A influência midiática no tribunal do júri sob a perspectiva do jornalista 1

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Transcrição:

RESUMO A influência midiática no tribunal do júri sob a perspectiva do jornalista 1 Aline dos Anjos BRAGA 2 Antonino CONDORELLI³ Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN No Brasil, quando se comete um crime, o réu é levado a júri popular e cabe ao juiz em caso de condenação definir a sentença criminal. Entretanto, quando se tratam de crimes de grande repercussão midiática, onde os acusados são expostos à ira da população, esse processo pode ser deturpado. Partindo do pressuposto de que a mídia pode influenciar na percepção da realidade, na construção do conhecimento e na interpretação de seus telespectadores, o presente artigo tenta explicar como se dá esse processo da transformação da notícia em sensacionalismo, exemplificando empiricamente e discutindo a possibilidade dessa influência ser mais objetiva e menos tendenciosa. PALAVRAS-CHAVE: Influência midiática, sensacionalismo, agenda setting, enquadramento, tribunal do júri Introdução Como está escrito no Art. 1º do Código de Ética dos Jornalistas, o acesso à informação é um direito fundamental do cidadão. A divulgação de notícias relacionadas à criminalidade está intimamente ligada ao interesse público e, dessa maneira, cabe ao jornalista manter a população informada sobre o tema. Entretanto, existem alguns casos específicos que tomam novas proporções e saem do noticiário policial para estampar as capas dos principais jornais e revistas, noticiários nacionais, sites na internet e ocupam parte da grade de todos os veículos midiáticos de massa. O público se identifica empaticamente com as vítimas do crime e passam a clamar por justiça junto com a família da vítima. O que pouco se discute, é que esse tipo de repercussão pode, facilmente, influenciar o julgamento dos acusados de maneira que estes sentem no banco dos réus já com a sentença de condenação, apenas esperando a aplicação da pena. Noticiando o caso de 1 Trabalho apresentado no DT 1 Jornalismo do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 2 a 4 de junho de 2015. 2 Graduanda do Curso de Jornalismo da UFRN, email: alinebraga07@hotmail.com. ³ Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da UFRN, email: condor_76@hotmail.com 1

maneira sensacionalista em busca de audiência, a mídia pode interferir de maneira crucial no julgamento dos acusados dos crimes e transformar o acontecimento em um show de entretenimento. O júri, composto por pessoas comuns, é o primeiro a ser influenciado pela repercussão midiática do caso, mas o juiz, sentindo-se obrigado a corresponder a sede de justiça do povo, pode aplicar uma pena mais dura do que o réu realmente merece. Na nossa mídia brasileira, alguns casos foram destaque nos noticiários por um bom tempo, como é o caso da Suzane Von Richthofen, condenada por mandar o namorado e o cunhado assassinarem seus pais, o caso do goleiro Bruno, condenado por ser o mandante do assassinato de Eliza Samúdio, sua ex-namorada e mãe de seu filho e o caso da menina Isabella Nardoni, onde o pai e a madrasta foram condenados por sua morte, que será tratado logo adiante. Para explicar como se dá esse processo, é preciso antes compreender algumas teorias da comunicação, mais especificamente a agenda-setting que se trata da escolha de determinados fatos para virar notícia ou não e o enquadramento que se trata do enfoque dado às notícias. Os efeitos das duas teorias, unidos a uma sede de justiça dos telespectadores da notícia, pode virar um show de sensacionalismo se o jornalista não se manter atento e buscando o máximo possível a utópica objetividade. A agenda setting e o framing effect A imprensa não tem muito sucesso em dizer para as pessoas o que elas tem de pensar, mas é muito bem-sucedida em dizer para seus leitores sobre o que eles tem de pensar. (Bernard Cohen) Partindo da premissa de que a agenda da mídia pode influenciar na agenda do público, o agendamento surgiu como teoria em um artigo intitulado como The Agendasetting function of mass media de Maxwell Mccombs e Donald Shaw em 1972. Num contexto de mudanças na comunicação de massa onde a TV e o Rádio passaram a ser o principal meio de atualização das pessoas, o agendamento foi a primeira teoria a ser testada. 2

