ESTUDO DE CASOS DE VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS NA RESERVA INDÍGENAS DE DOURADOS

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Transcrição:

ESTUDO DE CASOS DE VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS NA RESERVA INDÍGENAS DE DOURADOS Rosely Aparecida Stefanes Pacheco (e-mail:roselystefanes@superig.com.brdocente UEMS) Carlos Rodrigues Pacheco (e-mail: dr.pacheco@superig.com.br- docente UEMS) Rute Torres Poquiviqui Bondarszuk (e-mail: poquibon@hotmail.com- acadêmica Curso de Simone Eloy Amado (e-mail:-amadosimone@yahoo.com.br acadêmica Curso de Marinês Candido (e-mail: rinesimbirussú@yaho9o.com.br acadêmica Curso de Genivaldo da Silva Vieira (e-mail;.geterena@yahoo.com.br acadêmico Curso de Direito Resumo: Este trabalho tem como objetivo investigar os principais problemas que afetam a comunidade indígena da Reserva Indígena de Dourados, Área Bororó. Entre os problemas que afetam essa comunidade podemos citar: a violência interna na aldeia, brigas e agressões que levam a lesões corporais, ameaças de morte, assassinatos, espancamentos, torturas, estupros, desnutrição, mortalidade infantil acima da média nacional, alcoolismo e suicídios. Para tanto, buscaremos compreender as causas desse quadro de conflito e violência. E, a partir dos dados coletados, partiremos para propostas de trabalhos que visem minimizar esse quadro. Palavras Chaves: Indígenas, Direitos Humanos, Conflitos.

ESTUDO DE CASOS DE VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS NA RESERVA INDÍGENAS DE DOURADOS Rosely Aparecida Stefanes Pacheco (e-mail: roselystefanes @superig.com.br) docente UEMS & Carlos Rodrigues Pacheco (e-mail: dr.pacheco@superig.com.br- docente UEMS) Rute Torres Poquiviqui Bondarszuk (e-mail: poquibon@hotmail.com- acadêmica Curso de Simone Eloy Amado (e-mail:-amadosimone@yahoo.com.br acadêmica Curso de Marinês Candido (e-mail: rinesimbirussú@yaho9o.com.br acadêmica Curso de Genivaldo da Silva Vieira (e-mail:.geterena@yahoo.com.br acadêmico Curso de Não se trata de escolher Entre cegueira e traição. Mas entre ver e fazer de conta que nada vi Ou dizer da dor que vejo Para ajudá-la a ter fim, Já faz tempo que escolhi. Thiago de Mello 1 Este trabalho tem como objetivo investigar os principais problemas que afetam a comunidade indígena da Reserva Indígena de Dourados, Área Bororó. Entre os problemas que afetam essa comunidade podemos citar: a violência interna na aldeia, brigas e agressões que levam a lesões corporais, ameaças de morte, assassinatos, espancamentos, torturas, estupros, desnutrição, mortalidade infantil acima da média nacional, alcoolismo e suicídios. Para tanto, buscaremos compreender as causas desse quadro de conflito e violência. E, a partir dos dados coletados, partiremos para propostas de trabalhos que visem minimizar esse quadro de conflito. Segundo dados do Relatório A violência contra os Povos Indígenas no Brasil- 2003 a 2005, o Estado de Mato Grosso do Sul, já há algum tempo, vem sendo palco de graves conflitos envolvendo a sociedade indígena. Na realidade a concentração da 1 Mello (1981)

