AGRICULTURA FAMILIAR DO AGRONEGÓCIO DO LEITE EM RONDÔNIA, IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS



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AGRICULTURA FAMILIAR DO AGRONEGÓCIO DO LEITE EM RONDÔNIA, IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS fabianariva@gmail.com APRESENTACAO ORAL-Agricultura Familiar e Ruralidade NILDA SOUZA OLIVEIRA; KÁTIA MARIA GÓIS DE ALENCAR SETTON CARVALHO; THEOPHILO ALVES DE SOUZA FILHO; MARILUCE PAES DE SOUZA; FABIANA RODRIGUES RIVA. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA, PORTO VELHO - RO - BRASIL. AGRICULTURA FAMILIAR DO AGRONEGÓCIO DO LEITE EM RONDÔNIA, IMPORTÂNCIA E CARACTERÍSTICAS Grupo de Pesquisa: Agricultura Familiar e Ruralidade Resumo A agricultura familiar no Brasil tem uma relevante importância na economia do país, pois além de gerar um número significativo de emprego no campo é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do País. Da mesma forma, em Rondônia a mão-de-obra familiar tem uma participação significativa nas principais produções de alimentos, em especial na produção de leite, que vem apresentando nos últimos anos um crescimento considerável. Portanto, a presente pesquisa tem por finalidade abordar a agricultura familiar brasileira, buscando compreendê-la a partir do estudo sobre a questão camponesa, bem como sua importância e características no agronegócio do leite do estado de Rondônia, suas limitações e perspectivas. Como método, a presente pesquisa utilizou procedimento exploratório e descritivo, e para análise a abordagem qualitativa. Como base de informações, foi coletado dados secundários, de instituições como IBGE e Sebrae, e dados primários, obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas junto a produtores de leite. Os resultados mostram que a agricultura familiar moderna traz alguns aspectos de uma tradição camponesa que fortalece sua capacidade de adaptação às novas exigências da sociedade. Contudo, embora esta categoria esteja inserida nas definições do que seja agricultura familiar, há uma profunda e heterogênea diferença entre os agricultores familiar no Brasil, sendo necessário políticas públicas que contribua para o desenvolvimento e sustentabilidade desse tipo de exploração econômica. Palavras-chaves: agricultura familiar, campesinato, agronegócio leite Abstract Family farming in Brazil has a relevant importance in the economy, as well as generating a significant number of jobs in the field is largely responsible for ensuring food security of the country the same way, in Rondônia labor, family labor has a significant stake in major productions of food, especially milk production, which in recent years has shown 1

considerable growth. Therefore, this research aims to address the Brazilian family farming, seeking to understand it from the study on the peasant question, as well as its importance and characteristics in dairy agribusiness in the state of Rondonia, its limitations and prospects. As a method, this research used descriptive and exploratory procedure, and to analyze the qualitative approach. As the basis of information was collected secondary data from institutions like IBGE and Sebrae, and primary data obtained through semi-structured interviews with the producers of milk. The results show that the modern family farm brings some aspects of a peasant tradition that strengthens their capacity to adapt to changing demands of society. However, while this category is included in the definitions of what family farming is, there is a profound difference between heterogeneous and family farmers in Brazil, being necessary public policies that contribute to the development and sustainability of this type of economic exploitation. Key Words: family farm, peasant, agribusiness milk 1. INTRODUÇÃO A agricultura no Brasil, durante sua toda sua existência histórica, representa um importante setor na economia brasileira, sendo responsável por significativa fatia das exportações do País. Esse fator contribui para o desenvolvimento social e econômico de toda a Nação, pois além de gerar renda e emprego no meio rural, gera também a todos os setores da economia. O grande destaque desse setor deve-se, sobretudo, a agricultura familiar, o qual segundo o Ministério do Desenvolvimento e Combate a Fome é responsável por mais de 40% do valor bruto da produção agropecuária, correspondem a mais de 74% da mão-deobra ocupada nas propriedades rurais do país, além de responder pela maioria dos alimentos na mesa dos brasileiros. Em Rondônia, da mesma forma que no âmbito nacional, a mão-de-obra familiar tem uma participação significativa nas principais produções de alimentos, em especial na produção de leite. O agronegócio do leite no Estado apresentou nos últimos anos um crescimento considerável, vindo a se destacar como um dos principais produtores do Brasil. Contudo, para entender a importância da Agricultura familiar no Brasil e no mundo é de grande relevância compreender essa categoria ao longo da história, sua evolução, principais características e a forma da utilização da terra por esses trabalhadores rurais. Portanto, a presente pesquisa tem por finalidade abordar a agricultura familiar brasileira, buscando compreendê-la a partir do estudo sobre questão camponesa apresentada por autores que tratam deste assunto, bem como as características e importância da agricultura familiar no agronegócio de leite do estado de Rondônia, suas limitações e perspectivas. A pesquisa desenvolvida utilizou o procedimento exploratório e descritivo, buscando-se obter maior familiaridade com o problema e descrever as características peculiares do produtor familiar de leite do distrito de Triunfo, localizado no município de Candeias do Jamari, estado de Rondônia. Para atingir os objetivos propostos recorreu-se a informações do IBGE e Sebrae. Outras informações foram obtidas por meio de entrevista semi-estruturada. As entrevistas 2

