Porcelana Elétrica com Resíduo da Serragem de Rocha Ornamental, Parte 1: Evolução Microestrutural, Propriedades Físicas e Mecânicas

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Transcrição:

ISSN 1517-7076 Revista Matéria, v. 11, n. 4, pp. 427 434, 2006 http://www.materia.coppe.ufrj.br/sarra/artigos/artigo10797 Porcelana Elétrica com Resíduo da Serragem de Rocha Ornamental, Parte 1: Evolução Microestrutural, Propriedades Físicas e Mecânicas C. M. F. Vieira 1, S.S. Teixeira 1, R. Toledo 2, S.D.C. de Souza 3, S. N. Monteiro 1 Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF 1 Laboratório de Materiais Avançados LAMAV e-mail: vieira@uenf.br, suelensalih@yahoo.com.br, sergio.neves@uenf.br 2 Laboratório de Ciências Físicas LCFIS e-mail: toledo@uenf.br 3 Laboratório de Engenharia de Produção - LEPROD Av. Alberto Lamego 2000, 28013-602, Campos dos Goytacazes, Brasil e-mail: decio@uenf.br RESUMO Este trabalho tem como objetivo utilizar resíduo proveniente da serragem de rochas ornamentais em mistura com argila, para obtenção de porcelana elétrica, com aplicação como isolador de baixa tensão. Foram estudadas três formulações com 40, 50 e 60 % em peso de resíduo do corte de gnaisse fino e misturado com argila caulinítica. Corpos de prova prismáticos foram preparados por prensagem uniaxial e sinterizados a 1200 C, por 15 minutos. Os corpos de prova sinterizados foram submetidos a ensaios físicos e mecânicos para a determinação da absorção de água, retração linear e tensão de ruptura à flexão. As fases cristalinas foram identificadas por difração de raios X e a microestrutura das composições foi avaliada por microscopia eletrônica de varredura, acoplada com sistema de espectroscopia por dispersão de energia (EDS). O melhor desempenho das características físicas e mecânicas foi apresentado pela amostra com 60 % em peso do resíduo, sendo compatível com o comportamento esperado de materiais cerâmicos. A microestrutura após sinterização também foi similar às apresentadas pelas porcelanas tradicionais, constituída de mulita, quartzo e fase vítrea. Os resultados mostram que o resíduo proveniente da produção industrial de rochas ornamentais pode substituir quartzo e feldspato da massa típica de porcelana, além de reduzir a temperatura de sinterização. Palavras chaves: Gnaisse fino, microestrutura, porcelana elétrica, resíduo. ABSTRACT Electric Porcelain with Ornamental Rock Sawing Waste, Part 1: Microstructural Evolution, Physical and Mechanical Properties This work has as objective to use waste from the sawing of ornamental rocks in mixture with clay, for obtaining of electric porcelain, with application as insulator of low tension. Three formulations with 40, 50 and 60 % in weight of waste from the cutting of fine gnaisse mixed with kaolinitic clay were studied. Prismatic bars were prepared by uniaxial molding process and submitted to a sintering temperature at 1200 C, for 15 minutes. The fired bodies were submitted the physical and mechanical tests for the determination of the water absorption, skrinkage and bending strength. The crystalline phases were identified for X ray diffraction and the microstructure of the compositions was evaluated by scanning electron microscopy equipped with microanalysis by energy dispersion (EDS). The best acting of the physical and mechanical characteristics were presented by the sample with 60% in weight of the waste, being compatible with the behavior of ceramic materials. The microstructure of sintered bodies was also similar to presented for the traditional porcelains, composed of mullite, quartz and glassy phase. The results show that the waste of the industrial production of ornamental rocks is possible to substitute quartz and feldspar of the typical mass of porcelain, besides reducing the sintering temperature. Keywords: Fine gnaisse, microstructure, electrical porcelain, waste. Autor Responsável: Carlos Maurício F. Vieira Data de envio: 26/06/06 Data de aceite: 25/09/06

