1. FRASE E ENUNCIADO NA SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA

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Transcrição:

O OPERADOR ARGUMENTATIVO MAS NO ENUNCIADO A VIDA É BONITA MAS PODE SER LINDA Israela Geraldo Viana 1 (PG-UESB) israelaviana@gmail.com Jorge Viana Santos 2 (UESB) viana.jorge.viana@gmail.com INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo analisar o funcionamento do mas no enunciado A vida é bonita mas pode ser linda, que é o slogan que a marca O Boticário começou a veicular no ano de 2011 em suas campanhas publicitárias: filme, spot, outdoors e anúncios em revistas, expressando o novo conceito da marca. Por recorte, limitamo-nos ao slogan, nosso objeto de estudo neste trabalho, que aparece no final do filme de lançamento das fragrâncias Coffee Woman Seduction e Coffee Man Seduction da campanha do dia dos namorados, desse mesmo ano, veiculado na TV aberta. Nossa análise pretende mostrar que o mas funciona nesse enunciado como um operador argumentativo, segundo a Semântica Argumentativa de Ducrot (1989). Para alcançarmos o nosso objetivo, a metodologia empregada para a realização deste trabalho foi a de estudo do referencial teórico e análise argumentativa do enunciado A vida é bonita mas pode ser linda, a partir da teoria dos Topoi Argumentativos de Ducrot (1989); a teoria da polifonia de Ducrot (1984) e o conceito de escalas argumentativas conforme Ducrot (1973), para verificarmos se o mas funciona ou não nesse enunciado como um operador argumentativo. Neste trabalho, apresentamos, primeiramente, uma fundamentação teórica sobre a Semântica Argumentativa, fazendo a devida diferenciação entre frase e enunciado, segundo Ducrot (1989), e apresentamos o conceito de operador argumentativo. Em seguida, conceituamos também topoi argumentativos, classes argumentativas e escalas argumentativas e, fazemos uma breve exposição sobre a teoria da polifonia, apresentando o conceito de enunciação para esse autor. Em segundo lugar, fazemos uma análise do enunciado A vida é bonita mas pode ser linda mobilizando as teorias e os conceitos acima expostos. Em terceiro lugar, apresentamos as considerações finais a que chegamos ao término do trabalho e, por fim, as referências bibliográficas utilizadas para a realização dessa análise. 1. FRASE E ENUNCIADO NA SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA A teoria da argumentação na língua, desenvolvida por Ducrot e Ascombre (1989), diz que a argumentação está presente na língua, está inscrita na língua e não é apenas um acidente. Enunciados como Pedro trabalhou pouco e Pedro trabalhou um pouco demonstram isso, pois apresentam intenções comunicativas muito diferentes. Dessa forma, a argumentação pode estar diretamente determinada pela frase, e não 1 Mestranda em Linguística pelo Programa da Pós-Graduação em Linguística da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia PPGLIN/UESB. Bolsista Capes/Cnpq. 2 Doutor em Linguística pela Universidade de Campinas UNICAMP. Professor do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia DELL/UESB. Professor do Programa da Pós-Graduação em Linguística PPGLIN/UESB. 1

