ANAIS 30º ENCONTRO SOBRE TEMAS DE GENÉTICA E MELHORAMENTO

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Transcrição:

ANAIS 30º ENCONTRO SOBRE TEMAS DE GENÉTICA E MELHORAMENTO VOLUME 30 EVOLUÇÃO, SISTEMÁTICA E BIOLOGIA DE POPULAÇÕES DE ORQUÍDEAS 9 E 10 DE OUTUBRO DE 2013 Piracicaba - SP EDITORES GIANCARLO C. X. OLIVEIRA (COORDENADOR) GERHARD BANDEL ELIZABETH A. VEASEY JOSÉ BALDIN PINHEIRO SAMANTHA KOEHLER RICARDO A. AZEVEDO

ÍNDICE Setores de Pesquisa e Corpo Docente... 1 Apresentação... 2 Programa do Evento... 3 Linking pollination biology and hybrid zones for disclosing the genetic bases of reproductive isolation in deceptive orchids. Salvatore Cozzolino, Università degli Studi di Napoli Federico II, Nápoles, Itália... 4 Quando a filogeografia se encontra com a especiação: elevada estruturação genética e depressão por alogamia revelam os estágios iniciais de isolamento reprodutivo em uma espécie de orquídea Neotropical. Fábio Pinheiro, Instituto de Botânica de São Paulo, São Paulo.... 12 Promiscuidade generalizada em Cattleya (Orchidaceae): importância da hibridação e introgressão na evolução do gênero. Cássio van den Berg, Universidade Federal de Feira de Santana, F. de Santana, BA... 18 Evolução cariotípica em Orchidaceae. Eliana Regina Forni Martins, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.... 25 Filogenia Taxonomia: um caso de amor e ódio Fábio de Barros, Instituto de Botânica de São Paulo, SP.... 25 Evolutionary Units and Evolutionary Processes in the Orchidaceae Raymond Tremblay, University of Puerto Rico at Humacao, Porto Rico.... 32 O que as orquídeas contam sobre diversificação em montanhas do sudeste brasileiro. Samantha Koehler, Universidade Federal de São Paulo, Diadema, SP.... 40

18 PROMISCUIDADE GENERALIZADA EM CATTLEYA (ORCHIDACEAE): IMPORTÂNCIA DA HIBRIDAÇÃO E INTROGRESSÃO NA EVOLUÇÃO DO GÊNERO Cássio van den Berg Prof. Pleno, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana, Av. Transnordestina s.n., 44036-900, Feira de Santana, Bahia, Brasil. E-mail: vcassio@gmail.com Cattleya Lindley é um gênero Neotropical com 115 espécies de destacado valor no mercado de plantas ornamentais (van den Berg 2005, 2008). É parte da subtribo Laeliinae, que foi indicada como um grupo monofilético com cerca de 40 gêneros (van den Berg et al., 2005, van den Berg et al., 2009). Dentro dessa subtribo, existem vários agrupamentos (chamados informalmente de alianças genéricas), e uma delas é a aliança de Cattleya, que inclui também os gêneros Brassavola, Guarianthe, Myrmecophila e Rhyncholaelia. Com base em resultados das filogenias moleculares baseadas na região nuclear ITS e nos genes, íntrons e espaçadores de plastídeo (trnl-f, matk and rbcl) de van den Berg et al. (2000) e van den Berg et al. (2009), todas as espécies de Sophronitis Lindley e todas as espécies brasileiras previamente incluídas em Laelia Lindley foram transferidas para Cattleya. No artigo que propôs estas mudanças, van den Berg (2008) delineou os princípios gerais pelos quais essa fusão era uma opção melhor que dividir Cattleya em vários gêneros pequenos, o que causaria produziria muitos gêneros para este grupo de espécie e um excesso de milhares de notogêneros para acomodar os híbridos artificiais no sistema de registros existente. Como resultado, foram feitas combinações para espécies previamente colocadas também em Sophronitis, Hoffmannseggella Jones e outros gêneros de Chiron & Castro (2002 Dungsia, Hadrolaelia, Microlaelia, etc.), agora todos sinônimos de Cattleya (van den Berg 2008, van den Berg 2010). Apesar disso, não foi ainda proposto um sistema de classificação, já que isso envolvia uma pequisa extensiva em todos os táxons infragenéricos desses gêneros, em materiais não indexados pelo International Plant Names Index (IPNI). No momento, temos um esboço da nova classificação a ser proposta, inteiramente em um único gênero (Cattleya) cujo objetivo é melhor a estabilidade e lidar com as mudanças nomenclaturais sem alterar o status genérico, sem a necessidade portanto de mais transferências de gênero para as espécies existentes. (Figura 1, Tabela 1). Conforme exposto, o gênero Cattleya é composto de quatro subgêneros, sendo o maior deles (subg. Cattleya), dividido em três seções, e uma delas (sect. Crispae) dividida em cinco séries. Cada um destes táxons corresponde a grupos monofiléticos sustentados em filogenias de plastídeo e ITS nuclear, porém o arranjo de seções foi delineado de maneira a ser compatível com filogenias discordantes que ocorrem entre o núcleo e os plastídeos (cf. van den Berg 2008, van den Berg et al. 2009).