foram aplicadas a agricultores familiares do distrito de Triunfo e buscou-se evidenciar aspectos quanto ao perfil do produtor, caracterização da propriedade, da produção e da comercialização 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 A questão camponesa e a agricultura familiar Na literatura que aborda a questão camponesa observa-se a dificuldade de se dar uma definição ao termo camponês, sobretudo por essa categoria remeter a uma noção que difere em vários contextos e períodos da história. Segundo Vanderlinde (2004, p. 3) [...] o campesinato constitui uma temática tão ampla que seu tratamento adequado exige uma abordagem multidisciplinar e o rompimento de barreiras cronológicas. Da mesma forma, Cardoso (2002) considera que a noção de camponês é uma das mais complexas em termos de definição, pois muda segundo a época, o local, os movimentos sociais e suas reivindicações. Para Hobsbawn (1998) o termo campesinato apresenta diversas contradições e diferenças no que se refere ao trabalho no campo e a produção agrária, sendo que qualquer generalização é passível de crítica para o autor. Assim, Hobsbawn destaca que o termo campesinato deve ser compreendido a partir da forma e da finalidade do trabalho com a terra, do que se produz e qual a funcionalidade de sua produção. Portanto, é importante observar as peculiaridades que se estabelecem na noção de camponês e suas relações com o trabalho e a terra, em uma perspectiva histórica e sociológica, visto que ao longo das transformações no campo, de acordo com Martins (2008), surgem novos valores decorrente das novas necessidades e desafios que o homem do campo apreende nas lutas do cotidiano e nas mudanças econômicas, sociais, culturais, entre outras, que afetam sua vida. Assim, a heterogeneidade dos camponeses segundo Shanin (2005) é inquestionável, visto que os camponeses não podem ser, de fato, compreendidos ou mesmo adequadamente descritos sem sua estrutura societária mais geral e nos seus contextos históricos. Para Vanderlinde (2004) o campesinato constituiu muitas vezes um segmento oprimido de qualquer sociedade, pois em qualquer lugar ou tempo a posição dos camponeses foi marcada pela subordinação aos donos da terra e do poder. Em muitos exemplos na história viu-se a associação dessas condições da categoria aos seus aspectos religiosos e políticos, os quais culminaram em diversas reivindicações, rupturas e deslocamentos em meio a uma luta pela conquista e permanência na terra. Dessa forma, Moura (1986, apud Vanderline, 2004) destaca o que aconteceu na Alemanha do século XVI, onde ocorreram violentas contestações camponesas ao tributo pago ao dono da terra e à doutrina da Igreja Católica, então identificados como os opressores e poderosos. França e região de Flandres também experimentaram idênticas agitações, nas quais os camponeses invadiram castelos, queimaram casas e plantações, destruíram teares, tomaram cidades, e implantaram um novo rei e uma nova lei (VANDERLINE, 2004). Contudo, se os resultados desses conflitos sociais trouxeram ou não benefícios palpáveis aos camponeses, ao menos traduziam a resistência às perdas e opressões vividas em 3

variados contextos históricos, que representaram a luta camponesa contra a injustiça e as desigualdades. No entanto, diante do pensamento de que os camponeses não passavam de fracos e oprimidos, Fragoso (2002) ressalta que há indícios em diversos segmentos de camponeses da Europa do século XVI a XVII que possuíam nas suas cultura e estratégias de vida fenômenos que lhe retiram o fácil estigma de uma abordagem de oprimidos e fracos, para lhes conferir o status do homem, com sentimentos e vontades, e dando-lhes um papel de agentes históricos. A partir da discussão desses autores é reforçada a dificuldade de se estabelecer uma única identidade para o camponês, tendo em vista serem múltiplas as relações econômicas e sociais, tipos de famílias e de sistemas de herança em que eles viviam. Assim, de acordo com Vanderlinde (2004) em determinadas áreas, o camponês não passava de um escravo, em outras um pequeno proprietário rural. As discussões teóricas sobre essa categoria mostram ainda que há transformações no campesinato sem, contudo, traduzir o seu desaparecimento. Assim, ao contrário da tradição marxista que considerava que este segmento social estava fadado à extinção e que daria lugar a uma realidade polarizada entre trabalhadores assalariados e capitalistas, Moura (1986, apud Vanderline, 2004) considera que seria mais correto falar em recriação, redefinição e até diversificação do campesinato do que fazer uma afirmação finalista dessa categoria. Da mesma forma, Wanderley (1999) afirma que o campesinato foi, e ainda é, historicamente predominante nas sociedades tradicionais, e mesmo tendo perdido a significação e a importância que tinha nessas sociedades, continua a se reproduzir nas sociedades atuais integradas ao mundo moderno. Quanto às características do campesinato, Shanin (2005) aborda em seus estudos quatro características que foram definidas ao camponês, os quais incorporam a propriedade rural familiar como a unidade básica da organização econômica e social; a agricultura como a principal fonte de sobrevivência; a vida em aldeia e a cultura específica das pequenas comunidades rurais; e a situação oprimida, ou seja, a dominação e exploração dos camponeses por poderosas forças externas. Contudo, para o autor essas características apresentam-se como um resultado exíguo em termos de uma análise sistemática da lógica estrutural, o que torna-se, em muitos pontos, insatisfatória e insuficiente. Cardoso (1987, apud Altafin, 2007) também destaca quatro características básicas do campesinato, sendo elas: o acesso estável à terra, seja em forma de propriedade, seja mediante algum tipo de usufruto; o trabalho predominantemente familiar, o que não exclui o uso de força de trabalho externa, de forma adicional; a auto-subsistência combinada a uma vinculação ao mercado, eventual ou permanente; e um certo grau de autonomia na gestão das atividades agrícolas, ou seja, nas decisões sobre o que e quando plantar, como dispor dos excedentes, entre outros. A partir dessas características, observa-se que a agricultura camponesa tradicional é considerada, segundo Wandereley (1999), uma das formas sociais de agricultura familiar, uma vez que ela se funda sobre a relação propriedade, trabalho e família, apesar de que, para a autora, ela apresente particularidades que a especificam no interior do conjunto 4

maior da agricultura familiar e que dizem respeito aos objetivos da atividade econômica, às experiências de sociabilidade e à forma de sua inserção na sociedade global. Verifica-se, portanto, segundo Altafin (2007), que algumas correntes de pensamentos consideram que as transformações vividas pelo agricultor familiar moderno não representa uma ruptura definitiva com formas anteriores, mas, ao contrário, mantém ainda alguns aspectos de uma tradição camponesa que fortalece sua capacidade de adaptação às novas exigências da sociedade. Assim, a essência das características determinantes do campesinato, conforme afirma Shanin (2005, p. 5) [...] parece repousar na natureza e na dinâmica do estabelecimento rural familiar, enquanto unidade básica de produção e meio de vida social.. O camponês deve, então, ser compreendido por meio da investigação das características do estabelecimento rural familiar, tanto internamente quanto em relação às suas interações com um contexto social mais amplo. 2.2 Conceituando a agricultura familiar A agricultura familiar, segundo Felício (2006), está presente desde a origem dos primeiros agrupamentos humanos, sendo a família, além de proprietária dos meios de produção, é a que assume o trabalho no estabelecimento produtivo rural. Bittencourt e Bianchini (1996) definem como agricultura familiar toda aquela unidade que tem na agricultura sua principal fonte de renda e que tem como base da força de trabalho empregada os membros da família. Segundo esses autores, é permitido o emprego de terceiros temporariamente, quando a atividade agrícola assim necessitar, mas no caso de contratação de mão-de-obra permanente externo à família, a mão-de-obra familiar deve ser igual ou superior a 75% do total utilizado no estabelecimento rural. Por sua vez, Venâncio (2008) acredita que a exploração rural familiar se reproduz de formas extremamente variadas e diferentes, sendo portanto uma formação social heterogênea. Dessa forma, segundo o autor, a agricultura familiar pode, em um mesmo lugar e em um mesmo modelo econômico de funcionamento, dividir-se em classes sociais, segundo condições objetivas de produção (superfície, grau de mecanização, nível técnico, capacidade financeira). Assim, o autor corrobora com a afirmação de Lamarche (1993, apud Venâncio, 2008) quando esse afirma que a exploração familiar não é um elemento da diversidade, mas contém nela toda esta diversidade. Portanto, para esses autores, a melhor definição de agricultura familiar é a que se refere a uma unidade produtiva onde a família, ao mesmo tempo em que trabalha, é proprietária dos meios de produção, incluindo aí vários segmentos de agricultores familiares. Aliado a esse pensamento, Wanderley (1999) considera que essa terminologia é a que melhor se aproxima e explica as heterogeneidades da produção familiar presentes no espaço agrário brasileiro. Não obstante, para a formação do conceito de agricultura familiar no Brasil, segundo Altafin (2007), é fundamental considerar o estudo realizado em convênio entre Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). De acordo com o estudo realizado, a agricultura familiar é definida partir de três características principais: 5

