é, o gênero humano, para se constituir como tal organiza-se em sociedade, o que implica estabelecer relações com outros Homens e com o ambiente que o cerca, mediadas pelo trabalho. Nesse processo de transformar a natureza, o ser humano desenvolveu aquilo que Marx e Engels chamaram de forças produtivas, meios de trabalho ou meios de produção, isto é, os meios que permitem ao Homem o domínio sobre a natureza instrumentos, tecnologia, energia, matéria-prima com a finalidade de aumentar e melhorar a sua capacidade de produzir. Segundo Marx e Engels: O meio de trabalho é aquele objeto ou conjunto de objetos que o trabalhador interpõe entre ele e o objeto que trabalha e que lhe permite dirigir sua atividade sobre esse objeto. O homem serve-se das qualidades mecânicas, físicas e químicas das coisas para utilizá-las, conforme o objetivo que tiver em mente, como instrumento de atuação sobre outras coisas. 1

Além de criar os meios de trabalho, o homem foi, também, organizando a produção, distribuindo tarefas e benefícios entre os membros da sociedade, promovendo a divisão do trabalho. Inicialmente, a diferenciação deu-se entre os sexos, depois entre tipos de atividades, por exemplo, a agricultura e a criação de animais, entre territórios: o campo e a cidade e, finalmente, entre os setores da economia: a produção agrícola, industrial e comercial. A divisão do trabalho, como também tem o intuito racionalizar a produção, é parte do conjunto das forças produtivas. Mas a divisão do trabalho não é igualmente distribuída no interior da sociedade. Ela depende das diferentes relações de produção, isto é, da propriedade dos meios de produção. Pode-se dizer que, na sociedade capitalista, segundo Marx e Engels, elas implicam numa separação básica. (...) nem sempre os homens que possuem os meios para realizar o trabalho trabalham e nem sempre os que trabalham possuem esses meios. 2 Ou seja, nem sempre quem tem a propriedade dos meios de produção, trabalha. Quem trabalha, em geral, são aqueles que não são os donos dos meios de produção. Isso equivale a dizer que há tipos diferentes de proprietários: os proprietários da simples força de trabalho os trabalhadores e os proprietários dos meios de produção os capitalistas. Pode-se dizer que cada época histórica corresponde a um conjunto de forças produtivas que se desenvolvem a partir de um conjunto instituído de relações de produção, isto é, das relações de propriedade que estão presentes nessa dada sociedade. A este conjunto Marx e Engels chamaram de modo de produção e, para eles, as transformações pelas quais passou a História da humanidade foram geradas nas transformações de um modo de produção para outro, o que sempre se dá pelo conflito entre a camada dominada e a camada dominante. Por isso acreditavam que a história de todas as sociedades existentes até hoje é a história das lutas de classe. Na sua formulação, podem ser designados, como outras tantas épocas progressivas da formação econômica da sociedade, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno (ou capitalista) o que equivale a dizer que Marx e Engels caracterizam cada período da História humana a partir do tipo de relação que se dá entre os Homens na produção de sua existência. Para Marx e Engels, o fim de uma forma de produção determinada poderia ocorrer a partir das próprias contradições que ela continha. Acreditavam, e essa foi a grande utopia pela qual lutaram durante toda a vida, que o fim do capitalismo seria engendrado no próprio capitalismo, quando, inevitavelmente, as forças produtivas entrariam em contradição com as relações de produção, possibilitando uma grande revolução, que daria origem a uma nova sociedade, sem classes sociais. Essa sociedade seria a sociedade comunista. Marx e Engels se propuseram também a explicar como se dá a relação entre o mundo das idéias e o mundo do trabalho, uma vez que percebiam que na produção de sua existência, o Homem realiza um trabalho manual e uma reflexão intelectual, embora, ao longo da História, observassem uma distorção no modo pelo qual os Homens se conscientizavam da relação entre o mundo material e o mundo das idéias. Viram-se diante da necessidade de explicar a consciência que os Homens teriam ou não de sua própria