Análise da compreensão dos professores de química, do ensino médio, sobre representações gráficas da velocidade de uma reação química.

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Transcrição:

Análise da compreensão dos professores de química, do ensino médio, sobre representações gráficas da velocidade de uma reação química. Analyze the understanding of chemistry teachers, the high school, the graphic representation of the rate of a chemical reaction. Simone Alves de Assis Martorano Setor de Educação em Ciências - DCET/Universidade Federal de São Paulo sialvesmartorano@gmail.com Maria Eunice Ribeiro Marcondes Instituto de Química-Universidade de São Paulo mermarco@iq.usp.br Resumo Atualmente, no ensino médio brasileiro, o tema cinética química tem sido apontado por professores como sendo de difícil abordagem devido ao caráter empírico como também abstrato dos conhecimentos envolvidos. No ensino de cinética química, o desenvolvimento de habilidades relacionadas à leitura de tabelas e elaboração de gráficos é essencial, para que o aluno possa interpretar os diferentes dados cinéticos, que são obtidos experimentalmente, para poder entender, por exemplo, o efeito da variação da concentração na velocidade de uma reação química. Procurou-se então, nesse trabalho, que faz parte da tese de doutorado de uma das autoras, investigar a compreensão dos professores sobre o uso de gráficos no entendimento da velocidade de uma reação química durante a participação destes em um curso de formação continuada. Percebeu-se nesse trabalho que os professores também encontram dificuldades em realizar a interpretação gráfica da velocidade de uma reação química. Palavras chave: Formação continuada de professores, ensino médio, velocidade de reação química. Abstract Currently, the Brazilian high school, the subject chemical kinetics has been described by teachers as being difficult to approach due to the empirical as well as abstract knowledge involved. In the teaching of chemical kinetics, the development of skills related to reading tables and graphing is essential for the student to interpret the different kinetic data, which are obtained experimentally, in order to understand, for example, the effect of variation concentration on the rate of a chemical reaction. Looked up then, in this work, which is part of the doctoral thesis of one of the authors to investigate the understanding of teachers on the 1

use of graphics in understanding the rate of a chemical reaction during their participation in a continuing education course. It was noticed in this work that the teachers also find it difficult to perform the graphical interpretation of the speed of a chemical reaction. Key words: professor of continuing education, high school, rate of a chemical reaction. Introdução Comumente, os professores do ensino médio de química, afirmam que seus alunos não conseguem aprender determinados conceitos químicos porque consideram que estses já iniciam o ensino médio com muitas falhas e lacunas na sua aprendizagem como, por exemplo, os alunos apresentam dificuldades em interpretar gráficos, tabelas, dados experimentais, assim como também não conseguem, muitas vezes, interpretar um simples enunciado de um exercício. Essas dificuldades são relatadas em muitas pesquisas (JUSTI e RUAS, 1997; van DRIEL, 2002; CAKMAKCI et al, 2005 e 2010) e junte-se a elas a dificuldade no entendimento de conceitos, como, por exemplo, em interpretar a matéria em termos submicroscópicos (POZO e CRESPO, 2009). Segundo esses autores, muitos indivíduos enfrentam dificuldades em entender a matéria como descontínua e de utilizar espontaneamente o modelo corpuscular em suas explicações, independente do grau de instrução recebida. Contudo, é consenso entre vários pesquisadores que o entendimento da natureza descontínua da matéria, como também o uso de um modelo corpuscular, é de fundamental importância para que os indivíduos compreendam e interpretem muitos fenômenos que ocorrem no mundo em que vivem. Atualmente, no ensino médio, o tema cinética química tem sido apontado pelos professores como sendo de difícil abordagem, por causa do caráter empírico, tanto como abstrato deste tema. A compreensão da velocidade de uma reação química envolve a interpretação de dados experimentais e o entendimento do caráter dinâmico das partículas. Assim, o aluno tem de transitar entre o mundo macroscópico e o submicroscópico, o que exige um entendimento mais complexo da natureza da matéria (MARTORANO, 2007). Em seu dia a dia, os alunos tem a oportunidade de observar, em seu cotidiano, reações químicas que são rápidas, ou que são muito lentas, como por exemplo, a queima de uma vela (reação de combustão) que é muito rápida, ocorre em segundos, ou a formação ferrugem em um prego (oxidação) que é um processo mais lento. Contudo, a ideia de que a velocidade de uma reação química corresponde à variação de concentração de reagentes (ou produtos) por unidade de tempo não é uma ideia espontânea, ou seja, não se consegue se chegar a esse conhecimento apenas pela observação de um dado fenômeno. Segundo Justi e Ruas (1997), para a aprendizagem do tema cinética química é necessário o entendimento integrado de muitos conceitos fundamentais, como, o da natureza particular da matéria e o caráter interativo e dinâmico das reações químicas. A integração desses conhecimentos para o entendimento da velocidade de uma reação química pode ser difícil para o aluno do ensino médio, criando-se assim um obstáculo que o professor terá que enfrentar no planejamento das suas atividades. Outro ponto que o professor pode levar em consideração no seu planejamento de ensino é que os alunos, muitas vezes, já possuem concepções sobre velocidade, que podem ou não ser adequadas. Algumas concepções alternativas apresentadas pelos alunos em relação à cinética 2