A teoria está relacionada com a priorização de determinadas pautas em detrimento de outras. Existe uma espécie de competição entre os fatos para se tornarem problemas sociais prioritários: alguns fatos tornam-se invisíveis e outros entram na agenda midiática, e, sendo assim, tornam-se um problema. O agendamento seria, portanto, uma lista de prioridades estabelecida pelos meios de comunicação de massa que, com sua capacidade de influenciar no pensamento de seus telespectadores, as torna também importantes para essas pessoas. Nas pesquisas de Mccombs e Shaw, que tinham como foco verificar a importância dos veículos midiáticos massivos durante o período eleitoral e averiguar se a agenda da mídia coincide com a agenda do público, foi constatado que quando a agenda midiática muda, a agenda de seus telespectadores se modifica de acordo com ela. Como diz a frase que inspirou os teóricos, a mídia não é responsável por aquilo que você pensa, mas pode influenciar no que você pensa. Sendo assim, o agendamento é inegavelmente importante para entender o funcionamento midiático. Os teóricos não souberam explicar de que maneira se dava esse processo e também pouco se considerou a ideia de que esse tipo de comunicação não se dá de forma linear. Entretanto, apesar do público depender de outros elementos importantes para formar a sua opinião sobre determinados assuntos, a teoria do agendamento pode provar que quando algum fato se torna pauta da agenda midiática, existe uma grande possibilidade dela se fazer presente também na agenda do público. Indo ainda mais além, quando a mídia nos apresenta um fato, ela pode também nos oferecer uma maneira de interpretá-lo. Ou seja, ela também pode influenciar a maneira como percebemos os assuntos pautados na agenda. Isso se dá porque ela faz um recorte da realidade, expõe o fato de um ponto de vista específico, condicionando seu auditório a ver também por esse ponto de vista. Essa construção da mensagem de modo que só reste margem para uma única interpretação é chamado de framing effect ou efeito de enquadramento. O frame é a moldura/o quadro no qual determinados temas são pautados e, segundo a maior parte das pesquisas da área, pressupõe-se que esses enquadramentos exercem grande impacto na maneira como as pessoas interpretam e debatem as questões apresentadas pela mídia. 3

Criada pelo teórico Erving Goffman na década de 1970, a teoria do enquadramento apresenta a perspectiva de que a mídia, utilizando palavras, expressões, ideias, dá enfoque a um determinado lado da história, levando os seus telespectadores a interpretarem o acontecimento retratado sob uma determinada perspectiva. Em outras palavras, o framing effect é um recorte da realidade. O sensacionalismo Popularmente, o termo sensacionalismo é utilizado para definir erros de apuração, deturpação ou distorção da notícia, publicação de fotos desnecessárias, entre outros deslizes informativos. Há também a necessidade de separar o sensacionalismo do jornalismo sério e quando algum veículo propagador de informações é tachado de sensacionalista, tende a perder a credibilidade. Para Angrimani (1995), antes de falar sobre o assunto, é necessário caracterizar o termo de uma maneira mais clara. Por isso, ele diz que Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato (ANGRIMANI, 1995, p. 16). Com essa definição, é possível dizer que sensacionalismo é quando um fato se torna um espetáculo, baseado em extravagâncias, exageros, apelo sentimental e comoção na intenção de prender o público e transformar a notícia em uma mercadoria lucrativa. Numa notícia sensacionalista, onde os fatos ganham dimensões exageradas, o telespectador sente-se parte do acontecido e no direito de cobrar justiça. A influência Todos os dias, nos noticiários, telejornais, portais da internet e outros meios informacionais, aparecem dezenas de notícias relacionadas a crimes. Sejam eles sequestros, estupros, furtos, roubos, assassinatos, quase sempre, algum deles chama mais a atenção do público e ganha destaque nos veículos midiáticos de massa. Esses 4