existência. Para Marx e Engels, a produção da vida material condiciona a vida social, política e intelectual dos Homens. As forças produtivas e as relações de produção constituem a base econômica sobre a qual se constroem as instituições jurídicas e políticas, os modos de pensar, a consciência social, o que equivale a dizer que sobre a base econômica ou infra-estrutura se eleva a superestrutura jurídica e política, à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. Para esses pensadores, não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência, o que significa dizer que o modo de pensar de cada um de nós depende das relações sociais nas quais estamos integrados e que para explicar nossa maneira de pensar, é preciso analisar as relações presentes em nossa sociedade. Daí, Marx e Engels se preocuparem em explicar de que forma as crenças, os valores, as normas, se relacionam com a produção material da existência. Para eles, são as condições materiais da existência que determinam a consciência: (...) são os homens que desenvolvem sua produção material e seu intercâmbio material que mudam também, ao mudar esta realidade, seu pensamento e os produtos de seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. 3 No entanto, como as idéias dominantes na sociedade são as idéias da classe dominante, as concepções sobre o mundo e sobre como funciona, na sociedade burguesa, são marcadas pelas idéias da burguesia. Para Marx e Engels, quando a burguesia domina como classe, é de se esperar que seus membros ajam (...) enquanto pensadores, enquanto produtores de idéias que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu tempo; e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias dominantes da época. 4 15

16 Por tal motivo, a classe operária adota como suas as idéias da burguesia, e o faz porque a sua concepção de mundo está comprometida com uma visão que lhe parece própria de sua classe social. Esta concepção é produto de uma falsa consciência que não lhe permite captar a essência das relações às quais as classes sociais, na sociedade capitalista, estão submetidas. Ou seja, a representação que fazem de suas vidas é aquela que lhes é fornecida pela sociedade onde a burguesia é dominante. Marx chamou essa falsa consciência de ideologia, cuja origem histórica ocorre com a emergência da separação entre trabalho intelectual e manual. É a partir deste momento que surge a ideologia, derivada de agentes sociais concretos que autonomizariam o mundo das idéias, separando-o do das manualidades, deturpando assim a realidade. Com isso, a classe operária acaba por adotar como sua uma ideologia de outra classe social. Um exemplo disso é a aceitação, como se fosse natural, de uma situação de exploração presente na sociedade capitalista, que nada tem de natural, pois foi socialmente construída. Essa exploração, que se traduz no que Marx e Engels chamam de mais-valia, é aceita porque a classe operária, no seu cotidiano, não tem consciência real da mesma. A percepção da exploração e das conseqüências da exploração não é clara para o trabalhador. A ideologia da classe dominante faz com que ele acredite que existam as fábricas e seus proprietários. Ao trabalhador cabe trabalhar na fábrica e obedecer às ordens do dono. É o proprietário quem deve determinar o que vai ser produzido, quanto vai ser produzido, em que tempo, com que matéria-prima e quanto custará. O trabalhador fica impedido, no capitalismo, de ter qualquer decisão sobre o seu trabalho e sobre o produto do seu trabalho. O trabalhador não consegue perceber o seu trabalho como algo que lhe pertence. A isso, Marx e Engels chamaram de alienação. E disseram mais: se as relações de dominação existem na sociedade é porque são construídas socialmente, não tendo nada de naturais. E porque são construídas, não precisam existir para sempre, podendo os Homens estabelecer outros tipos de relação onde não haja dominação de uma classe sobre outra. A partir do entendimento da teoria sobre a sociedade elaborada por Marx e Engels, e das categorias que formularam dominação, exploração, alienação, ideologia, consciência, pode-se entender como viam a educação: com os mesmos olhos com que viam a sociedade, isto é, identificavam na educação