Contenção de incêndios florestais por Terras Indígenas na região do arco do desflorestamento da Amazônia em 2010

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Transcrição:

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8012 Contenção de incêndios florestais por Terras Indígenas na região do arco do desflorestamento da Amazônia em 2010 Ralph Trancoso 1 Otávio Augusto de Araujo Pessoa 1 Gustavo Chaves Machado 1 1 Fundação Nacional do Índio - FUNAI Diretoria de Proteção Territorial - DPT Coordenação Geral de Monitoramento Territorial CGMT Coordenação de Informações de Proteção infocgmt.funai@gmail.com Abstract. Brazil s territory covers more than 8,500,000 km 2, of which 13% (1,100,000 km 2 ) consists of indigenous lands (ILs). The majority of ILs is found in Amazonia, where they represent more than 1,000,000 km 2, equivalent to 21% of the region. Besides protecting and sustaining their traditional inhabitants, ILs play an important role in ecosystem conservation, inhibiting forest fires and deforestation in Brazilian Amazon. Firstly, we used satellite-based fire occurrence in Brazil and ILs to generate a time series for this decade to compare fires amount between Brazil and ILs. Then, we used satellite-based maps of fire occurrence in the Deforestation Arc, located in Brazilian Amazon to verify the performance of ILs to reduce forest fires. Finally, we used the data base of fire occurrence from 2000 to 2010 to build a seasonal thematic map of fires density to improve prevention activities in the field. Fires occurrence in ILs in 2010 were higher than the other years of this decade. On the other hand, 81.3% of ILs showed more fires outside, while 18.7% showed more fires inside. This result was statistically significant, suggesting that ILs located in Deforestation Arc region plays an important role in fire inhibition, independent of vegetation category. A seasonal thematic map of fires density is helpful to planning prevention strategies and activities in different Brazilian regions. Palavras-chave: Hot pixels, Tropical Rainforest, Brazil, Forest fires, Focos de calor, Floresta tropical, Brasil, Incêndios florestais 1. Introdução O Brasil detém uma extensão territorial de mais de 8.500.000 km 2. As terras indígenas (TIs) somam 655 áreas, ocupando uma extensão total superior a 1.100.000 km 2. Dessa forma, 13% das terras do país são reservados aos povos indígenas. A maior parte delas está na Amazônia, que detém quase 1.100.000 km 2 protegidos por terras indígenas o que corresponde a mais de 21% de seu território (Trancoso et al., 2010). Além da proteção às populações tradicionais, as terras indígenas exercem um importante papel para a conservação dos ecossistemas habitados pelos índios. Considerando o cenário atual de elaboração de políticas públicas para a contenção do processo de desflorestamento, redução das emissões de gases de efeito estufa e perdas de biodiversidade, o benefício da proteção das terras indígenas adquire importância ainda maior tanto para o Brasil quanto a nível global. Na região do arco do desflorestamento, fronteira agrícola da Amazônia brasileira, onde há forte pressão pela utilização da terra, as terras indígenas (TIs), se bem distribuídas, funcionam como uma barreira para a contenção do desmatamento. Recentemente, estudo realizado na Amazônia brasileira demonstrou que no interior das TIs a incidência de desflorestamentos é até vinte vezes menor, e incêndios florestais até nove vezes menor 8012

