Prevalência e fatores associados ao uso de antidepressivos em adultos de área urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, em 2006

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Transcrição:

ARTIGO ARTICLE 1565 Prevalência e fatores associados ao uso de antidepressivos em adultos de área urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, em 2006 Prevalence of antidepressant use and associated factors among adults in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2006 Carla Maria Maia Garcias 1 Ricardo Tavares Pinheiro 1 Gilberto de Lima Garcias 1 Bernardo Lessa Horta 2 Clarice Brinck Brum 3 Abstract Introdução 1 Escola de Saúde, Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, Brasil. 2 Programa de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil. 3 Escola de Ciências Ambientais, Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, Brasil. Correspondência C. M. M. Garcias Mestrado em Saúde e Comportamento, Escola de Saúde, Universidade Católica de Pelotas. Av. Adolfo Fetter 1112, Pelotas, RS 96083-000, Brasil. carlamaiagarcias@gmail.com The objective of this study was to estimate the prevalence and determinants of antidepressant use among adults in a city in southern Brazil. The cross-sectional study was based on interviews with adults 40 years or older living in the urban area of Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2006. The chi-squared test was used for comparisons between proportions. Non-conditional logistic regression was used for multivariate analysis, with robust adjustment for variance. A total of 1,327 adults were interviewed, of whom 9.3% had used antidepressants. Use of antidepressants was significantly associated with female gender (OR: 2.45; 95%CI: 1.50-4.02), higher socioeconomic status (OR: 2.07; 95%CI: 1.28-3.34), and unemployment (OR: 1.65; 95%CI: 1.06-2.55). The prevalence of antidepressant use was higher than in other studies. Identification of individual determinants of use can serve as the basis for strategies to decrease the consumption of antidepressants in these groups. Antidepressive Agents; Drug Utilization; Adult Estima-se que 23% da população brasileira consomem 60% da produção nacional de medicamentos 1, sendo que o uso destes é crescente com o aumento da faixa etária, conforme identificado na literatura revisada 1,2,3 e, provavelmente, se deve à maior prevalência de morbidades com o avanço da idade. A utilização de medicamentos do grupo dos psicofármacos tem crescido nas últimas décadas, principalmente o consumo de antidepressivos 4,5,6,7. Esse aumento de consumo, possivelmente, está relacionado com o crescimento do diagnóstico das doenças depressivas, com a ampliação das indicações terapêuticas desses medicamentos e com o surgimento de novos 7,8,9,10. Poucos estudos brasileiros de base populacional têm investigado o consumo de antidepressivos em adultos. No ano de 1994, na cidade de Pelotas, localizada no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, num estudo transversal de base populacional, em que foram incluídos 1.277 indivíduos, com 15 anos ou mais de idade, moradores na área urbana, foi encontrada uma prevalência de 11,9% na utilização de psicofármacos nas duas semanas que antecederam a aplicação do questionário, no qual 1,2% dos indivíduos havia consumido antidepressivos 5. Nessa mesma cidade, em 2003, num estudo comparativo realizado em 1994, também trans-

