CAPÍTULO I BASES E PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA GESTÃO DAS PESCAS EM ÁGUAS CONTINENTAIS PORTUGUESAS

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Transcrição:

CAPÍTULO I BASES E PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA GESTÃO DAS PESCAS EM ÁGUAS CONTINENTAIS PORTUGUESAS 1. GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS E GESTÃO PISCÍCOLA Os recursos hídricos e sua gestão conheceram, no nosso país e na última década, um aumento crescente de estatuto e importância. Esta expansão está, sem dúvida, associada a razões circunstanciais, tais como o surgimento do Plano Hidrológico Espanhol, a ocorrência de períodos hidrológicos extremos de seca ou cheias e o desenvolvimento sócio-tecnológico e económico do país, após a entrada na União Europeia. Esta expansão está também associada à transposição para o Direito nacional de várias Directivas relacionadas com o controle de substâncias poluentes, qualidade das águas e qualidade piscícola (Neves, 1995) e outras à preservação de habitats e espécies (Farinha e Trindade, 1994). No plano nacional, assistiu-se também ao desenvolvimento de legislação neste domínio, com a classificação e ordenamento de albufeiras de uso público (Decreto-Lei 502/71 de 18/11), o regulamento de segurança de barragens (Decreto-Lei 11/90 de 6/1), a revisão da classificação das obras de fomento hidroagrícola (Decreto-Lei 69/92 de 27/4) e a definição do processo de planeamento de recursos hídricos (Decreto-Lei 45/94 de 22/2). A crescente importância e motivação para a gestão de recursos hídricos dos anos noventa, foram também acompanhadas de novas estruturas administrativas a nível do Ministério do Ambiente (Instituto da Água e Direcções Regionais de Ambientee Ordenamento do Território), de processos de planeamento de recursos hídricos (Plano Nacional da Água e Planos de Bacia Hidrográfica) e da implementação do regime de licenceamento e do regime económico e financeiro da utilização do domínio público hídrico (Decretos-Lei 46 e 47/94 de 22/2). O Plano Nacional de Política do Ambiente tinha igualmente dado também grande relevo à gestão de recursos hídricos (MARN, 1995, pp. 20-31). Por recursos hídricos entende-se a quantidade existente de água disponível, nas suas diferentes formas, e a qualidade que lhe está associada, e por gestão integrada referimo-nos à Maria Teresa Ferreira, Departamento de Engenharia Florestal do Instituto Superior de Agronomia & Jorge Bochechas, Chefe de Divisão das Pescas da Direcção Geral das Florestas 1

compatibilização presente e futura dos seus usos, realizada de tal forma que garanta igualmente objectivos, neste caso não utilitários e não consumptivos, de conservação e preservação de habitats e espécies. Na realidade, e como pano de fundo, o aumento do interesse na gestão da água, e dos elementos biológicos a ela associados, prende-se com a crescente escassez da sua quantidade e qualidade, face ao aumento e diversificação do seu uso devido ao crescimento demofórico, ou seja, o crescimento conjunto da população humana e do desenvolvimento tecnológico e níveis de exploração dos recursos naturais (Wetzel, 1983). Entre as componentes do uso não consumptivo da água e dos ecossistemas aquáticos, encontra-se a produção de riqueza biológica sob a forma de bens e serviços, incluindo a actividade piscatória profissional, as diferentes formas e tipos de pesca desportiva e as diversas actividades de lazer associadas às massas de águas interiores ou continentais. Por gestão do meio aquático dulçaquícola, ou gestão aquícola, entende-se o conjunto de actividades e acções, tomadas isolada ou conjuntamente, com vista à administração, regulamentação e fiscalização do uso aquícola, e especialmente piscícola, bem como à avaliação, condução, intervenção, fomento e exploração sustentada de recursos aquáticos e dos sistemas naturais em que estão inseridos, realizadas num quadro de sustentabilidade ecológica e conservação das espécies e ecossistemas. A gestão aquícola encontra-se na fronteira entre a gestão de recursos florestais e a gestão de recursos hídricos, embora pela sua importância sócio-económica, tenha adquirido estatuto próprio em muitos países e admnistrações públicas. O objectivo último da gestão aquícola é a gestão das pescas continentais. A gestão das pescas continentais é frequentemente sub-valorizada em termos da sua importância económica e social (Ferreira, 1996), e apontada como uma actividade depredatória e depauperadora dos recursos naturais, quando na realidade uma boa e interveniente gestão aquícola é um instrumento fundamental para a manutenção da sanidade e integridade biológica dos sistemas aquáticos. 2. AS PESCAS CONTINENTAIS NO SECTOR AGRÁRIO A gestão das pescas continentais é, sem dúvida, uma área técnico-científica de âmbito agrário. Primeiro, porque a condução, extracção, uso e usufruto de recursos animais 2