1 INTRODUÇÃO Porcelana tradicional é obtida da queima da mistura triaxial típica de argila, quartzo e feldspatos e, em geral, utilizando matérias-primas naturais. A evolução da microestrutura final de um corpo de porcelana e suas propriedades têm sido sujeitas a estudos contínuos nos últimos anos, sendo responsáveis pelo avanço no processo e nas aplicações [1-4]. Mulita, α-quartzo e fase vítrea são os principais constituintes da porcelana. Corpos com alta percentagem de quartzo também podem formar cristobalita [5]. A produção industrial de rochas ornamentais gera grande quantidade de rejeitos que são depositados no meio ambiente, provocando desequilíbrio para a fauna e a flora, além de contaminarem diretamente os rios e o próprio solo, preocupando as autoridades e a população. Nas últimas décadas, tem sido crescente a preocupação ambiental e a busca de destinos alternativos para os resíduos em geral, como o reaproveitamento em algum processo industrial [6-8], permitindo um fim racional além da redução do consumo de recursos naturais como matérias-primas. O propósito deste estudo foi investigar através da mistura de uma argila caulinítica natural e o resíduo proveniente da serragem de rocha ornamental, um gnaisse fino, a sua potencialidade na substituição do quartzo e do feldspato em uma massa cerâmica e avaliar a possibilidade de produzir porcelana para ser aplicada como isolador elétrico de baixa tensão. Isolador elétrico em redes de alta tensão ou redes secundárias de distribuição de baixa tensão é um dispositivo que deve dar suporte mecânico rígido ou flexível aos condutores elétricos ou equipamentos e mantê-los isolados do terra, de estruturas metálicas e de outras partes condutoras [9, 10]. 2 MATERIAIS E MÉTODOS Para a realização deste trabalho foram utilizadas duas matérias-primas: argila plástica caulinítica e resíduo da serragem de rocha ornamental. A argila é proveniente do município de Silva Jardim, estado do Rio de Janeiro [11]. Já o resíduo do corte de rocha ornamental, um gnaisse, adquirido na forma de lama dos tanques de decantação, é proveniente de serraria localizada no município de Santo Antônio de Pádua, noroeste do estado do Rio de Janeiro. Este resíduo é oriundo do beneficiamento de uma variedade da Pedra Miracema, conhecida como Olho de Pombo [12]. Neste trabalho o resíduo é denominado de gnaisse fino. A Tabela 1 apresenta a composição química das matérias-primas. Foram preparadas três composições com mistura de argila e gnaisse fino, de acordo com a Tabela 2. A argila já foi caracterizada anteriormente [11], sendo constituída de caulinita, quartzo, gibsita e mica muscovita. Já o gnaisse fino é mineralogicamente constituído de feldspato potássico, microclina, feldspato plagioclásio (albita), mica muscovita e de quartzo [12]. O seu tamanho de partícula médio é de 9,2 μm. Tabela 1: Composição química das matérias-primas. (% em peso). SiO 2 Al 2 O 3 Fe 2 O 3 TiO 2 K 2 O Na 2 O CaO MgO PF * C ** Argila plástica 49,45 31,31 1,44 1,68 3,26 0,34 0,29 0,39 11,44 0,06 Gnaisse fino 67,83 14,76 4,18 0,71 5,47 2,77 2,08 0,73 0,66 - *PF = perda ao fogo; **C = carbono orgânico. Tabela 2: Composições estudadas (% peso). Composições Matérias-primas A B C Argila 60 50 40 Gnaisse fino 40 50 60 As composições estudadas foram moídas e homogeneizadas a úmido em moinho com revestimento e bolas de porcelana durante 60 minutos. Em seguida, a barbotina foi peneirada em malha ABNT de 230 mesh (abertura de 63 μm) com resíduo de até 4 % em peso. A barbotina foi seca em estufa de laboratório a 110 C até peso constante. O material seco foi desagregado com pilão manual, umidificado (7 %) e peneirado em malha ABNT de 20 mesh (abertura de 840 μm). 428

