A identificação fonêmica do discurso de estudantes brasileiros na língua russa

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Transcrição:

A identificação fonêmica do discurso de estudantes brasileiros na língua russa Tanira Castro Universidade Federal do Rio Grande do Sul Abstract The Portuguese language, in the discourse of Brazilians, has specific features that are manifest in a more evident form in its lexis and phonetics, which allows us to speak, therefore, of a Brazilian Portuguese. Leaving aside the discussion of the status of Brazilian Portuguese, we must take into consideration the indisputably broad variability of its phonetic system, which is due not only to linguistic but also to sociolinguistic factors, which, in their turn, cannot but have an influence on the phonetic formation of Brazilian discourse during, for example, the learning of the Russian language (RL). Besides, the written form of some letters, both in Portuguese and Russian, causes not only phonetic but also graphic-phonetic interference to arise whether during reading, writing, or oral

CASTRO 516 discourse. The specifics of the native language of Brazilians is transferred to the discourse in the RL, mainly during the initial stage of learning. Research on the phonetic interference of the discourse of Brazilians who study the RL, is still in the early phase, but, even so, through the experimental results already obtained, we can speak of the specific and universal features of its manifestation. A priori, these violations have an orthoepic and orthophonic character, for they have a lot to do with the differential and integral criteria of the phonemes, since these violations may occur because of the specific distributive and phonotactical relations of the languages in question. The sources of the errors can be subjectively defined by the manner in which the learner assimilares and perceives the physical and linguistic functions of both languages. Both in written and oral discourse, the action of graphic-phonetic interference is observed.

Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 12, n. 2, p. 515-523, 2004 517 Alíngua portuguesa falada no Brasil possui algumas características especificas, que se manifestam, principalmente, no léxico e na fonética, o que por sua vez nos permite falar sobre o status do português brasileiro. Mas deixando de lado a questão desse status, observaremos o fato indiscutível da ampla variação de seu sistema fonético, o que se deve não apenas a fatores lingüísticos, mas a questões territoriais que não poderiam deixar de influir no aspecto fonético do discurso de brasileiros durante a aprendizagem da língua russa. Além disso, a semelhança da escrita de algumas letras tanto na língua portuguesa como na russa provocam a manifestação da interferência fonético-gráfica, no discurso escrito e oral. No português brasileiro, assim como no português europeu tradicionalmente temos sete fonemas vocálicos tônicos orais e 19 consonantais. As vogais do português brasileiro, como na língua russa diferenciam-se em anteriores, central e posteriores e podem ser altas, médias e baixas, arredondadas ou não arredondadas, mas elas ainda se diferenciam pela oposição de fonemas abertos ou fechados. Uma questão discutível é a do status das vogais nasalizadas. No discurso brasileiro elas podem, por exemplo, ocorrer não somente em um contexto de consoantes nasais, quando poderíamos relacionar a sua manifestação à assimilação progressiva ou regressiva, mas ocorrem também antes de vogais, assim como no fim de palavras depois de uma consoante não nasal. Por exemplo dente, tem, irmã, dão, vão, rã, lã, etc. Na literatura em geral, freqüentemente as vogais nasais são analisadas como alofones das vogais puras orais. As vogais tônicas ou átonas se diferenciam ainda pela sua duração. As últimas podem sofrer uma completa redução no fim da palavra. Como já dissemos todas as vogais mencionadas podem ser tônicas. Entretanto, em um contexto antes de alguma consoante nasal não encontramos