(desejavelmente de forma sustentada em termos ecológicos) é efectivamente, e por definição, uma actividade agrária. Segundo, porque os ecossistemas aquáticos continentais dependem funcionalmente das suas bacias de drenagem, apresentando com estas uma interactividade e dependência permanentes, e portanto os ecossistemas terrestres devem ser geridos em conjunto com os aquáticos. Terceiro, porque é no sector agrário, que precisamente se encontram, em simultâneo, a formação técnico-científica, os meios materiais e as estruturas administrativas necessárias para a exploração sustentada de recursos biológicos aquáticos. A gestão aquícola e das actividades de pesca profissional e desportiva em águas doces, apresenta um quadro legal bem estabelecido, com base na Lei nº 2097 de 6 de Junho de 1959, regulamentada pelo Decreto nº 44623 de 10 de Outubro de 1962, actualizado pelo Decreto nº 312/70 de 6 de Julho. De salientar que esta legislação há muito incorpora os conceitos de gestão sustentável e de manutenção da biodiversidade, consubstanciados em normas regulamentares da captura das espécies, do ordenamento e gestão dos recursos aquícolas, da existência de rede de áreas de abrigo e desova e da manutenção do contínuo fluvial, através da instalação de passagens para peixes nas obras hidráulicas (Ferreira, 1996). De facto, e apesar das suas limitações, esta legislação constitui ainda hoje, passados quase 40 anos sobre a sua publicação, um importante instrumento para a protecção e conservação das comunidades piscícolas de águas interiores. De acordo com a legislação actual (Decreto Regulamentar nº11/97 de 30 de Abril), cabe à Direcção Geral das Florestas definir as normas orientadoras do ordenamento e gestão dos recursos aquícolas, promover, coordenar e apoiar a execução das suas acções, bem como coordenar e assegurar a aplicação das disposições legais da pesca nas águas interiores. Também a nível regional o sector agrário exerce competências de gestão piscícola, através das Direcções Regionais de Agricultura, as quais têm como atribuição promover a adopção das medidas mais adequadas ao ordenamento, gestão e exploração dos recursos aquícolas. A atribuição das competências e tutela da gestão aquícola aos Engenheiros Florestais (ex- Silvicultores) e ao sector agrário, apresenta raízes históricas associadas à herança de gestão da caça e fauna selvagem dos bosques e montados do Rei, realizada pelos Monteiros-mores do Reino desde D.Afonso III, mas também radica na escola científica franco-alemã do século XIX, que esteve na origem da formação dos primeiros Engenheiros Silvicultores, como Bernardino Barros Gomes e José Bonifácio de Andrade e Silva, e cuja base conceptual presidiu à criação e desenvolvimento dos Serviços Florestais e Aquícolas enquanto estrutura administrativa, em 3

meados do mesmo século (Cardoso, 1956). Esta concepção portuguesa da gestão integrada da floresta, da bacia hidrográfica e dos sistemas naturais associados, tem os seus equivalentes em todos os países mediterrâneos, por exemplo, na Ingenieria de Montes em Espanha e no Génie des Eaux et Forêts em França. 3. PRINCíPIOS ORIENTADORES DA GESTÃO AQUíCOLA Devido ao empobrecimento e fragilização das comunidades aquáticas, face a agressões constantes ao recurso água e à humanização dos ecossistemas aquáticos, uma parte substancial do esforço que vem sendo desenvolvido por organismos como o Instituto da Água, o Instituto da Conservação da Natureza e a Direcção Geral das Florestas, é do tipo protector e conservativo, isto é, centra-se na manutenção de comunidades fragilizadas. São casos típicos a implementação de passagens para peixes, a obrigatoriedade de regimes de caudais ecológicos, a criação de zonas de protecção a espécies ou partes do seu ciclo de vida, ou a simples proibição de usufruto do meio aquático. Não descurando este tipo de acções, em muitos casos fundamentais, a gestão do meio aquático, para além de ter em conta estes aspectos conservativos, inclui muitos outros relacionados com o uso não consumptivo e explorabilidade dos recursos aquáticos, tais como a fiscalização das actividades piscatórias e a condução e fomento de pesqueiros. As duas vertentes (conservação e usufruto) não são antagónicas, antes se completam, desde que gestão do meio aquático se realize num quadro técnico-científico de sustentabilidade ecológica. Os princípios orientadores da gestão aquícola (e piscícola) são os seguintes: Princípio 1. O meio aquático possui recursos biológicos geradores de bens e serviços, de elevada importância, e que importa gerir e fomentar. Princípio 2. Por gestão aquícola entende-se o conjunto de acções tomadas isolada ou conjuntamente para a avaliação, condução, intervenção, fomento e exploração sustentada dos recursos biológicos aquáticos. Princípio 3. A gestão do meio aquático, e dos bens e serviços por ele gerados, deve ser realizada de uma forma concertada e em função dos seus produtores e utilizadores, tendo como base fundamental a sustentabilidade ecológica e a conservação dos sistemas aquáticos. 4

