Dica Clínica Ortodontia lingual: técnicas laboratoriais de montagem Maria Christina de Souza Galvão*, Liliana Ávila Maltagliati**, Silvana Bommarito** Resumo O sucesso do tratamento ortodôntico com Ortodontia lingual depende substancialmente da precisão no posicionamento dos braquetes, pois, devido às dificuldades de trabalho com as faces linguais e a menor distância inter-braquetes, a execução de dobras no fio deve ser evitada ao máximo. Pela dificuldade de trabalho e visualização das faces linguais, a colagem necessariamente se faz de forma indireta, com montagem do aparelho em labora- tório. A importância do procedimento de posicionamento dos braquetes e a necessidade de colagem indireta levaram ao desenvolvimento de várias técnicas de montagem. Algumas das técnicas mais utilizadas serão descritas nesse trabalho e será demonstrada uma modificação na técnica de confecção de matrizes individuais de transferência pelo emprego de polímero de etileno-vinil acetato termoplástico (cola quente). Palavras-chave: Ortodontia lingual. Confecção laboratorial. Colagem indireta. * Cirurgiã-dentista. Mestranda do programa de pós-graduação em Odontologia, área de concentração Ortodontia da Universidade Metodista de São Paulo. ** Professora titular do programa de pós-graduação em Odontologia, área de concentração Ortodontia da Universidade Metodista de São Paulo. 20 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006
Maria Christina de Souza Galvão, Liliana Ávila Maltagliati, Silvana Bommarito IntRodução Sabe-se que o número de pacientes adultos nos consultórios de Ortodontia têm aumentado muito nos últimos anos 1. A decisão do paciente adulto em se submeter a um tratamento ortodôntico é muito mais complexa que para crianças e adolescentes, pois consiste em uma atitude voluntária e que apresenta, na maioria das vezes, uma queixa principal muito bem estabelecida e relacionada, em 80% dos casos, à melhora estética do sorriso. Os aspectos inerentes ao tratamento são bem aceitos, porém a aparência antiestética dos braquetes ortodônticos convencionais não agrada e é uma das principais razões que levam adultos a recusarem o tratamento com Ortodontia. Nesse contexto, a utilização de braquetes linguais torna-se uma possibilidade viável para estes pacientes e que supre a exigência de um tratamento estético, invisível 2. A Ortodontia lingual não é recente. Iniciou nos anos 70, quando três ortodontistas, Fujita 3, Kurz e Romano 7 desenvolveram aparelhos linguais a partir de braquetes edgewise adaptados à superfície lingual. Entretanto, dificuldades relacionadas ao desenho do aparelho, assim como à mecânica de tratamento específica desta técnica, postergaram a sua popularidade por aproximadamente 20 anos, quando a busca por tratamentos ortodônticos com aparelhos estéticos superou as dificuldades práticas, e novos desenhos de braquetes e o desenvolvimento de fios de alta tecnologia contribuiram para a simplificação da mecânica, tornando a técnica lingual, agora, plenamente viável. Smith et al. 5 relataram 12 chaves para o sucesso da Ortodontia lingual, entre elas, o correto posicionamento dos braquetes e a colagem indireta. Isso porque, pela dificuldade de trabalho com as faces linguais e a menor distância inter-braquetes, a execução de dobras no fio aumenta sobremaneira a dificuldade de trabalho 6. Portanto, o posicionamento dos braquetes com acurácia se torna fundamental. Inicialmente, os braquetes eram colados diretamente na boca, o que, devido à variabilidade do contorno da superfície lingual e à dificuldade visual, torna-se um procedimento extremamente difícil, acarretando enorme variação de posicionamento, torque e altura dos dentes, comprometendo a qualidade da finalização 7. A ausência de cobertura dos dentes pelos braquetes, como acontece na técnica labial, permite ao paciente acompanhar melhor a evolução e o progresso do tratamento, tornando-o mais exigente pela possibilidade de visualização de detalhes, o que torna a finalização do tratamento ainda mais crítica 8. Em função da importância do posicionamento dos braquetes e da necessidade de colagem indireta, pela dificuldade de trabalho e visualização das faces linguais, várias técnicas de montagem do aparelho foram desenvolvidas. Entre elas: a TARG system (Torque Angulation Reference Guide) 9, o CLASS