1566 Garcias CMM et al. versal de base populacional, com 3.542 indivíduos de 15 anos ou mais, residentes na área urbana, foi encontrada uma prevalência de 9,9% na utilização de psicofármacos, no qual 3,1% usaram antidepressivos 6. Esses dois estudos evidenciaram que o consumo de psicofármacos crescia conforme o aumento da idade 5,6. Ainda em Pelotas, no ano de 2002, em outro estudo transversal de base populacional, cuja amostra era composta por indivíduos com 20 anos ou mais de idade, no qual foi avaliada a utilização global de medicamentos, nesta população, foi encontrada uma prevalência de 65,9%, em que 10% usaram psicofármacos e 3,1% antidepressivos. A prevalência do uso de medicamentos foi maior entre as mulheres, idosos e nível econômico mais elevado 1. Alguns estudos sugerem que fatores demográficos, sócio-econômicos e comportamentais, tais como o uso de tabaco, consumo de bebidas alcoólicas, ausência de uma atividade física, religiosidade e trabalho regular 3,6,11,12,13,14 possam ter associação com o consumo de antidepressivos. O presente estudo verificou a prevalência atual do consumo de antidepressivos por indivíduos, com 40 anos de idade ou mais, residentes na zona urbana de Pelotas, associando o seu uso com fatores demográficos, sócio-econômicos e comportamentais. Metodologia A presente investigação faz parte de um estudo que avaliou a saúde dos adultos residentes na zona urbana da cidade de Pelotas, que possui cerca de 340 mil habitantes. Considerando-se uma prevalência de 8,4% para o uso de antidepressivos e margem de erro de 2,5 pontos porcentuais, o nível de 95% de confiança, poder estatístico de 90% e um acréscimo de 10% para perdas, ficou estimado ser necessário entrevistar 1.298 indivíduos com idade de 40 ou mais anos. Usando-se o processo de amostragem em múltiplos estágios, obteve-se uma amostra da população-alvo. A partir de um total de 418 setores censitários da zona urbana de Pelotas, 48 foram escolhidos sistematicamente para inclusão no estudo. Em seguida, selecionou-se, aleatoriamente, um quarteirão de cada setor. Após, foi escolhido o domicílio inicial e, a partir deste, alternativamente, os demais domicílios, seguindo o sentido horário. Em cada um foi sorteado um indivíduo, com 40 anos ou mais de idade, para participar do estudo e, no caso do sorteado não ter sido encontrado, três tentativas foram feitas antes de ser considerado como perda. Quando preciso, foram incluídos outros quarteirões, de forma padronizada, para completar os trinta domicílios necessários em cada setor. O controle de qualidade foi realizado por meio de retornos em 5% dos domicílios, para conferir informações. Após a obtenção do consentimento livre e esclarecido, os indivíduos responderam a um questionário padronizado e pré-codificado, testado previamente. As variáveis independentes investigadas neste estudo foram: sexo, idade (anos completos), escolaridade (analfabeto, 1 a 4 anos, 5 a 8 e 9 ou mais anos), situação conjugal (com companheiro, sem companheiro), nível sócio-econômico (classes de A até E, sendo a classe A a mais alta, de acordo com o Critério de Classificação Econômica do Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa ABEP; http://www.abep. org/), trabalho (exercendo alguma atividade regular ou não no momento), uso de tabaco (fumando ou não no momento), uso de álcool (consumo ou não de bebida alcoólica), sedentarismo (praticando ou não algum tipo de atividade física regular) e prática religiosa (freqüência a cultos religiosos ou não). A Figura 1 mostra o modelo hierárquico proposto. No primeiro nível entraram as variáveis sócio-demográficas (sexo, idade, situação conjugal, escolaridade e nível sócio-econômico), no segundo as variáveis comportamentais (uso de tabaco, de álcool, sedentarismo, prática religiosa e atividade de trabalho). Figura 1 Modelo teórico hierarquizado. Idade Situação conjugal Escolaridade Nível sócio-econômico Consumo de tabaco Consumo de álcool Religiosidade Prática religiosa Uso de antidepressivos