a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados são feitos por indivíduos que mantém entre si laços de sangue ou casamento; b) a maior parte do trabalho é igualmente fornecida pelos membros da família; c) a propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra) pertence à família e é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de falecimento ou aposentadoria dos responsáveis pela unidade produtiva. Para definição de agricultura familiar, Altafin (2007) aborda ainda a delimitação formal trazida pela Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, a qual estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Assim, para efeitos dessa lei, em seu Artigo 3º considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural [...] aquele que prática atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (BRASIL, 2006). A partir dessas definições, verifica-se, portanto, que o conceito de agricultura familiar é, em sua maioria, baseada na mão-de-obra utilizada, no tamanho da propriedade, na direção dos trabalhos e na renda gerada pela atividade agrícola, tendo todas como ponto em comum o trabalho e a gestão do estabelecimento exercido pela família. 2.3 A importância da agricultura familiar nos países capitalistas No capitalismo contemporâneo, segundo Abramovay (1992), a produção familiar na agricultura faz dela um setor único, não havendo atividade econômica nestas sociedades que o trabalho e a gestão estruturam-se tão fortemente em torno de laços de parentesco e onde a participação da mão-de-obra não contratada seja tão importante. Apesar da literatura marxista prever o desaparecimento da agricultura familiar no desenvolvimento do capitalismo, esta, enquanto categoria social, continua a existir em conjunto com o avanço do capitalismo devido as relações sociais em que baseiam suas atividades e, sobretudo, porque esta categoria, segundo Muller (2007), visa a reprodução do núcleo familiar, ao contrário da produção mercantil capitalista que objetiva o lucro. Assim, ao garantir a permanência da família na atividade, seu principal objetivo está contemplado. A manutenção da agricultura familiar na sociedade capitalista avançada tem também como importante fator o papel exercido pelo o Estado, o qual tem a preocupação de realizar políticas voltadas a esse sistema, principalmente de regulação de mercado e de crédito. O interesse do Estado em manter esse sistema é devido, sobretudo, a importância da agricultura familiar no ambiente econômico capitalista, visto que, segundo Abramovay (1992), apesar das divergências da produção agrícola nas diversas partes do mundo, pode se generalizar que é em torno do estabelecimento familiar que se estrutura socialmente a agricultura nos países capitalistas avançados. 6

Assim, de acordo com Muller (2007, p. 50) [...] existe uma complementaridade entre os papéis exercidos pela agricultura familiar e o Estado. A agricultura familiar desempenha, portanto, uma importante função estratégica nos países capitalistas avançados, pois à medida que produz alimento a baixo custo, permite o processo de transferência intersetorial de renda, no qual beneficiam não só aqueles setores que lidam com a compra dos produtos agrícolas e a venda de insumos agrícolas e máquinas, como também o conjunto do sistema econômico. Abramovay (1992) explica que essa questão ocorre devido a capacidade que a agricultura familiar tem para baixar o custo de produção dos alimentos com a adoção de novas tecnologias no seu processo produtivo. Segundo o autor, a inovação tecnológica, a princípio, utilizada por uma pequena parcela dos agricultores, fazem os custos da produção caírem, mas a medida que está inovação passa a ser utilizada por grande parte dos agricultores eleva-se a oferta do produto, que consequentemente acaba por baixar o preço da mercadoria, reduzindo dessa forma, ou até mesmo eliminando, o lucro que obteve com o uso daquela inovação tecnológica. E nesse processo vê-se a importância do Estado assumir a função simultânea de controle da renda agrícola, para manutenção de um piso mínimo, e o controle sobre os preços alimentares. Entretanto, os benefícios do progresso tecnológico na agricultura, que se mostram maiores que nas indústrias, são rapidamente repassados para os setores não agrícolas, sendo que, de acordo com Abramovay (1992), o aumento da produtividade não corresponde no aumento na renda do produtor agrícola, mas sim provoca a redução dos preços nessa ponta da cadeia produtiva. Assim, segundo o autor, a agricultura no capitalismo avançado está muito mais em suas funções globais para economia do que para um processo de acumulação capitalista e extração da mais-valia. A redução permanente e em larga escala do valor da força de trabalho torna-se a base essencial da mudança do capitalismo, pois à medida que os assalariados diminuem seus gastos com alimentos, transforma seu consumo para a crescente aquisição de produtos não alimentares e duráveis. Nos países de capitalismo avançado, portanto, não cabe à agricultura transformase, antes de tudo, em setor de alta lucratividade, mas, sobretudo, auxiliar no processo geral de moldagem de um novo modelo de consumo. Assim, tendo em vista que seu caráter familiar da produção abriu o caminho para que os alimentos pesassem cada vez menos nos orçamentos dos assalariados, também contribui para o estabelecimento do regime fordista, característico do capitalismo consolidado após a Segunda Guerra Mundial por basear-se no consumo de produtos produzidos em séries. (ABRAMOVAY, 1992) Dessa mesma opinião corrobora Jean (1994), que também acredita que a renda e lucro do agricultor familiar é transferida para a economia e a sociedade, ficando esse produtor apenas com um salário mínimo para subsistir. Deste modo, para o autor, é a sociedade inteira que acumula os ganhos do agricultor moderno nas relações que mantém com eles. O agricultor familiar, portanto, não pratica sua atividade interessado em atingir um taxa de lucro, contentando-se apenas com uma renda que possibilite a reprodução de sua unidade familiar. Segundo Muller (2007) esse fato confere à agricultura familiar uma superioridade competitiva sobra a agricultura empresarial. Para Jean (1994) a permanência da agricultura familiar nos países capitalistas avançados é devido às especificidades da própria agricultura familiar, que vem se 7