19 Tabela 1. Arranjo de táxons infraespecíficos no gênero Cattleya Lindl. Taxon Número de spp. 1. Cattleya subgenus Cattleya 92 1.1. sectio Cattleya 17 1.2. sectio Crispae (Pfitzer) Van den Berg 72 1.2.1. series Crispatae (Cogn.) Van den Berg 47 1.2.2. series Hadrolaelia (Schltr.) Van den Berg 6 1.2.3. series Lobatae (Schltr.) Van den Berg 9 1.2.4. series Microlaelia (Schltr.) Van den Berg 1 1.2.5. series Sophronitis (Lindl.) Van den Berg 9 1.3. sectio Lawrenceanae Van den Berg 3 2. Cattleya subgenus Cattleyella (Van den Berg & M.W.Chase) Van 1 den Berg 3. Cattleya subgenus Intermediae (Cogn.) Withner 21 4. Cattleya subgenus Maximae (Withner) Van den Berg 1 Total 115 Figura 1. Relacionamento dos táxons infraespecíficos de Cattleya Lindl. Em relação a filogenias com base na região nuclear ITS e plastídeos (genes matk e rps16, íntrons de trnk, íntron de trnl intron, espaçadores trnl-f, atpb-rbcl e psba-trnh.

20 Hibridação artificial na subtribo Laeliinae e no gênero Cattleya A família Orchidaceae é conhecida pelo grande número de híbridos artificiais (mais de 165 mil registros de híbridos) utilizados no mercado ornamental. Isso claramente reflete as fracas barreiras do ponto de vista genético para a produção de híbridos entre espécies e gêneros relacionados, através de polinização artificialmente induzida pelo homem. Adams e Anderson (1958) fizeram um apanhado do nível de compatibilidade em híbridos artificiais de orquídeas, e na época já relatavam mais de 4.500 híbridos na família das orquídeas. A maioria dos híbridos era então entre Cattleya, Brassavola, Laelia e Sophronitis. Hoje, neste mesmo grupo existem mais de 30 mil híbridos registrados, porém depois que Sophronitis e as espécies brasileiras de Laelia passaram a ser incluídas na circunscrição de Cattleya, e as espécies centroamericanas de Cattleya foram transferidas para Guarianthe, a maioria desses híbridos passou a ser dentro de Cattleya (30.312 cruzamentos), Cattleya Rhyncholaelia (16.975 cruzamentos), Cattleya Brassavola (632), Cattleya Guarianthe (513), Rhyncholaelia Brassavola Cattleya (166 cruzamentos), Rhyncholaelia Brassavola (7 cruzamentos), ficando evidente que os principais gêneros utilizados em híbridos artificiais são Cattleya e Rhyncholaelia. Todos os híbridos acima listados correspondem apenas aos gêneros da aliança de Cattleya, porém existem híbridos com outros gêneros de Laeliinae fora da aliança, e já foram registrados híbridos de Cattleya com pelo menos outros 17 gêneros (Barkeria, Brassavola, Broughtonia, Caularthron, Constantia, Domingoa, Encyclia, Epidendrum, Guarianthe, Laelia, Leptotes, Myrmecophila, Prosthechea, Pseudolaelia, Psychilis, Rhyncholaelia, Tetramicra) do quais apenas quatro estão na mesma aliança. Provavelmente tamanha compatibilidade de cruzamentos e híbridos férteis seja devido ao fato de que mais que 95% das espécies de Laeliinae apresenta o mesmo número cromossômico (2n=40), sendo ainda este número dominante em todos os gêneros da subtribo de que dispomos de contagem cromossômica (ver compilação em van den Berg, 2000). Figura 2. Número de híbridos artificiais registrados em Laeliinae até 1958 (adaptado de Adams e Anderson 1958) Hibridação natural no gênero Cattleya Um levantamento detalhado sobre os híbridos naturais descritos na literatura revela que já foram encontrados na natureza pelo menos 89 híbridos naturais dentro de Cattleya com os parentais estabelecidos e 36 híbridos de origem incerta quanto aos pais, além de cinco híbridos naturais com outros gêneros, sendo dois com Brassavola, dois com Laelia

