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4. DISCUSSÃO No estudo que efectuámos subdividiu-se a população em três grupos diferentes, designadamente homicídios com um agressor e uma vítima, homicídios com vários agressores e uma vítima e homicídios com um agressor e várias vítimas. Através da análise dos resultados obtidos, pelo tratamento estatístico das variáveis seleccionadas, definiram-se grupos homogéneos e distintos que se designaram por tipologias. 4.1. Homicídios com um Agressor/uma Vítima - 132 casos É consabido que a maioria dos homicídios pertence ao grupo um agressor/uma vítima, o que neste estudo corresponde a 86.8 % do total dos casos de homicídio. Smit, (42), num estudo exploratório que realizou dos homicídios na Holanda em 1998, concluiu que a maioria dos homicídios (82 %) é perpetrada por um agressor contra uma vítima, percentagem semelhante à do presente estudo. Foi possível, a partir das variáveis, determinar três tipologias que foram designadas como amigos/conhecidos, relações amorosas e homicídios na sequência de roubo. Estudos semelhantes foram realizados por diversos autores, nomeadamente Salfati (43 a 45) que analisando as acções do agressor na cena 130

de crime concluiu pela existência de dois subtipos de homicídios, o expressivo e o instrumental, resultado já sugerido por Fesbach em 1964 (46). O subtipo expressivo está relacionado com as emoções, em que o objectivo do agressor é provocar sofrimento à vítima. No subtipo instrumental não há intenção de provocar mal à vítima, sendo o homicídio praticado usualmente para se conseguir a apropriação de bens materiais. Santtila (47), no estudo que realizou, associou a cada um daqueles subtipos, que designou por subtemas, a motivação, os meios ou as acções. Assim, concluiu pela existência de cinco subtemas de homicídios: expressivo - arma de fogo ; expressivo ocultação de cadáver ; expressivo mutilação do cadáver ; instrumental - sexo ; instrumental - bens materiais. Bijleveld (48) realizou um estudo, em 2006, no qual caracterizou cerca de 200 homicídios praticados na Holanda no ano de 1980 e, apesar de ter concluído não existir uma distinção clara entre os diferentes homicídios, o que não permitiu determinar tipologias, a análise estatística associou algumas características entre os diferentes tipos de homicídios. Concluiu assim que os homicídios contratados e os homicídios relacionados com tráfico de estupefacientes partilham algumas características, bem como os tipos de homicídios disputas entre estranhos e outras disputas criminais. Os homicídios por questões de propriedade e os homicídios psicóticos também têm características em comum, bem como os homicídios sexuais e íntimos. 131

No presente trabalho as tipologias foram definidas a partir de variáveis activas, nomeadamente da motivação, do local do homicídio, do tipo de instrumento, da relação entre a vítima e o agressor, do tipo de lesões e da localização anatómica das mesmas. As três tipologias definidas foram melhor caracterizadas pela associação de variáveis passivas, designadamente características da vítima e do agressor. As tipologias determinadas resultam da associação de variáveis através de um programa estatístico, sendo imprescindível a interpretação e ponderação dos resultados. Nesta ponderação é também necessário ter em consideração que existem variáveis que não estão associadas a uma tipologia em concreto, mas que são comuns a todas, pelo que não significa que não existam naquela tipologia. Relativamente às vítimas, as características comuns são a nacionalidade portuguesa e de outros países africanos que não Cabo Verde, os caucasianos, as profissões não qualificadas e ligadas à prestação de serviços e a ausência de antecedentes criminais. Relativamente aos agressores, as características comuns às três tipologias são o sexo masculino, a nacionalidade portuguesa e de outros países africanos que não Cabo Verde, os caucasianos, as idades compreendidas entre os 31 e os 40 anos, as habilitações literárias entre o 1.º ciclo e o secundário, as profissões ligadas à prestação de serviços, à classe operária e agricultura, a ausência de antecedentes criminais e de antecedentes psiquiátricos. São ainda comuns às três tipologias a confissão imediata ou após o interrogatório, a agressão praticada sob o efeito de drogas de abuso e a 132