adaptando e respondendo melhor às exigências e aos imperativos da sociedade moderna, no qual, por meio da adoção de inovações técnicas, consegue produzir gêneros alimentícios com o mais baixo custo possível. Da mesma forma que Abramovay, Jean (1994) aborda que o Estado tem um papel importante para a permanência da agricultura familiar nos países de capitalismo avançado. De acordo com o autor, o Estado, por meio de sua política agrícola, regula os mercados e interfere sobre a lei da oferta e da procura neste segmento. Assim, como o grande regulador do mercado e dos preços, o Estado tem o poder de legitimar a produção em determinadas regiões, permitindo que uma determinada conjuntura agrícola persista ou não. Estas abordagens mostram, portanto, o importante papel desempenhado pela agricultura familiar no capitalismo avançado, sendo que o Estado, ao reproduzir a agricultura familiar, também legitima a si próprio, pois garante a continuidade dos lucros capitalista (MULLER, 2007). 2.4 A agricultura familiar no Brasil A agricultura no Brasil apresenta-se como um importante setor da economia para o desenvolvimento econômico nacional, sendo responsável por grande parte das exportações do país, o que contribui significativamente para o superávit da balança comercial brasileira, gerando emprego, renda e entrada de divisas no país. Nesse setor, a agricultura familiar tem grande peso, pois de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) a agricultura familiar no Brasil é responsável por mais de 40% do valor bruto da produção agropecuária. Suas cadeias produtivas correspondem a 10% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) do país, além de ser responsável pela maioria dos alimentos na mesa dos brasileiros. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, no Brasil foram identificados mais de quatro milhões e 360 mil estabelecimentos da agricultura familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos rurais brasileiros. Quanto à mão-de-obra empregada nesses estabelecimentos, de acordo com o Censo há 12,3 milhões de pessoas trabalhando na agricultura familiar, o que corresponde a 74,4% do pessoal ocupado no total dos estabelecimentos agropecuários. (IBGE, 2006) Apesar dessa grande representatividade dos agricultores familiares no campo, a área ocupada por esses representa apenas 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Assim, segundo o IBGE (2006) esses resultados mostram uma estrutura agrária ainda concentrada no País, no qual os estabelecimentos não familiares, embora representem 15,6% do total dos estabelecimentos, ocupavam 75,7% da área ocupada. Todavia, apesar de cultivar uma área menor com lavouras e pastagens, a agricultura familiar é uma importante fornecedora de alimentos para o mercado interno, responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do país. A partir dos dados apresentados, observa-se a importância que a agricultura familiar tem para o desenvolvimento social e econômico do país. No entanto, ao contrário do que acontece nos países de capitalismo avançado, no qual o Estado exerce um papel de manutenção da agricultura familiar, por meio de políticas que garantam não só sua renda 8

como também melhores condições de vida (ABRAMOVAY, 1992 e ESPÍRITO SANTO, 2001), no Brasil poucas políticas públicas tem sido orientadas para essa realidade. Em um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, 2007) sobre a relação entre a abertura comercial e a agricultura familiar, essa mostra que as políticas orientadas à agricultura familiar no Brasil subestimam um setor altamente relevante, estando desalinhadas das estruturas de incentivo e com problemas de sustentabilidade. No estudo foi também analisado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o qual demonstrou que isoladamente esse programa não cria as condições necessárias para o fortalecimento da agricultura familiar. Outros aspectos apresentados por Batalha et al. (2009) mostra ainda as dificuldades enfrentadas pela agricultura familiar brasileira. Um deles é quanto à modernização da agricultura no Brasil, tendo em vista a baixa adoção de novas tecnologias na produção, principalmente pelo produtor familiar. Esse problema é representado, sobretudo, pela falta de capital dos agricultores familiares, a resistência na adoção de novas tecnologias ou até mesmo pela falta de conhecimento, o que reflete numa produtividade inferior a média nacional. Contudo, segundo os autores, essa situação vem se alterando gradativamente devido às exigências do mercado consumidor. Em relação ao suporte técnico, Batalha et al (2009) explicam que apesar de estar disponível para grande parte dos produtores rurais no Brasil, essa assistência é incapaz de atender as necessidades do agricultor, pois nem sempre são compreendidas ou implementadas devido às condições de cada produtor. Quanto às políticas de crédito, essa vem a se torna um importante instrumento de modernização da agricultura ao possibilitar a incorporação de maquinaria e insumos ao processo produtivo. Contudo, no Brasil, apesar de existirem recursos institucionais obrigatórios com valor definido pelo Conselho Monetário Nacional e disponibilizado por instituições estatais, como o Banco do Brasil, este ainda não atinge seus objetivos, ou seja, são insuficientes, burocrático quanto à concessão, com alta taxa de juros e condições de pagamento inadequado, não atendendo, assim, de forma eficiente a muitos pequenos e médios produtores rurais, (BATALHA et al, 2009). Assim, apesar do governo brasileiro oferecer políticas de crédito e programas de assistência técnica para atender principalmente a agricultura familiar, muitas vezes eles são ineficazes e não abrangem todos os agricultores. Essas condições fazem com que muitas vezes o agricultor familiar busque por si mesmo melhorar suas condições de trabalho para se manter na produção. Diante desses aspectos, verifica-se a falta de políticas públicas que contribuam para o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil. Muller (2007) afirma que o debate estabelecido sobre a relação Estado-Agricultura Familiar no caso brasileiro toma uma direção bem diferente daquela dos países de capitalismo avançado, devido, sobretudo, à falta que há de incentivos à agricultura familiar. Portanto, segundo a autora, é preciso que o Estado se faça mais presente com políticas públicas para manutenção e fortalecimento da agricultura familiar. 2.5 A integração da agricultura familiar no agronegócio brasileiro 9