PREVALÊNCIA DO USO DE ANTIDEPRESSIVOS 1567 A freqüência de respostas nas variáveis foi verificada pela análise univariada. Na análise bivariada utilizou-se o teste de qui-quadrado, com a finalidade de descrever a amostra de acordo com as associações entre as variáveis independentes e a dependente, bem como selecionar as variáveis que iriam permanecer, para a análise multivariada, em que usamos a regressão logística não condicional. Na análise multivariada foram incluídas as variáveis independentes que na análise bivariada mostraram um valor de p maior ou igual a 0,2 em relação ao desfecho, com o intuito de identificar os possíveis fatores de confusão. O protocolo do estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade Católica de Pelotas. Resultados Foram entrevistados 1.327 adultos. Para 103 (7,2%) indivíduos não foi possível realizar a entrevista, sendo considerados como perda. A Tabela 1 descreve a amostra em relação às variáveis demográficas, sócio-econômicas e comportamentais. Na amostra estudada, 123 adultos responderam que usaram antidepressivos nos últimos 15 dias, correspondendo a uma prevalência de 9,3%. Os antidepressivos do grupo dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) foram os mais usados, numa proporção de 60,2%, seguidos pelo grupo dos antidepressivos tricíclicos (ADT), utilizados numa proporção de 31,7%. Os 8,1% restantes representaram os inibidores da monoaminoxidase (IMAOS) e atípicos (Tabela 2). Na análise bivariada constatou-se que o percentual de uso de antidepressivos, nos últimos 15 dias, foi de 11,6% entre as mulheres, enquanto que, entre os homens, foi de 4,8% (p < 0,0001). A utilização de antidepressivos foi maior nos níveis sócio-econômicos mais elevados (classes sociais A e B, p = 0,017). Não encontramos associações significativas em relação à idade (p = 0,39), à escolaridade (p = 0,82) e à situação conjugal (p = 0,14). Com relação às variáveis comportamentais, entre os indivíduos que, no momento, não estavam trabalhando, a prevalência de consumo de antidepressivos encontrada foi de 10,9%, enquanto que nos que estavam trabalhando foi de 6,3%, havendo uma diferença significativa entre elas (p = 0,006). As demais variáveis comportamentais: uso de tabaco, de álcool, sedentarismo e prática reli- Tabela 1 Distribuição das variáveis incluídas no estudo. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2005. Variáveis n % Masculino 453 34,1 Feminino 874 65,9 Idade (anos completos) Até 45 262 19,8 46-55 388 29,2 56-65 348 26,2 66 ou mais 329 24,8 Situação conjugal Com companheiro(a) 772 58,2 Sem companheiro(a) 555 41,8 Escolaridade (anos de estudo) Analfabeto 108 8,2 1-4 379 28,6 5-8 418 31,5 9 ou mais 422 31,7 Nível sócio-econômico * Classes A e B 450 33,9 Classe C 470 35,4 Classes D e E 407 30,7 Sim 495 37,3 Não 832 62,7 Consumo de tabaco (fumo atual) Sim 340 25,6 Não 987 74,4 Consumo de álcool (bebidas) Sim 581 43,8 Não 746 56,2 Sim 447 33,7 Não 880 66,3 Prática religiosa Sim 597 45,0 Não 730 55,0 Total 1.327 100,0 * A: classe social mais alta; E: classe social mais baixa (de acordo com o Critério de Classificação Econômica do Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa ABEP; http://www.abep.org/). giosa, não apresentaram associação significativa com o uso de antidepressivos (p > 0,05). Após a análise bivariada (Tabela 3), realizamos a análise multivariada, mantendo no modelo as variáveis independentes que mostraram um p com valor igual ou menor que 0,2 em relação ao desfecho. Constatou-se uma maior associação com o uso de antidepressivos no sexo feminino (OR = 2,45; IC95%: 1,50-4,02), nos indivíduos perten-