violência em Mato Grosso do Sul não encontra paralelos no País. Os números relacionados aos conflitos ligados a direitos territoriais servem de referência. Dos 26 casos relatados em 2003, contabilizou-se que, 23 ocorreram em Mato Grosso do Sul, bem como 28 dos 41 contabilizados em 2004 e 17 dos 32 casos do levantamento referente ao ano de 2005. O Estado também é o lastimável campeão em outras categorias de violência: número de assassinatos, tentativas de assassinatos, suicídios, além de inúmeros problemas de desnutrição e de índices elevados de violência sexual. Em se tratando dos povos indígenas, e, para entendermos a situação atual em que vivem no Estado de Mato Grosso do Sul, é preciso levar em consideração como foi o processo de aldeamento neste Estado. A dramática situação dos indígenas de Mato Grosso do Sul caracteriza-se por terras demarcadas ainda no início do século XX e que estão hoje superpovoadas. A expropriação dessas terras ocorreu de forma gradual no decorrer do século XX. Importante esclarecer que, estas terras foram demarcadas com o intuito claro de liberar terras para a frente de expansão. O processo de asfixia para os indígenas, agravou-se na década de 1970, com a implantação das grandes fazendas e com o processo de avanço dos núcleos urbanos que passou a pressionar e aldear a população indígena dentro de áreas minúsculas. Com esse aldeamento compulsório, a tensão dentro das áreas indígenas foi se agravando. Na realidade os direitos indígenas, embora amparados por legislações que vem desde os tempos coloniais, jamais foram aplicados de fato. No desenvolvimento do processo de ocupação e colonização do Brasil, as sociedades indígenas foram desconsideradas. Os indígenas foram desalojados de suas terras primeiramente aos olhos do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e posteriormente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), e estabelecidos em reservas, aleatoriamente, causando vários problemas que até hoje estão refletidos em seu cotidiano.(pacheco 2004) A Reserva Indígena de Dourados Instituída em 1917, pelo Decreto 401 do Presidente do então Estado do Mato Grosso, a Reserva indígena de Dourados tem suas terras demarcadas em 1925, totalizando 3.539 hectares, hoje divididos em duas Aldeias, a Jaguapirú e a Bororó.

Na mesma época, outras reservas e aldeias começaram a ser demarcadas Nesta porção sul do Estado do Mato Grosso. Sabemos que, os critérios utilizados pelos responsáveis pela demarcação da terra não observavam o habitat tradicional indígena e, nem mesmo, se aquela era efetivamente região ocupada por índios. O SPI (Serviço de Proteção ao Índio) órgão tutelar do início do século passado, preocupava-se precipuamente com a qualidade da terra, a salubridade da região e as vias de comunicação. No caso específico da Reserva de Dourados os agentes do SPI atentaram para a excelente qualidade do solo, abundância de matas, fartos mananciais, mas negligenciaram um fator indispensável: a presença de um rio que possibilitasse a pesca, relevante elemento da alimentação indígena. O entorno da área hoje reservada era circundada pelos Guarani Kaiowá. Este foi o primeiro grupo étnico a ser trazido para a terra indígena reservada, seguido dos Ñandeva e dos Terena. Esses são os grupos étnicos que compõem a Reserva Indígena de Dourados. Importante destacar que, as duas primeiras etnias, provindas do mesmo tronco lingüístico, compartilham entre si diversos aspectos culturais, organizacionais e políticos, porém diferem em alguns aspectos. Aqui é preciso fazer uma reflexão de como os indígenas são vistos e representados no cenário nacional e internacional, pois sabemos que são aplicados critérios generalizadores. No entanto é preciso identificar que apesar de serem submetidos a viverem em um mesmo espaço territorial, estas etnias têm aspectos culturais diversos. O processo de expansão das fronteiras nacionais No processo de expansão do Estado-Nação brasileiro, tal qual foi concebido, não se admitia a existência de grupos sociais com identidades e culturas próprias. Nada de específico poderia haver. Todos deveriam, mesmo que forçosamente assimilar e viver segundo uma só identidade genérica, integrados à comunhão nacional, como se toda a diferença étnica e cultural deixasse de existir e se transformasse numa única cultura homogeneizada. Assim, sob a égide de um Estado-Nação unificado, foi estimulado o processo de integração dos múltiplos sistemas culturais e legais sob o fundamento da igualdade de