Foram preparados sete corpos-de-prova, nas dimensões de 114,5 x 25,4 x 8 mm, por prensagem uniaxial a 30 MPa. Após secagem a 110 C até peso constante, os corpos-de-prova foram sinterizados em forno elétrico de laboratório na temperatura de 1200 C com tempo de permanência de 15 minutos. A taxa de aquecimento e resfriamento empregada foi de 10 C/min. As propriedades físicas e mecânicas avaliadas dos corpos-de-prova foram: retração linear, absorção de água e tensão de ruptura à flexão. A retração linear foi obtida pela medida do comprimento dos corpos-deprova antes e após o processo de queima, mediante a utilização de paquímetro (precisão de ± 0,01 mm). A absorção de água foi obtida de acordo com norma técnica [13]. A tensão de ruptura à flexão dos corpos-deprova queimados foi obtida pelo método dos três pontos, utilizando-se uma máquina universal de ensaios, Instron 5582, com velocidade de aplicação de carga de 0,5 mm/min e largura entre cutelos de 90 mm, de acordo com norma técnica [14]. A análise das fases cristalinas e a avaliação microestrutural das composições após a sinterização foram obtidas através de difração de raios-x (DRX) e microscopia eletrônica de varredura (MEV). As análises de DRX foram realizadas no difratômetro Bruker-AXS D5005, do CETEM/RJ. A radiação empregada foi a linha K α de um anodo de Co (λ = 1,78897 Å), para 2θ variando de 5 a 80 com varredura na forma de passo de 0,02 / 1 s. As análises de MEV foram observadas na superfície de fratura das peças sinterizadas num microscópio Jeol, modelo JSM 6460 LV, da COPPE/UFRJ, com sistema de energia dispersiva em espectroscopia de raios-x (EDS) acoplado. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados das propriedades físicas e mecânicas determinadas para as composições sinterizadas na temperatura de 1200 C são mostrados na Figura 1. A melhor composição é aquela com 60 % em peso de gnaisse fino, C. Para esta composição foi obtida uma resistência mecânica média de 54,6 MPa, absorção de água de 0,06 % e retração linear de 8,6 %. Para menores teores de gnaisse fino, ocorre um decréscimo da resistência mecânica e incremento da absorção de água. A retração linear da composição A foi a mais elevada em função da sua maior perda de massa durante a sinterização, contribuindo para o aparecimento de porosidade. Esta maior perda de massa para a composição C é devida à maior quantidade de argila em sua constituição, conforme mostra a Tabela 2. Figura 1: Propriedades físicas e mecânicas das composições queimadas a 1200 o C. A Figura 2 apresenta os difratogramas de raios-x das composições sinterizadas a 1200 C. As fases cristalinas identificadas são quartzo e mulita. Estes resultados estão de acordo com a literatura [1, 2, 5] que indicam uma microestrutura formada de quartzo e mulita envolvidos por uma matriz vítrea. As Figuras 3 a 5 apresentam as micrografias da superfície de fratura das composições A, B e C, respectivamente, sinterizadas a 1200 C. Todas as composições apresentam superfícies altamente densificadas 429

com textura homogênea, bem como, defeitos microestruturais típicos de porcelana [1]. São observados poros isolados, esféricos e irregulares, trincas na fase vítrea e grãos de quartzo descolados da matriz vítrea. Figura 2: Difratogramas de raios-x das composições sinterizadas a 1200 o C. Figura 3: Micrografias obtidas por MEV da superfície de fratura da composição A. Figura 4: Micrografias obtidas por MEV da superfície de fratura da composição B. 430

Figura 5: Micrografias obtidas por MEV da superfície de fratura da composição C As Figuras 6 a 8 apresentam as micrografias da superfície de fratura das composições A, B e C, respectivamente, com mapeamento por EDS de elementos químicos, para as amostras sinterizadas a 1200 C. De acordo com a Figura 6, pode-se observar um predomínio de Si e Al, bem distribuídos na amostra. Estes elementos estão na sua grande maioria associados, formando a matriz de fase vítrea e a mulita. Fe e K também estão bem distribuídos, possivelmente na fase vítrea que circunda os grão de quartzo e a mulita. grãos de quartzo Figura 6: Micrografia obtida por MEV da região de fratura da massa A com mapeamento de elementos químicos por EDS. 431

Figura 7: Micrografia obtida por MEV da região de fratura da massa B, queimada a 1200 C, com mapeamento de elementos químicos por EDS. Com o incremento da quantidade de gnaisse fino misturado com a argila, composições B e C, ocorreu um incremento de fundentes alcalinos e alcalino-terrosos e também de Fe. Como pode ser observado nas Figuras 7 e 8, os fundentes K, Na e Ca estão bem distribuídos na superfície das amostras. Entretanto, o Fe apresenta-se concentrado em algumas regiões das composições B e C. Neste caso, o Fe não está ligado dissociado na matriz vítrea e sim como partículas de hematita Fe 2 O 3. O inconveniente de compostos de ferro é a formação de bolhas pela liberação de oxigênio na decomposição do Fe 2 O 3 e, com a expansão do gás dentro do poro, pode acarretar o aumento de porosidade, reduzindo a resistência mecânica da cerâmica [3, 15]. 432