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8013 (Nepstad et. al., 2006). Os mesmos autores compararam os benefícios da proteção por terras indígenas e parques nacionais na contenção do desflorestamento e incêndios florestais. Apesar de diferenças na legislação relativas às restrições dessas categorias, não foram observadas diferenças estatísticas entre os Parques Nacionais e Terras Indígenas. O elevado nível de proteção das terras se justifica pela presença dos índios e suas práticas de vigilância de seus territórios, bem como de suas práticas ambientalmente sustentáveis (Miller et al., 2006; Pinho et al., 2010). Estudos apontam que em TIs existem espécies em risco de extinção que dificilmente são encontradas em outras categorias de áreas protegidas (Schwartzman & Zimmerman 2005). Além disso, as dimensões das terras indígenas proporcionam ambiente favorável para espécies que necessitam de grandes áreas para a manutenção da variabilidade genética na população, como grandes mamíferos e árvores raras que ocorrem em baixa densidade (Peres, 1994; 2005). Os incêndios são eventos sazonais estreitamente relacionados às condições climáticas, apresentando agravamento nos períodos de estiagem. Na Amazônia se verifica uma variação espacial em relação a tais períodos secos, de forma que, ao norte, a estiagem ocorre entre os meses de janeiro e março, ao passo que na região sul, ocorre entre os meses de julho a setembro (Aragão et al, 2009). Na Amazônia os incêndios florestais concentram-se principalmente na região do arco do desflorestamento. A prática cultural da queimada está relacionada com o método tradicional de limpeza da terra para introdução e/ou manutenção de pastagem e campos agrícolas (Nepstad et. al., 1999; 2001). Este método consiste em derrubar a floresta, esperar que a biomassa vegetal seque, e em seguida por fogo, para que os resíduos grosseiros como troncos e galhos sejam eliminados e as cinzas resultantes enriqueçam temporariamente o solo. Parte destas queimadas acaba fugindo do controle e penetra na floresta sob a forma de incêndio florestal. Todos os anos milhares de Km 2 da floresta Amazônica são queimados por incêndios acidentais. Um dos principais impactos ecológicos resultantes dos incêndios é o aumento da probabilidade do fogo se tornar um fenômeno recorrente da paisagem (Nepstad et. al 1999), modificando permanentemente a estrutura da floresta, com um aumento da densidade de espécies tolerantes ao fogo (Ivanauskas et al., 2003). No ano de 2010 o problema das queimadas obteve grande repercussão na mídia, sendo registradas diversas ocorrências em Terras Indígenas. Terras Indígenas como o Parque do Araguaia, o Parque indígena do Xingu e a Nambikuara tiveram incêndios de grandes proporções, causando questionamentos a respeito de sua eficiência na contenção de incêndios florestais. Notícias veiculadas na imprensa afirmaram que a ocorrência de incêndios florestais era superior nas TIs quando comparadas a outras localidades. Este tipo de informação, sem fundamentação concisa, vem contribuindo para uma imagem equivocada da relação dos indígenas com os ecossistemas presentes em seus territórios. Este trabalho tem como objetivos: (1) analisar a série histórica de focos de calor da última década no Brasil e nas Terras Indígenas; (2) avaliar a efetividade das Terras Indígenas na contenção dos incêndios florestais de 2010 na região do arco do desflorestamento e (3) elaborar mapa temático de densidade de focos de calor baseado no histórico da última década para o subsídio das ações de prevenção e combate a incêndios florestais. 2. Metodologia 2.1 Área de Estudo O estudo foi desenvolvido em duas escalas, cobrindo o Brasil na primeira e terceira etapas e o Arco do Desflorestamento na segunda etapa. As análises foram realizadas nas Terras Indígenas (TIs) que interceptam o polígono do Arco do Desflorestamento, disponibilizado pelo IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). De acordo com dados referentes à detecção de focos de calor, o Arco de Desflorestamento 8013

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8014 concentra mais da metade do número de focos detectados em toda a Amazônia Legal desde o ano 2000. O estudo abrangeu 130 TIs. O polígono do arco do desflorestamento possui uma área de 1.690.240 km2 e cobre parte dos estados do Amazonas (21,7%), Acre (29,8%), Pará (43,7%), Maranhão (28,5%), Mato Grosso (47,9%), Rondônia (46,3%) e Tocantins (43,2%) (Figura 1). Figura 1. Localização da área de estudo 2.2 Base de dados Foram utilizados os dados de Terras Indígenas da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e os dados de focos de calor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Foram consideradas somente as TIs com limites já definidos, as terras em processo de identificação não foram consideradas nesta análise. Com relação aos focos de calor, foram utilizados os dados do ano 2010. Porém, como até a data da realização das análises não havia finalizado o ano, foram obtidos os dados de focos detectados até o dia 10 de novembro de 2010. Devido ao fato de o INPE disponibilizar dados de focos de calor obtidos por diferentes sensores, somente foram considerados os dados do sensor utilizado pelo INPE como sensor de referência, a partir do qual o Instituto processa os dados oficiais referentes aos focos de calor detectados no Brasil. Conforme informação disponibilizada no endereço eletrônico http://sigma.cptec.inpe.br/queimadas/perguntas.html, houve, desde o ano 2000, alterações no sensor definido como de referência. Entre 1999 e 09 de agosto de 2007, o satélite de referência era o NOAA-12, porém, devido a problemas com o referido sensor, passou a ser adotado o sensor NOAA-15, o qual é utilizado até os dias atuais. 2.3 Processamento dos dados Para testar a eficiência das terras indígenas na contenção dos incêndios florestais de 2010 da região do arco do desflorestamento, foram utilizados faixas de influência ( buffers ) externas e internas estabelecidas ao longo do perímetro das TIs. Os dados foram padronizados pelas áreas das faixas de influência e comparados individualmente por Terra Indígena conforme demonstrado na figura 2. 8014