contradições e, portanto, possibilidades de alienação ou de transformação. Do ponto de vista específico da educação na sociedade capitalista, viam-na como um poderoso instrumento de perpetuação da exploração de uma classe social sobre a outra, utilizada que é pela burguesia para disseminar a ideologia dominante, fazendo crer ao trabalhador que é dele o modo burguês de ver o mundo. No entanto, poderia ser utilizada também como um instrumento valioso a ser usado em favor da emancipação do Homem. Por isso, para Marx e Engels, não existe educação destituída de um conteúdo de classe. Dependendo desse conteúdo, ela pode ser uma educação para a alienação ou uma educação para a emancipação. Na sociedade comunista, na qual não existiria mais a burguesia capitalista, a educação teria de ser, necessariamente, articulada ao trabalho, pois só assim se formaria o homem completo. Rompendo com a separação entre trabalho manual e intelectual, se resgataria para o trabalhador o controle, perdido no capitalismo, sobre seu trabalho e sobre o fruto de seu trabalho, daí a necessidade da adoção de uma educação tecnológica, intelectual e física, à qual Marx chamou de omnilateral (= múltipla), nas escolas dos trabalhadores: um ensino público e igual para todos, absolutamente diferente da escola para todos oferecida pela sociedade burguesa, que só faz reafirmar a exploração, ensinando ao trabalhador a aceitar a submissão. Em Princípios do Comunismo, Engels, coloca claramente essa concepção: A educação dará aos jovens a possibilidade de assimilar rapidamente na prática todo o sistema de produção e lhes permitirá passar sucessivamente de um ramo de produção a outro, segundo as necessidades da sociedade ou suas próprias inclinações. Por conseguinte, a educação nos libertará deste caráter unilateral que a divisão do trabalho impõe a cada indivíduo. Assim, a sociedade organizada sobre bases comunistas dará a seus membros a possibilidade de empregar, em todos os aspectos, suas faculdades desenvolvidas universalmente. 5 1.3 Sociedade, Dominação e Educação: a Perspectiva de Max Weber A obra de Max Weber é, ao lado das de Comte, Durkheim e Marx, um dos pilares da Sociologia. Weber não se dedicou a discutir a educação, embora tenha feito referências ao tema no conjunto de sua produção teórica.

As reflexões de Weber sobre a educação podem ser compreendidas a partir dos tipos de dominação que descreveu e de seu enfoque da mudança social ocasionada pelo processo de racionalização da sociedade, ocorrido no decorrer da História, e que interferiu na conduta de vida prática dos indivíduos e, portanto, na sua maneira de educar. A partir da construção de tipos puros (ou ideais), Weber fixa conceitualmente três tipos de dominação: racional (ou racional-legal), tradicional e carismática. Dominação racional é a que repousa sobre a legalidade de ordenações instituídas e dos direitos de mando dos chamados por essas ordenações a exercer a autoridade: a autoridade legal. 6 Dominação tradicional é a que repousa sobre a crença quotidiana na santidade das tradições que vigoram desde tempos longínquos e na legitimidade dos que são designados por essa tradição para exercer a autoridade: autoridade tradicional. 7 Dominação carismática é a que repousa sobre a entrega extraquotidiana à santidade, ao heroísmo, ou à exemplaridade de uma pessoa, e às ordenações por ela criadas ou reveladas (...): autoridade carismática. 8 Nesse quadro, pode-se dizer que quem exerce a dominação detém um poder de imposição, que é, em última análise, o poder de homens concretos sobre outros homens. Tal poder é garantido pela coação, mas os indivíduos que participam de uma mesma associação agem, sobretudo, segundo um consenso, isto é, admitem a dominação (= obedecer às regras) não apenas porque temem ser punidos, mas porque introjetam a norma e consideram que devem ser obedecidas. Quanto mais esse processo se dá, mais legítima é a dominação. Do ponto de vista dos indivíduos, portanto, quanto mais compartilharem das regras que estão postas na sociedade, isto é, quanto mais forem educados a partir de determinados valores, mais levarão em conta os outros indivíduos com quem convivem, no momento de tomar uma atitude, de praticar uma ação. Analisando o pensamento de Weber, Rodrigues diz que: as regras, portanto, funcionam como uma espécie de condensação de expectativas recíprocas e, em conseqüência disso, tornam o universo social organizado e inteligível pelos atores individuais. Quando isso ocorre, Weber diz que existe uma ordem social. Mas a validade da norma não se baseia apenas nas expectativas recíprocas. Quanto mais disseminada socialmente estiver a convicção de cada um de que as regras são obrigatórias, melhor fundamentadas serão as expectativas de uns com relação ao comportamento dos outros. 