As crescentes mudanças que ocorrem em um mercado globalizado e altamente competitivo forçam os empreendimentos rurais, assim como as empresas de outros setores, a se adequarem aos novos padrões estabelecidos e incrementar seus negócios. Para Batalha et al (2009) a partir destas transformações surge um novo posicionamento para as propriedades rurais, os quais buscam praticar uma moderna agropecuária a partir de novos modelos para o padrão gerencial e operacional. Nesse contexto, é importante compreender que um empreendimento rural não é uma unidade independente no mercado, mas que faz parte de um elo de uma cadeia produtiva, devendo estar coordenados com os demais segmentos. Dessa forma, a agricultura familiar não pode ser abordada de forma indissociada dos outros agentes envolvidos na produção, transformação e distribuição dos produtos alimentares. A agricultura familiar, portanto, encontra-se inserida num contexto mais amplo que produção na unidade agrícola. Assim, nos estudos realizados por Goodberg, em 1968, ao redefinir o conceito de agribusiness, considera que um sistema de commodities engloba todos os atores envolvidos com a produção, processamento e distribuição de um produto. Tal sistema inclui o mercado de insumos agrícolas, a produção agrícola, operações de estocagem, processamento, atacado e varejo, demarcando um fluxo que vai dos insumos até o consumidor final. (ZYLBERSZTAJN, 2000). Considerando que o sistema de commodities focaliza o processo produtivo enquanto uma sequência dependente de operações, este estudo se assemelha muito com a noção de análise de fílière, desenvolvido na escola industrial francesa. Assim, segundo Batalha et al (2009), o termo fílière se refere ao grau de integração dos mercados de insumos industrializados, com a indústria de alimentos, para definir a classificação de cadeias produtivas e, no caso do setor agro-industrial, cadeia de produção agro-industrial. Compreende-se, então, que a cadeia produtiva do agronegócio integra todos os níveis no qual estão inseridos os agentes econômicos, desde antes da porteira, que correspondem aos fornecedores de insumo e serviços para a produção rural (a montante da produção agropecuária); dentro da porteira, que são as atividades desenvolvidas dentro das unidades rurais (a produção agropecuária em si); até depois da porteira, com as atividades de armazenamento, beneficiamento, industrialização e distribuição (a jusante da produção agropecuária). Como todos os atores envolvidos com a produção, processamento e distribuição dos produtos agrícolas estão inseridos em uma cadeia de operações interdependentes, o mercado cada vez mais exigente determina eficiência em todos os segmentos da cadeia de produção. Dessa forma, a agricultura familiar, como um empreendimento rural, passa a ser encarada como uma verdadeira empresa, devendo obter conhecimentos acerca dos mercados em que atua, procurar ter maior eficiência no seu processo produtivo e maior integração na cadeia produtiva para atender as exigências e perspectivas do mercado. Devido aos problemas enfrentados pela agricultura familiar no Brasil, conforme apresentado anteriormente, uma das estratégias apresentada por Batalha et al (2009) para que alcance um melhor grau de integração na cadeia produtiva e passe a atender às crescentes exigências do mercado consumidor quanto à qualidade, preço, disponibilidade, dentre outros, versa sobre as formas de ações coletivas. 10

A ação coletiva tem como objetivo a atuação coordenada entre os membros para atingir interesses comuns. De acordo com Batalha et al (2009), a ação coletiva no agronegócio pode ser realizada em forma de parceria, pool, associativismo e cooperativismo. De modo geral, essas ações visam unir os produtores rurais para enfrentarem os desafios de inserção e permanência na cadeia produtiva, e podem atuar de forma coordenada na compra de insumos, durante produção ou na comercialização. De acordo com Schubert e Niederle (2009), a formas de organização coletivas permitem aos agricultores familiares fazerem frente aos grandes produtores especializados, os quais investem pesadamente na produção e vendem de acordo com as condições impostas pelo mercado. Portanto, com a ação coletiva entre os agricultores familiares, sejam associações formais ou informais, possibilita a esses adquirirem maior poder de negociação no mercado e, assim, proporcionar ganhos de escala para os produtores como: redução dos preços dos insumos quando comprados em maior quantidade, vantagem na comercialização gerada pelo poder de venda associado ao alto volume de produtos em negociação, utilização de máquinas e equipamentos de forma compartilhada, possibilidade de assistência técnica mais presente, dentre outros benefícios, dependendo da forma de organização e dos objetivos do grupo. 3. RESULTADOS 3.1 A agricultura familiar na produção de leite em Rondônia Em Rondônia, assim como no âmbito do Brasil, o setor agropecuário tem grande importância econômica, sendo responsável no ano de 2007 por 20,3% do PIB do Estado. Nesse setor, a produção de leite tem um desempenho significativo, o qual, segundo Paesde-Souza (2006) representa uma das principais fontes de geração de renda do Estado. No tocante a evolução da produção, demonstrado na tabela 1, a pecuária de leite no Estado vem apresentando ainda um expressivo crescimento, pois enquanto a produção de leite do Brasil cresceu à taxa de 4,42% ao ano no período de 1998 a 2007, a produção de leite em Rondônia apresentou uma taxa de crescimento média de 10,04% ao ano, vindo a se destacar como um dos maiores produtores de leite no Brasil e o primeiro maior produtor da região Norte. Brasil/ Estado/Região Tabela 1 - Evolução da produção de leite nos estados - 1998/2007 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Taxa média de Crescimen to Brasil 18.694 19.070 19.767 20.510 21.644 22.253 23.475 24.621 25.398 26.134 4,42% Norte 903 958 1.050 1.237 1.562 1.498 1.663 1.743 1.699 1.677 9,52% Pará 311 311 380 459 577 585 639 697 691 643 11,86% Rondônia 372 409 422 476 644 559 646 692 637 708 10,04% Tocantins 140 153 156 166 186 201 215 220 217 214 5,87% Acre 33 37 41 86 104 100 109 80 98 80 15,82% 11