química são (JUSTI e RUAS, 1997): - Os alunos atribuem às substâncias participantes da reação, ou a uma delas, a responsabilidade pela velocidade do processo. - Em suas explicações sobre a dinâmica de uma reação química existe a coexistência da teoria das colisões com uma visão contínua de matéria. - A questão do movimento das partículas envolvidas em uma reação química não é considerada pelos alunos em suas explicações sobre a interação entre essas partículas. Para os autores Kaya e Geban (2012) o conceito de velocidade de reação é um tópico central no currículo de Química, assim, a compreensão dos conceitos com respeito à velocidade de reação e os fatores que a afetam têm um papel chave na aprendizagem de química. Contudo, devido à natureza abstrata do tema, os alunos enfrentam dificuldades e também possuem algumas ideias equivocadas sobre o conceito de velocidade de reação. Os alunos são obrigados a pensar sobre partículas, realizar cálculos matemáticos e pensar nas inter-relações entre eles, a fim de melhorar a sua compreensão dos conceitos de velocidade de reação. Além disso, este conceito é um pré-requisito essencial para outros tópicos de química, especialmente o estado de equilíbrio químico. No ensino de cinética química, o desenvolvimento de habilidades relacionadas à leitura de tabelas e elaboração de gráficos é essencial, para que o aluno possa interpretar os diferentes dados cinéticos, que são obtidos experimentalmente, para poder entender, por exemplo, o efeito da variação da concentração na velocidade de uma reação química. Cakmakci, Leach e Donnelly (2005) apontam que pesquisas em outras áreas das ciências mostram que os estudantes possuem dificuldades em fazer transformações com e através de diferentes formas de representação, por exemplo, transformar uma equação química em seu respectivo gráfico. Isso ocorre porque, segundo os autores, o entendimento sobre a estrutura da cinética química é complexo, pois envolve duas linhas distintas, mas complementares de desenvolvimento, o empírico e o teórico. Os autores mostram a relação entre o fenômeno químico teórico/empírico na figura 1. Figura 1. Figura adaptada de: A relação entre o fenômeno químico e as teorias/modelos (CAKMAKCI, LEACH e DONNELLY p.484, 2005). (Tradução nossa) Assim, segundo o esquema dos autores (fig. 1), a cinética química pode ser explicada pelo modelo de partícula e também pode ser representada/quantificada em termos de modelagem matemática. Contudo, Cakmakci, Leach e Donnelly (2005) apontam em seus estudos que muitos estudantes apresentam dificuldades em encontrar uma explicação satisfatória para um fenômeno ou evento. Muitos deles, particularmente os do ensino médio, inspiram-se em um 3

modelo macroscópico para explicar os fenômenos. Enquanto o modelo macroscópico diz pouco sobre a natureza da velocidade da reação e é essencialmente descritivo, os modelos de partículas e matemáticos permitem que muito mais seja explicado, quantificado, e predito. Assim, os modelos de partículas e matemáticos não são frequentemente usados pelos estudantes e na maioria dos casos quando usados, não estão efetivamente e apropriadamente em concordância com o aceito no currículo de química. Isso, segundo os autores, não é surpreendente, o ensino geralmente não proporciona aos alunos oportunidades para se mover através de representação verbal, matemática e simbólica na química. Uma recomendação possível para a reestruturação do ensino seria apoiar o aluno no uso de diversas representações alternadamente. Procurou-se então, nesse trabalho, que faz parte da tese de doutorado de uma das autoras, investigar a compreensão dos professores sobre o uso de gráficos no entendimento da velocidade de uma reação química durante a participação destes em um curso de formação continuada. Metodologia No segundo semestre de 2010 foi oferecido um curso de formação continuada para 20 professores de química com duração de 40 horas, em que foi apresentado o tema cinética química na perspectiva do desenvolvimento histórico desse tema (reconstrução histórica 1 ), permitindo assim uma melhor compreensão do contexto no qual esses conceitos foram desenvolvidos. Durante o curso de formação continuada, foram realizadas duas atividades onde os professores teriam que interpretar gráficos e tabelas para entenderem como a velocidade de determinadas reações químicas iriam variar através do tempo. No primeiro (fig.2), extraído dos experimentos realizados por Berthelot e Péan de Saint- Gilles (1861): as reações de esterificação e hidrólise, os professores tinham que, a partir dos dados fornecidos, traçarem a curva que representava a percentagem de ácido esterificado com o tempo e explicar como a velocidade dessa reação iria variar através do tempo. Figura 2. Exercício 1 realizado pelos professores durante o curso de formação continuada. No segundo exercício (fig.3) foi solicitado aos professores que desenhassem um gráfico 1 A reconstrução histórica (LAKATOS,1998) dos conhecimentos científicos relativos a Cinética Química, que foi trabalhada com os professores durante o curso de formação continuada, foi feita a partir de pesquisas de historiadores da ciência, artigos de pesquisadores e artigos originais dos cientistas que estiveram envolvidos no estudo da cinética química(martorano,2007). 4