9 Quando articula os tipos de dominação que construiu com as finalidades da educação, Weber coloca que: historicamente, os dois pólos opostos no campo das finalidades da educação são: despertar o carisma, isto é, qualidades heróicas e dons mágicos, e transmitir o conhecimento especializado. O primeiro tipo corresponde à estrutura carismática do domínio, o segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões entre si. 10 Além dos dois tipos citados de educação, que correspondem à estrutura carismática de dominação e ao domínio racional-legal, Weber mencionou outro tipo, que tem como finalidade ensinar a conduta do homem culto, que deve ser preparado para certo tipo de comportamento interior, como a reflexividade, e exterior, como determinados tipos de comportamento social que correspondiam a grupos de status específicos, como os sacerdotes, os cavaleiros, os intelectuais. A finalidade desse tipo de educação corresponderia à dominação tradicional. A educação carismática, a educação tradicional e a educação que forma o especialista num tipo de conhecimento são os principais tipos de educação que teriam existido ao longo da História. Weber observou que, em cada época, um determinado tipo de educação era mais valorizado pelas diferentes organizações políticas. Na Antigüidade e mesmo na Baixa Idade Média, existia um tipo de educação que objetivava o despertar dos dons carismáticos do indivíduo. Tal educação, que podia ocorrer numa instituição estatal ou eclesiástica ou, ainda, podia ser ministrada por uma determinada corporação, pretendia revelar qualidades mágicas, dons heróicos. Weber escreveu que a educação carismática pretendia despertar no noviço uma capacidade inata, um dom exclusivamente pessoal, que só se aplicaria a quem revelava características especiais, que fugia do que era comum. O rumo que tomaria esse tipo de educação dependia da importância atribuída a ela, como, por exemplo, a educação dos sacerdotes e sacerdotisas entre os druidas, grupo religioso que entre os Celtas ocupavam o lugar de juízes, doutores, sacerdotes, adivinhos, magos, médicos, astrônomos, pedagogos etc. Nas sociedades patriarcais, nas quais o tipo mais importante de domínio de legitimidade se baseava na tradição, a educação tem o caráter de uma formação erudita, literária e intelectual, restrita a um grupo de indivíduos. No patriarcalismo, que está de acordo com a estrutura de dominação tradicional, a finalidade da educação era o que Weber chamou de pedagogia do cultivo, na qual o indivíduo era preparado, através de uma educação geral, para exercer determinados tipos de comportamento, possibilitando, assim, o 17

18 desenvolvimento de um processo educacional peculiar que correspondia a seu modo de vida. Nesse tipo de educação, havia a valorização de bens culturais e artísticos, tais como literatura, música e artes plásticas. A posse desses bens servia de elemento diferencial entre a camada dominante e a camada dominada. Nas formas de dominação baseadas na tradição, a educação valorizada, tanto a cavalheiresca como a que procurava desenvolver uma formação erudita, objetivava a formação do homem culto. Considerando os três tipos de dominação descritos por Weber, pode-se deduzir que quanto mais a sociedade se torna complexa, mais se afasta da tradição ou da liderança baseada no carisma, e mais a dominação é garantida por um aparato legal, de caráter racional. No entanto, para que a dominação racional aconteça, é necessário que exista uma burocracia, que organize a sociedade não na base da tradição ou do carisma pessoal do líder, do mago ou do herói, mas na racionalidade, na impessoalidade e na legalidade. É a isso que Weber chama de racionalização da sociedade. Com a racionalização da vida social e a crescente burocratização do aparato público de dominação política e dos aparatos próprios às grande corporações capitalistas, a educação deixa paulatinamente de ter como meta a qualidade da posição do homem na vida, e note-se que para Weber, este é o sentido próprio do termo educação, enquanto base dos sistemas de status, e torna-se cada vez mais um preparo especializado com o objetivo de tornar o indivíduo um perito. 