21 (que no Brasil corresponde às espécies que anteriormente pertenciam ao gênero Schomburgkia) e um com Encyclia. Com relação aos táxons infragenéricos de Cattleya, a maioria desses híbridos envolve sempre espécies do subênero Intermediae, sendo 30 desse híbridos naturais dentro desse subgênero, 10 entre Intermediae e a série Lobatae, sete entre Intermediae e a série Hadrolaelia e sete entre Intermediae e a seção Cattleya, portanto num total de 54 híbridos. A maior frequência de híbridos entre estes grupos de Cattleya provavalmente está diretamente relacionada à morfologia de flores maiores e polinização por abelhas grandes, sobretudo dos gêneros Bombus e Xylocopa (van der Pijl & Dodson, 1966; Smidt et al., 2006; Silva-Pereira et al., 2007). Ainda nesse mesmo padrão existem três híbridos dentro da série Lobatae, um dentro da série Hadrolaelia e um dentro da sect. Cattleya, dois entre Hadrolaelia e Lobatae, dois entre Lobatae e sect. Cattleya, e três entre Hadrolaelia e sect. Cattleya. Um grupo de híbridos diferente do anterior envolve as espécies da série Crispatae. Espécies dessa série tem flores menores e são geralmente polinizadas por abelhas menores, e assim existem 13 híbridos entre espécies dessa série, porém entre elas e outros grupos de Cattleya os cruzamentos parecem ser bem mais raros, apenas um entre série Crispatae e série Hadrolaelia, um entre Crispatae e sect. Cattleya e um entre Crispatae e subg. Intermediae. Apesar de muito mais raros, parece que mesmo com diferenças entre polinizadores, ocorrem ocasionamente híbridos quando as espécies coocorrem, inclusive entre espécies polinizadas por aves e abelhas (entre a série Sophronitis e Crispatae), e os híbridos entre Cattleya e Brassavola (este último gênero polinizado predominantemente por esfingídeos). Todas essas evidências mostram o caráter bastante generalista dos mecanismos de polinização por abelhas em Cattleya, sendo claro que abelhas ocasionamento visitam inclusive espécies polinizadas por aves e esfingídeos em que as flores permanecem abertas por vários dias. Um aspecto notável desses híbridos naturais, é que a maioria foi relatada a partir de um ou poucos indivíduos, sendo claramente um evento de natureza acidental relacionado a inexistência ou existência de fracas barreiras genéticas entre as espécies. Apesar disso, existem outras barreiras, geralmente de natureza ecológica, que promovem o isolamento reprodutivo, como por exemplo nítida separação fenológica e alopatria (vários casos relatados por van den Berg & Martins, 1998), ou diferenças morfológicas que pelo menos dificultam o cruzamento. Um exemplo também foi relatado entre C. pfisteri e C. sincorana por Silva-Pereira et al. (2007). Nesse caso, embora o polinizador de ambas seja a mesma espécie de Bombus, operárias parecem ser o principal visitante em C. pfisteri, enquanto C. sincorana é polinizada por rainhas, de maneira compatível com a grande diferença de tamanho entre as flores das duas espécies. Apesar disso, são relatados alguns enxames de híbridos, com destaque para C. dolosa Rchb.f. (C. loddigesii C. walkeriana), C. albanensis (C. grandis C. warneri) e C. elegans (C. purpurata C. tigrina). Nos dois últimos casos, as espécies são de grupos diferentes dentro do gênero, e no primeiro caso, entre linhagens diferentes dentro do mesmo subgênero. Até o momento, não há relatos de enxames de híbridos entre espécies proximamente relacionadas. Estudos de genética caracterizando híbridos naturais no nível populacional Existem poucos estudos de genética de populações no gênero, porém foram observados híbridos naturais em mais de um exemplo. Um estudo utilizando marcadores de ISSR em C. pfisteri (Silva, 200X) encontrou uma população de C. pfisteri com forte introgressão de C. sincorana, e os indícios de introgressão eram maiores em pontos onde as espécies eram sintópicas, e diminuiam em indivíduos de C. pfisteri que ocorriam sozinhos