todos os indivíduos perante um bem comum ou uma legislação comum. (Pacheco, 2004). A mesma autora ainda nos esclarece que, nesse processo, a história nos dá conta de que, ensaiava-se um discurso de proteção aos direitos indígenas que se repetiria em inúmeras leis, cartas, decretos e alvarás, durante o todo o período colonial, monárquico e republicano, situação que somente começaria a mudar com a Constituição de 1988, passando-se do plano teórico para a tentativa de efetivação dos direitos indígenas. Essa proteção não passava de um mero discurso, porque mesmos com algumas legislações conferindo direitos aos indígenas, estas não tiveram efetiva aplicação. (Pacheco, 2004). Normas de proteção aos Direitos Indígenas Tanto na esfera nacional quanto na internacional podemos perceber alguns avanços em termos do reconhecimento de direitos coletivos indígenas. No plano internacional, foi feita uma revisão da Convenção 107 sobre populações indígenas e tribais, aprovada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra em 1957, cujos referenciais ainda eram assimilacionistas e integracionistas, inspirando e legitimando legislações e políticas entre os países signatários (entre eles o Brasil), que articuladas a projetos de desenvolvimento nacionais e regionais, passaram a legitimar os propósitos desenvolvimentista que alguns dirigentes queriam impor ao Brasil. (Pacheco 2004). Ainda no plano internacional, em 1989, a Conferência Internacional da OIT concluiu uma discussão de três anos, com a participação de inúmeros representantes de organizações indígenas e governamentais, aprovando a Convenção nº 169. Esta, diferentemente da Convenção nº 107, onde os indígenas não foram ouvidos, representou um enorme avanço no reconhecimento dos povos indígenas como sujeitos coletivos, com identidade étnica específica e direitos históricos imprescritíveis. Esta Convenção procura definir detalhadamente, além dos direitos dos povos indígenas, os deveres e as responsabilidades dos Estados na sua salvaguarda. A revisão das normas internacionais sobre os povos indígenas coincidiu com o processo de revisão da legislação constitucional brasileira, que de maneira geral partilham dos mesmos propósitos. Não obstante, as conquistas a nível internacional ainda na década de 1980, com o crescente processo de organização e de articulação dos povos indígenas, aumentou a

participação dos índios em diversas instâncias com afirmação e alianças com segmentos da sociedade civil e com setores populares que procuravam se reorganizar. Representantes indígenas estiveram presentes em congressos de trabalhadores rurais, da Central Única dos Trabalhadores e do então nascente Movimento dos Sem Terra, dentre outros. Por sua vez, representantes de várias organizações apresentaram sua solidariedade, onde apoios e alianças foram sendo consolidados no interior do movimento popular, culminando na promulgação da Constituição de 1988. (Lima, 2002). No Brasil podemos apontar a Constituição de 1988 como o grande marco para as conquistas dos direitos indígenas Importante destacar que, desde a década de 1990, está em trâmite no Congresso Nacional Estatuto das Sociedades Indígenas, apresentado para garantir a execução da Constituição referente aos direitos indígenas, este projeto sugere a revisão do Estatuto do Índio, Lei nº. 6.001/73, Estatuto que já se encontra em alguns aspectos defasados quanto aos anseios das sociedades indígenas. Porém, apesar de todos esses instrumentos legais de proteção aos povos indígenas, muito se está por fazer, principalmente porque a sociedade não-indígena, bem como, o direito não-indígena ainda estão embasados nos valores quase que absolutos da cultura ocidental. De La Torre, enfatiza que, as condições de vida dos povos indígenas nos mostram a ausência de todo direito, quero dizer, da nulidade de todo exercício real e eficaz dos direitos humanos básicos ou elementares, a impraticabilidade da justiça e a total ineficácia de nossa normatividade ou direito objetivo enquanto suas pretensões de postular direitos e fundar relações justas entre os homens. (De La Torre, 2005, p.116). Ao observarmos a dura realidade do indígena brasileiro, percebemos a negação de qualquer direito a vida digna, expressão que bem pode sintetizar todos os Direitos Humanos. A questão dos Direitos Humanos Conforme propõe Ribeiro (2004), Temos que partir da posição de que o discurso dos direitos humanos representa um avanço. Trata-se de regular os abusos dos poderosos, no