que mostrasse a variação da velocidade de uma reação com o tempo. O professor também tinha que justificar porque considerava que o seu gráfico estava correto. O propósito desse exercício era encontrar qual a extensão do conhecimento do professor, sobre a relação entre a concentração dos reagentes e a velocidade de uma reação química. Figura 3. Exercício 2 realizado pelos professores durante o curso de formação continuada. Para a análise das respostas dos professores a primeira questão do exercício 1 (fig. 2), assim como a análise do gráfico elaborado pelos professores no exercício 2 (fig. 3), foram usadas as categorias elaboradas por Cakmakci et al (2005), onde eles identificaram seis modelos relacionados ao entendimento da velocidade de uma reação química, que são: - Modelo científico (MC): Nesse modelo a reação se inicia com velocidade alta e diminui através do tempo. - Modelo de aumento (MA): De acordo com esse modelo a reação se inicia lentamente e ocorre com mais rapidez posteriormente. - Modelo de aumento-constante (MAC): Nesse modelo a reação se inicia com velocidade igual a zero e vai aumentando até atingir um valor onde este permanece constante até o final da reação. - Modelo constante (MCE): Nesse modelo a reação se inicia com um determinado valor que é mantido constante até o final da reação. - Modelo de aumento-constante-decréscimo (MACD): Nesse modelo a reação se inicia com velocidade igual a zero e vai aumentando até atingir um valor máximo; a partir desse valor sofre um decréscimo gradual até atingir zero quando o reagente limitante é consumido. - Modelo de decréscimo (MD): Nesse modelo a reação se inicia com um valor, mas este vai diminuindo muito lentamente, levando mais tempo para ocorrer. Resultados Análise do 1º. Exercício: - Todos os professores, a partir dos dados fornecidos pelo exercício, construíram corretamente a curva indicando o aumento da concentração do produto da reação de 5

esterificação com o tempo (fig.4). Figura 4. Curva que indica o aumento da concentração do produto (ácido esterificado) com o tempo. - Respostas a questão: Como evolui a velocidade de formação de éster com o tempo? Dê uma justificativa: 7 professores responderam que a velocidade da reação diminui com o tempo, indicando, portanto o modelo científico (MC): É mais rápida inicialmente. A velocidade diminui com o passar do tempo (P14)(grifo nosso) Para 5 professores a velocidade da reação é baixa no inicio, e com o tempo vai aumentando (MA): Aumenta à medida que o tempo passa. O tempo é um fator que deve ser considerado nesse processo. Pode-se dizer que a interação entre as moléculas reagentes (choques efetivos) não ocorre instantaneamente. (P15)(grifo nosso) Com o aumento do tempo a quantidade de ácido esterificado aumenta devido ao aumento da temperatura da reação a velocidade aumenta consideravelmente (P19)(grifo nosso) Porém, pela análise dos dados da tabela, percebe-se que a velocidade da reação diminui com o tempo. Duas professoras (P5 e P8), consideram que a velocidade da reação não muda, ou seja, permanece constante durante o processo (MCE): A velocidade de formação do ácido esterificado se mantém com o decorre do tempo. (P8)(grifo nosso) Contudo, do total de 20 professores, 6 responderam a questão não em termos de velocidade, mas sim de rendimento: Com a temperatura de 100 o. C quanto maior o tempo da substância em aquecimento maior o rendimento da reação de esterificação. (P4) Observa-se que as explicações dadas por esse professor estão relacionadas diretamente com os dados fornecidos na tabela, e não com a interpretação sobre a velocidade daquela reação química. O conceito velocidade de uma reação química é definido pela relação variação da concentração das substâncias reagentes ou formadas em função do tempo. Nesse exercício os dados experimentais estão relacionados com a formação de produto em função do tempo, portanto, pode ser que esse fato tenha levado algum desses professores a responder que a velocidade dessa reação aumenta com o tempo. Análise da 2ª. atividade: Analisando-se os gráficos elaborados pelos professores e comparando-os com as categorias de Cakmakci et al (2005), identificamos os seguintes modelos: Modelo científico (MC): 6 professores. As explicações dadas relacionam a diminuição da 6