ausência de sinais de intoxicação etílica. A ponderação dos resultados estatísticos que deram origem às tipologias, com as características específicas de cada variável permitiram concluir o seguinte para cada tipologia: 4.1.1. Tipologia Amigos/Conhecidos Esta tipologia engloba os homicídios não premeditados, as motivações discussão/agressão, os homicídios na sequência de crime de tráfico de estupefacientes e as rixas entre grupos rivais. Quanto ao local, associa a via pública/descampado, o interior de veículos e/ou estabelecimentos comerciais/restaurantes. Os instrumentos associados a esta tipologia são as armas de fogo, sendo as lesões perfuro-contundentes, predominantemente, observadas no tórax e abdómen. Quanto aos agressores, esta tipologia associa a nacionalidade caboverdiana e outras, nas quais se incluem a inglesa, chinesa e brasileira. Associa os agressores africanos negros e asiáticos, com idade inferior a 30 anos, analfabetos com profissões não qualificadas. Esta tipologia associa ainda os agressores com antecedentes criminais por outros delitos que não o homicídio, bem como por homicídio juntamente com outros delitos. Associa os agressores com sinais de estarem sob a influência do álcool. Engloba ainda os agressores que confessaram o homicídio em julgamento. Relativamente às vítimas, esta tipologia associa vítimas do sexo 133

masculino, de nacionalidade angolana e caboverdiana, africanos negros, com idade inferior a 45 anos. Engloba as vítimas com profissões ligadas à prestação de serviços, à agricultura e à classe operária. Associa também as vítimas com antecedentes criminais. No estudo efectuado por Santos, J. C. (49), em 1988, sobre os homicídios na região metropolitana de Lisboa, o mesmo concluiu que os homicídios ocorreram num contexto de disputa verbal, de explosão de raiva e no desejo de destruir o outro, em cerca de metade do total (46,5%), enquanto no nosso estudo ocorreu em 36,6% do total. 4.1.2. Tipologia Relações Amorosas Esta tipologia engloba os homicídios premeditados e as motivações violência doméstica e ciúme/medo de perda. Quanto ao local associa os homicídios ocorridos no domicílio da vítima, no domicílio do agressor ou no domicílio de ambos. Associa a utilização de instrumentos contundentes e corto-contundentes. Não obstante os agressores serem maioritariamente do sexo masculino, esta tipologia associa agressores do sexo feminino. Associa também os agressores com idades compreendidas entre os 41 e os 80 anos de idade, os agressores reformados e com outras profissões, designadamente estudantes, desempregados e domésticas. Engloba os agressores com antecedentes psiquiátricos e sob o efeito de medicação. 134

Os agressores que não confessaram o crime porque faleceram, a maioria na sequência de suicídio. Relativamente às vítimas, associa o sexo feminino, e as idades acima dos 46 anos. Engloba também as vítimas reformadas, domésticas e com empregos de nível médio/superior. Esta tipologia engloba os agressores que faleceram na sequência de suicídio a seguir ao homicídio. Verificou-se que, nos casos de homicídio num contexto de violência conjugal, cerca de 35 % dos agressores praticaram o suicídio ou tentativa de suicídio. Num estudo efectuado em 2009, por Ribeiro, I.P. (64), sobre o homicídio seguido de suicídio ou tentativa de suicídio nos casos de violência doméstica, no período de 2004/2008, em Portugal, concluiuse que 54% dos agressores após a prática do homicídio se suicidaram ou tentaram o suicídio. 4.1.3. Tipologia Homicídio na Sequência de Roubo Esta tipologia engloba a motivação que lhe deu o nome, em que a vítima e o agressor não se conhecem. Associa a utilização da arma branca e as lesões corto-perfurantes no coração, nos membros e região pélvica. Não engloba outras variáveis, mas os agressores oriundos de países de leste encontram-se estatisticamente relacionados com o agrupamento formado por esta tipologia. Santtila (47), não obstante ter concluído pela existência de cinco 135

subtemas de homicídio, não os pôde considerar tipos de homicídio, uma vez que a grande parte dos homicídios que estudou não tinham um subtema associado. Assim, o seu estudo sugere que existe um grupo largo de homicídios em que o acto de matar é impulsivo não havendo qualquer tipo de premeditação. No entanto, os restantes homicídios apresentam características extremamente específicas, sendo claramente associados a um subtema, o que segundo Santtila (47) é um bom ponto de partida, sugerindo que é possível encontrar associações claras e específicas entre uma cena de crime e as características do agressor. No entanto, comparando os resultados obtidos no nosso estudo com aqueles obtidos por Santtila (47) é evidente que as tipologias amigos/conhecidos e relações amorosas se incluem nos homicídios designados por expressivos e a tipologia homicídio na sequência de roubo se incluem nos homicídios designados por instrumentais. A tipologia amigos/conhecidos tem algumas semelhanças com o subtema expressivo - arma de fogo, nomeadamente a utilização do instrumento e o facto de existir uma relação entre a vítima e o agressor. O nosso estudo permitiu ainda definir para os restantes casos outras duas tipologias, a tipologia relações amorosas e a tipologia homicídio na sequência de roubo. Analisando as motivações associadas às tipologias, verifica-se que, a motivação discussão/agressão é a mais frequente, seguida dos homicídios praticados na sequência de roubo, da violência doméstica e do ciúme/medo de perda. As outras motivações, designadamente os homicídios na sequência de 136