system (Customized Lingual Appliance Set-up Service) 10, BEST system (Bonding with Equalized Specific Thickness), TOP system (Transfer Optimized Positioning) 11 e CRCS (Convertible Resin Core System) 12. Com intuito de contribuir para o aprimoramento das técnicas de colagem, o objetivo deste trabalho foi descrever a montagem de braquetes linguais pelos sistemas CLASS system 7 e MBP (Mushroom Bracket Positioning) 13, que fazem uso de um setup de diagnóstico construído em modelos articulados, e demonstrar uma modificação na técnica de confecção de matrizes individuais de transferência, empregando-se polímero de etileno-vinil acetato termo-plástico (cola quente). técnica de montagem dos BRAQuetes moldagem O primeiro passo para a montagem deve compreender uma moldagem com material apropriado e obtenção do modelo de gesso livre de bolhas 5. Indica-se o uso de material de moldagem à base de silicone de duas fases, a primeira pesada e a segunda leve 14 (Fig. 1). FiGura 1 - Moldagem com silicona. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006 21
Ortodontia lingual: técnicas laboratoriais de montagem A precisão na moldagem é muito importante, uma vez que qualquer imperfeição na face lingual do modelo incorrerá em erro na montagem e, nas demais áreas, fará com que a moldeira de transferência não se encaixe perfeitamente à superfície dentária, quando do procedimento de colagem indireta. Assim, é também importante que o tempo decorrido entre a moldagem, a montagem dos braquetes e a colagem não seja superior a 15 dias, para evitar erros por distorções dos materiais, ou mesmo, por modificações na oclusão como, por exemplo, uso de separadores, extrações, troca de restaurações, que devem ser realizados sempre antes ou depois, para evitar qualquer tipo de movimentação dentária. Raspagens e profilaxias devem ser efetuadas antes da moldagem 15. A partir da moldagem, dois modelos são confeccionados em gesso melhorado; um servirá para a confecção do setup e o outro para a transferência dos braquetes 16. CLAss system No sistema CLASS, realiza-se o setup em um dos modelos obtidos, com todas as características ideais de torque, angulação e posicionamento dentário que se deseja ao final do tratamento 14 (Fig. 2). Esse tipo de montagem, mais sofisticada, permite uma individualização do caso, com o posicionamento dos dentes da maneira ideal, levando em conta discrepâncias anatômicas da superfície lingual dos dentes. Os equipamentos que montam os braquetes diretamente nos modelos de má oclusão (TARG, Slot-machine) utilizam valores pré-determinados de torque e angulação 17. Após a limpeza dos dentes do modelo de setup, para remover qualquer resíduo de cera, o mesmo deve ser isolado com isolante para resina acrílica. Duas camadas de isolante devem ser aplicadas e aguarda-se 8 horas para permitir a secagem completa. Então, um arco ideal em fio de aço 17x25 é confeccionado, FiGura 2 - Setup confeccionado com torque, angulação e posicionamento ideais dos dentes. FiGura 3 - Escolha do tamanho do arco. FiGura 4 - Fotopolimerização da montagem no setup. FiGura 5 - Montagem do modelo no posicionador. 22 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006
Maria Christina de Souza Galvão, Liliana Ávila Maltagliati, Silvana Bommarito que será utilizado posteriormente como arco ideal, no final do tratamento. Os braquetes são presos sobre esse arco com ligaduras elásticas (Fig. 3) e, em seguida, coloca-se resina fotopolimerizável nas bases para posicioná-los no modelo de setup e, com o aparelho de fotopolimerização, procede-se a cura da resina (Fig. 4). Verificase se o pad de resina não tem excessos nem faltas. mbp system No MBP system, após a execução do setup, os modelos são removidos do articulador, isolados e colocados no posicionador (Fig. 5). Para posicionamento dos braquetes, escolhe-se o arco que melhor se adapta ao contorno interno do modelo, dentre um conjunto de arcos de vários tamanhos (Fig. 6), e procede-se à fixação deste arco no braço fixo do MBP, erguendo a haste. Utilizando ligaduras elásticas, os braquetes são presos ao arco e recebem uma boa quantidade de resina fotopolimerizável para fixação no modelo (o suficiente para promover o contato com toda a superfície do dente) (Fig. 7). Passa-se então ao procedimento de fotopolimerização da resina (Fig. 8) 