Amazonas 35 36 37 38 40 42 43 44 45 20-4,76% Roraima 9 10 10 9 8 8 7 6 6 6-3,70% Amapá 3 3 4 3 3 3 3 4 4 6 11,11% Nordeste 2.070 2.042 2.159 2.266 2.366 2.507 2.705 2.972 3.198 3.335 6,79% Bahia 683 672 725 739 752 795 842 890 906 966 4,60% Pernambuco 286 266 292 360 392 376 397 527 630 662 14,61% Ceará 313 325 332 328 341 353 363 368 380 416 3,66% Alagoas 245 215 218 244 224 241 243 236 228 243-0,09% Maranhão 138 143 150 155 195 230 287 321 341 336 15,94% Rio G. do Norte 130 129 145 143 158 174 201 212 235 214 7,18% Sergipe 118 122 115 113 112 139 157 191 243 252 12,62% Paraíba 87 96 106 106 117 126 137 149 155 170 10,60% Piauí 71 73 77 78 75 74 76 79 80 76 0,78% Sudeste 8.465 8.540 8.574 8.573 8.748 8.933 9.241 9.535 9.740 9.803 1,76% Minas Gerais 5.688 5.801 5.865 5.981 6.177 6.320 6.629 6.909 7.094 7.275 3,10% São Paulo 1.982 1.913 1.861 1.783 1.748 1.785 1.739 1.744 1744 1.627-1,99% Rio de Janeiro 455 458 469 447 447 449 467 465 468 463 0,20% Espírito Santo 340 368 378 362 375 379 406 418 434 438 3,20% Sul 4.411 4.606 4.904 5.188 5.508 5.779 6.246 6.592 7.039 7.510 7,81% Rio G. do Sul 1.915 1.975 2.102 2.222 2.330 2.306 2.365 2.468 2.625 2.944 5,97% Paraná 1.625 1.725 1.799 1.890 1.985 2.141 2.394 2.568 2.704 2.701 7,36% Santa Catarina 871 907 1.003 1.076 1.193 1.332 1.487 1.556 1.710 1.866 12,69% Centro-Oeste 2.845 2.924 3.080 3.246 3.460 3.534 3.620 3.778 3.722 3.808 3,76% Goiás 1.979 2.066 2.194 2.322 2.483 2.523 2.538 2.649 2.614 2.639 3,71% Mato Grosso 406 411 423 443 467 491 551 596 584 644 6,51% Mato G. do Sul 427 409 427 445 472 482 491 499 490 490 1,64% Distrito Federal 33 37 36 37 37 38 39 35 34 36 1,01% Fonte: IBGE Pesquisa da Pecuária Municipal Elaboração: R. Zoccal - Embrapa Gado de Leite Atualizado em dezembro/2008 A importância da agricultura familiar em Rondônia também é destacada por Paesde-Souza (2001), que a estimou em 85.907 os estabelecimentos rurais no estado. Destes, 35.000 exploram a atividade leiteira, representando 70% dos produtores que atuam nesse setor. Portanto, a atividade leiteira no Estado, além de gerar renda, tem importante papel social na geração de emprego. No entanto, apesar do Estado ser um grande produtor de leite e apresentar um crescente desempenho na produção, ainda assim sua produtividade é considerada baixa, principalmente devido à ineficiência técnica dos agricultores familiares. Segundo Santana (2003), apesar da tecnologia se mostrar como um dos principais fatores que podem contribuir para o desenvolvimento dessa atividade, ainda é baixo o índice da tecnologia empregada na produção de leite em Rondônia, como, por exemplo, a ordenha não mecanizada e o rebanho não especializado. 12

Assim, considerando a produtividade de leite nos principais estados produtores do país, há uma grande discrepâncias do estado de Rondônia em relação aos estados da região sul e sudeste do país, conforme pode ser observado na Tabela 2. Tabela 2. Produção Anual de Leite por Estado no Brasil em 2007 Estados Produção de Leite (milhões de litros) Produtividade (Litros/vaca) Produtividade (litros/vaca/dia) 1 Minas Gerais 7.275 1.463 4,00 2 Rio Grande do Sul 2.944 2.222 6,07 3 Paraná 2.701 1.998 5,46 4 Goiás 2.639 1.154 3,15 5 Santa Catarina 1.866 2.321 6,34 6 São Paulo 1.627 1.078 2,95 7 Bahia 966 546 1,49 8 Rondônia 708 714 1,95 9 Pernambuco 662 1.385 3,78 10 Mato Grosso 644 1.140 3,11 11 Pará 643 637 1,74 12 Mato Grosso do Sul 490 974 2,66 13 Rio de Janeiro 463 1.129 3,08 14 Espírito Santo 438 1.126 3,08 15 Ceará 416 816 2,23 16 Maranhão 336 642 1,75 17 Sergipe 252 1.273 3,48 18 Alagoas 243 1.389 3,80 19 Rio Grande do Norte 214 849 2,32 20 Tocantins 214 463 1,27 21 Paraíba 170 798 2,18 22 Acre 80 544 1,49 23 Piauí 76 396 1,08 24 Distrito Federal 36 1.800 4,92 25 Amazonas 20 513 1,40 26 Amapá 6 750 2,05 27 Roraima 6 333 0,91 Brasil 26.134 1.237 3,38 Fonte: IBGE Pesquisa da Pecuária Municipal Elaboração: R.ZOCCAL - Embrapa Gado de Leite Atualizado em dezembro/2008 Segundo os dados apresentados na Tabela 2, o estado de Rondônia apresentou em 2007 uma produtividade ao ano de 714 litros/vaca, sendo está muito inferior a média nacional de 1.237 litros/vaca ao ano. Portanto, a produtividade média de leite em Rondônia encontra-se 42,28% menor que a média nacional. Se comparado aos principais estados produtores de leite, a diferença é ainda maior. No estado de Santa Catarina, a produtividade em 2007 foi de 2321 litros/vaca/ano, representado o triplo da produtividade de Rondônia. Entre os municípios produtores de leite em Rondônia, ao comparar os principais produtores aos demais, verifica-se ainda uma grande diversidade na produtividade dessa 13

região. Conforme se observa na tabela 3, há uma redução de aproximadamente 35% dos principais produtores, que apresentam uma produtividade média de 2,21 litros/vaca/dia, para aqueles municípios com os menores índices de produtividade, ou seja, 1,43 litros/vaca/dia. Portanto, nos pequenos municípios produtores de leite de Rondônia, a produtividade é ainda mais baixa que a média do Estado, vindo a representa 73% da média do Estado e 42% da média Nacional. Posição por Produção Tabela 3. Produção de leite nos municípios de Rondônia em 2007 Município Produção (mil litros) Vacas Ordenhadas Produtividade litro/vaca/ano Produtividade litro/vaca/dia 1 Jaru 72.691 89.742 810 2,21 2 Ouro Preto do Oeste 60.592 74.805 810 2,21 3 Gov. Jorge Teixeira 37.363 46.127 810 2,21 4 Ji-Paraná 34.260 47.583 720 1,97 5 Urupá 32.050 39.568 810 2,21 20 Campo Novo de Rondônia 11.507 22.045 522 1,43 36 Porto Velho 3.662 6.781 540 1,48 38 Candeias do Jamari 3.518 6.740 522 1,43 52 Chupinguaia 704 1.304 540 1,48 Fonte: IBGE Pesquisa da Pecuária Municipal A partir dos dados apresentados observa-se que os problemas enfrentados pelos agricultores familiares da pecuária de leite em Rondônia são ainda maiores do que em outras regiões, como sul e sudeste. Isso ainda é confirmando com as afirmações de Guilhoto et al (2007), ao descrever que na região Norte, onde encontra-se a fronteira de expansão agrícola, é grande a participação da agricultura familiar, mas que no entanto são bem diferentes dos da região sul, por serem ainda muito atrasadas e de subsistência. Para a agricultura familiar do setor leiteiro esses problemas vem se agravando cada vez mais, devido às mudanças ocorridas nesse setor. Segundo informações do Sebrae (2002) de todas as cadeias produtivas do setor agropecuário, a que mais se transformou, nos últimos anos, foi a do leite. Após meio século de poucas mudanças, em grande parte explicadas pela forte intervenção do governo no mercado de lácteos, a cadeia produtiva do leite começou a passar, a partir da década de 90, por profundas transformações em todos os seus segmentos As principais causas das transformações da cadeia produtiva do leite se referem a desregulamentação do mercado de leite a partir de 1991; a maior abertura da economia brasileira para o mercado internacional, em especial a criação do Mercosul; estabilização de preços da economia brasileira em decorrência do Plano Real a partir de julho de 1994; e a Instrução Normativa 51 (MAPA), que aprovou regulamentos técnicos referentes à produção, qualidade, identidade e transporte do leite. E como uma das exigências dessa norma é o resfriamento do leite na fazenda em tanques de resfriamento, muitos dos 14

