BREVE ESTUDO ACERCA DOS ENCONTROS VOCÁLICOS EM PORTUGUÊS ARCAICO. * (A BRIEF STUDY ABOUT THE VOWEL CLUSTERS IN MEDIEVAL PORTUGUESE)

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Transcrição:

BEVE ESTUDO ACECA DOS ENCONTOS VOCÁLICOS EM POTUGUÊS ACAICO. * (A BIEF STUDY ABOUT THE VOWEL CLUSTES IN MEDIEVAL POTUGUESE) Fernanda Elias ZUCAELLI (Universidade Estadual Paulista - Araraquara) ABSTACT: Study of Medieval Portuguese vowel sequences, in terms of diphtongs and hiatus, described in Metrical Phonology Constituents. KEY WODS: Historical Linguistics; Medieval Portuguese; vowel sequences; diphtongs; hiatus. 0. INTODUÇÃO O próprio título desse trabalho deixa claro o seu objetivo: trata-se de um breve estudo acerca dos encontros de vogais na escrita do Português Arcaico, no seu período trovadoresco. Para tal, foram focalizados todos os encontros entre vogais que ocorrem dentro das palavras do corpus selecionado. Esse foi constituído de 50 (cinquenta) cantigas d amigo extraídas do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa. A análise foi baseada nas teorias fonológicas não-lineares, com o intuito de definir se se tratava de ditongos ou de hiatos. 1. METODOLOGIA Como objeto de análise, foram consideradas 50 cantigas d amigo extraídas do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa (de agora em diante CBN). As cantigas que constituem o corpus foram decifradas cuisadosamente com o respaldo constante de edições críticas já publicadas desses textos (Nunes, 1973; Pimpão, 1942; Spina, 1991; Gonçalves & amos, 1985). Inclusive, tomou-se o cuidado de desenvolver as abreviaturas que aparecem com freqüência no CBN. Posteriormente, as cantigas foram escandidas e foi feito um minucioso levantamento dos encontros vocálicos que aparecem no corpus escolhido para essa pesquisa desenvolvida. Com o material selecionado foram feitas fichas de levantamento e a respectiva classificação dos encontros vocálicos. * Esta comunicação integra os trabalhos desenvolvidos no Projeto de Mestrado Ditongos e Hiatos nas cantigas galego-portuguesas financiado pela FAPESP (processo 99/12149-0), o qual, ainda, faz parte do grupo de pesquisas que compõem o Projeto temático Fonologia do Português Arcaico, na Faculdade de Ciências e Letras (FCL) da UNESP, Câmpus de Araraquara, sob coordenação da Profa. Dra. Gladis Massini- Cagliari - financiado pela FAPESP (processo nº. 1997/12447-5). 1

2. LEVANTAMENTO QUANTITATIVO De acordo com o levantamento, foram encontrados e marcados todos os tipos de encontros vocálicos encontrados; são eles: 1. casos típicos: ditongos 2. casos típicos: hiatos 3. vogal (na escrita) com função de consoante 4. consoante (na escrita) com função de vogal 5. vogais duplas 6. casos de H com possível valor vocálico 7. casos de QUE e GUE Após a escansão das cantigas e o levantamento dos encontros vocálicos, foi feita uma contagem para que pudesse ser averiguada a representatividade de cada tipo de encontro vocálico no corpus. Segue abaixo o referido levantamento quantitativo: encontros vocálicos Exemplos Quantidade no corpus epresentatividade no corpus (%) Casos típicos: ditongos Meu,, deus, mays 722 37,3% Casos típicos: hiatos Dizi-a, bo-a 123 6,35% Vogal com função de consoante Uos, iamays, ia 405 21% Consoante com função de vogal Daquj, quj 19 0,98% Vogais duplas Veer, creer 32 1,65% Casos de H com possível valor Mha, sabha, filha 241 12,45% vocálico Casos de QUE e GUE Que, guisado 395 20,3% Total 1935 100% De acordo com a tabela acima, é possível verificar que a quantidade de ditongos é muito superior à de hiatos, mas, além dessa observação, ainda foi possível verificar que, no corpus, a quantidade de ditongos crescentes é mínima, se comparada à dos ditongos decrescentes. 3. INTEPETAÇÃO FONOLÓGICA DOS ENCONTOS VOCÁLICOS POTOTÍPICOS Na perspectiva da fonologia métrica, ou seja, num nível mais interpretativo da língua, a formação máxima de encontros vocálicos em P A são os ditongos e, se feita uma averiguação das possibilidades de análise dentro desses limites teóricos, pode-se constatar que esse tipo de teoria fonológica contribui mais para este estudo, por considerar a função de cada elemento (SOM) produzido (constituidor de uma sílaba) dentro de uma hierarquia, que pode ser verificada da planilha silábica. 2

3.1. HIATOS Os hiatos aparecem em grande quantidade no corpus como vogais idênticas duplas. Sob uma perspectiva diacrônica, fica visível o processo evolutivo de queda da consoante sonora intervocálica e conseqüente formação dos hiatos do Português Arcaico, que só sofreriam a crase posteriormente. No corpus as ocorrências mais freqüentes são: veer, seer, manhãas, siian. ex.: veer O N N C v e e r Mas também foram encontradas ocorrências de hiatos com vogais diferentes, que acontecem assim como os hiatos atuais. Exemplo: di-a, todaui-a, dizi-a (cantiga 09 / CBN676) 3.2. DITONGOS Ocorrências como meu, seu, sandeu têm estrutura idêntica à dos ditongos atuais, ou seja, possuem duas posições preenchidas no núcleo e podem ser representadas dentro da planilha silábica: ex.: meu O N m e u 4. DISCUSSÃO DE CASOS 4.1. Q+U+V ou G+U+V (onde V=vogal) Nesses casos, o encontro vocálico que ocorre, na escrita, entre U+V não é considerado como tal no nível fonológico. 3