crime sexual, por questões monetárias, por vingança e outras, não estão associadas a qualquer tipologia, possivelmente pelo facto de terem ocorrido neste estudo em número reduzido, não sendo as suas variáveis suficientes para formarem agregados distintos. As motivações rixas entre grupos rivais e homicídios na sequência de crime de tráfico de estupefacientes encontram-se associadas à tipologia amigos/conhecidos. 4.1.4. Características Gerais dos Homicídios um Agressor/uma Vítima Da análise dos resultados verificou-se que Lisboa foi a cidade onde ocorreram maior número de homicídios, seguida de Sintra, Amadora, Loures, Vila Franca de Xira, Oeiras e Cascais. Os homicídios ocorreram em maior número no período da noite, seguido do período da tarde, madrugada e manhã. A maioria dos homicídios ocorreu na via pública/local descampado, seguido do domicílio da vítima/agressor, domicílio da vítima, estabelecimento comercial, domicílio do homicida e em veículo. Na grande maioria dos homicídios não houve remoção do cadáver para outro local. A ocultação do cadáver foi tentada num número reduzido de casos, sempre que o homicídio ocorreu na habitação da vítima ou do agressor e sempre em homicídios em que o autor era conhecido da vítima. Na grande maioria dos homicídios o corpo foi encontrado de imediato. A arma mais utilizada para praticar os homicídios foi a arma de fogo, seguida da arma branca, dos instrumentos contundentes e de vários 137

instrumentos/armas. Nas armas de fogo a mais utilizada foi a pistola, seguida do revólver e da caçadeira. Nas armas brancas a mais utilizada foi a faca/navalha, seguida da faca de cozinha. Nos instrumentos contundentes os mais utilizados foram os instrumentos naturais seguidos dos objectos. As armas de fogo foram mais utilizadas nos homicídios praticados no exterior e os instrumentos contundentes no interior das residências. As motivações encontradas foram, por ordem decrescente de incidências, as seguintes: homicídios na sequência de discussão/agressão ; homicídios praticados na sequência de roubo ; homicídios praticados na sequência de violência doméstica ; homicídios praticados por ciúme/medo de perda ; homicídios praticados por vingança ; homicídios praticados na sequência de crime de tráfico de estupefacientes ; homicídios praticados na sequência de crime sexual ; homicídios praticados por questões monetárias ; homicídios praticados na sequência de rixas entre grupos rivais. Nos homicídios praticados na sequência de discussão/agressão as armas de fogo foram as mais utilizadas. Nos homicídios praticados na sequência de crime de roubo as armas brancas foram as mais utilizadas. Nos homicídios no contexto de violência doméstica foram utilizadas as armas de fogo, as armas brancas e os instrumentos contundentes. Nos homicídios motivados por ciúme/medo de perda predominou a utilização dos instrumentos contundentes, nomeadamente a asfixia por 138

esganadura. Nos homicídios praticados por vingança, na sequência de tráfico de estupefacientes, por questões monetárias e nas rixas entre grupos rivais predominou a utilização da arma de fogo. Nos homicídios praticados na sequência de crime sexual as armas brancas e os instrumentos contundentes foram os mais utilizados. A maioria dos homicídios ocorridos na sequência de discussão/agressão ocorreram na via pública, assim como os homicídios praticados na sequência de roubo, na sequência de rixas, na sequência de tráfico de estupefacientes, e por ciúme/medo de perda, enquanto os homicídios praticados na sequência de violência doméstica ocorreram predominantemente no domicílio da vítima e do agressor. Não obstante o nosso estudo e o estudo efectuado por Smit (42) terem resultados muito semelhantes, diferem quanto à principal motivação na origem dos homicídios. No estudo de Smit (42) a maioria dos homicídios teve origem em disputas íntimas, ocorridas no interior de uma habitação, enquanto no nosso estudo os homicídios foram motivados, predominantemente, por disputas entre amigos e conhecidos, na via pública. Quanto às características dos agressores e das vítimas, verificou-se que 76,5 % das vítimas e 92,6 % dos agressores eram do sexo masculino. A maioria das vítimas encontrava-se na faixa etária dos 20 aos 35 anos e os agressores no intervalo entre os 31 e os 40 anos de idade. A maioria das vítimas e dos agressores eram portugueses e caucasianos. 139