1568 Garcias CMM et al. Tabela 2 Distribuição dos grupos de antidepressivos consumidos. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2005. Grupos Freqüência % Antidepressivos tricíclicos (ADT) 39 31,7 Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) 74 60,2 Outros (IMAOS e atípicos) 10 8,1 Total 123 100,0 IMAOS: inibidores da monoaminoxidase. Tabela 3 Prevalência do uso de antidepressivos pela população adulta da zona urbana em relação às variáveis do estudo. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, 2005. Variáveis Uso de antidepressivos (%) OR bruta (IC95%) valor de p Masculino 4,8 Referência < 0,0001 Feminino 11,6 2,57 (1,60-4,15) Idade (anos completos) Até 45 6,5 Referência 0,39 46-55 9,8 1,56 (0,86-2,83) 56-65 10,1 1,61 (0,88-2,94) 66 ou mais 10,0 1,60 (0,87-2,95) Situação conjugal Com companheiro(a) 8,3 Referência 0,14 Sem companheiro(a) 10,6 1,31 (0,90-1,90) Escolaridade (anos de estudo) Analfabeto 9,3 Referência 0,82 1-4 8,4 0,97 (0,46-2,01) 5-8 10,3 1,07 (0,65-1,76) 9 ou mais 9,0 0,86 (0,54-1,36) Nível sócio-econômico D e E 7,6 Referência 0,017 C 7,7 1,02 (0,60-2,73) A e B 12,4 1,71 (1,10-2,66) Sim 6,3 Referência 0,006 Não 10,9 1,81 (1,87-2,77) Consumo de tabaco Sim 10,9 Referência 0,27 Não 8,7 0,99 (0,60-1,60) Consumo de álcool (bebidas) Não 10,0 Referência 0,34 Sim 8,4 0,82 (0,56-1,20) Sim 10,0 Referência 0,19 Não 7,8 0,76 (0,50-1,14) Prática religiosa Sim 9,7 1,10 (0,75-1,59) 0,61 Não 8,9 Referência

PREVALÊNCIA DO USO DE ANTIDEPRESSIVOS 1569 centes aos níveis sócio-econômicos A e B (OR = 2,07; IC95%: 1,28-3,34) e naqueles que não estavam trabalhando (OR = 1,65; IC95%: 1,06-2,55). A situação conjugal e sedentarismo foram removidos do modelo hierárquico final. A Figura 2 mostra o modelo hierárquico final, no qual permaneceram o sexo, o nível sócio-econômico e a atividade de trabalho. Figura 2 Modelo hierárquico final para o uso de antidepressivos pela população adulta. Masculino Referência Feminino 2,45 (1,50-4,02) Classe social A e B 2,07 (1,28-3,34) C 1,14 (0,68-1,90) D e E Referência Discussão No presente estudo, foi utilizado um período recordatório de 15 dias para avaliar o consumo de medicamentos, pois a maioria das pesquisas nesta área utiliza este período para diminuir o possível viés de memória. A utilização de psicofármacos encontrada na amostra foi de 24,7%. A prevalência de uso de antidepressivos foi de 9,3%, e embora superior às determinadas em outros estudos 1,3,4,5,6 não foi possível comprovar uma tendência de aumento do consumo, porque esses estudos foram realizados com amostras que continham indivíduos de faixas etárias mais jovens 1,5,6 e outro numa população distinta da nossa 3,4. Em 1994, em um estudo transversal de base populacional, em que os indivíduos incluídos tinham 15 anos de idade ou mais, também moradores na zona urbana de Pelotas, o consumo de antidepressivos foi de 1,2% no total da amostra, não sendo feita uma análise em relação a cada faixa etária. O consumo total de psicofármacos foi de 11,9% 5. Em 2003, na cidade de Pelotas, foi realizado um estudo comparativo ao de 1994, também incluindo indivíduos com 15 anos ou mais de idade, moradores na zona urbana. Foi encontrada uma prevalência de 3,1% no uso de antidepressivos 6, um aumento três vezes maior no uso destes fármacos, porém a prevalência de consumo de psicofármacos foi de 9,9%, não tendo aumentado em relação a 1994. O aumento do consumo de antidepressivos, nessa década, possivelmente está relacionado com o crescimento do diagnóstico das doenças depressivas, com o surgimento de novas medicações, com a ampliação das indicações terapêuticas 7,8,9,10. Em estudo transversal realizado entre 2001 e 2003, na França 4, foi encontrada uma prevalência de 6% no consumo de antidepressivos, numa população a partir de 18 anos de idade, não sendo possível comparar com o nosso resultado devido a distinção