Princípio 4. Na gestão aquícola, deve ser reconhecida a existência de diferentes graus de qualidade e integridade ecológica das comunidades, conducentes a diferentes tipos, níveis e amplitudes de intervenção e explorabilidade. Princípio 5. Na gestão aquícola deve ser reconhecida a especificidade de cada massa de água, incluindo os seus diferentes graus e tipos de artificialização, no enquadramento específico dos ecossistemas mediterrâneos. Princípio 6. As acções de gestão aquícola incluem diferentes níveis hierárquicos de intervenção institucional e exigem, nos níveis superiores, a cooperação entre instituições, por forma a serem consequentes. Princípio 7. As acções de gestão aquícola devem ser elaboradas no quadro de um delineamento estratégico sectorial, projectado no tempo e no espaço em Planos de Ordenamento Aquícola, cuja implementação é acompanhada por orgãos consultivos reunindo gestores, utilizadores e especialistas de recursos aquáticos. O conceito do meio aquático natural poder produzir riqueza biológica sob a forma de bens e serviços é hoje em dia frequentemente contestado ou esquecido, sendo nalguns círculos urbanos concebido o acto de pesca como uma agressão às comunidades piscícolas, independentemente do seu tipo e degradação. E contudo, um dos objectivos (entre outros) de uma boa gestão piscícola é a conservação dos ecossistemas naturais (Princípios 1 e 2). Na gestão de recursos piscícolas, importa reconhecer três conceitos fundamentais: o da integridade ecológica e sua antítese, a degradação; e o da naturalidade ecológica, e sua antítese, a artificialização; e o da especificidade ecológica dos sistemas mediterrâneos (Princípios 3, 4 e 5). As comunidades biológicas a gerir apresentam diferentes graus de integridade ecológica e qualidade biológica, devido à evolução histórica do local em que se situam e aos diferentes tipos e magnitudes possíveis de alterações. Por exemplo, e citando casos extremos, pequenos rios de zonas interiores do país provavelmente apresentarão comunidades naturais íntegras e de grande valor conservacionista, enquanto pequenas ribeiras urbanas dificilmente incluirão elementos biológicos de elevado valor conservacionista, antes necessitando de níveis extremos de recuperação. Segue-se que quaisquer planos de conservação ou gestão aquícola devem incluir formas prévias de avaliação da qualidade biológica, ou seja, da integridade ecológica e nomeadamente piscícola, das comunidades existentes. 5