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8015 Figura 2. Desenho experimental com os buffers considerados nas análises. A largura dos buffers foi considerada variável em relação à área de cada TI, de forma que, para áreas com até 1000 km 2 foi definido buffer de 2 km; para áreas maiores que 1000 km 2 e menores que 2500 km 2, buffer de 5 km; e para áreas maiores que 2500 km 2, buffer de 10 km. No caso de áreas protegidas é comum a existência de áreas contíguas, formando mosaicos de terras, consequentemente, com a criação dos buffers ocorreram muitos casos de sobreposição entre buffers. Sendo assim, para facilitar a contabilização de focos de calor referente a cada área protegida foram definidas as seguintes regras: a) nos casos em que houve sobreposição de buffer interno de uma área com externo de outra área, somente o interno foi considerado; b) nos casos em que houve sobreposição de buffer externo com externo, os dois foram considerados; c) nos casos que um buffer externo sobrepôs uma Unidade de Conservação, a fração do buffer sobreposta foi desconsiderada. Após a criação dos buffers foi realizado um cruzamento entre os focos de calor detectados em 2010, a fim de se quantificar o número de focos detectados em cada buffer interno e externo de cada Terra Indígena. Posteriormente, foi obtida a densidade de focos para cada área. Na última parte do estudo, foi criada uma grade vetorial com células de 50 km 2 na extensão de todo o Brasil. Os dados de focos de calor de 2000 a 2010 foram cruzados com as células da grade vetorial, quantificados e normalizados pela área da célula. Os resultados são demonstrados na forma de um mapa sazonal de densidade média de focos de calor na última década. 2.4 Análises Estatísticas Os dados foram analisados utilizando os aplicativos SYSTAT 10, Microsoft Excel 2003 e ArcGIS 9.2. Os dados foram normalizados pela área dos buffers e analisados na forma de densidade (n o focos de calor/km 2.10 3 ). Primeiramente foi utilizada a estatística descritiva, os parâmetros da curva normal padrão (skewness e kurtosys) foram interpretados para checagem da normalidade. Foram utilizados gráficos de linhas, barras e dispersão para visualização dos dados. O teste t pareado foi utilizado para a comparação da densidade de focos de calor no interior e exterior de cada Terra Indígena. 8015

