LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A ABORDAGEM DE QUESTÕES SOCIOCIENTÍFICAS NA VISÃO DO PROFESSOR DE FÍSICA DA EDUCAÇÃO BÁSICA

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Transcrição:

IX CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS Girona, 9-12 de septiembre de 2013 COMUNICACIÓN LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A ABORDAGEM DE QUESTÕES SOCIOCIENTÍFICAS NA VISÃO DO PROFESSOR DE FÍSICA DA EDUCAÇÃO BÁSICA José Roberto da Rocha Bernardo Universidade Federal Fluminense Brasil bernardo.jrr@gmail.com RESUMO: Neste trabalho apresentamos uma pesquisa que focalizou as reflexões de dois professores do ensino médio acerca de suas experiências com a introdução de uma questão sociocientífica nas aulas de física em duas escolas da cidade do Rio de Janeiro - Brasil. Foi organizado um grupo de trabalho que desenvolveu uma sequência de ensino e material didático para abordagem do tema Ligações Elétricas Irregulares. Os dados de pesquisa foram registrados por meio de gravações em áudio e vídeo das reuniões de trabalho, das ações em sala de aula, e das entrevistas realizadas com os sujeitos. Foram identificadas dificuldades em relação à introdução da proposta nas escolas, que estão associadas à cultura escolar, à impermeabilidade dos currículos e à formação do professor. PALAVRAS-CHAVE: questões sociocientíficas; educação em ciências; formação de professores OBJETIVOS O trabalho que aqui se apresenta tem por objetivo analisar as reflexões de dois professores do ensino médio sobre ações que possibilitaram a introdução de uma questão de caráter sociocientífico nas suas aulas de física. Mais especificamente, busca-se investigar as tensões, limites e possibilidades identificados pelos sujeitos em relação a esse tipo de abordagem levando em conta a cultura escolar e a situação do professor. Com isso, pretende-se contribuir para a construção do conhecimento junto ao campo da Educação em Ciência respondendo à seguinte pergunta: Como o professor de física vê a possibilidade de inserção de um tema contextualizado nas suas aulas para abordagem de questões sociocientíficas? MARCO TEÓRICO A necessidade de formação para uma ação social responsável (Ramsey, 1993) e a indispensável atenção à situação de emergência planetária (Vilches e Gil-Pérez, 2003) estão entre os principais argumentos em favor de práticas educativas que envolvam discussões acerca das relações ciência-tecnologia-sociedade-ambiente (CTSA) ou de questões sociocientíficas (QSC) nas salas de aula. Em relação às 376

características das QSC, Reis e Galvão (2005) enfatizam a importância de temas que incluam aspectos controversos e motivem o debate entre os estudantes, o que pode representar um desafio metodológico, uma vez que estamos lidando com abordagens incompatíveis com a cultura escolar, com o currículo tradicional centrada em disciplinas e com a situação de poder do professor especialista (Forquin, 1993; Bernardo, 2012). Apesar de alguns pontos de consenso entre os que se dedicam às interpretações sobre o que seria a Educação em Ciências por meio da abordagem das QSC ou das relações CTSA, o que se observa é uma pluralidade de entendimentos que pode ser fruto da complexidade que envolve as diferentes concepções desses teóricos. Alguns autores indicam diferenças marcantes entre os pressupostos e objetivos do enfoque CTSA e das abordagens em QSC. De acordo com Zeidler, Sadler, Simmons e Howes (2005), por exemplo, a perspectiva QSC seria mais adequada para tratar de aspectos humanísticos da ciênciatecnologia, tais como valores éticos e morais, do que o enfoque CTSA. Segundo a nossa compreensão, a perspectiva QSC representa um tipo de abordagem que procura dar significado ao conteúdo científico propriamente dito por meio de estratégias de contextualização, organizadas a partir de uma questão sociocientífica que potencialize articulações entre as diversas dimensões: científica, tecnológica, política, econômica, social, ambiental, ética, moral e cultural, abarcadas pelo tema. Entretanto, não se trata de temas ou estratégias que mobilizem habilidades como a elaboração de projetos técnicos, a construção ou a manutenção de aparatos tecnológicos, papel das escolas de formação profissional. Aqui parecem mais adequadas iniciativas que promovam o letramento em processos científico-tecnológicos, uma vez que o conhecimento desses processos é um direito de todos. METODOLOGIA A pesquisa foi realizada entre os anos de 2011 e 2012. Os sujeitos consultados são professores experientes de escolas públicas do ensino médio. O acesso aos sujeitos se deu por meio de um curso de formação continuada que envolveu reflexões sobre a introdução de questões sociocientíficas na Educação Básica. O curso contou com a participação de 23 professores das disciplinas escolares biologia, física e química. A partir do contato com dois dos professores participantes do curso, foi possível a construção de duas parcerias com escolas públicas da região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, onde os professores ministram a disciplina escolar física. A etapa seguinte envolveu a organização de um grupo de trabalho para planejamento de ações e desenvolvimento de material didático visando à construção de uma sequência de ensino para abordagem do tema Ligações Elétricas Irregulares, sugerido pelo professor representante de uma das escolas. De acordo com o professor, o tema seria relevante para aquela escola, já que a comunidade do entorno enfrentava problemas com o fornecimento de energia devido à grande quantidade de ligações elétricas fora do padrão (clandestinas) estabelecido pela concessionária de energia. O professor da segunda escola concordou com a escolha porque considerou ser um assunto do interesse de toda a sociedade, além de ser controverso para os moradores de comunidades carentes. Para a construção da proposta, foram necessárias quatro reuniões de trabalho onde participaram um professor formador (da universidade), cinco licenciandos em física e os dois professores experientes, na condição de coautores da proposta. As atividades desenvolvidas pelo grupo foram implementadas durante as aulas regulares dos professores, em quatro turmas do terceiro ano do ensino médio, ao longo de quatro semanas (oito horas- -aula). IX CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS (2013): 376-380 377