Os ecossistemas aquáticos podem apresentar todos os graus possíveis de alteração e humanização, desde ecossistemas quase completamente intocados, como alguns rios de pequena ordem do interior do país, até aos ecossistemas completamente artificiais que são as albufeiras e canais. A maioria dos ecossistemas aquáticos portugueses (e europeus) encontra-se sujeito a todo o tipo de alterações de origem humana: mudanças dos regimes de caudais e da composição química da água, inclusão de obstáculos intransponíveis, modificações estruturais dos leitos e das margens, cortes de mata ripária e extracção de inertes, descarga de águas residuais, poluição difusa por químicos e nutrientes, etc. Segue-se que quaisquer planos de gestão aquícola devem ter em conta o nível de artificialização passado e presente dos sistemas, e geridos em consequência. Ou seja, num sistema com grande grau de naturalidade, a gestão consiste na minimização dos usos, enquanto num sistema muito intervencionado como uma albufeira pública, a gestão consiste na compatibilização dos usos. Finalmente, é necessário não esquecer o contexto ecológico das actividades de gestão piscícola em Portugal. Frequentemente os conhecimentos técnico-científicos de base que aplicamos na gestão dos nossos sistemas e espécies provêm de experiência de zonas temperadas frias, quando a Península Ibérica possui um grau de especificidade muito próprio. Casos evidentes desta desadequação ecológica são a tentativa de aplicação da zonagem piscícola de Huet (1956) ao nosso país, ou os valores máximos admissíveis de temperatura indicados no Decreto-Lei nº236/98 de 1/8 para águas piscícolas (Anexo X), transpostos de legislação comunitária, ambos de resultados duvidosos. Em termos piscícolas, a Península Ibérica apresenta um número relativamente pequeno de espécies indígenas, pouco resistentes, mas muito resilientes à perturbação, originalmente de carácter natural. Contudo, esta perturbação histórica natural é de carácter sincrónico, ou seja, apresenta dada variabilidade intra e interanual num certo contexto climático, sendo que a desvirtuação desta sincronia leva à ruptura das comunidades estabelecidas (Granado-Lorencio, 1992), por exemplo através da alteração do regime natural de caudais. Não existindo propriamente lagos, mas apenas algumas lagoas, as albufeiras são ecossistemas 'alienígenas', sendo poucas as espécies ibéricas que conseguem aí estabelecer-se (Ferreira e Godinho, 1994; Ferreira, Godinho e Albuquerque, 1998). Ou seja, uma grande parte das acções de gestão tem que apresentar originalidade e adaptação (e bom senso) face a ecossistemas muito particulares. Por outro lado, o estudo da ecologia e funcionamento dos ecossistemas aquáticos dulçaquícolas é 6

uma temática particularmente recente em Portugal. E, para gerir e produzir, é necessário saber e conhecer. Nas actividades de gestão aquícola, importa ainda reconhecer a indissociabilidade dos vários componentes do ecossistema e as suas ligações funcionais à bacia de drenagem através de fronteiras longitudinais e transversais. Por exemplo, é inconsequente cortar a vegetação em excesso, sem controlar as entradas de nutrientes que a originam (Ferreira, 1994), aumentar por repovoamento a carga piscícola em rios que naturalmente apresentam baixa produtividade (Cortes, 1994) ou implantar regimes de caudais ecológicos mensais quando os caudais instantâneos diários são desadequados (Ferreira e Oliveira, 1997). De facto, é impossível fazer gestão piscícola, ou de plantas aquáticas, ou de qualquer outro componente dos ecossistemas, sem ter um conhecimento global e razoável destes. Finalmente, um último aspecto que importa reconhecer na gestão aquícola é a necessidade de diferentes níveis de intervenção tutelar, em função do tipo de acções de gestão a levar a cabo, dos sistemas aquáticos em causa e ainda das espécies a gerir (Princípio 6). De facto, a regulamentação e a fiscalização, intervenções em pequenas massas de água ou em rios de pequena ordem ou intervenções de repovoamento de dadas espécies, são rotineiramente assumidas pela Direcção Geral das Florestas e as Direcções Regionais de Agricultura. Quadro 1.1. Propostas de medidas de gestão aquícola de lampreia marinha no rio Tejo a jusante de Belver, e avaliação qualitativa da sua eficácia, custos e dificuldade de implementação. DGF-Direcção Geral das Florestas; INAG- Instituto da Água; EDP- Electricidade de Portugal; DGP- Direcção Geral das Pescas; Universidades- Instituições Universitárias e Institutos de Investigação (extraído de Ferreira e Oliveira, 1997) * considerando cada medida implementada isoladamente MEDIDAS PROPOSTAS Manutenção de um regime adequado de caudais ecológicos Implementação de uma ligação entre instituições tutelares Operacionalidade da eclusa de Belver Nova regulamentação de tamanhos, capturas e períodos de defeso Implementação de uma carta de pescador profissional Transporte de migradores para montante dos obstáculos Criação de áreas de protecção de desovas ENTIDADES ENVOLVIDAS EFICÁCIA ESTIMADA* CUSTO ESTIMADO DIFICULDADE NA IMPLEMENTAÇÃO DGF-INAG-EDP Muito grande A estimar A estimar em conjunto com a outras instituições DGF-INAG-EDP- Grande Pequeno Médio DGF-EDP- Universidades A estimar Médio Médio a grande DGF-DGP Grande Pequeno Médio DGF Pequena Pequeno Médio DGF A estimar Médio a grande Médio DGF Grande Pequeno Pequeno 7