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8016 3. Resultados e Discussão 3.1 Histórico dos focos de calor na última década Apesar da grande repercussão dos incêndios florestais no Brasil em 2010, a análise da série histórica de 2000 a 2010 demonstrou que a ocorrência de incêndios neste ano (129528 ocorrências até 10/11/2010 ou 152672 focos estimados até 31/12/2010) foi inferior aos 164177 focos, média de focos de calor da década (Figura 3). Entretanto, em relação às ocorrências registradas dentro de terras indígenas, o valor observado para 2010 até 10/11/2010 (10829 focos de calor) foi o mais alto da década, bastante acima dos 5728 focos, valor que representa a média da década. O valor observado em 2010 corresponde a 7,1% do total observado no Brasil no mesmo período. Cabe ressaltar que as terras indígenas ocupam cerca de 13% do território nacional, sendo possível inferir que a densidade de focos de calor no interior das Terras Indígenas é menor que no restante do Brasil. Figura 3. Histórico de focos de calor no Brasil e nas Terras Indígenas na última década (2000 a 2010). Os valores em % correspondem à fração das ocorrências em Terras Indígenas em relação ao Brasil. Os valores referentes ao período de 11/11/2010 à 31/11/2010 foram estimados considerando a média dos anos anteriores. Acredita-se que o número acima da média encontrado para os focos de calor de 2010 dentro de terras indígenas seja devido ao acúmulo de material combustível do ano anterior, onde foram observados apenas 1820 focos de calor (2,6% do total observado no Brasil). Esta causa também foi atribuída a outros incêndios de grandes proporções, como o de 1997 no estado de Roraima (Barbosa & Fearnside, 2000). 3.2 Contenção dos focos de calor pelas Terras indígenas Apesar do registro mais alto da década para a ocorrência de focos de calor em Terras Indígenas, a densidade de focos de calor no interior das TIs da região do Arco do desflorestamento (30,78 focos/km 2.10 3 ) é muito inferior ao exterior das TIs (60,18 focos/km 2.10 3 ). Essas diferenças foram estatisticamente significativas através do teste t pareado (t=-5,40; N=91; p<0,000). Das 130 Terras Indígenas analisadas, 74 (57%) apresentaram mais focos de calor no exterior, enquanto 17 (13%) apresentaram mais focos de calor no interior e 39 (30%) não apresentaram focos de calor (Figura 4). A maioria das Terras Indígenas que obtiveram mais focos de calor no interior está situada no bioma Cerrado, que sofre forte pressão das queimadas realizadas nas propriedades rurais adjacentes, que utilizam o fogo para a limpeza de áreas para implantação de empreendimentos agropecuários. Resultados semelhantes foram observados por Nepstad et. al. (2006) utilizando focos de calor oriundos do satélite GOES, demonstrando que a ocorrência de focos de calor no interior de Terras Indígenas é menor que no exterior. Os autores consideraram as TIs como a mais 8016

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8017 importante barreira contra incêndios florestais e desmatamento na Amazônia. É importante ressaltar que os autores não analisaram as Terras Indígenas que tinham mais de 20% da área inserida no bioma cerrado, devido ao fato da vegetação queimar naturalmente. Neste estudo, 34 Terras Indígenas ou 26,1% do total da amostragem estão inseridas no bioma Cerrado. A maior disponibilidade de material combustível acumulado no interior das terras em conjunto com a alta susceptibilidade ao fogo das categorias fitofisiônomicas do Cerrado pode ter contribuído para a maior ocorrência de incêndios no interior das Terras Indígenas Urubu Branco, Utaria Wyhyna e Keenkehé. Por outro lado, outras Terras Indígenas do bioma Cerrado, como a TI Cacique Fontoura e a TI São Domingos do MT obtiveram menor incidência de focos de calor. As TIs Mekragnoti e Badjonkore situadas no bioma Floresta Amazônica, com centros urbanos situados nas adjacências apresentaram altos níveis de contenção de incêndios florestais com diferenças entre as faixas do exterior e interior de 158 e 217 focos/km 2.10 3 respectivamente. Figura 4. Contenção de incêndios florestais por Terras Indígenas da região do Arco do desflorestamento. O limite das Terras Indígenas é ilustrado através da linha 1:1 (45 o ),que representa um efeito nulo das Terras Indígenas. 3.3 Mapa temático de densidade de focos de calor Com o intuito de subsidiar as estratégias de prevenção e combate a incêndios florestais nos próximos anos, foi criado um mapa temático sazonal de densidade de focos de calor obtido a partir da média dos dados do período de 2000 a 2010 (Figura 5). Os resultados demonstram as regiões prioritárias para intervenções em função da época do ano. De janeiro a abril os esforços devem ser concentrados em Roraima, sendo março o mês crítico. Em maio e junho a área prioritária deve ser a região central do Mato Grosso e o estado de São Paulo. O período crítico para a ocorrência de incêndios no Brasil é de julho a outubro, onde todo o sul da Amazônia, cerrado e pantanal ficam altamente susceptíveis a ocorrência de incêndios. Em novembro e dezembro toda a região leste e central do Pará fica altamente susceptível, assim como o norte da região nordeste, principalmente na faixa litorânea. 8017

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8018 Figura 5. Mapa temático sazonal de densidade de focos de calor obtido a partir da média dos dados do período de 2000 a 2010. 4. Conclusões Considerando a ocorrência de incêndios florestais, o ano de 2010 foi normal para o Brasil, mas atípico para as Terras Indígenas. Embora o valor observado para o Brasil esteja abaixo da média da década, os valores observados para as TIs estão acima da média da década. Das 91 Terras Indígenas analisadas, 74 (81,3%) apresentaram mais focos de calor no exterior, enquanto 17 (18,7%) apresentaram mais focos de calor no interior. Os resultados foram estatisticamente significativos, sugerindo que as Terras Indígenas situadas na região do 8018