13. transferência dos braquetes Para a transferência dos braquetes do modelo de setup para o de má oclusão, os dentes são recobertos, individualmente, com resina Duralay, de forma a confeccionar um guia de posicionamento, pela técnica do pincel (Fig. 9, 10). Os braquetes são então transferidos para o modelo da má oclusão, já previamente isolado e são colados com cola solúvel em água (Fig. 11) 18. Após a secagem da cola, o guia de Duralay é removido do modelo, que vai então para uma máquina de confecção de moldeiras a vácuo, para que uma placa de silicone seja plastificada FiGura 6 - Detalhe da escolha do arco apropriado. FiGura 7 - Braquetes posicionados e presos com ligadura elástica, colocação da resina. FiGura 8 - Fotopolimerização da resina. FiGura 9 - Detalhe da confecção dos guias pela técnica do pincel. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006 23
Ortodontia lingual: técnicas laboratoriais de montagem FiGura 10 - Guias confeccionados. FiGura 11 - Após a transferência para a má oclusão, o guia de resina é removido. FiGura 12 - Máquina plastificadora. FiGura 13 - Guia de transferência de silicone confeccionado a vácuo. pelo calor e prensada a vácuo sobre o modelo, dando conformação à moldeira de transferência para colagem dos braquetes (Fig. 12). Após o resfriamento natural, o modelo deve ser imerso em água por 30 min. para que os braquetes separem-se do modelo e a moldeira possa ser removida e recortada em 3 ou 4 partes para facilitar a colagem, dependendo da preferência do profissional (Fig. 13). sistema de confecção de guias individuais com cola quente Dependendo da quantidade de apinhamento, é freqüente a impossibilidade de transferência de todos os braquetes para o modelo de má oclusão (Fig. 11). Com base no CRCS 12 e no procedimento para confecção de moldeiras de transferência descrito por White 18 para braquetes vestibulares, podemos usar uma pistola de cola quente para a confecção de um guia de transferência individual do modelo de setup diretamente para a boca do paciente (Fig. 14). A matriz de cola quente é estável dimensionalmente e pode ser guardada para ser colada posteriormente. Esse procedimento pode também ser empregado para colagem de todos os braquetes direto do setup para os dentes, se for de preferência, pois esse procedimento beneficia a exatidão da colagem, uma vez que elimina-se a fase de transferência para o modelo da má oclusão, o que auxilia na diminuição de possíveis erros de procedimentos laboratoriais embutidos em cada fase. Além disso, no caso de falha de colagem, o procedimento de recolagem é facilitado. No entanto, o tempo de cadeira para colagem dos braquetes no paciente aumenta sensivelmente 17. Para confecção do guia individual, a pistola de cola quente deve ser aquecida por 5 a 10 min. e então aplicada sobre a superfície dentária, em quantidade suficiente para formar um capuz. Com o dedo molhado em água fria, vai-se moldando o material de modo 24 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006
Maria Christina de Souza Galvão, Liliana Ávila Maltagliati, Silvana Bommarito a reter o braquete. Após o endurecimento, que leva alguns segundos, o modelo é submerso em água fria por 30 min. para soltar os braquetes. Depois de pronto, o guia deve ser marcado com o número do dente correspondente para permitir sua identificação (Fig. 15,17). Acabamento Observar os pads de resina para verificar a existência de falhas e excessos que devem ser corrigidos (Fig. 18). Em seguida, as bases dos braquetes devem ser jateadas com jato de óxido de alumínio para remover resíduos de isolante e/ou de gesso (Fig. 19). FiGura 14 - Confecção do guia individual com pistola de cola quente diretamente no setup. FiGura 15 - Guia de colagem individual identificado. FiGura 16 - Guia de colagem individual identificado. FiGura 17 - Detalhe do guia pronto para colagem indireta. FiGura 18 - Detalhe dos excessos de resina no pad. FiGura 19 - Jateamento da base do braquete. Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006 25