11 A este tipo de educação, Weber chama de pedagogia do treinamento. Para ele, a racionalização da sociedade capitalista acabou por impor uma prática pedagógica que, em vez de contribuir para o desenvolvimento dos talentos do ser humano, tem contribuído para a obtenção de status privado e treinamento de indivíduos para o desempenho de determinadas tarefas, funcionando como mecanismo de ascensão social, isto é, as pessoas de maior privilégio e poder utilizam-se da educação como um recurso para melhorar o seu status. A finalidade da educação especializada, isto é, daquela que transmite o conhecimento especializado, é permitir que se dominem todas as coisas pela previsão. No entanto, segundo a constatação weberiana, quanto mais se domina o mundo pela previsão, mais ele se desencanta. Alguns autores avaliam que Weber adota essa perspectiva desencantada diante da inexorabilidade e da invencibilidade da racionalização, que se impõe à sociedade e, por conseguinte, à educação. Dizem eles que Weber previu o acirramento da polarização das qualificações com o desenvolvimento do capitalismo e em nenhum momento considerou outra possibilidade. Isso os leva a crer que, para Weber, era racional a existência de uma educação segmentada na sociedade capitalista e que, neste sentido, nada pode ser feito. Para estes autores, diferentemente de Durkheim e Marx, Weber persistiu em toda a sua obra numa visão pessimista da sociedade moderna e resignada em relação aos problemas desta, entre eles os de educação. No entanto, há outros autores, entre os quais se pode citar Alonso Bezerra de Carvalho, autor de Educação e Liberdade em Max Weber, que avaliam que, apesar de constatar a força da burocratização e alimentar um certo pessimismo diante das possibilidades do homem agir com liberdade, Weber também incorporava a idéia de que a burocracia não dominava completamente a vida e que, da mesma forma que se submetem, os homens poderiam resistir. E esta resistência estaria inserida no próprio campo da racionalidade, pois se na ação racional com relação a fins o agente concebe previamente seu objetivo e os meios para atingi-lo, poderá vir a não se submeter aos ditames da racionalização, uma vez que considere que não atingirá seus fins senão da maneira que decidiu. E quanto maior a correspondência entre meios e fins, maior a racionalidade. Como a concepção de Weber com relação à educação está contida na sua concepção sociológica geral, é possível, para Carvalho, conceber Max Weber como um autor que não se restringe ao pessimismo sociológico, fruto das suas análises sobre o processo de racionalização da modernidade ocidental. Como afirma em suas considerações finais: vemos em Weber, assim, não apenas um autor que constata a tragédia do mundo moderno, no qual convivem os paradoxos de uma existência fundada na inevitabilidade da renúncia. Mas ele também lida com as possibilidades, isto é, com a chance de realização de algumas perspectivas. Nem tudo ainda está perdido: nem a liberdade e nem o sentido da vida. É possível uma educação que equilibre a tensão entre burocracia e carisma. 12 Referências bibliográficas: 1 MARX, Karl e ENGELS, Frederich. El Capital. 1959, p. 130. 2 RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. 2001, p. 39. 3 MARX, Karl e ENGELS, Frederich. La ideologia alemana. 1970, p.27. 4 Ibid, p. 50. 5 Citado por RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 57. 6 WEBER, Max. Economia y sociedad. 1969, p. 172-173 7 Ibid, p. 172-173. 8 Ibid, p. 172-173. 9 RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p.69 10 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 1982, p. 482 11 RODRIGUES, Alberto Tosi. op. cit., p. 79-80. 12 CARVALHO, Alonso Bezerra. Educação e Liberdade em Max Weber. 2004, p. 292.