22 na periferia da população. De maneira similar, Rodrigues (2010) encontrou evidências de plantas introgredidas entre duas linhagens de C. coccinea na região do Pico do Caparaó, MG. Em um estudo com ISSR tentando delimitar C. loddigesii de C. harrisoniana, foram encontradas populações dessa última, com traços de introgressão de C. loddigesii. No caso dessas espécies o isolamento reprodutivo é dado por uma diferença fenológica muito marcante que é mantida mesmo nas populações introgredidas, e provavelmente podemos estar lidando com um caso de genoma poroso (Minder, 2007; Lexer et al., 2009). Indícios de especiação por hibridação em Cattleya A raridade de enxames de híbridos associada às fracas barreiras genéticas parece indicar no gênero um padrão claro em que especiação por hibridação é raro, e deve ocorrer entre linhagens pouco relacionadas. Dentro de linhagens de espécies próximas, a especiação parece ter ocorrido sobretudo por alopatria, com o subsequente desenvolvimento de barreiras fenológicas. Neste último caso, a identidade das espécies poderia ser controlada por um pequeno conjunto de genes, responsável pelo controle da época de florescimento, o que teria garantido a continuidade do processo de separação entre as espécies mesmo com a ocorrência de hibridação esporádica e introgressão. Este tipo de barreiras parece bastante eficiente, sendo a maioria dos híbridos de natureza acidental, sem introgressão posterior, portanto com poucas consequências para as espécies envolvidas. Em alguns casos, entretanto, formam-se enxames de híbridos, como os citados anteriormente, e parece que esse evento ocorreu sempre entre linhagens distintas. Para a formação desses enxames, é necessária a ocorrência de repetidos eventos de hibridação, e provavalmente esse padrão tenha ligação direta com mudanças na distribuição das espécies devido às flutuações climáticas, quando espécies de diferentes linhagens passam a ser simpátricas, compartilhem o mesmo polinizador e tenham fenologia similar. Uma análise detalhada da filogenia do subgênero Intermediae (Santos, 2011), indica uma série de conflitos entre as filogenias nucleares e plastidiais, e pelo menos três casos de espécies de provável origem híbrida. Após a análise de 16 regiões de DNA, foram identificadas nesse subgênero três linhagens claramente delimitadas. Porém, duas espécies (C. aclandiae e C. schilleriana) apresentavam morfologia que não se encaixava bem em nenhuma das linhagens, e foram encontrados conflitos entre as regiões nucleares e de núcleo indicam sua provável origem híbrida, e uma terceira parece apresentar genoma relacionado a uma linhagem e morfologia de outra. No caso de espécies amplamente distribuídas, como C. bicolor e C. granulosa, as filogenias indicam a introgressão com espécies simpátricas em diferentes regiões, e pelo menos um caso do que imaginávamos ser especiação por alopatria e diferenciação fenológica (C. guttata e C. tigrina) parece mostrar um panorama mais complexo, que envolve introgressão com outras espécies. Considerações finais Embora a hibridação artificial com híbridos férteis seja fácil de comum na subtribo Laeliinae e dentro do gênero Cattleya, a ocorrência de híbridos naturais é bem mais limitada, e na maioria desses casos estamos tratando de eventos raros e acidentais. Apesar disso, ocorrem alguns enxames de híbridos e temos evidência para especiação por hibridação homoplóide nas filogenias. A investigação das filogenias em Cattleya deve ser feita sempre com múltiplos marcadores nucleares e plastidiais, de forma a investigar