A introdução da proposta se deu em três etapas. A primeira se caracterizou como um momento de contextualização e problematização do tema, quando foram exploradas questões como: a legalização de ligações clandestinas, o custo da energia, consumo e preservação ambiental, e a regulamentação da tensão elétrica de 127 volts para as concessionárias de energia e as indústrias de eletrodomésticos. Nesta etapa, foram utilizados textos de jornais e revistas de grande circulação, e trechos de documentos normativos. Na segunda etapa, foram apresentados os conteúdos físicos relacionados com o tema, como os conceitos de energia e potência elétrica, sistemas trifásicos de distribuição de energia elétrica, resistência elétrica, quedas se tensão, perdas de energia por Efeito Joule, sobrecarga em linhas de distribuição, e curto-circuito. Na terceira etapa foi retomada a discussão do tema a partir de um debate simulado entre os estudantes sobre a legalização de ligações elétricas irregulares. A metodologia da pesquisa propriamente dita focalizou especificamente os processos reflexivos dos sujeitos professores coautores da proposta, o que a caracteriza como uma pesquisa do tipo qualitativa e interpretativa. Os dados de pesquisa foram obtidos por meio de gravações, em áudio e vídeo, de entrevistas realizadas com os sujeitos, das reuniões de trabalho e das aulas onde as atividades planejadas foram introduzidas, com o objetivo de promover triangulações entre diferentes fontes de dados. A adoção da entrevista semiestruturada como recurso metodológico se justifica, uma vez que a investigação se situa no campo da pesquisa social. Sendo assim, não cabe a busca por uma objetivação própria das ciências naturais (Minayo, 2004, p. 11). Segundo Bogdan e Biklen (2006), para o investigador qualitativo, os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não de números (p. 48). Assim, nesta pesquisa, a palavra não deve se divorciar do seu contexto, a fim de que não se perca de vista o seu significado e nem o caráter de interação social que esse instrumento de investigação entrevista traz em si. Sendo as entrevistas, as reuniões e as aulas as fontes de dados, tornou-se necessária uma metodologia de análise que levasse em conta, elementos dos processos argumentativos dos indivíduos, e os temas que emergiram das transcrições realizadas. Tal metodologia foi inspirada na análise de conteúdo (Bardin, 2006). RESULTADOS Os trechos apresentados a seguir referem-se às entrevistas semiestruturadas, realizadas com os dois professores que serão identificados pelos nomes fictícios de José e João, quando for necessário especificar os sujeitos da pesquisa. José: Trabalhar com esses temas, parece que amplia a física. E aumentou muito a participação deles [dos estudantes] por causa dos debates todos... foi ótimo ver eles aprendendo sobre essas coisas da eletricidade. Até eu tive que aprender, porque eu também não sabia nada disso. Eu nunca tinha estudado esses circuitos de distribuição de energia e também tinha um monte de conceitos errados sobre esse negócio de 110 e 127 volts... E o legal é que eles aprenderam. Mesmo sem a gente ter feito uma prova, eu acho que eles aprenderam... Agora tem um problema... é que a gente como professor, fica inseguro... Porque eu acho que essas coisas de meio ambiente poderiam ser ensinadas por alguém de educação ambiental, sei lá... Eu, pelo menos, fiz tudo direitinho, mas fiquei inseguro o tempo todo... e teve também a cobrança da Direção da escola o tempo todo. Os próprios colegas de física acharam estranho. Acho que eles pensam que a gente está brincando de trabalhar. 378 IX CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS (2013): 376-380

