TRATAMENTO AERÓBIO DE EFLUENTES DA INDÚSTRIA DE CELULOSE E PAPEL VISANDO UMA MENOR PRODUÇÃO DE LODO BIOLÓGICO



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Transcrição:

TRATAMENTO AERÓBIO DE EFLUENTES DA INDÚSTRIA DE CELULOSE E PAPEL VISANDO UMA MENOR PRODUÇÃO DE LODO BIOLÓGICO Marcelo A. Nolasco (1) Aluno do Programa de Doutorado em Hidráulica e Saneamento - EESC- USP. Eduardo Cleto Pires Professor Associado junto ao Departamento de Hidráulica e Saneamento - EESC-USP. Allan M. Springer Professor junto ao Pulp and Paper Science Dept - Miami University - EUA. FOTO Endereço (1) : Departamento de Hidráulica e Saneamento - Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo. Av. Dr. Carlos Botelho, 1465 - São Carlos - SP - CEP: 13560-970 - Brasil - Tel: (016) 274-3444 (PABX) - e-mail: mnolasco@sc.usp.br. RESUMO O sistema de Lodos Ativados é um dos processos biológicos mais amplamente utilizados para o tratamento de águas residuárias e tem sido a principal forma de tratamento na industria de Papel e Celulose. O manuseio e acondicionamento final do lodo gerado neste sistema é um problema ambiental e econômico. Em muitos casos as plantas de tratamento direcionam de 50% a 60% do orçamento anual dos custos de operação somente com o desaguamento, transporte e disposição final do lodo produzido. O propósito deste trabalho é o de verificar a aplicabilidade de um processo de Lodos Ativados com recirculação completa do excesso do lodo gerado, após desintegração mecânica do mesmo. O processo proposto deverá eliminar o volume de sólidos biológicos associados com o tratamento secundário, mantendo níveis aceitáveis de eficiência na remoção de DQO e de organoclorados. Os benefícios econômicos e ambientais com a implantação desse sistema são de grande importância. Um modelo de efluente de Industria Papel e Celulose Kraft foi utilizado com este processo para uma possível aplicação em escala real dentro da Industria do setor Papele iro. Um equipamento denominado KADY MILL, o qual utiliza elevada força de cisalhamento e calor foi utilizada para a lise do lodo a ser recirculado de volta ao reator. O desempenho deste processo foi comparado a um sistema convencional, em laboratório. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento Aeróbio, Resíduos Sólidos, Tratamento de Efluentes. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 948

INTRODUÇÃO A produção de celulose e produtos de papel é considerado um setor industrial importante na economia de muitos países. Este segmento da indústria produz uma variedade de produtos para atender as necessidades humanas, emprega um número considerável de funcionários e movimenta volumes elevados de recursos financeiros. Entretanto, o setor de papel e celulose é um grande consumidor de recursos naturais, especialmente fibras vegetais, energia e água, e têm sido considerado uma importante fonte de poluentes do ar, água e solo. Desde a década de 40, nos países desenvolvidos, as indústrias do setor papeleiro, pesquisadores e consultores têm procurado identificar alternativas ao gerenciamento de resíduos sólidos no setor. Estes esforços resultaram em um volume considerável de pesquisas e experiências em escala real sobre técnicas de gerenciamento de resíduos sólidos. A maioria destes esforços têm sido relacionadas às opções convencionais de aplicação em aterros sanitário e industrial, queima ou incineração e aplicação no solo (Wiegand P.S. e Unwin J.P., 1994). Geralmente, grandes quantidades de lodo biológico são formados nos processos biológicos de tratamento de águas residuárias e a separação, desaguamento e acondicionamento final deste lodo representa investimentos e custos elevados para o seu tratamento. Dados fornecidos pela US-EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA), indicam que é gerado em média 0.1 kg de lodo seco/habitante/dia. Este número é equivalente 9.6 milhões de toneladas métricas de lodo seco por ano nos Estados Unidos (não levando em consideração o volume gerado no setor industrial). Desta forma, é interessante encontrar alternativas de projeto e operação de estações de tratamento de águas residuárias, de tal forma que a quantidade de lodo produzido seja cada vez menor. No tratamento anaeróbio de águas residuárias, uma menor quantidade de lodo biológico é formado comparado ao tratamento aeróbio, no entanto, o uso do tratamento anaeróbio é mais ou menos restrito aos efluentes não tóxicos. Portanto, o tratamento anaeróbio de despejos líquidos não é uma solução para o problema de grandes quantidades de lodo que são gerados nos tratamentos biológicos (Lee, 1996). Alguns pesquisadores têm estudado o processo de pirólise ou gaseificação e oxidação supercrítica da água (SCWO) como formas de redução dos volumes de lodos produzidos. A pirólise é a gaseificação da matéria orgânica por calor na ausência de oxigênio ou na presença de uma quantidade controlada deste gás. Os subprodutos gerados neste processo podem ainda serem utilizados como combustível (Boucher, F.B., 1977). O processo SCWO implica no tratamento de águas residuárias com elevadas temperatura e pressão onde o material orgânico é oxidado acima do ponto crítico da água (374 o C e 22 X 10 3 KPa). Neste estado, o material orgânico se torna mais solúvel na água e é oxidado rapidamente (Anon., 1992). Uma abordagem alternativa ao problema de disposição do lodo, consiste na modificação da planta de tratamento biológico das águas residuárias visando minimizar a geração de lodos secundários, que requerem disposição final, tal como o processo de aeração estendida (Gaudy et al., 1976). 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 949