Estado ou fora dele, contra os indefesos 2, contra qualquer pessoa ou coletividade. É um porto seguro no mar das tempestades impulsionadas pelo ódio, pela intolerância, pela discriminação, pela ganância desenfreada, pelo desrespeito à diferença, à inviolabilidade dos corpos, das residências e das vidas das pessoas. (Ribeiro, 2004, p.38). A questão dos Direitos Humanos será levada em consideração nesse trabalho, vista sob a ótica da não universalização desses direitos, uma vez que a noção de direitos é particular de cada sociedade. Porém, o que deve ser levado em consideração é que por mais complexa que seja a noção de Direitos Humanos, ela representa um conjunto de formulações sempre passível de ser acionado. E, conforme propõe Ribeiro (2004) que, fundamentais são os Direitos Humanos para a sociabilidade contemporânea que não poderíamos pensar em um mundo sem ele. Diante da situação em que se encontram as sociedades indígenas, em especial os Guarani Kaiowá e Ñandeva, da área Indígena Bororó, nos trazem a tona, uma série de violações a direitos consagrados como fundamentais, tanto pelos Tratados Internacionais, quanto por instrumentos Jurídicos internos, inclusive violando os próprios dispositivos elencados na Constituição Federal de 1988. Considerações Finais Segundo dados do Relatório- A violência contra os Povos Indígenas no Brasil- 2003 a 2005, a maioria das ações desenvolvidas para assistir as populações indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul são de cunho assistencialista: distribuição de cestas básicas, aposentadorias rurais, distribuição de roupas e serviços de saúde que não satisfazem a população. Da leitura desse Relatório e com a situação evidenciada nas pesquisas de campo preliminares, entendemos que é urgente a tomada de medidas mais eficazes por parte do poder público, através de políticas públicas, para que essa situação seja minimizada. Apesar das várias conquistas legais indígenas, não só no âmbito nacional quanto internacional, na realidade, muito se está por fazer. Nos textos das leis, leva-se em 2 Quanto ao conceito de indefesos, esse deve ser compreendido dentro do processo de mobilizações, enquanto atores de seus destinos, e não com uma visão de dominantes e dominado, onde delegaríamos para os indígenas apenas o papel secundário na história.

consideração o reconhecimento da diversidade sociocultural do país e dos direitos a ela associados. Porém, no plano da efetividade destas legislações, como também na definição das políticas públicas e de sua efetivação, percebemos a grande distância que se impõe entre o que está estabelecido, e o que de fato ocorre na prática. De certo modo, a defesa dos direitos e interesses das populações indígenas é um dos principais desafios da moderna doutrina dos Direitos Humanos, principalmente em países como o Brasil, onde a coexistência entre a sociedade industrial ocidental moderna e outras culturas, baseadas em princípios distintos, ainda é possível. Sabemos que um sistema democrático é aquele que sabe conviver com a diferença, seja de idéias (liberdade de expressão, de imprensa etc.), seja de costumes ou culturas (respeito às minorias, direito à diferença etc.). Portanto, o respeito à diferença entre culturas e a proteção a essas manifestações são algumas das necessidades impostas pelo moderno sistema de proteção aos Direitos Humanos. Referências Bibliográficas DE LA TORRE, Jesus Antonio. El derecho que nasce del pueblo. Editorial Porrúa, México, 2005. LIMA, Antonio Carlos de Souza. Questões para uma política indigenista: etnodesenvolvimento e políticas públicas. In: LIMA, Antonio C. Souza e HOFFMANN, Maria Barroso (orgs.). Etnodesenvolvimento e Políticas Públicas: bases para uma nova política indigenista. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2002. MELLO, Thiago de. Já faz tempo que escolhi. In: Mello. Mormaço na floresta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. PACHECO, Rosely A. Stefanes. Mobilizações Guarani Kaiowá Ñandeva e a (Re)Construção de Territórios: (1978-2002) Novas Perspectivas para o Direito Indígena. (Dissertação de Mestrado), UFMS, 2004.

Relatório A Violência contra os Povos Indígenas no Brasil- 2003 a 2005. Conselho Indigenista Missionário (CIMI), 2006. RIBEIRO, Gustavo Lins. Cultura, Direitos Humanos e Poder. Mais além do Império e dos Humanos Direitos. Por um Universalismo Heteroglóssico. In: FONSECA, Claudia. (org.) Antropologia, diversidade e direitos Humanos: diálogos interdisciplinares. Porto Alegre: Editora da UFRS, 2004.