pequenos produtores acabam saindo do mercado por não conseguirem fazer esse tipo de investimento. Portanto, ao se considerar que agricultura familiar tem um grande peso na produção de leite em Rondônia, esse segmento carece de programas de incentivo ao acesso da tecnologia, assistência técnica, dentre outros, que contribua para um melhor desempenho produtivo dessas pequenas propriedades. 3.2 Características da agricultura familiar da pecuária de leite Como o conceito de agricultura familiar, em sua maioria, está baseado na mão-deobra utilizada na produção, no tamanho da propriedade, na direção dos trabalhos e na renda gerada pela atividade agrícola, na pesquisa realizada procurou-se abordar essas questões para melhor caracterizar os agricultores familiares ligados à produção de leite do distrito de Triunfo, no município de Candeias do Jamari. A figura 1 mostra a localização do município de Candeias, distante a 20 km da capital Porto Velho, com uma população de 17.547 habitantes e uma produção de 3,52 milhões de litros de leite apresentada no ano de 2008 Figura 1. Mapa do Estado de Rondônia Candeias do Jamari A mão-de-obra nas propriedades familiares pesquisadas é formada predominantemente pelos membros da família, composta em sua maioria pelo agricultor, esposa e filhos. Da mesma forma, a gestão da propriedade também é feita pelo próprio dono da propriedade, sendo que a maior parte dois pais não são alfabetizados ou possuem apenas as séries primárias, o que influência na gestão e controle dos negócios. Mesmo assim, todo o gerenciamento é realizado pela própria família. Em relação ao tamanho da área da propriedade familiar, de acordo com a lei 11.326/2006, que versa sobre Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, considera como agricultor familiar aqueles que não detenham, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais. 15

Um módulo fiscal, segundo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA (2010), é uma unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando os seguintes fatores: tipo de exploração predominante no município; renda obtida com a exploração predominante; outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada; e o conceito de propriedade familiar. Assim, como a medida de um módulo fiscal é fixada para cada município, nos municípios de Rondônia um módulo fiscal corresponde a 60 hectares. Logo, uma unidade familiar em Rondônia é aquela que possui até 240 hectares, o que corresponde a 4 (quatro) módulos fiscais, conforme trata a lei 11.326/2006. Quanto ao tamanho das propriedades familiares pesquisados, essas medem entre 21 e 22 alqueires, medidas essas fornecidas pelos próprios agricultores. Considerando que um alqueire na região norte corresponde a 2,72 hectares, essas propriedades, então, possuem de 57,12 a 59,84 hectares, caracterizando-se assim, de acordo com a lei 11.326/2006, como propriedades familiares. Nas propriedades pesquisadas são os próprios agricultores e famílias os proprietários das terras e dos meios de produção. Apenas em um caso a família não detém a posse da propriedade, contudo, os meios de produção pertencem a ela. Segundo Felício (2006), ao abordar sobre o conceito de agricultura familiar, afirma que a família, ao mesmo tempo que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo rural. Portanto, a atividade dessa família também pode ser considerada como agricultura familiar. A produção de leite desenvolvida nessas propriedades representa a atividade principal desses agricultores, os quais também possuem algumas plantações e criação de outros animais, mas como produção de alimentos para o próprio consumo. Portanto, toda a renda gerada por esses agricultores são advindos da comercialização do leite produzido em suas propriedades. Contudo, em algumas propriedades foi possível observar que a renda advinda com essas atividades era muito baixa para o sustendo da família, desenvolvendose assim uma atividade de subsistência. A assistência técnica prestadas a esses produtores são da Emater e Idaron, que visam dar suporte a vacinação do gado contra a brucelose e a febre aftosa. Esses agricultores também recebem assistências dos fornecedores de insumo, como de medicamentos e alimentação para o gado, que dão algumas orientações quanto ao uso desses produtos. Em um dos casos pesquisados, o agricultor, além da assistência técnica padrão, recebe ainda orientações da Emater para melhoramento genético do gado. O trabalho de orientação é realizado pela instituição em conjunto com diversos produtores. A partir dessa assistência da Emater, a inseminação foi introduzida no rebanho desse produtor, o que representa uma inovação técnica que visa aumentar a produtividade do rebanho da propriedade. Contudo, outros produtores, que tinham conhecimento do trabalho que estava sendo realizado pela Emater, não tiveram a preocupação de participar e aprender sobre a nova tecnologia de melhoramento genético. Portanto, verifica-se que algumas vezes a deficiência na implementação de inovações tecnológicas no processo produtivo dos 16

agricultores familiares é em virtude da falta de consciência, do próprio agricultor, da importância dessas técnicas para aperfeiçoar sua produção. Esse aspecto corrobora com o abordado por Batalha et al (2009), quando explica que a baixa adoção de novas tecnologias na produção, principalmente pelo produtor familiar, é representada pela falta de capital dos agricultores familiares, a resistência na adoção de novas tecnologias ou até mesmo pela falta de conhecimento. Quanto a outras formas de tecnologias aplicadas na produção desses agricultores, estas são principalmente em relação sanidade do rebanho. Assim, esses produtores investem na vacinação do seu gado contra a raiva, febre aftosa e brucelose, além de remédios representados por carrapaticida e vermífugo. Em relação à suplementação alimentar, contudo, não há grandes investimentos, o qual se restringe, na maioria dos casos, a ministrar sal mineral e melhorar a pastagem. O tanque de resfriamento também representa outro investimento tecnológico realizado por 50% dos pesquisados, o que representa melhor qualidade dos produtos fornecidos por esses agricultores, além de facilitar a comercialização de seus produtos aos laticínios da região, que pagam R$ 0,60 por litro de leite. Outros produtores que não possuem esses equipamentos não podem comercializar seus produtos a esses laticínios, tendo que vender a produtores de queijo da região que pagam R$ 0,40 o litro. Assim, verifica-se que os agricultores que não conseguem atender às exigências do mercado, acabam sendo submetidos aos interesses dos de outros agentes econômicos, quando não, são excluídos do mercado. Importante destacar que os tanques de resfriamento desses agricultores foram adquiridos por meio de associação informal com outros produtores. Deste modo, observase a importância de ação coletiva que podem ser realizadas pelo agricultor familiar, visando enfrentarem os desafios de inserção e permanência na cadeia produtiva conforme observado por Batalha et al (2009). Entretanto, nessa região, ainda é baixa a organização desses produtores em ações coletivas visando outros objetivos, seja na compra de insumo, na produção, ou mesmo na comercialização. Em relação à produtividade do rebanho desses agricultores, estes apresentam uma produtividade média de 3,6 a 4,6 litros/vaca ao dia. Apesar de ser menor que a média apresentada pelos estados da região sul, que variam entre 5,46 a 6,34, essa produtividade dos agricultores pesquisados são bem maiores que a média do Estado em 2007, que foi de 1,95, ou até mesmo maior que a média nacional de 3,38. Contudo, não foi possível verificar nessa pesquisa qual o fator desse rebanho apresentar uma produtividade maior que a média estadual e a nacional. Embora a produtividade desses agricultores apresentarem relativamente um bom desempenho, a renda advinda com a comercialização do leite não é suficiente para manutenção da propriedade a nível ideal. Isso porque os gastos com insumos, sobretudo medicação e alimentação (sal mineral), são bastante elevados, correspondendo entre 50 e 70% da receita bruta obtida com a venda dos produtos. Dessa forma, em alguns casos o agricultor precisa vender alguns de seus exemplares para complementar a renda e manter o sustento da família. 17