O conceito de aeração estendida como um processo para minimizar a geração de lodo, baseiase na teoria que a taxa de produção da biomassa, pode ser balanceada por taxas de destruição devido a eventos digestivo e de autodigestão, em tempos de detenção celular elevados, de tal forma que a taxa de crescimento da biomassa aproxima-se de zero (Lowe et al. 1992). Em pesquisa realizada por Bush e Myrick no início da década de 60, foi estudado o processo de oxidação total em experimentos de laboratório, concluindo-se que a recirculação total de lodo em um sistema de lodos ativados era inviável, devido ao aumento crescente de sólidos no sistema, a menos que o transporte de sólidos no efluente fosse suficiente para manter o equilíbrio. Washington e outros (Obayashi e Gaudy, 1973), reportaram que houve adaptação dos microrganismos a uma massa de lodo acumulada bastante alta, onde a relação alimento por microrganismos é extremamente baixa. Nesse estudo, reatores de batelada foram operados durante um ano sem descarte de lodo. Sob essas condições, os sólidos biológicos mostraram uma tendência cíclica de aumento de sólidos, seguido por um decréscimo. Os autores afirmaram que não houve perda substancial de sólidos voláteis no efluente, e portanto, a redução na quantidade de sólidos não poderia ser atribuída a perda de sólidos pelo efluente tratado. Tratamentos por ultra-som e digestão físico-químico foram usados como tentativa de destruição de lodo biológico antes do retorno deste ao reator, como opção visando melhorar a aeração estendida. As modificações mostraram bons resultados e, em ambos os experimentos, os reatores tiveram bom desempenho, mas os custos elevados no processo físico-químico e elevado consumo de energia, os tornaram economicamente proibitivos. Em recente publicação, Springer e colaboradores (1996) fizeram estudos comparativos entre a KADY MILL e outros dispositivos também causadores de lise celular, e concluíram ser a KADY MILL adequada tecnicamente para provocar a desintegração do lodo. Os autores mostraram também que o equipamento apresenta custos competitivos de operação em relação a outros métodos. O propósito de utilização da KADY MILL para lise celular é o de avaliar a viabilidade de reciclar todo o lodo biológico gerado em um sistema de lodos ativados após lise do mesmo, de volta ao reator. Desta forma, esse processo deveria produzir zero sólidos biológicos eliminando, desse modo, a disposição de sólidos associada ao tratamento biológico secundário. O processo KADY MILL emprega um dispositivo para romper as células microbianas e transforma-las em lodo residuário líquido. Este equipamento provoca lise celular quando submete o material orgânico particulado a um violento cisalhamento e colisão, onde há desintegração da parede celular dos microrganismos e redução do tamanho das partículas sólidas. Ao quebrar a parede celular o conteúdo citoplasmático se torna disponível em forma de alimento para a biomassa presente no tanque de aeração. Este artigo é baseado em um estudo sobre um método não convencional de minimização de resíduos sólidos em estações de tratamento de despejos através de uma modificação do sistema convencional de Lodos Ativados. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 950