Exercícios de Auto-Avaliação 1. Segundo Durkheim (1922), a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que ainda não se encontram preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine. Indique as afirmações que podem expressar a definição de educação de Durkheim, citada acima, e elabore a sua própria definição de educação, na perspectiva durkheimiana: a) Toda sociedade especifica alguns objetivos que devem ser alcançados na socialização dos indivíduos, e a educação é um dos instrumentos que possibilitam o alcance de tais objetivos. b) A educação deve ter um objetivo geral, isto é, permitir que as crenças e valores básicos, que devem ser comuns a todos, e sem os quais o grupo social não se manteria, sejam aprendidos. c) Para Durkheim é necessário que haja uma ação da geração adulta sobre a mais nova, para que esta última possa aprender a viver adequadamente no meio a que se destina. d) A sociedade deve se preocupar em oferecer uma educação que contribua para o equilíbrio do sistema, garantindo a solidariedade necessária à manutenção da ordem social. 19 2. Marx e Engels viam um duplo papel da educação, dependendo do seu conteúdo: podia alienar ou transformar. Você concorda com a contradição colocada nesta concepção? Por quê? 3. Como você vê a relação entre educação e trabalho proposta por Marx e Engels e a sua proposta de uma educação omnilateral? 4. Para Weber, a racionalização da sociedade capitalista acabou por impor uma prática pedagógica que tem contribuído para a obtenção de status privado e servido como treinamento de indivíduos para o desempenho de determinadas tarefas, funcionando como mecanismo de ascensão social, isto é, as pessoas de maior privilégio e poder utilizam-se da educação como um recurso para melhorar o seu status. Para alguns autores, Weber é absolutamente a-crítico diante dessa realidade por ele constatada. Para outros, isso não é verdade, uma vez que a sociedade pode resistir à burocratização da educação, optando por meios alternativos de agir, dependendo dos objetivos que pretende atingir. Na sua ótica de futuro educador, a pedagogia do treinamento pode coexistir com a pedagogia do cultivo? Explique sua posição. Leitura Complementar Leia os Capítulos II, III e IV do livro Sociologia da Educação, de autoria de Alberto Tosi Rodrigues, citado na bibliografia. Compare as respostas que você deu às questões acima com as colocações dos pensadores citados pelo autor e verifique até que ponto suas concepções estão de acordo, ou não, com as deles. Atividades Complementares Se você tiver oportunidade, assista ao filme Sociedade dos poetas mortos. O filme mostra as relações de um professor e ex-aluno da Welton Academy, vivido por Robin Williams, com uma turma de adolescentes cheios de sonhos e vontade de viver intensamente. Entretanto, encontram-se inseridos em um sistema acadêmico rígido e autoritário, que não lhes permite buscarem outras oportunidades externas às impostas pela instituição de ensino preparatória para a universidade. Comparandose com o atual sistema educacional brasileiro, seria uma escola técnica de ensino médio. Discuta com seus/suas colegas a imposição de uma pedagogia do treinamento, sobrepondo-se à pedagogia do cultivo. Analise os efeitos dessa imposição.