Ortodontia lingual: técnicas laboratoriais de montagem FiGura 20 - Detalhe do guia com os braquetes, recortado para facilitar a colagem. FiGura 21 - Detalhe do guia individual de cola quente. Antes da colagem indireta, o guia deve ser colocado na boca para avaliar o melhor eixo de inserção. Dependendo da quantidade de apinhamento dentário e da experiência do profissional, o guia pode ser dividido para facilitar a colocação e a remoção após a colagem (Fig. 20, 21). Os pads de resina devem ser limpos com bolinha de algodão embebida em acetona, para a remoção de alguma impureza residual 19. Lingual Orthodontics: indirect bonding laboratory technique Abstract The success of Lingual Orthodontic therapy is very conditioned on precise indirect bracket positioning. Because of the shorter interbrackets distance wire bends should be avoided. The lingual face is very hard on visibility and to work, so the best procedure for lingual appliance is the indirect bonding technique. key words: Lingual Orthodontics. Laboratory fabrication. Indirect bonding. The importance of bracket positioning has lead to the development of many laboratory techniques for indirect bonding. Some of the most frequently used techniques will be described in this paper and a new modified one, in order to make individual trays, using hot glue. 26 Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006
Maria Christina de Souza Galvão, Liliana Ávila Maltagliati, Silvana Bommarito RefeRênciAs 1. PROFFIT, W. R. Treatment for adults. In:. (Ed.). contemporary Orthodontics. 3rd ed. St Louis: C. V. Mosby, 2000. 2. FRITZ, U.; DIEDRICH, P.; WIECHMANN, D. Lingual technique: patients characteristics, motivation and acceptance. J Orofac Orthop, München, v. 63, p. 227-233, 2002. 3. FUJITA, K. New orthodontic treatment with lingual brackets and mushroom archwire technique. Am J Orthod, St. Louis, v. 76, p. 657-675, 1979. 4. ALEXANDER. C. M.; ALEXANDER, R. G.; GORMAN, J. C, HILGERS, J. J.; KURZ, C.; SCHOLZ, R. P.; SMITH, J. R. Lingual Orthodontics: a status report. J clin Orthod, Boulder, v. 16, no. 4, p. 255-262, Apr. 1982 5. SMITH, J. S.; GORMAN, J. C.; KURZ, C.; DUNN, R. M. Keys to success in lingual therapy Part 1. J clin Orthod, Boulder, v. 20, no. 4, p. 252-261, Apr. 1986 6. GANDINI JÚNIOR, L. G.; GANDINI, M. R. Técnica lingual: uma perspectiva para tratamentos estéticos. Rev Dental Press Ortodon Ortop facial, Maringá, v. 7, n. 5, p. 91-104, set./out. 2002. 7. KURZ, C.; ROMANO, R. Lingual orthodontics: historical perspective. In: ROMANO, R. Lingual Orthodontics. London: B. C. Decker, 1998. p. 21 8. RUMMEL, V.; WIECHMANN, D.; SACHDEVA, R. C. L. Precision finishing in lingual orthodontics. J clin Orthod, Boulder, v. 23, no. 2, p. 101-113, Feb. 1999. 9. FILLION, D. The resurgence of lingual orthodontics. clin impressions, Glendora, v. 7, p. 2-9, 1998. 10. HUGE, S. A. The customized lingual appliance set-up service (CLASS) system. In: ROMANO, R. Lingual Orthodontics. Hamilton: BC Decker Onc, 1998. 163-173 11. WIECHMANN, D. Lingual Orthodontics (Part 1): laboratory procedure. J Orofac Orthop, München, v. 60, no. 5, p. 371-379, 1999. 12. KIM, TAEWON; BAEGI-SUN, CHO JAEHYUNG. New Indirect bonding method for lingual orthodontics. J clin Orthod, Boulder, v. 34, no. 6, p. 348-350, 2000. 13. KYUNG, H.; PARK, H.; SUNG, J. The mushroom bracket positioner for lingual orthodontics. J clin Orthod, Boulder, v. 36, no. 6, p. 320-328, June 2000. 14. WIECHMANN, D.; RUMMEL, V.; THALHEIM, A.; SIMON, J.; WIECHMANN, L. Customized brackets and archwires for lingual orthodontic treatment. Am J Orthod Dentofacial Orthod, St. Louis, v. 124, p. 593-599, 2003. 15. COURTNEY, J. C. Lingual Orthodontics in a labial Orthodontics office. In: ROMANO, R. Lingual orthodontics. London: B. C. Decker, 1998. p. 43-44 16. Silicone impression. Disponível em: <http://www.lingualtechnik.de/daten/pdf/silicone_ en.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2005. 17. GERON, S.; ROMANO, R. El posicionamiento de los brackets en Ortodoncia lingual: revisión crítica de diferentes técnicas. Ortodoncia clínica, Barcelona, v. 4, n. 3, p. 136-141, 2001. 18. WHITE, L. W. A new and improved indirect bonding technique. J clin Orthod, Boulder, v. 32, no. 1, p. 17-23, 1999. 19. WIECHMANN, D. Lingual Orthodontics (Part 3): intraoral sandblasting and indirect bonding. J Orofac Orthop, München, v. 61, p. 280-291, 2000. Endereço para correspondência Maria christina de souza Galvão Rua Cel Lisboa, 664 CEP: 04020-041 - São Paulo/SP E-mail: dra.christina.galvao@uol.com.br Rev. Clín. Ortodon. Dental Press, Maringá, v. 5, n. 2 - abr./maio 2006 27