Figura 8: Micrografia obtida por MEV da região de fratura da massa C, queimada a 1200 C, com mapeamento de elementos químicos por EDS. 4 CONCLUSÕES Os resultados indicaram que o gnaisse fino, resíduo do corte de rocha ornamental, é um material que pode ser empregado na composição de massa de porcelana. Devido à sua composição mineralógica, com a presença de fundentes feldspáticos e de quartzo, sua mistura com argila permite o desenvolvimento de uma microestrutura após a sinterização similar às composições de porcelanas tradicionais. Os melhores resultados foram obtidos para a composição com 60 % de gnaisse fino e 40 % de argila, com otimização da resistência mecânica e absorção de água praticamente nula. 433

5 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq (proc. 400915/2004-9), FAPERJ e FENORTE/TECNORTE. Nossos agradecimentos também ao Sr. João Batista Fernandes Lopes (Patinho), presidente do Sindicato de Extração e Aparelhamento de Gnaisses do Noroeste do Estado do Rio de Janeiro (SINDGNAISSES), ao Laboratório de Microscopia Eletrônica da Coppe/UFRJ e ao Centro de Tecnologia Mineral CETEM pelas análises de DRX. 6 BIBLIOGRAFIA [1] IQBAL, Y., LEE, W.E., Microstructural Evolution in Triaxial Porcelain, Journal of The American Ceramic Society, v. 83, n. 12, pp. 3121-3127, 2000. [2] CHAUDHURI, S.P., SARKAR, P., Constitution of Porcelain before and after Heat-Treatment. I: Mineralogical Composition, Journal of the European Ceramic Society, v. 15, pp. 1031-1035, 1995. [3] BRAGANÇA, S.R., BERGMANN, C.P., Traditional and Glass Powder Porcelain: Techinical and Microstructure Analysis, Journal of the European Ceramic Society, v. 24, pp. 2383-2388, 2004. [4] CARTY, W.M., SENAPATI, U., Porcelain Raw Materials, Processing, phase Evolution and Mechanical Behavior, Journal of The American Ceramic Society, v. 81, n. 1, pp. 3-20, 1998. [5] IQBAL, Y., LEE, W.E., Fired Porcelain Microstructural Revisited, Journal of The American Ceramic Society, v. 82, n. 12, pp. 3584-3590, 1999. [6] VIEIRA, C.M.F., SOARES, T.M., SANCHEZ, R.J, MONTEIRO, S.N., Incorporation of Granite Waste in Red Ceramics, Materials Science and Engineering A, v. 373, pp. 115-121, 2004. [7] TORRES, P., FERNANDES, H.R., AGATHOPOULOS, S., TULYAGANOV, D.U., FERREIRA, J.M.F., Incorporation of Granite Cutting Sludge in Industrial Porcelain Tile Formulations, Journal of the European Ceramic Society, v. 24, pp. 3177-3185, 2004. [8] SOUSA, F.J.P., NEVES, W.F. das, ALARCON, O.E., Estudo da Viabilidade de Obtenção de Isoladores Elétricos a partir de Resíduo de Esmaltação, Cerâmica, v. 50, pp. 217-224, 2004. [9] BUCHANAN, R.C., Properties of Ceramic Insulators, Elect.l Engineering and Electronics, pp. 1-77, 1986. [10] PORTELLA, K.F., GARCIA, C.M., SOUZA, G.P., CANTÃO, M.P., CARON, L.E., BARON, O., REIFUR, N., Caracterização de Materiais Empregados em Isoladores de Porcelana, tipo Pedestal, Utilizados na COPEL desde 1980, Eletricidade Moderna, v. 277, pp. 322-332, 1997. [11] CAPITANEO, J.L., VIEIRA, C.M.F., MONTEIRO, S.N., SILVA, F.T., Caracterização Tecnológica de Argila Branca do Município de Silva Jardim-RJ, In: Anais do XV CBECIMAT, pp. 173-179, Natal, nov, 2002. [12] CANINÉ, J.M., Pedra Miracema, a Rocha Ornamental de Santo Antônio de Pádua Diagnóstico Preliminar, Niterói, DRM, julho, 1992. [13] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, C 373-72: Water absorption, Bulk Density, Apparent Porosity, and Apparent Specific Gravity of Fired Whiteware Products, USA, 1972. [14] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, C 674-7: Flexural Properties of Ceramic Whiteware Materials, USA, 1977. [15] ORTZ, M.J., ESCARDINO, A., AMORÓS, J.L., NEGRE, F., Microstructural Changes During the Firing of Stoneware Floor Tiles, Applied Clay Science, v. 8, n. 2-3, p. 193-205, Aug, 1993. 434