No entanto, verificou-se a existência de um número significativo de vítimas e agressores africanos negros, à semelhança do estudo de Smit (42) em que este verificou a existência de um número elevado de agressores e vítimas de etnia não holandesa. A maioria das vítimas e dos agressores tinha profissões não qualificadas e os agressores tinham na maioria o 1.º ciclo de escolaridade. A maioria das vítimas não tinha antecedentes criminais, enquanto metade dos agressores tinha antecedentes criminais, na maioria por outros crime que não o homicídio. O contrário ocorreu no estudo holandês, no qual Smit (42) verificou que a maioria dos agressores tinha antecedentes criminais. A maioria dos agressores não tinha antecedentes psiquiátricos. A maioria dos agressores estavam sóbrios, e não estavam, aparentemente, sob o efeito de drogas de abuso ou medicação. Na maioria dos homicídios praticados na sequência de discussão/agressão os agressores apresentavam sinais de intoxicação etílica. Os agressores que apresentavam sinais de intoxicação etílica utilizaram mais as armas brancas, não obstante os homicídios com arma de fogo serem mais frequentes. A maioria dos homicidas confessou o crime de imediato, verificando-se que nos homicídios praticados na sequência de roubo e na sequência de vingança a maioria não confessou o crime. A maioria dos agressores não premeditou o crime, ocorrendo premeditação na maioria dos casos de homicídio na sequência de ciúme/medo de perda, por vingança e por questões monetárias. 140

A maioria das vítimas do sexo feminino foi morta na sequência de violência doméstica e a maioria dos agressores do sexo feminino praticou o homicídio na sequência de violência doméstica. Verificou-se a existência de 11 casos em que o agressor praticou ou tentou o suicídio. Quanto à relação vítima/agressor verificou-se que a grande maioria eram conhecidos ou mantinham uma relação amorosa. A maioria das lesões observadas na vítima era de natureza perfurocontundente. As lesões observadas foram predominantemente na zona da cabeça e do tórax. A maioria das vítimas não apresentava lesões de defesa, quer activa quer passiva, sendo que as lesões de defesa foram mais observadas em vítimas de arma branca. A maioria das vítimas não chegou a receber assistência hospitalar. Quanto ao resultado dos exames toxicológicos verificou-se que a maioria das vítimas não tinha álcool no sangue, drogas de abuso, nem substâncias medicamentosas. No que respeita aos exames complementares realizados no Laboratório de Polícia Científica verificou-se que foram realizados exames de biologia (nomeadamente determinação de perfis de DNA e pesquisa de espermatozóides) em cerca de metade dos casos, exames de balística em 40 % dos casos, exames lofoscópicos em 32 % dos casos, exames de física (nomeadamente determinação de distâncias de disparo) em 12,9 % dos casos 141

e exames de química (nos casos de incêndio) num caso. Relativamente às sentenças judiciais verificou-se que, à data da recolha dos dados, 60 % dos homicidas tinham sido julgados e condenados, 9.6 % tinham sido absolvidos, 11.2 % aguardavam julgamento, 5.6 % encontravam-se fugidos à justiça, 10.4 tinham falecido e 3.2 % foram condenados, mas considerados inimputáveis. A maioria dos agressores foi condenada por homicídio qualificado. As penas aplicadas com mais frequência foram entre os 11 e os 17 anos de prisão, tendo sido aplicada a pena máxima em três casos. No estudo holandês (42), verificou-se que as penas aplicadas foram de muito mais curta duração, sendo o intervalo mais frequente entre os 4 e os 10 anos. 4.1.5. Homicídios Não Resolvidos Não se conseguiu identificar o agressor em onze homicídios, nove dos quais com um agressor e uma vítima e um com um agressor e duas vítimas. Compararam-se as características dos nove homicídios por resolver, com um agressor/uma vítima, com as tipologias determinadas e verificou-se que, inequivocamente, quatro deles pertencem à tipologia amigos/conhecidos e um à tipologia relações amorosas. Três dos homicídios partilham características de duas tipologias, sendo que dois têm mais características da tipologia amigos/conhecidos pelo que, muito provavelmente, pertencerão a esta tipologia. O outro caso tem mais características da tipologia relações amorosas, pelo que muito provavelmente pertencerá a esta tipologia. 142