das populações estudadas. Na presente pesquisa, a alta prevalência no consumo de psicofármacos, com relação aos outros estudos, possivelmente está relacionada à Sim Referência Não 1,65 (1,06-2,55) faixa etária de nossa amostragem, pessoas com 40 anos ou mais de idade. O maior consumo de antidepressivos entre as mulheres, provavelmente se deve à maior freqüência de transtornos de ansiedade e depressão no sexo feminino 5,6,15, ao maior consumo de medicamentos, em geral, e de psicofármacos, 1,5,6 bem como pela maior utilização dos serviços de saúde por elas 15. Os indivíduos dos níveis sócio-econômicos mais elevados (A e B) consumiram mais antidepressivos, concordando com outros estudos 5,6 em que também foi constatada uma maior tendência na utilização de medicamentos por indivíduos destes níveis, provavelmente devido ao maior poder aquisitivo, apesar de que a saúde das pessoas de níveis sócio-econômicos mais baixos, em geral, é pior, e isto poderia acarretar uma maior utilização de medicamentos, dado que não foi encontrado nesses estudos devido à lei dos cuidados inversos em saúde, de acordo com a qual as pessoas com menores necessidades têm mais e melhores cuidados 15. A situação conjugal, com companheiro ou sem companheiro, não apresentou associação significativa com o consumo de antidepressivos, concordando com o que foi observado no estudo realizado em 2003, em relação aos psicofármacos 6. Na análise ajustada, o estilo de vida sedentário não permaneceu no modelo hierárquico final, embora outros estudos, epidemiológicos e experimentais, associem uma relação positiva entre a atividade física e a diminuição da mortalidade. A atividade física contribuiria, a curto prazo, para diminuir a ansiedade e o estresse, e a longo prazo, controlaria a depressão moderada, o estado de humor e aumentaria a auto-estima 11.

1570 Garcias CMM et al. A variável trabalho foi mantida no modelo, evidenciando que não estar exercendo nenhuma atividade laboral está associado com o aumento do uso de antidepressivos, concordando com Hildebrandt et al. 3, que encontraram um consumo maior de psicotrópicos entre as pessoas que estavam aposentadas, não trabalhavam ou nos trabalhadores cuja atividade não se enquadrava em nenhuma categoria profissional. Os principais fatores associados ao uso de antidepressivos, observados no presente estudo, foram: ser do sexo feminino, pertencer aos níveis sócio-econômicos mais elevados (A e B) e a ausência de uma atividade de trabalho. Foi evidenciada uma tendência de aumento no consumo de antidepressivos, servindo de alerta aos profissionais da saúde que, reconhecendo a possibilidade de iatrogenia, sejam mais criteriosos na sua indicação, evitando a prescrição indiscriminada desses fármacos. Serão necessários outros estudos com uma abordagem qualitativa, utilizando uma amostragem da mesma faixa etária, para uma avaliação mais completa do uso de antidepressivos em Pelotas. Resumo Este trabalho determina a prevalência e fatores associados ao uso de antidepressivos em adultos residentes na área urbana da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Foi realizado um estudo transversal em uma amostra representativa de adultos com idade igual ou superior a 40 anos, moradores na zona urbana de Pelotas, em 2006. Para as comparações entre proporções, utilizou-se o teste de qui-quadrado e, para a análise multivariada, a regressão logística não condicional. Foram entrevistados 1.327 adultos, dos quais 9,3% tinham usado antidepressivos. O consumo desses medicamentos associou-se significativamente ao sexo feminino (OR: 2,45; IC95%: 1,50-4,02); ao nível sócio-econômico mais elevado, classes A e B (OR: 2,07; IC95%: 1,28-3,34); e a não estar exercendo uma atividade de trabalho (OR: 1,65; IC95%: 1,06-2,55). A prevalência de uso de antidepressivos foi superior às encontradas em outros estudos. Os determinantes individuais de utilização poderão servir de embasamento às estratégias para diminuir o consumo de antidepressivos nesses grupos. Colaboradores C. M. M. Garcias participou da revisão da literatura, elaboração do projeto e instrumentos de coleta de dados, treinamento dos supervisores, controle de qualidade, processamento e análise dos dados e redação do artigo final. R. T. Pinheiro colaborou na concepção da pesquisa, elaboração do projeto, elaboração do instrumento de análise dos dados, revisão da literatura e redação do artigo final. G. L. Garcias participou na coordenação do trabalho de campo, colaborou na preparação do banco de dados e controle de qualidade dos dados. B. L. Horta participou na concepção da pesquisa, elaboração do instrumento de pesquisa e análise estatística dos dados. C. B. Brum participou na preparação do banco de dados e controle de qualidade dos dados. Todos os autores participaram da revisão do artigo final. Antidepressivos; Uso de Medicamentos; Adulto

PREVALÊNCIA DO USO DE ANTIDEPRESSIVOS 1571 Referências 1. Bertoldi AD, Barros AJD, Hallal PC, Lima RC. Utilização de medicamentos em adultos: prevalência e determinantes individuais. Rev Saúde Pública 2004; 38:228-38. 2. Franco RCS, Carvalho Neto JA, Khouri MA, Nunes MO, Santos Jr. JW, Marques Neto J, et al. Consumo de medicamentos em um grupo populacional da área urbana de Salvador-BA. Rev Baiana Saúde Pública 1987; 13/14:113-21. 3. Hildebrandt LM, Leite MT, Piovesan SMS, Stumm LK. Prevalência no consumo de psicotrópicos pela população assistida por um serviço municipal de saúde. http://www.madres.org/asp/contenido. asp?clave=1496 (acessado em 28/Ago/2006). 4. Gasquet I, Nègre-Pagès L, Fourrier A, Nachbaur G, Elhasnaqui A, Kovess V, et al. Psychotropic drug use mental psychiatric in France: results of the general population ESEMeD/MHedea 2000 epidemiological study. Encephale 2005; 31:195-206. 5. Lima MS, Soares BGO, Mari JJ. Saúde e doença mental em Pelotas, RS: dados de um estudo populacional. Rev Psiquiatr Clín (São Paulo) 1999; 26:225-35. 6. Rodrigues MAP, Facchini LA, Lima MS. Modificações nos padrões de uso de psicofármacos em localidade do Sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2006; 40:1-14. 7. Helmels ME, Koren G, Einarson TR. Increased use of antidepressants in Canada, 1981-2000. Ann Pharmacother 2002; 36:1375-9. 8. Rollman BL, Belnap BH, Reynolds CF, Schulberg HC, Shear K. A contemporary protocol to assist primary care physicians in the treatment of panic and anxiety disorders. Gen Hosp Psychiatry 2003; 25:74-82. 9. Sanches RF, Assunção S, Hetem LAB. Impacto da comorbidade no diagnóstico e tratamento do transtorno bipolar. Rev Psiquiatr Clín 2005; 32: 71-7. 10. Schmitt R, Gazalle FK, Lima MS, Cunha A, Souza J, Kapczinski F. The efficacy of antidepressants for generalized anxiety disorder: a systematic review and meta-analysis. Rev Bras Psiquiatr 2005; 27: 18-24. 11. Secretaria de Políticas de Saúde, Ministério da Saúde. Agita Brasil 2001: promoção da saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2001. 12. Moreira-Almeida A, Lotufo Neto F, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Rev Bras Psiquiatr 2006; 28:242-50. 13. Miller WR, Thoresen CE. Spirituality, religion and health. An emerging research field. Am Psychol 2003; 58:24-35. 14. Duncan B, Schmidt MI, Giugliani ERJ, organizadores. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. Porto Alegre: Editora Artmed; 2004. 15. Hart JT. The inverse care law. Lancet 1971; 1:405-12. Recebido em 18/Jun/2007 Versão final reapresentada em 30/Out/2007 Aprovado em 18/Mar/2008