Existem ocorrências no corpus, como que, nas quais parece ser mais adequado considerar a sequência QU- como um dígrafo, ou seja, duas letras com o valor de um único som. ex.: que O k N e No entanto, em ocorrências como quando, quais, quão, existe teoricamente a possibilidade de considerar a semivogal U ocupando a segunda posição no onset, como no exemplo (1); ou ainda, de interpretar Qu- ou Gu- como consoantes labializadas, como na árvore (2). Mesmo nos casos em que o u é pronunciado (como em quando, quais), considera-se que esta vogal não constitui no nível fonológico um ditongo com a vogal que a segue. Um primeiro argumento a este respeito é a falta de lugar de ancoragem para este segmento no núcleo, que, conforme a planilha silábica adotada pelo modelo métrico, só aceita duas vogais. Além disso, como esta vogal u só ocorre depois das consoantes oclusivas velares /k,g/ para formar ditongos ditos crescentes, pode-se argumentar que a sua ligação é muito mais estreita com a consoante que a precede do que com as vogais que a sucedem. Portanto, pode-se considerar, nesses casos, que a escrita qu- representa, na verdade, uma consoante labializada, do tipo /k w,g w /. Neste caso, não se configura a criação de um tritongo e sim de uma estrutura CVV (consoante + ditongo). (1) O N C k w a i s (2) O N C K w a i s 4.2. CONSOANTES COM FUNÇÃO DE VOGAIS E VOGAIS COM FUNÇÃO DE CONSOANTES, NA ESCITA. 4

Outra questão relevante diz respeito a determinar se as letras I, U e V, no início de sílaba, e diante de vogal, assumem valor de consoante ou vogal. Ex: CBN 568 Ay flores ay flores do uerde pyno CBN 639 Par δs) donas bem podedes iurar Chegou-se à conclusão, através de exemplos como os apresentados acima, que nem é preciso saber se, nesses casos, o som representado era pronunciado, por um lado, como [u] / [v] e, por outro, como [i] / [Ζ], para saber que ele ocupa a posição de onset. Isso quer dizer que, mesmo que seja pronunciado foneticamente como vogal (ueerde e iurar), ele é fonologicamente uma consoante, ou seja, tem função de consoante na estrutura da sílaba. Essa certeza se firma no fato de essas vogais pertencerem ao onset da sílaba, porque não são moraicas, isto é, não transformam a sílaba em pesada, visto que, se essas sílabas fossem pesadas, duas posições no núcleo estariam preenchidas, o que atrairia o acento, conforme a regra de acentuação proposta por Massini-Cagliari (1999), o que produziria ocorrências agramaticais. Exemplos: (3) (4) ω ω N N N N N N N *o i e = oié *u i u a = uiuá Assim, confirma-se a conclusão de que havia equivalências entre grafemas, que representam o mesmo fonema. Além disso, sobre esse tipo de equivalência, Mattos e Silva (1996: 85) afirma: 5

"Vale chamar a atenção para o fato de que, seguindo a tradição escrita latina, esses dois fonemas consonânticos (refere-se às constritivas românicas /v/ e /j/) pemaneceram representados na grafia manuscrita medieval portuguesa pelos grafemas <i> e <u>. (...) Para o correspondente ao <u9> latino consonantizado, além do <u>, ocorre o <v>, grafia que aparece esporadicamente no século XIII." 5. CONCLUSÃO O tipo de encontro vocálico mais comum em Potuguês Arcaico, não por coincidência, é o ditongo (foram constatados no corpus 722 ditongos e 123 hiatos), também o mais comum no Português Brasileiro. Mas, é preciso ressaltar que o Português Arcaico tolera os hiatos (inclusive não aceita outra solução, em alguns casos) enquanto o Português Brasileiro os evita. Os tipos menos comuns de encontros vocálicos, em relação aos quais não raro houve dúvidas de interpretação e classificação, são ocorrências como: 1) Q+U+V ou G+U+V, consoantes com função de vogais e vogais com função de consoantes, na escrita; a respeito dos quais foi apresentada uma proposta de interpretação. ESUMO: Estudo dos encontros vocálicos em Português Arcaico, diferenciando-os em ditongos e hiatos e interpretando-os à luz dos constituintes hierarquizados da Fonologia Métrica. PALAVAS-CHAVE: lingüística histórica, português arcaico, encontros vocálicos, ditongos e hiatos. EFEÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS COLLISCHONN, Gisela (1996) "A sílaba em português" IN: Bisol, Leda (1996) Introdução a estudos de fonologia do português. Porto Alegre: Edipucrs. GONÇALVES, Elsa & amos, Maria Ana (1985) A Lírica Profana Galego-Portuguesa. 2ª edição, Lisboa: Editorial Comunicação. MATTOS e SILVA, osa Virgínia (1996) O Português Arcaico: Fonologia. São Paulo: Contexto. NUNES, J. J. (1973) Cantigas d'amigo dos trovadores galego-portugueses. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro. 1 a edição: 1926/1929. OLIVEIA, António esende (1994) Depois do espetáculo trovadoresco. A estrutura dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e XIV. Lisboa: Colibri. AMOS, Maria Ana (1985) "O que é a Lírica Galego-portuguesa" IN: Gonçalves, Elsa & amos, Maria Ana (1985) A Lírica Profana Galego-Portuguesa. 2ª edição, Lisboa: Editorial Comunicação. Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci-Brancuti). Cod. 10991. eprodução facsimilada. Lisboa, Biblioteca Nacional/Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982. 6