João: Na verdade eu não tive o tempo que precisava, mas gostei muito de trabalhar com esse tema. Quando eu sugeri, eu sabia que ia dar certo... Eles [os estudantes] participaram muito das discussões... Acho que precisava disso lá [na comunidade]... Você vê que teve gente que falou que é contra mesmo e que isso vai ter que pagar uma coisa que é de graça... Só fiquei com medo porque acho que era melhor ter procurado outros professores para trabalhar junto... eu até perguntei a alguns... é,... antes de nós começarmos com as nossas reuniões... mas ninguém quis... a única coisa que eu fiquei na dúvida, porque não tivemos como avaliar bem, foi se eles aprenderam as coisas todas de eletricidade que foram ensinadas. Mas fizemos o que foi possível e considero o saldo muito positivo. De acordo com o que nos informam os trechos selecionados, é possível identificar alguns aspectos comuns aos dois depoimentos. A introdução da QSC (Ligações Elétricas Irregulares) foi considerada pelos sujeitos, como facilitadora da participação dos estudantes nas discussões em sala de aula e, no que diz respeito à cultura escolar, foram apontados alguns empecilhos, como a organização tradicional das escolas e a cobrança em relação aos programas escolares a serem cumpridas. Outra dificuldade refere-se à insegurança que as abordagens das QSC provocam nos professores, uma vez que esses lidam com conteúdos que não são do seu campo de formação. Nesse sentido, José sugere que essas coisas de meio ambiente poderiam ser ensinadas por alguém da área de educação ambiental, enquanto João revela a sua tentativa, sem sucesso, de procurar professores de outros campos para trabalharem juntos: Eu até perguntei a alguns... mas ninguém quis. Outro tipo de insegurança foi identificado nos discursos dos sujeitos e pode ser o reflexo da forte influência dos mecanismos tradicionais de avaliação provas com os quais eles estão acostumados. José avalia que mesmo sem a gente ter feito uma prova... acho que eles aprenderam..., o que sugere uma dúvida sobre a legitimidade do resultado alcançado, enquanto João afirma que não tivemos como avaliar bem... se eles aprenderam as coisas todas de eletricidade.... As análises das videogravações realizadas nas salas de aula confirmaram que não foi possível, a partir dos argumentos desenvolvidos pelos estudantes, e mediados pelos professores, avaliar o aprendizado de conteúdos específicos de física, uma vez que os argumentos apresentados nas ações em sala e, principalmente, durante a atividade do debate simulado, estiveram baseados em informações que se encontram disponíveis nos meios de comunicação, não sendo identificada nenhuma iniciativa no sentido de utilizar conteúdos específicos e tradicionalmente abordados pela disciplina escolar física para a construção dos argumentos. CONCLUSÕES A pesquisa realizada enfatizou o papel da questão sociocientífica como catalisadora de processos argumentativos, uma vez que o caráter controverso do tema central favoreceu a participação dos estudantes nas aulas. A força da cultura escolar, com sua organização curricular apoiada em disciplinas, parece sustentar a impermeabilidade dos programas escolares fechados, o que dificulta sobremaneira a introdução de ações que demandam atividades interdisciplinares nas escolas, como nas abordagens baseadas em QSC. Em relação à situação do professor, mesmo aqueles que procuram atuar de forma mais autônoma, como é o caso dos sujeitos desta pesquisa, mostram-se fragilizados e desempoderados (Forquin, 1993) frente ao desafio de ter que lidar com conteúdos que pertencem a outras disciplinas. Essa fragilidade se traduz em insegurança, revelada pelos sujeitos quando estes falam de suas dúvidas sobre a avaliação do aprendizado dos estudantes, por exemplo. Dúvidas possivelmente construídas a partir do conflito entre a experiência com instrumentos de avaliação tradicionais (provas) e a novidade representada pela avaliação do conteúdo dos argumentos desenvolvidos no debate simulado. IX CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS (2013): 376-380 379

As análises da sala de aula mostraram que as ações implementadas não se mostraram suficientes para promover o letramento em processos científico-tecnológicos, sobretudo no que diz respeito aos conteúdos específicos da física, o que está de acordo com a percepção dos sujeitos revelada em seus depoimentos. Estudos sobre os temas identificados nos argumentos construídos em sala de aula, bem como sobre as dificuldades apontadas em relação à subjetividade que envolve a cultura escolar e o currículo devem ser aprofundados e fazem parte da nossa agenda de pesquisa para futuros trabalhos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bardin, L. (2006). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70. Bernardo, J. R. R. (2012) The Pre-Service Physics Teacher and the Challenge of the Socio-Scientific Issues-Based Approach. E-Book from The European Science Education Research Association Conference ESERA 2011. Disponível em http://lsg.ucy.ac.cy/esera/e_book/base/ebook/strand7/ebook-esera2011_bernardo-07.pdf. Bogdan, R. e Biklen, S. (2006) Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora. Forquin, J. C. (1993) Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: ARTMED. Minayo, M. C. S. (2004) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. São Paulo: Vozes. Ramsey, J. (1993) The Science Education Reform Movement: implications for social responsibility. Science Education, 77(2), pp. 235-258. Reis, P. e Galvão, C. (2005) Controvérsias sócio-científicas e prática pedagógica de jovens professores. Investigações em Ensino de Ciências, 10(2), pp. 131-160. Vilches, A. e Gil-Pérez, D. (2003) Construyamos um Futuro Sostenible: diálogos de supervivencia. Madrid: Cambridge University Press. Zeidler, D., Sadler, T., Simmons, M. e Howes, E. (2005) Beyond STS: a research- based framework for socioscientific issues education. Science Education, 89, pp. 357-377. 380 IX CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS (2013): 376-380