Neutralidade da rede: futuro incerto Carlos A. Afonso (ca@cafonso.ca) Instituto Nupef Rio de Janeiro outubro, 2009
Quem teria dito...? "Nosso produto pode ser usado de vários modos... Como é efetivamente usado, fica a critério do cliente."
?? 1.Um traficante de armas tentando convencer um governante indeciso a comprar um novo modelo de lança-mísseis... 2.Um representante de uma multinacional farmacêutica empurrando uma nova droga de efeitos colaterais desconhecidos a um cliente... 3.Um vendedor oferecendo um analisador de datagramas às forças de segurança de um governo ou a uma empresa telefônica?
Acertou quem escolheu a opção 3! "Nosso produto pode ser usado de vários modos... Como é efetivamente usado, fica a critério do cliente." -- Steve Bannerman, vice-presidente da Narus, fabricante de analisadores de datagramas, citado em Wired News, 17-5-2006 (http://www.wired.com/news/technology/0,70914-0.html)
Como funciona?
Qualquer dado que trafegue em uma rede Internet, podemos armazenar, diz Bannerman. Podemos reconstruir todos os emails incluindo anexos, ver quais páginas Web foram visitadas, ou reconstruir as chamadas de voz sobre IP. O produto da Narus, o Analisador Semântico de Tráfego, é um software que roda em um servidor comum com o sistema operacional GNU/Linux. Este farejador de pacotes é renomado por sua capacidade de inspecionar o tráfego dos datagramas [e manipulá-los, copiá-los, ou simplesmente destrui-los c.a.] a velocidades de até 10 gigabits por segundo (10 Gb/s). -- da reportagem da Wired já mencionada. Essa velocidade equivale a transmitir o conteúdo inteiro de um DVD comum em menos de cinco segundos. Significa que o analisador pode monitorar mais de 150 mil conversações telefônicas simultâneas de voz sobre IP.
Um analisador de tráfego pode permitir: Bloquear, contabilizar, afetar a eficácia do transporte, copiar e reconstituir em bancos de dados: Fluxo de voz e video sobre IP (Skype, SIP, H.323, MGCP) Fluxo de multimeios (áudio, vídeo RTP, RTCP, RTSP) Tráfego P2P (Gnutella, BitTorrent, KaZaa, edonkey/emule etc) Navegação em páginas Web e-mail (SMTP, POP3, IMAP) Sistemas de mensagem instantânea (IM, MMS) ==> DEEP PACKET INSPECTION!
Motivações das empresas Bloquear ou degradar tráfego de determinado serviço de empresa concorrente (por exemplo, fluxo de vídeo ou voip) Bloquear ou degradar trocas de arquivos de sistemas P2P Contabilizar tráfego por categoria para refinar os sistemas de cobrança Impedir que determinados serviços sejam usados através de sua rede (por exemplo, IPTV de uma telefônica em uma rede de TV a cabo)
A neutralidade da Internet, como já alertava Lawrence Lessig há mais de cinco anos, significa que os provedores de acesso e de infovias não podem controlar como os usuários utilizam a rede. Não podem censurar datagramas nem discriminar tipos de serviços pelos respectivos conteúdos (seja do cabeçalho ou de qualquer outra parte de qualquer datagrama). Não cabe ao operador de infovia, qualquer que ela seja, decidir se datagramas de telefonia IP têm menor prioridade que datagramas de vídeo originados de determinado servidor, tal como se uma concessionária de rodovia impedisse carros de circular com determinada cor ou de transportar essa ou aquela mercadoria. Não deveriam (mas fazem isso frequentemente) sequer criar dificuldades para que um pequeno empresário ou usuário doméstico conecte mais de um computador a um mesmo circuito de banda larga.
O processo de convergência entre sistemas de transmissão de multimeios e de dados resulta em: - verticalização de serviços, da conectividade ao transporte de dados e à produção e distribuição de conteúdo, cada vez mais em mãos das mesmas empresas - perda da interatividade livre, aumento da interatividade controlada - convergência da legislação: telecomunicações, transporte de dados e distribuição de mídia ----> compreende-se assim o interesse da União Internacional da Telecomunicação (UIT) em assumir o controle da governança de toda a infra-estrutura da Internet se não fizer algo nessa direção, a vetusta entidade pode simplesmente desaparecer por obsolescência, tal como as linhas telefônicas fixas atuais...
Quem tem banda larga? Tipo de serviço Conexões (em milhares) ADSL 7.500 TV assinatura 2.835 Rádio digital e outros 425 TOTAL 10.760 Conexões por 100 hab 5,64 Estimativas para o segundo trimestre de 2009. Fonte: Teleco (www.teleco.com.br/blarga.asp), 04 de outubro de 2009.
Quão larga é a banda? Banda larga no Brasil: >= 128 kb/s, 12 Mb/s máximo (acima disso, experimental) Banda larga na Europa: >= 2 Mb/s, até 100 Mb/s disponível Penetração no Brasil: <10% Penetração na Europa: >50% Preço mensal em S.Paulo: 5-10 vezes mais alto que em Paris, Londres, Lisboa...
Algumas restrições Relação download/upload BQS: 3:1 hoje, 2:1 em 2012 Brasil: 5:1 QoS: Banda real até 10 vezes menor que nominal Baixa ou nenhuma qualidade para streaming Transporte: Monitoramento ( shaping, sniffing ) Quallidade orientada a serviços próprios Suporte: Privilegia uma plataforma do lado do usuário Desconsidera todas as outras
Comparações Concessão rodoviária Qualquer um pode transportar qualquer coisa com qualquer veículo não tem poder de polícia Concessão ferroviária Regras similares com restrições a veículos Os espaços privados redes privadas para interconexões de tráfego exclusivo redes privadas para interconexões de tráfego público
Princípios CGI.br (1/3) 1. Liberdade, privacidade e direitos humanos O uso da Internet deve guiar-se pelos princípios de liberdade de expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática. 2. Governança democrática e colaborativa A governança da Internet deve ser exercida de forma transparente, multilateral e democrática, com a participação dos vários setores da sociedade, preservando e estimulando o seu caráter de criação coletiva. 3. Universalidade O acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos.
Princípios CGI.br (2/3) 4. Diversidade A diversidade cultural deve ser respeitada e preservada e sua expressão deve ser estimulada, sem a imposição de crenças, costumes ou valores. 5. Inovação A governança da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso. 6. Neutralidade da rede Filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento.
Princípios CGI.br (3/3) 7. Inimputabilidade da rede O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos. 8. Funcionalidade, segurança e estabilidade A estabilidade, a segurança e a funcionalidade globais da rede devem ser preservadas de forma ativa através de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e estímulo ao uso das boas práticas. 9. Padronização e interoperabilidade A Internet deve basear-se em padrões abertos que permitam a interoperabilidade e a participação de todos em seu desenvolvimento. 10. Ambiente legal e regulatório O ambiente legal e regulatório deve preservar a dinâmica da Internet como espaço de colaboração.