METODOLOGIA DE ESTUDO? OBJETIVO O estudo aqui descrito examina os efeitos de compostos clorofenólicos em um processo de lodos ativados com desintegração do lodo e completa recirculação do mesmo após a lise celular. O processo proposto deve reduzir ou eliminar a disposição dos sólidos biológicos, assim reduzindo os custos de disposição associados ao tratamento biológico secundário. Figura 1: Processo experimental proposto com desintegração do lodo e retorno do mesmo ao tanque de aeração. Efluente sintético de uma indústria integrada de papel e celulose do tipo kraft, foi preparada com compostos orgânicos clorados para avaliar uma futura aplicação deste sistema na indústria do setor papeleiro. O equipamento utilizado neste experimento para provocar a lise do lodo é a KADY MILL, que utiliza colisão de partículas em alta velocidade, cisalhamento e calor para promover a quebra do lodo biológico, anterior ao seu retorno ao reator. O desempenho deste processo foi comparado a um sistema convencional, em duas unidades de bio-oxidação, em escala de bancada. DISCRIMINAÇÃO DO EQUIPAMENTO O equipamento denominado KADY MILL, que foi utilizado neste trabalho consiste de um modelo para uso em laboratórios, com um motor de 3 HP. É um equipamento muito utilizado como dispersor em estudos e projetos relacionados a revestimentos e pigmentação de papel, devido a sua propriedade de gerar cisalhamento e mistura ao fluído. O KADY MILL opera pelo princípio de impacto e atrito mais propriamente do que o de cisalhamento. Evitando o cisalhamento e utilizando colisão em alta velocidade, pode-se operar materiais com baixa viscosidade, como aqueles cuja viscosidade é próxima à da água. A cabeça de dispersão da KADY MILL consiste de um rotor com fendas e um estator girando no seu interior, isto é, são duas peças de metal cilíndricas e anulares, uma estacionária e a outra giratória. O rotor atua como uma bomba centrífuga e força o fluido a atravessar as fendas do rotor radial lançando-o para fora das fendas a 16000 rpm contra a face perpendicular das fendas do estator. Portanto essas forças mecânicas atuando junto ao calor gerado no sistema, que atinge temperaturas ao redor de 70 0 C, atuam de forma sinérgica para a desintegração das células dos microrganismos, solubilizando o lodo biológico para o seu retorno ao tanque de aeração. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 951

CONFIGURAÇÃO DO BIO-REATOR E CONDIÇÕES DE OPERAÇÃO Duas unidades de bio -oxidação da marca Horizon Ecology de 6,5 litros cada foram utilizados como sistema de tratamento biológico com regime de operação contínuo, com Tempo de Retenção Hidráulica de 8,7 horas e uma média de 7,0 dias para o Tempo de Detenção Celular, que era mantido retirando-se diariamente 0,9L de Sólidos Suspensos do Tanque de Aeração. Um volume de 18L de efluente, era preparado diariamente em batelada e bombeado para cada reator em um período de 24 horas, fornecendo portanto uma vazão de 0,75 L/hr. Figura 2: Planta de tratamento biológico utilizada neste estudo. 1-Unidade de biooxidação; 2-Tanque com efluente bruto; 3-Tanque com efluente tratado; 4- Fornecimento de ar; 5-Clarificador. Para simular o efluente, foi utilizado licor preto trazido de uma indústria integrada de papel e celulose em tanque de 100 litros antes dos experimentos terem início, e mantido até o final dos estudos em refrigerador a 4 0 C para melhor conservar suas propriedades originais. Um pequeno volume deste licor preto era então utilizado diariamente com o amido solúvel, nutrientes e água para a preparação do efluente simulado. O licor preto foi, portanto, a principal fonte de carbono fornecida durante o estudo. O amido foi adicionado para simular perdas durante as operações na fabricação do papel. O ph do efluente bruto foi ajustado para 7,0-8,0 com ácido sulfúrico e hidróxido de sódio (quando necessário). Por último era adicionado um coquetel com compostos clorofenólicos selecionados para fornecer a concentração desejada de organoclorados. A tabela I apresenta os compostos clorofenólicos utilizados. A preparação era feita em um único tanque para ambos os reatores (controle e tratamento), e em seguida separado em dois tanques. Na unidade tratamento, onde foi utilizada a KADY MILL para lise celular, era adicionado o lodo desintegrado e completado com água até atingir 18 litros. Na unidade controle, o volume de 18 litros era completado somente com água, uma vez que nesta unidade o lodo não era retornado. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 952