simplesmente pelo fato que o enunciado da frase veicula (DUCROT, 1989, p. 18), ou seja, as frases argumentam por si mesmas. Para essa teoria, alguns conceitos são importantes, como por exemplo, o conceito de frase e o conceito de enunciado, por isso, Ducrot (1989) os diferencia. O enunciado, segundo ele, é um segmento do discurso (DUCROT, 1989, p. 13), dessa forma, tem um lugar, uma data, um produtor e um ou mais ouvintes. O enunciado não se repete, pois, mesmo que digamos um mesmo enunciado duas ou mais vezes eles não serão os mesmos, visto que o tempo da enunciação será outro. O enunciado, segundo o autor, está no campo do observável, ele é o hic et nunc de uma frase, ou seja, o aqui e agora da enunciação. Em relação à frase, Ducrot (1989) a define como uma estrutura abstrata, ou seja, algo absolutamente diferente de uma seqüência de palavras escritas (DUCROT, 1989, p. 14). A frase é entendida como um objeto teórico que não pode ser observado, ao contrário do enunciado. O autor diferencia também os valores semânticos de um e de outro, de forma que para designar o valor semântico do enunciado ele utiliza o termo sentido e para a frase faz uso do termo significação. Segundo Ducrot (1989) todas as frases possuem um valor argumentativo e que elas indicam o que é ou não possível argumentar por meio de seus enunciados, ou seja, a frase dá as instruções para interpretar o seu enunciado. 2. SEMÂNTICA ARGUMENTATIVA: ALGUNS CONCEITOS Um operador argumentativo (O. A.), conforme Ducrot (1989), é constituído a partir de três características. Primeiramente, para ser um O. A. é necessário que seja possível construir uma frase P a partir de uma frase P, ou seja, um enunciado (P') derivado de outro (P), pela introdução desse operador. Em segundo lugar, esse operador deve fazer com que P e P tenham valores argumentativos diferentes em uma situação de discurso e, em último lugar, a diferença dos valores argumentativos não pode derivar-se de uma diferença factual entre as informações que os enunciados fornecem, na situação de discurso considerada, pelos dois enunciados: P e P. Ducrot (1989) introduz a noção de topos, princípios que regem os enunciados para que o interlocutor chegue a determinada conclusão. Os topoi argumentativos apresentam três características, na primeira, ele é entendido como um princípio de argumentação que precisa ser universal, ou seja, partilhado por uma comunidade linguística; a segunda característica é a generalidade, o princípio utilizado precisa ser válido para várias situações análogas à situação a qual é aplicado; e, por último, um topos tem natureza gradual. Um topos sempre apresenta dois predicados P e Q, sendo que uma variação na propriedade P implica uma variação na propriedade Q. Ducrot explica que um topos é gradual porque os predicados que interferem nos elementos semânticos com função argumentativa têm caráter gradual, ou seja, possibilitam comparações com mais ou menos. Para explicar melhor, o autor introduz ainda a noção de forma tópica, segundo a qual cada um dos topoi de um enunciado tem duas formas tópicas recíprocas e equivalentes, Quanto mais... e Quanto menos... Partindo dos estudos realizados por Benveniste em relação à subjetividade da linguagem, Ducrot (1973) introduz nos estudos da linguagem alguns fenômenos relacionados à enunciação. Segundo Ducrot (1973), 2

[...] muitos atos de enunciação têm uma função argumentativa [...] essa função tem marcas na própria estrutura do enunciado: o valor argumentativo de uma frase não é somente uma conseqüência das informações por ela trazidas, mas a frase pode comportar diversos morfemas, expressões ou termos que, além de seu conteúdo informativo, servem para dar uma orientação argumentativa ao enunciado, a conduzir o destinatário em tal ou qual direção. (DUCROT, 1973, p. 178) Assim, a presença de determinados morfemas no enunciado dá uma orientação argumentativa para o enunciado. São esses morfemas que comprovam que a argumentação está na língua. Quanto às escalas argumentativas, Ducrot (1973), afirma que uma classe argumentativa é formada por enunciados que apontam para a mesma direção. Dessa forma, se os enunciados apontam para a mesma conclusão, eles fazem parte da mesma classe argumentativa; caso contrário, os enunciados, ou os segmentos de enunciados, fazem parte de classes diferentes. A presença de operadores argumentativos em enunciados atribui maior força argumentativa a um dos segmentos desse enunciado, assim,, um segmento possui força argumentativa maior e o outro menor. Uma escala argumentativa, segundo o autor, é essa relação de força entre os segmentos de um enunciado, de forma que o segmento com maior intensidade argumentativa encontra-se mais próximo da conclusão do que o segmento com menor intensidade. Ao contestar a postulado da unicidade do sujeito falante, segundo o qual um enunciado isolado faz ouvir uma única voz (DUCROT, 1984, p. 161), Ducrot (1984) elabora a teoria da polifonia. Para isso ele mobiliza também o conceito de enunciação, entendida por ele como o acontecimento que se constitui pelo surgimento de um enunciado. Segundo essa teoria, um enunciado contém um locutor que é o responsável pelo enunciado; e enunciadores, que são vozes que compõem o enunciado. O locutor mobiliza e pode concordar ou discordar dos enunciadores, vozes que podem apresentar diferentes pontos de vista. 3. ANÁLISE ARGUMENTATIVA DO ENUNCIADO A VIDA É BONITA MAS PODE SER LINDA A partir do enunciado A vida é bonita mas pode ser linda é possível fazermos algumas manipulações heurísticas, que são experiências feitas com o enunciado para observarmos seu o comportamento, ou de determinadas formas presentes nele. Observemos as manipulações a seguir: 1) A vida é bonita, a vida pode ser linda. 2) A vida é bonita porém pode ser linda. 3) A vida é bonita e pode ser linda. 4) A vida é bonita e também pode ser linda. 5) A vida é bonita mas também pode ser linda. 6) A vida é bonita também, mas pode ser linda. 7) A vida é linda mas pode ser bonita. 8) A vida é bonita mas não pode ser linda. 9) A vida não é bonita mas pode ser linda. 3