concentração dos reagentes com a diminuição da velocidade, sendo que seis professores incluíram em suas explicações a ideia de colisões entres as moléculas: Figura 5. A variação da velocidade de uma reação em função do tempo, segundo P14. Justificativa: À medida que são formados os produtos há uma diminuição da concentração dos reagentes, formando cada vez menos produtos por unidade de tempo. Uma das explicações para esse fato é que diminuindo a concentração dos reagentes diminui as colisões efetivas entre as moléculas. Podemos considerar que v=k[r], considerando que a diminuição da concentração há redução da velocidade. (P14) Outro professor que desenhou uma curva semelhante a da figura 5 foi o professor P20, percebe-se que o modelo de seu gráfico refere-se ao modelo científico - MC (categoria Cakmakci et al, 2005). Sua justificativa para esse modelo é: A medida em que ocorre a reação os reagentes são consumidos e forma-se novo produto. A velocidade diminui com o tempo à medida em que os reagentes são consumidos. Modelo de aumento (MA): 1 professor. De acordo com esse modelo a reação se inicia lentamente e ocorre mais rápido posteriormente. Esse professor elaborou o seguinte gráfico (fig. P6): Figura 6. A variação da velocidade de uma reação em função do tempo segundo P2. A sua justificativa para o seu desenho é: A concentração diminui com o tempo. A reage com B e transforma-se em C. Embora em sua explicação indique que a concentração de A diminui, ela não relaciona essa informação com a construção do seu gráfico, ou seja, não relaciona a diminuição da concentração do reagente por unidade de tempo. Modelo de aumento-constante (MAC): 5 professores. Nesse modelo a reação se inicia com velocidade igual a zero e vai aumentando ate atingir um valor onde este permanece constante até o final da reação: No tempo zero o valor da velocidade é zero. Conforme os valores de tempo começam a variar os valores da velocidade aumentam, porque os reagentes A e B estão em grande quantidade e a chance de se chocarem é grande. P(4) 7

Figura 7. A variação da velocidade de uma reação em função do tempo segundo P4. Oito professores não realizaram a atividade, sendo que desse grupo, seis estavam presentes no dia do encontro, contudo, deixaram suas atividades sem responder. Conclusões Pode-se perceber então nesse trabalho, que a dificuldade em realizar a interpretação gráfica da velocidade de uma reação química não seria somente dos alunos do ensino médio ou da graduação, conforme apontam Cakmakci et al (2005), os professores também encontram dificuldade em trabalhar com diferentes formas de representações, e isso é necessário no caso da cinética química. Isso pode ser devido a lacunas na formação inicial, nessa etapa esse professor pode não ter tido oportunidade de trabalhar com esse tipo de representação. Portanto, seria importante que professores de químicas tivessem a oportunidade de discutir sobre essas dificuldades, por exemplo, em cursos de formação continuada. Referências CAKMAKCI, G. Students' Ideas about Reaction Rate and its Relationship with Concentration or Pressure. International Journal of Science Education. (28):15, 2006.p. 1795-1815. CAKMAKCI, G., DONNELLY, J & LEACH, J. A cross-sectional study of the understanding of the relationships between concentration and reaction rate among Turkish secondary and undergraduate students. In K. Boersma & O. de Jong & H. Eijkelhof & M. Goedhart (Eds.). Research and the Quality of Science Education. Dordrecht: Springer. 2005.p. 483-497. KAYA, Ebru e GEBAN, Ömer. Facilitating Conceptual Change in Rate of Reaction Concepts Using Conceptual Change Oriented Instruction. Education and Science, Vol. 37,. No 163. 2012. p.226-225. LAKATOS, I. História da ciência e suas reconstruções racionais. Portugal: Editora 70.1998. JUSTI, R; RUAS, R.M;Aprendizagem de química:reprodução de pedaços isolados de conhecimento? Química nova na escola. N 5. 1997;p.24-27. MARTORANO, A. A. S; As concepções de ciência dos livros didáticos de química, dirigidos ao ensino médio, no tratamento da cinética química no período de 1929 a 2004. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2007. POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G.; Aprendizagem e o ensino de ciências. Do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. Editora Artmed. 5ª. ed., 2009;p. 46-76. Van DRIEL, Jan H.; Students corpuscular conceptions in the context of chemical equilibrium and chemical kinetics. Chemistry Education: Research and Practice in Europe. Vol. 3, No. 2, 2002;p. 201-213. 8