casos, geralmente são crimes hediondos, ou casos raros, como o sequestro com desfecho trágico da jovem Eloá. Sendo pautado inicialmente pela mídia, o caso torna-se agora parte da agenda pública. Os telespectadores agora debatem entre si sobre o acontecimento e, sensibilizados, tomam as dores das vítimas e dos seus parentes e querem acompanhar cada detalhe do caso. A mídia, em busca de audiência, transforma o crime em pauta para sua grade de programação e trata-o com prioridade, escolhem informações relevantes com a intenção de comover o público e acaba por transforma-lo em uma massa sedenta de justiça imediata, como foi o caso do ex-goleiro do Flamengo Bruno Souza, que foi notícia até o julgamento dos acusados e, até hoje, rende matérias e tem espaço nos principais telejornais do país. Os veículos midiáticos, que na maioria das vezes são empresas privadas, atentam para o fator mercadológico na hora de escolher os fatos que entram em sua grade. O foco dado a determinados acontecimentos do caso depende então do retorno que isso dará a aquele meio midiático. Entrevistas com parentes das vítimas, com os acusados, com o promotor, com o advogado de defesa, visitas ao local do crime. Todos os detalhes do crime são expostos em tvs abertas e privadas, rádio e internet. O público sente-se cada vez mais próximo daquele caso e, tomando as dores dos parentes das vítimas, esperam por um desfecho justo do caso. O que até então aparenta ser normal, é exatamente onde está o problema: essa superexposição do caso em rede nacional pode prejudicar tanto o decorrer das investigações, quanto o julgamento do caso. O júri popular, por exemplo, onde um conjunto de cidadãos comuns são sorteados para servir de juízes no julgamento de crimes, pode ser o primeiro influenciado por essa sensibilização criada pelos veículos de comunicação e pelo público, principalmente pelo fato dessas pessoas também fazerem parte da audiência. Não bastando, o juiz do caso também pode ser vítima da influência midiática. Este, tentando atender os gritos de povo que clama por justiça, pode aplicar uma pena maior do que a merecida para o réu quando condenado. Como aconteceu nos caso Nardoni e Pedro Henrique: mesmo com a semelhança entre casos crianças de cinco anos 5

assassinadas pelo pai e madrasta e pela mãe e o padrasto respectivamente houve uma diferença relevante na hora da aplicação da pena. No primeiro caso, que repercutiu nacionalmente em praticamente todos os veículos massivos de mídia, o casal respondeu o processo preso. Ana Carolina Jatobá, a madrasta, foi condenada a vinte e seis anos de prisão em regime fechado e Alexandre Nardoni, o pai, foi condenado a trinta e um anos, dez meses e dez dias de prisão, também em regime fechado. Já no segundo caso, que teve pouca visibilidade, o casal respondeu ao processo em liberdade e Kátia Marques, a mãe, e Juliano Gunello, foram condenados a sete anos de prisão em regime semiaberto. Quando algum desses casos ganha toda essa repercussão, as vezes é quase impossível evitar o sensacionalismo, entretanto, todo jornalista deve procurar apurar bem o fato, deixar que a própria polícia indique os suspeitos e que a justiça os julgue. Do contrário, se o jornalismo tentar ser quem julga ao invés de ser quem informa, um dos maiores erros da história do jornalismo brasileiro pode se repetir. O Caso Escola-Base repercutiu na mídia brasileira em 1994, quando os donos de uma creche foram acusados de abusar sexualmente de crianças. Os jornais, ouvindo apenas um lado da história e um delegado cheio de declarações precipitadas, condenaram os acusados antes mesmo de sentarem no banco dos réus e provocaram a ira da população. A creche foi depredada, a casa de alguns dos acusados invadida e os suspeitos foram presos. No decorrer das investigações, sem provas, o caso foi arquivado, mas apenas a Folha de São Paulo se retratou formalmente. Entretanto, os acusados, apesar de absolvidos, nunca mais tiveram paz e tentam, até hoje, refazer a vida que fora devastada pelos meios de comunicação. Em busca da objetividade Sendo obrigação do jornalismo informar a população sobre os acontecimentos de interesse público, é impossível impedir que determinados casos de crimes se tornem parte da agenda da audiência e ganhe grandes proporções na mídia. Mas o jornalismo pode e deve orientar a sociedade na hora de formar sua opinião de forma correta. Para isso, entra-se no campo da objetividade e da subjetividade. 6