MONITORAMENTO DO CONTROLE DO PROCESSO Para documentar as condições dos bio-reatores várias medidas de controle do processo foram efetuadas diariamente, a saber: ph, temperatura, Oxigênio Dissolvido, Sólidos Suspensos Totais e Voláteis no Tanque de Aeração e efluente tratado. Os compostos clorofenólicos foram analisados por Cromatografia Gasosa e Espectrometria de Massa no laboratório Environmental Enterprises Inc. nos EUA, pelo método 625, desenvolvido pela US-EPA. A Demanda Química de Oxigênio foi determinada utilizando os procedimentos e kits da Hach. Amostras compostas de 24 horas dos efluentes brutos e tratados eram coletadas a cada 15 dias. As amostras eram então mantidas em vidros âmbar à 4 0 C e ph 2 com ácido sulfúrico até o momento da análise cromatográfica. Para as outras análises, as amostras eram coletadas diariamente. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os reatores foram operados por um período superior a seis meses, porém os resultados aqui descritos englobam o período aproximado de três meses, cujo principal objetivo foi o de avaliar a capacidade dos reatores em se manterem estáveis à concentrações crescentes de organoclorados. EFICIÊNCIA DE REMOÇÃO É definido aqui como eficiência de remoção a relação entre a diferença de concentração do efluente bruto e a concentração do efluente tratado, incluído aqui todas possíveis formas de remoção sem distinção entre elas (biodegradação, volatilização, adsorsão ao lodo biológico e fotólise), válidos para os parâmetros DQO e compostos clorofenólicos. As variações de DQO de entrada e saída dos reatores durante o decorrer do experimento pode ser observado na figura 3. As correlações entre os valores obtidos para os efluentes tratados, para os afluentes e eficiências de remoção podem ser visualizados nas figuras 4, 5 e 6 respectivamente. Figura 3: Valores de DQO em mg/l, obtidos na entrada e saída dos reatores. Afluente 1 e Efluente 1: unidade controle; Afluente 2 e Efluente 2: unidade tratamento. 1200 1000 DQO mg/l 800 600 400 200 afluente 1 afluente 2 Efluente 1 Efluente 2 0 1 6 11 16 21 26 31 36 41 46 51 56 61 66 71 76 81 86 Tempo (Dias) 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 953

Observa-se que ambos os reatores se comportaram de forma semelhante quanto à remoção DQO (Figura 6). A unidade tratamento, com recirculação total de lodo, após o mesmo ter sido desintegrado na KADY MILL, apresentou índices de remoção próximos aos da unidade controle. Figura 4: Correlação dos valores obtidos para DQO (mg/l) para os efluentes das unidades controle (E-1) e tratamento (E-2). 300 E-2 200 100 0 Seqüência 1 0 100 200 300 E-1 Figura 5: Correlação dos valores obtidos para DQO (mg/l) para os afluentes das unidades controle (E-1) e tratamento (E-2). Afluente 2 1000 750 500 250 0 Seqüência1 0 250 500 750 100 0 Afluente 1 Figura 6: Correlação dos valores percentuais obtidos para eficiência de remoção de DQO em mg/l. Unid. Tratam 100 75 50 25 0 0 25 50 75 100 Unid. Contr. A Tabela I mostra os valores de remoção para os compostos clorofenólicos, que foram utilizados neste experimento, para representar os organoclorados gerados no processo industrial. Os valores obtidos entre as unidades controle e tratamento, apresentam-se dentro da faixa de valores de remoção reportados por outros autores, alguns deles inclusive maiores (Tabela I). Os compostos clorofenólicos utilizados são de baixo peso molecular, isto é, menores que 1.000 DA, e 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 954