CASTRO 518 as vogais abertas. As vogais em posições átonas variam em dependência de suas posições em relação a sua localização no que diz respeito à tonicidade e em relação a sua posição na palavra. Desta forma, na posição pré-tônica ou pós-tônica identificamos cinco vogais: a, e, i, o, u. Acrescentamos, ainda, que o sistema vocálico português é riquíssimo em ditongos, puros e nasais (seu número é de 34), mas o seu status fonológico é discutível. Além disso, ainda é possível a combinação de três vogais tritongos. Como na LR, as consoantes da LP diferenciam-se conforme o ponto de articulação (labiais, bilabiais, labiodentais, dentais, prépalatais, médio-palatais, palatais), conforme o modo de articulação (oclusivas, fricativas, explosivas, vibrantes), podem ser surdas ou soantes, sibilantes e fricativas e ainda nasais. Mas na LP não existe o critério de consoantes duras e brandas, entretanto pode manifestarse uma forte palatalização e, em conseqüência as consoantes dentais tornam-se africadas antes das vogais [i, e], as quais na LR são reconhecidas como africadas /c / ou / c /. Após enumerarmos algumas especificidades da língua natal dos brasileiros, analisaremos o discurso russo de brasileiros, especialmente na etapa inicial de seu aprendizado. Ao analisar a interferência fonética do discurso de brasileiros que estudam a LR, ainda se encontra em fase de averiguações de suas características, mas a partir das experiências de ensino da LR no Brasil e através dos resultados experimentais já obtidos, podemos falar a respeito de suas características específicas e universais de manifestação. Como de regra, as violações cometidas têm um caráter ortoépico e ortofônico no que diz respeito aos critérios diferenciais e integrais, assim como podem ter um caráter específico de acordo com as relações distributivas e fonotáticas das línguas em contato. Tanto no discurso escrito, como no oral manifesta-se a ação da interferência fonética gráfica. A seguir enumeramos os erros fonéticos característicos e mais freqüentes no discurso russo de brasileiros com referência às vogais e às consoantes:

Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 12, n. 2, p. 515-523, 2004 519 1 Com referência às vogais, observamos a não diferenciação dos fonemas /bl/ - /i/, o que se explica pela inexistência de tal oposição na língua natal dos aprendizes, além da semelhança articulatória acústica dessas vogais na LR. Em todas as posições fonéticas, o fonema /bl/ é percebido e realizado como o fonema /i/ da língua natal dos estudantes. Observamos que tal violação manifesta-se quando o fonema /bl/ encontra-se no fim da palavra e antes de uma consoante branda; a violação da variação alofônica das vogais russas, tendo em vista que os alunos «ignoram» o caráter ditongal das vogais brandas russas em virtude do contexto em que se encontram consoantes brandas; a percepção e a realização do fonema /e/ nas sílabas tipo C VC e C VC como vogal fechada anterior média, e nas sílabas tipo CVC, CVC como vogal aberta anterior média, o que se explica, através da identificação semelhante dos alofones dos fonemas russos com as características físicas de dois fonemas da língua materna do aluno; a pronúncia nasalizada de vogais não nasais russas, quando se encontram em um contexto de consoante nasal, o que evidencia a ação da variação alofônica das vogais da LM dos brasileiros; a percepção e a realização do fonema /o/ como uma vogal fechada posterior média, o que corresponde ao fonema da LM do aprendiz. Isso se explica pelo fato de haver uma reinterpretação das características físicas do fonema russo, a sua ditongação, semelhante ao fonema [u] que representa o início de sua articulação; a vogal /a/ é bem percebida, mas a sua realização é como um fonema central baixo, correspondente ao fonema da LM do aprendiz; a letra o russa durante a leitura pode ser realizado como o fonema [u], tendo em vista que, na LM do aprendiz, existe esse

CASTRO 520 tipo de redução, mas na LR não. Esse tipo de erro, freqüentemente, ocorre no fim da palavra e o mesmo manifesta-se tanto na leitura como no discurso oral; A letra y russa durante a leitura pode ser realizada como o fonema [i] de acordo com as regras de leitura da LM do aprendiz brasileiro; e, as letras o (exceto na posição final da palavra), e, a russas normalmente são pronunciadas como as vogais da LM do aprendiz. 2 No que diz respeito às consoantes, temos os seguintes erros: os alunos não diferenciam os fonemas /c/ - / c /, /t / - / c /, /s :/ - / c /, /s / - /s :/ isso se explica não somente porque na LM do aprendiz não existe tal tipo de oposição, mas deve-se ao fato de que existe uma grande semelhança física das características dessas consoantes na LR; os alunos pronunciam [s] em vez de /c/, fato este observado em palavras internacionais do tipo (natcional nii, revolhiutciia, tcirk e etc.), porque, na LP, nessas palavras se pronuncia [s]; os alunos percebem e realizam os fonemas russos /x, x / como uvular fricativa da LM, fato este explicado pela ausência de tal fonema na LP e a sua relativa proximidade física de suas características em ambas as línguas; os alunos não identificam a diferença entre as consoantes duras e brandas. Além disso, as oclusivas alveolares / t, d / antes de /i, e / são sempre realizadas de acordo com as regras da LM, correspondendo às africadas surda e sonora. As sonantes brandas /l, n / muitas vezes podem ser realizadas como médio-palatais, como líquida e nasal, respectivamente. Neste caso a oposição obedeceu às características da LP; o fonema russo /r/ pode ter diferentes variantes de realização: como uma sonante línguo-alveolar fraca ou forte, como fricativa uvular sonora ou surda, como fricativa faringalizada sonora ou surda, assim como uma consoante retroflexa. Este

Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 12, n. 2, p. 515-523, 2004 521 último caso é característico no fim da palavra, enquanto os outros casos podem ocorrer no início ou no meio da palavra; a reprodução de consoantes sonoras no fim da palavra de acordo com a sua ortografia explica-se pelo fato de o aluno desconhecer as regras das terminações dos nomes (substantivos) na LR e desconhecer as respectivas normas de pronúncia; a reprodução das fricativas é através da articulação dorsal de consoantes russas que são substituídas pela articulação apical ou cacuminal dorsal. A sonante lateral líquida [ ] na maioria das vezes articula-se como apical; as fricativas sibilantes /s, z/ articulam-se como fricativas planas; as consoantes duras velarizadas articulam-se como não velarizadas; a realização do fonema /c / articula-se de forma não palatalizada, mas o fonema /c/ de forma palatalizada; O nome (o substantivo) russo pode finalizar com qualquer consoante e, nesses casos, os brasileiros normalmente acrescentam a vogal [i]; a reprodução das oclusivas linguodentais /t, d/ em combinação com a nasal /n/ articula-se sem a explosão faucal, mas na combinação com a sonante lateral líquida / / articula-se sem a explosão lateral; a consoante russa x em dependência de seu contexto pode ser articulada conforme as regras fonéticas da LP, isto é como as consoantes [z], [s], [s ] ou como uma combinação das consoantes [ks]; as consoantes [ BB ], [ PP ] articulam-se como as oclusivas bilabiais da LP, [b, p], a consoante Cc como [k] ou [s]. Por sua vez, a consoante [ HH ] no início da palavra, de acordo com as regras da LP, pode não ser pronunciada, exemplo é a palavra «nemie» (mudo); os brasileiros não identificam e, conseqüentemente, confundem as letras russas III III e III, III,, assim como o sinal duro e

CASTRO 522 o sinal brando durante a leitura e a escrita, tendo em vista uma certa semelhança dessas letras; observamos também erros de pronúncia quando o aprendiz simplesmente não pronuncia algum determinado som (segmentação de subtração) ou ao contrário, acrescenta algum som a palavra (segmentação de adição), o que se deve a interferência das regras distributivas e fonotáticas da LP. Estas são as principais características da interferência fonética no discurso de brasileiros na etapa inicial de seu aprendizado da LR. As fontes desses erros são as semelhanças físicas de suas articulações e a semelhança de suas funções lingüísticas dos fonemas em ambas as línguas. Observamos que nossas análises consideraram o fato de que os fonetistas brasileiros descrevem o sistema consonantal de acordo com o lugar de articulação: bilabiais, labiodentais, linguodentais, alveolares, palatais, velares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAGNO, M. Brasil e Portugal já falam duas línguas diferentes: Galileu, fev. 2002. Nº. 127. S. 88. BISOL, L. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. BONDARKO, L. V. Fonética da Língua Russa Contemporânea: Manual didático. São Petersburgo: Editora da Universidade de São Petersburgo, 1998. CÂMARA Jr., J. M. Problemas de lingüística descritiva. Petrópolis: Vozes, 1984. CÂMARA Jr., J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970. CASTRO, T. A formação de habilidades auditivas e de pronúncia para estudantes lusófonos em cursos de ensino fora do meio lingüístico natural (Curso Linguafônico Fonético para Estudo sem Mestre). São Petersburgo: Editora da Universidade de São Petersburgo, 1995. (Tese, Doutorado em Ciências Pedagógicas.) HOUAISS, A. Tentativa de descrição do sistema vocálico do português culto na área dita carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1959.

Rev. Est. Ling., Belo Horizonte, v. 12, n. 2, p. 515-523, 2004 523 LOPEZ, B. C. The sound pattern of Brazilian Portuguese (Cariocan dialect). 1979. Tese (Doutorado: PhD) University of California, Los Angeles. MASIP, V. Gramática de português como língua estrangeira: fonologia, ortografia e morfossintaxe. São Paulo: EPU, 2000. SILVA, T. C. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudos e guia de exercícios. São Paulo: Contexto, 1999.