Segundo Abramo (2003), é necessário desligar a objetividade de outros conceitos quem ela é sempre vinculada como a imparcialidade, a isenção e a honestidade para poder defino-la. Ao contrário desses outros conceitos, a objetividade situa-se no campo do conhecimento e é uma categoria epistemológica. Para o autor, a objetividade tem a ver com a relação que se estabelece entre o sujeito observador e o objeto observável [...] é uma característica, portanto, da observação, do conhecimento, do pensamento. Abramo (2003) também afirma que é preciso ter em mente que nem a objetividade nem a subjetividade existem em absoluto e que sempre haverá um pouco de uma na outra. Mas existe a possibilidade de se aproximar o máximo possível da objetividade e é exatamente esse o dever do jornalista na hora de noticiar casos de grade repercussão como os citados no decorrer do trabalho. Ele deve entender os limites de captação do real e da capacidade de sua verbalização do ser humano, pois quanto mais ciente e sob controle estiverem os fatores de subjetividade, mais possível será a aproximação da objetividade. Além do mais, o jornalista deve estar disposto a buscar essa objetividade. Apurar o fato, não se precipitar mesmo com a necessidade de notícias rápidas em busca de um furo e da audiência, ouvir todos os lados da história, procurar contextualizar os acontecimentos da notícia. É preciso, mesmo sabendo que é impossível alcançar a objetividade, buscá-la incansavelmente, na medida do possível. Conclusão O jornalismo noticia todos os dias diversos acontecimentos e dentre eles estão os casos de crimes. Alguns deles tomam novas proporções, tomam conta de todos os veículos midiáticos possíveis e passam a fazer parte do cotidiano do público, que então passa a esperar por uma cobertura completa e profunda do caso. Esse interesse e apropriação do acontecimento para o âmbito pessoal pode, além de dificultar o processo de investigação, pode interferir e influenciar o julgamento dos réus. A sentença que condenou o casal Nardoni saiu no dia 27 de março de 2010, entretanto, antes disso, Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá já tinham sido julgados e condenados pelo público. 7

Em muitos casos, as pessoas são emocionalmente influenciadas pelo exagero na divulgação dos fatos, por uma linguagem apelativa, imagens tendenciosas e entram em uma condição de necessidade de justiça a todo custo. Os jornalistas, no seu papel de propagador de notícias, devem se apropriar bem do acontecimento, apurar as informações do caso, ouvir todas as partes do processo tanto a defesa quanto a acusação, analisando de diferentes ângulos a situação, sempre buscando a objetividade. REFERÊNCIAS GUTMANN, J. F. Quadros narrativos pautados pela mídia: framing como segundo nível da agenda setting?, Contemporânea, Bahia, v. 4, n. 2, p. 25-50, jun. 2006. SAMPAIO, R. Media Effects: um resumo do agenda setting. Texto online. Disponível em: <http://comunicacaoepolitica.com.br/blog/2011/04/media-effects-um-resumo-doagenda-setting/>. Acesso em: 27 abr. 2015. HOHLFELDT, A. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 7. p. 42-5, nov. 1997. CRUVINEL NETO, P. N. A influência midiática no tribunal do júri: a relevância da atenuação na dosagem da pena. Texto online. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12649&revi sta_caderno=3>. Acesso em: 03 mai. 2015. RIBEIRO, A. Caso Escola-Base: os abusos da imprensa. São Paulo: Ática, 1995. ABRAMO, P. Significado político da manipulação na grande imprensa. In:. Padrões de Manipulação na Grande Imprensa. ed. Fundação Perseu Abramo, 2003, p. 23-51. ANGRIMANI SOBRINHO, D. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Sumus, 1995 (Coleção Novas Buscas em Comunicação v. 47) 8