Observando essas manipulações, podemos perceber que na primeira, A vida é bonita, a vida pode ser linda, retiramos o mas e percebe-se que ele realmente funciona como um operador argumentativo, pois é muito importante para o sentido do enunciado: sem ele o enunciado perde em sua argumentação. A ausência do operador argumentativo iguala a força argumentativa dos argumentos, sendo que com a presença do mas o segundo segmento [a vida] pode ser linda, possui uma força argumentativa maior. Na segunda manipulação heurística, A vida é bonita porém pode ser linda, utilizamos o operador porém no lugar do operador mas e observamos que a argumentação do enunciado não é modificada, pois esses operadores, que segundo a gramática normativa fazem parte de um único conjunto de conjunções, as adversativas, são utilizados, normalmente, como sinônimos. Na terceira manipulação, A vida é bonita e pode ser linda, trocamos o operador mas pelo operador e e constatamos que o valor argumentativo do enunciado é apagado, pois esse operador atribui ao enunciado a ideia de adição e iguala a força argumentativa dos dois segmentos, também alterando a argumentação do enunciado. Já em A vida é bonita e também pode ser linda, quarta manipulação heurística, percebemos que os operadores e e também colocam os dois argumentos na mesma classe argumentativa e, portanto, atribuem aos segmentos a mesma força argumentativa, assim como acontece com a ausência do operador e com a utilização do operador e. Na quinta manipulação A vida é bonita mas também pode ser linda observamos que o operador também junto com o operador mas não mais coordena os dois segmentos do enunciado, mas, ao contrário, atribui maior intensidade argumentativa ao segundo segmento mas também pode ser linda, que possui maior força argumentativa, como no enunciado retirado da propaganda. Por sua vez, na sexta manipulação, A vida é bonita também, mas pode ser linda, notamos que a utilização do operador também coloca o primeiro segmento como uma orientação para o segundo, ou seja, reforça ainda mais a força argumentativa do segundo segmento que já é reforçado pelo operador mas. Na sétima manipulação heurística A vida é linda mas pode ser bonita invertemos os segmentos de forma que o segundo se torna o primeiro e constatamos que o segmento pode ser bonita, que antes era o de menor força argumentativa, recebe uma força argumentativa maior que o segmento A vida é linda que antes era o de maior força, isso comprova que o argumento que vem após o operador argumentativo é o mais forte, independente de qual seja. Dessa forma, podemos dizer que o mas é o maior responsável pela argumentação do enunciado A vida é bonita mas pode ser linda. Por seu turno, em A vida é bonita mas não pode ser linda, oitava manipulação, a presença do advérbio de negação, não, modifica completamente a argumentação desse enunciado, visto que ele passa de um posicionamento otimista em relação à vida para um olhar pessimista em relação a ela. O não argumenta no sentido de que o máximo que a vida pode ser é o que ela já é, bonita. Enfim, na nona manipulação, A vida não é bonita mas pode ser linda, a presença do não também altera a argumentação do enunciado, pois nega o primeiro argumento A vida (não) é bonita e reforça o segundo [A vida] pode ser linda. Ao contrário da manipulação anterior, o advérbio de negação não acrescenta ao enunciado o pessimismo, mas acrescenta mais otimismo em relação à vida, pois argumenta no sentido de que ela não é bonita, mas isso não a impede de ser melhor, de ser linda. 4

Percebemos ainda que a presença do não no primeiro segmento coloca bonita e linda em classes argumentativas diferentes. Em relação à direção argumentativa desse enunciado, observamos que os segmentos A, que corresponde a A vida é bonita, e B, que corresponde a mas pode ser linda fazem parte da mesma classe argumentativa, pois ambos apontam para a mesma conclusão A beleza da vida. Porém, o operador argumentativo mas atribui maior força argumentativa ao segundo segmento, que é aquele sobre o qual ele incide, de forma que esse segmento encontra-se mais próximo da conclusão. Isso pode ser visualizado melhor por meio do esquema abaixo: R B A onde R= A beleza da vida. A A vida é bonita B mas pode ser linda Nesse enunciado, o segundo argumento não só concorda com o primeiro como vai além, pois além de confirmar que a vida é bonita, ele afirma que ela pode ser ainda mais bonita, que a vida pode ser linda. Analisando esse enunciado a partir da teoria da polifonia, podemos observar que há nele um Locutor (L) e dois Enunciadores (E): E1 A vida é bonita É bom viver L E2 Mas pode ser linda É bom viver Observa-se que o Locutor concorda com o enunciador 1 e toma o ponto do vista do segundo enunciador, o ponto de vista de que a vida pode ser melhor, pode ser linda. Isso pode ser observado pela presença do operador argumentativo mas que incide sobre o segundo segmento mas pode ser linda, que é o ponto de vista do enunciador 2. Analisando o enunciado A vida é bonita mas pode ser linda, tendo em vista a teoria dos Topoi Argumentativos, nota-se que ele veicula o topos quanto mais beleza na vida melhor (mais bom) viver, no qual quanto mais linda for a vida, melhor (mais bom) será viver. Podemos observar isso no esquema abaixo: 5