20 UNIDADE II A EDUCAÇÃO E AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS 2.1 Sociedade, Organização da Cultura e Educação: a Perspectiva de Gramsci Antonio Gramsci foi um dos pensadores mais profícuos do século XX. Perseguido e preso pelo fascismo, estava comprometido com a instalação de um projeto político que devia culminar com uma revolução proletária, mas que devia ser precedido de mudanças na cultura, entendida como um conjunto de valores morais e regras de comportamento cujo domínio se caracteriza pelo consenso. Essa transformação histórica estaria, para Gramsci, a cargo dos intelectuais. Os intelectuais possuiriam uma função bastante importante no processo da reprodução social, na medida em que ocupariam espaços sociais de decisão prática e teórica. Esse realce não significa que só os intelectuais fossem capazes de pensar o mundo. Ao contrário, um dos elementos a se destacar nas formulações de Antonio Gramsci é a sua afirmação de que todos os homens são intelectuais, apesar de nem todos desempenharem na sociedade a função de intelectuais. Dizia que, apesar das atividades sociais serem distintas, todos os homens possuem, mesmo de maneira fragmentada, alguma cosmovisão, sobre a qual baseiam o seu comportamento moral, e que contribui para manter ou mudar uma determinada forma de pensar. Para ele, esta cosmovisão está presente na própria linguagem que é um conjunto de noções e de conceitos determinados, no consenso comum e no bom senso e em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e agir. Por isso, todos os homens são intelectuais. Mas não basta admitir que a filosofia não é privativa de alguns cientistas ou profissionais especializados. Para Gramsci, o que importa é avançar na elaboração de uma concepção de mundo de maneira consciente, de modo a escolher a própria esfera de atividade e participar ativamente na construção de uma nova sociedade. O autor afirma que pela própria concepção de mundo, cada um pertence a um determinado grupo, no qual se compartilha um mesmo modo de pensar e agir. Neste sentido, todos são conformistas. No entanto, mesmo conformista, mesmo enquadrado, pode-se adotar uma concepção de mundo crítica ou acrítica, isto é, podese ser massa, marcada por elementos desagregados, fragmentados, preconceituosos, ou pode-se fazer a crítica à própria concepção de mundo, criticando-se como produto histórico, desenvolvido, até então, sob a influência de traços acolhidos sem crítica. Existem várias concepções e fazemos escolhas entre elas. Na concepção de Gramsci, a principal função dos intelectuais é a formação de uma determinada moral e de uma determinada cultura, possibilitando uma específica visão de mundo. É o que ele chama de organizar a cultura. Gramsci define duas categorias de intelectuais: o intelectual orgânico e o intelectual tradicional. O intelectual orgânico seria comprometido com um organismo vivo e em expansão, possuidor de uma visão de mundo consciente, que se liga a um projeto de sociedade do qual se torna organizador. O intelectual tradicional seria, ao contrário, aquele que acredita estar desvinculado de um projeto de sociedade e cumpre burocraticamente seu papel, voltado a manter o status quo. Os intelectuais orgânicos teriam como principal função a formação de uma nova moral e uma nova cultura, que podem ser entendidas também como uma contra-hegemonia. Esta tese de Gramsci está diretamente articulada com o seu conceito de hegemonia, compreendida como direção moral e direção política de uma classe, quando toma o poder, sobre as classes concorrentes ou aliadas. Em outras palavras, hegemonia é o domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade, que pode se dar de duas formas: pela força ou pelo consenso. O aparato político-jurídico e o policial-militar garantem o controle pela força. O consenso é o terreno do controle ocupado pela cultura, pela moral, pelos costumes, que são aprendidos na vida social. Falar de intelectuais e hegemonia é falar em educação e escola, objeto de intensa preocupação gramsciana.