Apenas um dos casos tem variáveis das três tipologias, mas em maior número da tipologia amigos/conhecidos, pelo que possivelmente pertencerá a esta tipologia. A obtenção destes resultados indicia que as tipologias determinadas serão um instrumento de trabalho a considerar em termos de investigação. A comparação das características da cena/local do crime e das características da vítima com as características das tipologias determinadas poderá, numa fase precoce da investigação, traçar um perfil de um possível homicida. 4.2. Homicídios com vários Agressores/uma Vítima - 16 casos Lisboa foi a cidade onde ocorreram maior número de homicídios, seguida de Sintra. Os homicídios ocorreram em maior número no período da noite e madrugada. O Domingo foi o dia da semana em que se verificou maior número de homicídios. A maioria dos homicídios ocorreu na via pública/local descampado, sendo o corpo da vítima encontrado de imediato. Em 4 dos casos verificou-se a tentativa de ocultação de cadáver. A arma mais utilizada para praticar os homicídios foi a arma de fogo, seguida dos instrumentos contundentes e da arma branca. A arma utilizada nunca foi deixada no local, o que se verificou em metade dos casos de homicídios um agressor/uma vítima. 143

As motivações encontradas foram, por ordem decrescente de incidências, as seguintes: homicídios na sequência de discussão/agressão ; homicídios praticados na sequência de rixas entre grupos rivais ; homicídios praticados na sequência de roubo ; homicídios praticados na sequência de violência familiar ; homicídios praticados por ciúme ou medo de perda ; homicídios praticados por vingança ; homicídios praticados na sequência de crimes de tráfico de estupefacientes. Nos homicídios praticados na sequência de discussão/agressão os instrumentos contundentes foram os mais utilizados, seguidos das armas de fogo. Foram utilizadas armas de fogo em todos os homicídios praticados na sequência de rixas entre grupos rivais, nos homicídios praticados na sequência de tráfico de estupefacientes e nos homicídios praticados na sequência de vingança. Nos homicídios praticados na sequência de violência familiar foram utilizados os instrumentos contundentes. A maioria dos homicídios ocorreu na via pública em todas as motivações, à excepção da motivação violência familiar em que ocorreram no interior da residência da vítima/agressor e na residência da vítima. Todas as vítimas destes homicídios eram do sexo masculino e apenas 3, em 45 agressores, eram do sexo feminino. A maioria das vítimas encontrava-se na faixa etária entre os 20 e os 45 anos e os agressores entre os 17 e os 30 anos. Ambos os agressores e vítimas eram na maioria portugueses e caucasianos. 144

A maioria das vítimas tinha profissões não qualificadas e pertencia à classe operária/agricultura e a maioria dos agressores tinha profissões não qualificadas e o 1.º ciclo de escolaridade. A maioria das vítimas não tinha antecedentes criminais, enquanto a maioria dos agressores tinha antecedentes criminais, por outros crimes que não o homicídio. O mesmo não se verificou nos casos dos homicídios um agressor/uma vítima, em que metade dos agressores tinha antecedentes criminais. Apenas um agressor tinha antecedentes psiquiátricos. A maioria dos agressores estavam sóbrios, e não estavam sob o efeito de drogas de abuso ou medicação. Não obstante a maioria dos agressores não estarem, aparentemente, sob a influência do álcool, todos os agressores que praticaram os homicídios na sequência de discussão/agressão apresentavam sinais de intoxicação etílica. O contrário verificou-se relativamente aos agressores que praticaram os homicídios na sequência de roubo, na sequência de tráfico de estupefacientes e na sequência de vingança. Contrariamente aos casos de um agressor/uma vítima em que a maioria dos agressores confessou o crime de imediato, nos casos de vários agressores/uma vítima a maioria dos agressores não confessou o crime ou apenas o confessou após interrogatório policial. A maioria dos agressores não premeditou o crime, ocorrendo premeditação em todos os casos de homicídio na sequência de ciúme/medo de perda, por vingança e na sequência de tráfico de estupefacientes. 145