23 conflitos que possam indicar a ocorrência de hibridação e introgressão dentro e entre as linhagens. Apesar disso, na proporção do número de espécies do gênero esse padrão é relativamente raro, indicando a importância dos mecanismos de especiação ecológica para a diversificação de Orchidaceae, mesmo quando as barreiras genéticas são fracas ou inexistentes. Literatura Citada Adams, H., and E. Anderson. 2008. A Conspectus of Hybridization in the Orchidaceae. Evolution 12: 512 518. Chiron, G., and V. P. Castro Neto. 2002. Révision des espèces brésiliennes du genre Laelia Lindley. Richardiana 2: 4 28. Lexer, C., J. Joseph, M. Van Loo, G. Prenner, B. Heinze, M.W. Chase, and D. Kirkup. 2009. The use of digital image-based morphometrics to study the phenotypic mosaic in taxa with porous genomes. Taxon 58: 349 364. Minder, A. 2007. How porous are plant genomes? Introgressive hybridization in a Silene (Caryophyllaceae) species pair. Tese de Doutorado, ETH Zurich. Rodrigues, J. 2010. Delimitação de espécies e diversidade genética no complexo Cattleya coccinea Lindl. e C. mantiqueirae (Fowlie) Van den Berg (Orchidaceae) baseada em marcadores moleculares ISSR. Dissertação de Mestrado, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz /Universidade de São Paulo. Santos, T. M. 2011. Eventos antigos de especiação híbrida no grupo bifoliado do gênero Cattleya Lindl. (Orchidaceae) inferidos a partir de uma filogenia baseada em 16 regiões de DNA nuclear e plastidial. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Feira de Santana. Silva-Pereira, V., E. C. Smidt, and E. L. Borba. 2007. Isolation mechanisms between two sympatric Sophronitis (Orchidaceae) species endemic to Northeastern Brazil. Plant Systematics and Evolution 269: 171 182. Silva, J. 2008. Variabilidade populacional de Cattleya pfisteri (Pabst & Senghas) Van den Berg (Orchidaceae). Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Feira de Santana. Smidt, E. C., V. Silva-Pereira, and E. L. Borba. 2006. Reproductive biology of two Cattleya (Orchidaceae) species endemic to north-eastern Brazil. Plant Species Biology 21: 85 91. van den Berg, C. 2000. Molecular phylogenetics of tribe Epidendreae with emphasis on subtribe Laeliinae (Orchidaceae). Tese de Doutorado, University of Reading. van den Berg, C. 2005. 293. Cattleya. In A. Pridgeon, P. Cribb, M. W. Chase, and F. Rasmussen [eds.], Genera Orchidacearum. Epidendroideae (Part one), 213 217. Oxford University Press, Oxford. van den Berg, C. 2008. New combinations in the genus Cattleya Lindl. (orchidaceae). Neodiversity 3: 3 12. van den Berg, C. 2010. New combinations in the genus Cattleya (Orchidaceae). II. Corrections and combinations for hybrid taxa. Neodiversity 5: 13 17.

24 van den Berg, C., W. Higgins, R.L. Dressler, W.M. Whitten, M.A. Soto-Arenas, A. Culham, and M.W. Chase. 2000. A phylogenetic analysis of Laeliinae (Orchidaceae) based on sequence data from Internal Transcribe Spacers (ITS) of nuclear ribosomal DNA. Lindleyana 15: 96 114. van den Berg, C., D.H. Goldman, J. V. Freudenstein, A.M. Pridgeon, K.M. Cameron, and M.W. Chase. 2005. An overview of the phylogenetic relationships within Epidendroideae inferred from multiple DNA regions and recircumscription of Epidendreae and Arethuseae (Orchidaceae). American Journal of Botany 92: 613 624. van den Berg, C., W.E. Higgins, R.L. Dressler, W.M. Whitten, M. a Soto-Arenas, and M.W. Chase. 2009. A phylogenetic study of Laeliinae (Orchidaceae) based on combined nuclear and plastid DNA sequences. Annals of botany 104: 417 30