Sua compreensão de escola estava ligada à idéia de construção de uma nova moral e uma nova cultura da classe subalterna, de modo a assegurar-lhe a hegemonia, o poder sobre as demais classes e, conseqüentemente, possibilitar-lhe a conquista do Estado. Seria necessário, no entanto, dizia ele, romper com a subordinação intelectual e ideológica das classes subalternas, que se tornavam aliadas da cultura dominante ao reproduzir a ideologia dominante. Ora, isso ocorria porque a concepção de mundo das classes trabalhadoras era incoerente, fragmentada e desorganizada. Isto significa que um grupo social, que tem uma concepção própria do mundo, ainda que embrionária, que se manifesta na ação e, portanto, descontínua e ocasionalmente, isto é, quando tal grupo se movimenta como um conjunto orgânico, toma emprestada a outro grupo social, por razões de submissão e subordinação intelectual, uma concepção que lhe é estranha. 13 É, portanto, necessário a superação de uma concepção de mundo desagregada, a-crítica e a-histórica, típica do senso comum e, para Gramsci, isso devia acontecer através da filosofia da práxis, apesar de considerar que o ponto de partida para alcançar-se uma visão de mundo mais unitária e homogênea é sempre o senso comum, que é a filosofia espontânea das multidões. A filosofia da práxis se moveria em dois sentidos: o primeiro, fazendo a crítica ao senso comum, resgataria o que ele teria de unidade e coerência, realçando o que merecia ser desenvolvido. Além disso, alijando o que nele permitia a submissão à ideologia dominante, possibilitaria elevar a consciência a uma maior totalidade e coerência; o segundo sentido seria a crítica à filosofia dos intelectuais que colaboravam para a sustentação da ideologia burguesa dominante. Este trabalho caberia, segundo Gramsci, aos intelectuais orgânicos, que são dirigentes e organizadores das massas, enquanto ajudam na superação dialética do fragmento para uma visão de totalidade. Segundo Rodrigues e outros, Gramsci considera a escola a principal agência, na sociedade civil, de formação de intelectuais. De modo especial, preocupalhe a preparação de intelectuais de novo tipo, organicamente ligados às classes subalternas, para que possam influir no processo da hegemonia civil, educando e formando os simples, ou seja, elaborando e tornando coerentes os problemas que as massas populares apresentam em sua atividade prática para, assim, constituir um novo bloco cultural e social. É dentro dessa linha de raciocínio que Gramsci discute a organização da escola, pois a considera uma das mais importantes instituições que movimentam o conteúdo ético estatal, isto é, das ideologias que circulam na sociedade civil seja com a finalidade de legitimar o grupo dominante tradicional, ou de lutar contra ele para fundar uma nova sociedade. 14 Para Gramsci, a escola, por se constituir num aparelho privado de hegemonia, poderia se direcionar para a construção de uma nova moral e uma nova cultura da classe subalterna. Neste sentido, fez uma crítica contundente da escola profissionalizante, cuja preocupação era preparar mão-de-obra para o mercado e consistia então na nova proposta para o ensino italiano, empreendida por Giovanni Gentile, Ministro da Educação de Mussolini. Gramsci era um dos críticos mais incisivos da escola profissionalizante, por considerá-la determinista e discriminatória, embora considerasse a necessidade de modernização técnica da sociedade. Mas, na sua concepção, o desenvolvimento de uma educação para o trabalho se daria a partir da implantação da escola única de cultura geral, formativa, que englobasse as duas dimensões até então segmentadas na escola: trabalho manual e trabalho intelectual. Essa escola forneceria orientação profissional e prepararia os indivíduos fosse para o ingresso em escolas especializadas, fosse para o trabalho produtivo. Na formulação gramsciana, a tendência, hoje, é a de abolir qualquer tipo de escola desinteressada (não imediatamente interessada ) e formativa, ou conservar delas tão-somente um reduzido exemplar destinado a uma pequena elite de senhores e de mulheres que não devem pensar em se preparar para um futuro profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminados. A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre eqüanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento da capacidade de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação profissional, passarse-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho produtivo. 15 A escola unitária, prevista por Gramsci, seria desinteressada, no sentido de que não deveria satisfazer apenas a um grupo ou a alguns grupos, mas a toda a coletividade, estando acima das classes. Seria democrática porque daria oportunidade a todos, indistintamente, de, inteirando-se do conhecimento, poder se tornar mais que operários qualificados, chegando mesmo a serem governantes. Por isso, Gramsci insiste que, pelo menos nos graus básicos, o ensino permanecesse desinteressado. Essa garantia dava a oportunidade de que todas as crianças tivessem acesso à cultura, não a uma cultura enciclopédica, mas a uma cultura histórica cuja aquisição ajudaria o homem a construir uma visão de mundo que lhe assegurasse a condição de cidadão. Gramsci retoma as idéias de Marx no que se refere a omnilateralidade, concepção que diz respeito à 21