Beleza Melhor (Mais bom) viver + + A vida é linda (B) A vida é bonita (A) Considerando o esquema acima observa-se que esse enunciado apresenta também duas formas tópicas (FT): (FT 1) Quanto mais beleza na vida, melhor (mais bom) viver, (FT 2) Quanto menos beleza na vida, menos bom viver. Essas formas podem ser visualizadas a partir do esquema abaixo: Beleza Melhor (Mais bom) viver + + A vida é linda (B) A vida é bonita (A) Analisando esse esquema, vê-se que o segmento (B) está mais próximo da conclusão Melhor (Mais bom) viver. Isso ocorre pelo fato de esse segmento ser o de maior força argumentativa, atribuída a ele pelo operador argumentativo mas, ao contrário do segmento (A), que se encontra mais longe da conclusão. Assim quanto mais beleza na vida melhor (Mais bom) viver e quanto menos beleza na vida menos bom viver. CONSIDERAÇÕES FINAIS Constatamos, por meio da análise realizada neste trabalho e do estudo feito para realizá-la, que o mas funciona no enunciado A vida é bonita mas pode ser linda (slogan que a marca O Boticário começou a veicular no ano de 2011 em suas campanhas publicitárias) como um operador argumentativo, pois apresenta as três características que segundo Ducrot (1989) constitui um O. A. Nesse enunciado o mas funciona como um O. A. porque satisfaz essas três condições. Satisfaz à primeira porque P A vida é bonita mas pode ser linda é derivado de P A vida é bonita e pode ser linda + o O. A. mas, confirmando o que Ducrot (1989) afirma, que para ser um operador argumentativo é necessário ser possível a construção de uma frase P a partir da introdução de um O. A. em uma frase P, ou seja, P = P + O. A. O mas satisfaz também a segunda característica porque o valor argumentativo de P e P, são diferentes, visto que P argumenta no sentido de que bonita e linda têm a mesma força argumentativa, ao contrário de P, que argumenta na direção 6

de que o segmento mas pode ser linda possui maior força argumentativa. E, por fim, o mas funciona no enunciado analisado como um O. A. porque essa diferença argumentativa, constatada na segunda característica, não é derivada de uma diferença entre as informações que os enunciados fornecem, na situação de discurso considerada, pelos dois enunciados: P e P. Concluímos também que os dois segmentos do enunciado analisado, (A) A vida é bonita, e (B) mas pode ser linda, fazem parte da mesma classe argumentativa, pois apontam para a mesma conclusão A beleza da vida. Contudo o operador argumentativo mas atribui maior força argumentativa ao segundo segmento, pois é sobre ele que o O. A. incide. Constatamos que, segundo a teoria da polifonia, esse enunciado possui um Locutor e dois Enunciadores, sendo que o Enunciador 1 corresponde ao segmento (A) e o Enunciador 2 corresponde ao segmento (B) e o Locutor concorda com o Enunciador 1 mas assume o ponto do vista do Enunciador 2. Por fim, segundo a teoria dos Topoi Argumentativos, o enunciado A vida é bonita mas pode ser linda veicula o topos quanto mais beleza na vida melhor (mais bom) viver e duas formas tópicas, forma tópica 1, Quanto mais beleza na vida, melhor (mais bom) viver e forma tópica 2, Quanto menos beleza na vida, menos bom viver. Este estudo assume sua relevância na medida em que contribui, do ponto de vista da Linguística, mais especificamente da Semântica Argumentativa, para a compreensão de que a argumentação está presente na língua, e que os operadores argumentativos, como o mas estudado aqui, materializam essa argumentação e são recursos utilizados para a persuasão, para o convencimento em relação a determinado ponto de vista, tanto pela publicidade, como é o caso do slogan da marca O Boticário, que nós analisamos neste trabalho, quanto em qualquer enunciado produzido no nosso dia-a-dia, visto que as pessoas argumentam, em todo o tempo, por meio da língua. 7

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Começo. Direção: Alex Gabassi. Produção: O2 Filmes, 2011. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ehjchdairmu. Acesso em: julho de 2014. DUCROT, Oswald. Escalas argumentativas. In: DUCROT, Oswald. Provar e dizer. São Paulo: Global, 1981. p. 178-228. Edição original: 1973. DUCROT, Oswald. Argumentação e topoi argumentativos. In: GUIMARÃES, Eduardo. História e sentido na linguagem. Campinas: Pontes, 2008. p.13-38. Edição original: 1989. DUCROT, Oswald. Esboço de uma teoria polifônica da enunciação. In: DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1988. p 161-218. Edição original: 1984. 8