Outro problema apresentado por esses agricultores que visam melhorar sua produção é com relação ao financiamento bancário, os quais exigem certas documentações que esses não possuem, sendo, portanto, muito burocráticos. Em fim, apesar da baixa renda desses agricultores familiares e dos problemas enfrentados na gestão de seus negócios, como a falta de recursos para investir na propriedade, baixa assistência técnica e políticas públicas que os incentive a melhorar sua produção, pouco cooperativismo entre os produtores e o baixo conhecimento de técnicas apropriadas na gestão dos seus negócios, esses produtores tem boas expectativas quanto à produção de leite da região, principalmente por terem mercado para escoar toda sua produção. Portanto, esses agricultores não pretender mudar de atividade por considerarem que é mais fácil se manterem por meio da produção de leite e, sobretudo, devido o solo da região não ser propício para outras atividades. Dessa forma, considerando às transformações e exigências do mercado, percebe-se que a agricultura familiar busca se adequar a essa nova realidade para manter-se integrada na cadeia produtiva. Aqueles que não conseguem se adequar a essas exigências acabam se submetendo aos interesses de outros agentes econômicos, ou mesmo ficando a margem desse mercado. Sejam como famílias com poucos recursos ou mesmo famílias com melhores condições de acesso à tecnologia, infraestrutura e nível de organização, a agricultura familiar persiste na sociedade moderna, mostrando ainda a heterogeneidade da produção familiar no Brasil. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com que foi apresentado, a agricultura familiar moderna traz alguns aspectos de uma tradição camponesa que fortalece sua capacidade de adaptação às novas exigências da sociedade. Assim, sua importância pode ser percebida nas mais diversas sociedades, dos de capitalismo avançado aos emergentes, e das mais diferentes formas. No Brasil, mesmo sob adversidades enfrentadas por essa categoria, como os problemas de terras e capital, dificuldades no financiamento, baixo acesso à tecnologia e fragilidade da assistência técnica, o peso da agricultura familiar na geração de renda e emprego no País é representativo e não perdeu sua força nos últimos anos. Dessa forma, apesar das transformações e exigências de um mercado cada vez mais competitivo, a agricultura familiar consegue sobreviver e responder, de diferentes formas, a essas perspectivas. Na pesquisa realizada foi possível observar ainda que embora esta categoria esteja inserida nas definições do que seja agricultura familiar, tanto no estado de Rondônia como no Brasil há universo profundo e heterogêneo da agricultura familiar, o qual inclui desde famílias que tem as condições mínimas de subsistência até famílias com melhores dotações de recursos, acesso a tecnologia, organização, dentre outros. Nesse aspecto é necessário reconhecer as diferenças dos agricultores familiares, e tratá-los como de fato o são, ou seja, distintos entre si, não redutíveis a uma única forma simplesmente por utilizarem predominantemente o trabalho familiar. E de modo geral, os resultados da pesquisa mostram que é necessário mais políticas voltadas à agricultura familiar no Brasil visando dar mais condições a essa categoria para 18

desenvolverem suas atividades e trazerem melhores resultados econômicos e sociais para o país. Da mesma forma em Rondônia, devido sua importância estratégica no papel social e na geração de riqueza da própria economia do Estado, a agricultura familiar carece de muita mais atenção por parte do Governo e das empresas, pois ao comparar o grau de desenvolvimento da agricultura familiar do Estado a outros das regiões sul e sudeste do Brasil, constata-se as deficiências mais acentuadas nesse tipo de exploração econômica da região. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. Campinas-SP: Unicamp, 1992. ALTAFIN, Iara. Reflexões sobre o conceito de agricultura familiar. Brasília: CDS/UnB, 2007. BATALHA, Mário Otávio (Coordenador). Gestão Agroindustrial. GEPAI: Grupo de Estudos e pesquisas agroindustriais. São Paulo: Atlas, v. 1, 3ª ed, 2009 BRASIL, Lei 11.326, de 24 de Julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Diário Oficial da União, dia 25/07/2006. BITTENCOURT, G. A.; BIANCHINI, V. A agricultura familiar na região sul do Brasil- Quilombo - Santa Catarina: um estudo de caso. Consultoria UTF/036-FAO/INCRA, 1996. CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. Camponês, campesinato: Questões acadêmicas, questões políticas. In: CHEVITARESE, André Leonardo. (Org.). O campesinato na história. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. ESPÍRITO SANTO, Benedito Rosa do. Os Caminhos da Agricultura Brasileira. São Paulo: Evoluir, 2ed. 2001. FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. FAO BID divulgam estudo sobre relação entre abertura comercial e agricultura familiar. Santiago, Chile, 2007. Disponível em <http://www.rlc.fao.org>. Acesso em 12.01.2010. FRAGOSO, João L. Campesinato europeu, século XVI e XVII: algumas notas historiográficas sobre economia e cultura popular. In: CHEVITARESE, André Leonardo (Org.). O campesinato na História. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. GUILHOTO, J. ; ICHIHARA, S. M. ; Silveira, F. G. ; DINIZ, B. C. ; AZZONI, C. R. ; MOREIRA, G. R. C. A importância da agricultura familiar no Brasil e em seus estados. In: 35o. Encontro Nacional de Economia, 2007, Recife. Anais do 35o. Encontro Nacional de Economia. São Paulo: Anpec, 2007. 19

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