portanto, são moléculas de tamanho relativamente pequeno, que possivelmente são transportadas para o interior das células dos microrganismos. Tabela I: Comparação entre as eficiências de remoção de organoclorados em valores percentuais médios) deste estudo com os de outros autores. Composto Leuenberger Rempel (85) Mohamed Rantala Barton Yin Presente estudo U. Contr. U. Trat. 2-CF 78 a >99 84 a >99 2-4-DCF 27 39 a 46 64 a 82 44 a >99 56 a >99 2-6-DCF 51 a >88 56 a >89 2-4-6-TCF 28 60 a 69 33 7 a 54 44 a 90 45 a 91 4-5-6-TCG 35 93 a 97 46 41 a 79 57 a 100 76 a >97 83 a >98 TeCC 90 a 90 62 50 a 63 95 a 100 79 a >97 55 a >95 Abreviações 2-CF: 2 Clorofenol 2-4 DCF: 2-4 Diclorofenol 2-6 DCF: 2-6 Diclorofenol 2-4-6 TCF: 2-4-6 Triclorofenol 4-5-6 TCG: 4-5-6 Tricloroguaiacol TeCC: Tetraclorocatecol U.Contr.: Unidade Controle (sistema convencional) U.Trat.: Unidade Tratamento (sistema modificado) Esperava-se que os organoclorados presentes nos efluentes brutos pudessem provocar reações adversas em ambas os reatores, possivelmente levando as reatores a se tornarem instáveis, principalmente a unidade tratamento, que tem o lodo recirculado de volta ao tanque de aeração, sem ser descartado como no caso da unidade controle (sistema convencional). Devido a hidrodinâmica dos reatores utilizados, foi necessário fornecer uma vazão elevada de ar à ambas as unidades para que houvesse uma melhor mistura no tanque de aeração. Esse fator pôde de alguma forma ter contribuído para aumentar a remoção dos compostos organoclorados e também a DQO, por exemplo através do mecanismo de volatilização. O que observou-se em relação à remoção dos compostos clorofenólicos, foram valores de remoção mais baixos, durante a primeira dosagem, mesmo sendo esta, a dosagem com a menor concentração destes compostos. Cabe dizer que as amostras desta primeira dosagem foram coletadas durante o período de 10 a 15 horas para ambos os reatores quando começaram a receber o efluente bruto com o coquetel de compostos clorofenólicos. É importante salientar que as amostras seguintes, coletadas dos efluentes tratados em ambos os reatores eram realizadas após um período de duas idades de lodo (15 dias) a cada vez que uma nova dosagem era acrescentada aos afluentes. Os resultados levam a concluir que a biomassa microbiana pôde ser aclimatada a estas dosagens crescentes de organoclorados a que os reatores eram submetidos. É importante citar que, a primeira dosagem (~0,45 mg/l para cada composto) causou uma menor eficiência de remoção destes compostos, devido provavelmente ao fato de os microrganismos não estarem 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 955

aclimatados a estes compostos. As dosagens mais elevadas (~3,35 mg/l para cada composto), não provocaram reações adversas nos sistemas. Mesmo os valores de eficiência de remoção de DQO se mantiveram elevados na presença destes compostos. CONCLUSÕES Este estudo teve como objetivo avaliar a possibilidade de utilização de um sistema de tratamento aeróbio de águas residuárias na indústria de celulose e papel, com recirculação do total do lodo após desintegração do mesmo. Os efeitos dos compostos clorofenólicos durante o tratamento biológico foram examinados em duas unidades de bio-oxidação, simulando o sistema de Lodos Ativados. Uma das unidades (controle), foi operada de modo convencional, enquanto que a outra unidade (tratamento), foi operada com recirculação total do lodo após desintegração termo-mecânica do mesmo no equipamento KADY MILL. Ambos os sistemas operaram sem problemas de bulking (perda de lodo pelo efluente) durante esta fase do experimento, mesmo com concentrações elevadas de organoclorados. Nenhuma diferença significante nos desempenhos das unidades de bio-oxidação foi observada, para os valores obtidos com a remoção de DQO e a remoção de organoclorados. A unidade controle e a unidade tratamento apresentaram efluentes de qualidades semelhantes. Em uma próxima etapa, será analisado os aspectos econômicos de instalação e operação deste sistema em escala real, comparando-se os custos de outros processos já existentes e em operação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Anon., Report 540/S92/006, USEPA, Washington, 1992). 2. BARTON, D.A.,et al. Treatability of RCRA Regulated Compounds in CWA Surface Impoundments. Proceedings of The International Environmental Conference Book 1. Orlando- Florida- USA, 1996. 3. Boucher, F.B., Report 600/2-77-091, USEPA, Washington, 1977. 4. Bush, W.A. e Myrick, N. Food Population Equilibria in Bench Scale Bio -Oxidation Units. Journal Water Pollution Control Federation, 32(9), 948-959, 1960. 5. GAUDY, A.F. Biological treatment of Waste with High Ash Content Using a Hydrolytically Assisted Extended Aeration. Biotechnology and Bioengineering, Vol. 18, 701-721, 1976 6. LEE, M.N. e WELANDER, T. Reducing Sludge Production in Aerobic wastewater Treatment Through Manipulation of the Ecosystem. Water Research, 30(8), 1781-1790, 1996. 7. LOWE, W.L. Operating Characteristics of an External Recycle Extended Aeration Pilot Plant for Soluble Organic Wastes. 46th Purdue Waste Conference Proceedings, USA, 597-609, 1992. 8. LEUENBERGER, C., et al. Persistent Chemicals in Pulp Mill Effluents. Water Research, 19(7) 885-894, 1985. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 956

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