Anais XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto - SBSR, Curitiba, PR, Brasil, 30 de abril a 05 de maio de 2011, INPE p.8019 Arco do Desflorestamento têm um importante papel na contenção dos incêndios florestais, independentemente da categoria de vegetação. O mapa temático sazonal de densidade de focos de calor demonstrou as áreas críticas onde os esforços para prevenção e combate a incêndios devem ser concentrados. Este produto está disponível em tamanho A0 e formato pdf para os órgãos do governo e outros atores que tiverem interesse. Para adquiri-lo, basta fazer contato por email com a Coordenação Geral de Monitoramento Territorial da Fundação Nacional do Índio. 5. Referências Bibliográficas Aragão, L. E. O. C. ; Shimabukuro, Y. E. ; Lima, A. ; Anderson, L. O. ; Barbier, N. ; Saatchi, S. Utilização de produtos derivados de sensores orbitais para o estudo de queimadas na Amazônia. In: Anais, XIV Simpósio Brasileiro de Sensoreamento Remoto, Natal, Brasil, pp. 919-925, 2009. Barbosa,R.I. & Fernside, P.M. As lições do fogo. Ciência Hoje, v.27, n. 157, p. 35-39, 2000. Ivanauskas, N. M., Monteiro, R. & Rodrigues, R. Alterations following a fire in a forest community of Alto Rio Xingu. Forest Ecology and Management, v. 184, n. 1-3, p. 239-250, 2003. Nepstad, D. C., Carvalho, G., Cristina B. A., Alencar, A., Paulo C. J., Bishop, J.,Moutinho, P., Lefebvre, P., Lopes Silva, U. & Prins, E. Road paving, fire regime feedbacks, and the future of Amazon forests. Forest Ecology and Management, v. 154, n. 3 p. 395-407, 2001. Nepstad, D. C., Verssimo, A., Alencar, A., Nobre, C., Lima, E., Lefebvre, P., Schlesinger, P.,Potter, C., Moutinho, P., Mendoza, E., Cochrane, M. & Brooks, V. Large-scale impoverishment of Amazonian forests by logging and fire. Nature, v. 398, n. 6727, p. 505-508, 1999. Nepstad, D., Schwartzman, D., Banberger, B., Santilli, M., Ray,D., Schlesinger, P., Lefebvre, P. & Alencar, A. Inhibition of Amazonian deforestation and fire by parks and indigenous lands. Conservation Biology, v.20 p. 65 73, 2006. Nepstad, D.C., Moreira, A. & Alentar A. A Floresta em chamas: origens, impactos e prevenção de fogo na Amazônia. Programa Piloto para a Proteção das florestas tropicais do Brasil, 172p, 1999. Peres, C.A. Indigenous reserves and nature conservation of Amazonian forest. Conservation Biology v.8, p.586 588, 1994. Peres, C.A. Why we need mega reserves in Amazonia? Conservation Bioogy. 19: 728 733, 2005. Pinho, R.C., Alfaia S.S, Miller, R.P., Uguen, K., Magalhães, L.D., Ayres, M., Freitas, V. & Trancoso, R. Islands of fertility: Soil improvement under indigenous homegardens in the savannas of Roraima, Brazil. Agroforestry Systems, In press, 2010. Schwartzman, S. & Zimmerman, B. Conservation alliances with indigenous peoples of the Amazon. Conservation Biology, v.19, p.721 727, 2005. Trancoso, R., Carneiro Filho, A., Tomasella, J., Forsberg, B.R., Schietti, J., Miller, R.P. Deforestation and Conservation in major waterheds of the Brazilian Amazon. Environmental Conservation, v.36, n.4, p.277-288, 2010. Zimmerman, B., Peres, C.A., Malcolm, J.R. & Turner, T. Conservation and development alliances with the Kayapó of south-eastern Amazonia, a tropical forest indigenous people. Environmental Conservation v.28, p.10 22, 2001. 8019