Os agressores do sexo feminino praticaram o homicídio na sequência de violência familiar. Neste grupo não houve homicídios por resolver. Relativamente à relação vítima/agressor verificou-se que a maioria eram conhecidos, existindo também um grande número de vítimas e agressores que não se conheciam. Neste grupo não ocorreram casos de homicídio seguido de suicídio/tentativa de suicídio, ao contrário do que se verificou nos casos de um agressor/uma vítima. A maioria das lesões observadas na vítima era de natureza perfurocontundente, seguida da contundente. As lesões observadas localizavam-se, predominantemente, na zona da cabeça. A maioria das vítimas não apresentava lesões de defesa, quer activa quer passiva, sendo que as lesões de defesa foram observadas em vítimas de arma branca e instrumento contundente. A maioria das vítimas não chegou a receber assistência hospitalar. Relativamente aos exames toxicológicos verificou-se que a maioria das vítimas não tinha álcool no sangue, drogas de abuso, nem substâncias medicamentosas. Relativamente aos exames complementares realizados no Laboratório de Polícia Científica, verificou-se que foram realizados nove exames de biologia, sete exames de balística, sete exames lofoscópicos, três exames de física e um de química. 146

Relativamente às sentenças judiciais verificou-se que, à data da recolha dos dados, 42 dos homicidas já tinham sido julgados e condenados e 3 estavam a aguardar julgamento. A maioria dos agressores foi condenada por homicídio qualificado. As penas aplicadas com mais frequência foram no intervalo dos 10 aos 16 anos de prisão, intervalo semelhante aos casos de um agressor/uma vítima, tendo a pena máxima sido aplicada a 2 agressores. 4.3. Homicídios com um Agressor / várias Vítimas - 4 casos Estudaram-se quatro casos de duplo homicídio, três ocorridos no ano de 2004 e um no ano de 2003, num total de oito vítimas mortais. Os homicídios ocorreram em Lisboa, Cascais, Oeiras e Vila Franca de Xira. Um dos casos não foi resolvido. Os outros três casos de homicídio foram praticados por um agressor, na sequência de crime de tráfico de estupefacientes, na sequência de discussão/agressão e no contexto de violência doméstica. Das oito vítimas, sete eram do sexo masculino, três caucasianas e quatro negras, com idades compreendidas entre os 20 e os 35 anos. Os três agressores conhecidos eram do sexo masculino, um caucasiano, um de etnia cigana e o outro negro, dois com idades compreendidas entre os 21 e os 30 anos e o outro com cerca de 50 anos de idade. Dois dos agressores estavam, aparentemente, sob o efeito do álcool. 147

Dois dos agressores tinham antecedentes criminais. As vítimas foram mortas por arma de fogo ou por arma branca sendo as lesões observadas na região do tórax e da cabeça. O agressor do caso de homicídio na sequência de violência doméstica suicidou-se. Outro agressor faleceu durante a prisão preventiva. Quanto ao terceiro agressor, à data da recolha dos dados, ainda não tinha sido julgado. Foram realizados três exames de balística, um exame de biologia e um exame de antropologia forense. Schmidt (50) estudou 26 homicídios múltiplos numa região da Alemanha, tendo obtido resultados coincidentes com os do nosso estudo, sendo que a maioria dos homicídios estudados por Schmidt (50) foram praticados na sequência de outro crime e, segundo este autor, na sequência de raiva. As lesões que causaram a morte das vítimas foram, predominantemente, provocadas por armas de fogo. 4.4. Procedimentos de Actuação da Investigação Criminal Em simultâneo com os procedimentos instituídos na Polícia Judiciária (15), o investigador, utilizando as características relativamente à vítima e ao local, bem como as de eventuais suspeitos, poderá compará-las com os resultados das três tipologias determinadas, e assim obter características de um agressor tipo e da motivação que poderá ter estado na origem do homicídio. 148

A inserção destas características no programa estatístico SPSS (63) permitirá obter resultados quanto ao enquadramento de cada caso em alguma das tipologias predefinidas e, assim, determinar estratégias de investigação. Deve ser tomada em especial consideração a recolha de informação que possibilite a sua integração nas variáveis activas e passivas, designadamente o tipo de local, o tipo de instrumento, a eventual motivação, o tipo de lesões e a sua localização anatómica, as características da vítima e de eventuais suspeitos, desde o sexo, à idade, nacionalidade, grupo étnico, incluindo-se também as profissões, antecedentes criminais, antecedentes psiquiátricos, consumos de álcool, drogas de abuso e medicação. 149