Criação de zonas de pesca profissional DGF Média Pequeno Pequeno Em albufeiras públicas e sistemas fluviais de maior dimensão, ou quando se pretende gerir espécies migradoras que frequentam dois meios aquáticos diferentes, qualquer medida de gestão tomada, para ser consequente, necessita da colaboração de outras instituições públicas e/ou privadas, como a Direcção Geral das Pescas, o Instituto da Água e as empresas que gerem as centrais hidroeléctricas (Quadro 1.1). Contudo, é difícil a institucionalização deste tipo de colaborações. A acções de gestão aquícola, e em particular da sua componente piscícola e piscatória, teriam grandes vantagens em serem enquadradas num plano de desenvolvimento sectorial traçado em grandes linhas geográficas e para os próximos anos, e elaborado em concertação com o planeamento de recursos hídricos (Princípio 7). É no quadro presente de depauperamento e fragilização dos ecossistemas, de crescente procura da água para diferentes usos urbanos, agrícolas e industriais, e de transformações profundas nas exigências e tipos de actividades piscatórias e de lazer associadas, que importa repensar a estratégia deste sector ingenial. 4. BASES PARA A GESTÃO DAS PESCAS CONTINENTAIS 4.1. Elementos de Base Por gestão das pescas continentais entende-se o conjunto de actividades praticadas pelas administrações central e regional, ou bem assim praticadas por entidades privadas em dada área e normalmente por concessão, que no seu conjunto regem e gerem a produção natural, extracção e uso dos recursos piscícolas existentes nas águas continentais, bem como as actividades de lazer e produtivas a estes associadas. A gestão das pescas continentais, tal como qualquer outra actividade de gestão, tem de assentar no conhecimento daquilo que gere: os ecossistemas aquáticos, as comunidades piscícolas, os pescadores e o esforço de pesca (Figura 1.1). Em Portugal, a caracterização e estudo do funcionamento dos ecossistemas aquáticos dulçaquícolas (ou limnologia) tem menos de vinte anos, tendendo a utilizar-se na gestão destes sistemas aquáticos, conhecimentos importados de zonas temperadas frias, apesar da 8

especificidade e mais valia ecológica do seu carácter Mediterrâneo. Apenas nos anos noventa se assistiu à expansão dos grupos de trabalho e especialistas nesta área, a que não é alheia a importância e perca crescente da qualidade do recurso água, sobretudo por eutrofização e poluição orgânica. Em Portugal, também nunca se praticou uma inventariação sistemática dos recursos piscícolas. Apenas recentemente vêm surgindo estudos sobre a ecologia e distribuição da ictiofauna, visto que até finais dos anos oitenta, a ictiologia portuguesa era dominada por estudos de carácter essencialmente taxonómico, ainda hoje abundantes. Este tipo de estudos utiliza amostragens pontuais dos sistemas fluviais (Almaça, 1967; Collares-Pereira, 1983; Coelho, 1985; Alexandrino, 1997), para análise biométrica e bioquímica dos indivíduos capturados, mas não amostragens geograficamente expressivas e ecologicamente consistentes, que possam dar uma indicação da distribuição das espécies e sua abundância relativa, e muito menos, da sua qualidade biológica e evolução ao longo do tempo. O panorama é ainda mais desolador em albufeiras (Ferreira e Godinho, 1994; Ferreira et al., 1998), nas quais os estudos são escassos, muitas vezes apenas qualitativos, frequentemente sendo amostrada apenas a zona pelágica. ELEMENTOS DE BASE Tipos de massas de água TÉCNICAS DE BASE Medidas de gestão do meio físico e químico Tipos de comunidades piscícolas Tipos de pescador GESTÃO DAS PESCAS Medidas de gestão dos elementos biológicos INSTRUMENTOS DE BASE Esforço de pesca PLANO ESTRATÉGICO Legislação Fiscalização Formação Divulgação Figura 1.1. Articulação das várias componentes da gestão das pescas continentais, incluindo os elementos de base, as técnicas de base e os instrumentos de base e respectiva posição charneira de de um plano estratégico 9

O rastreio de populações piscícolas é realizado periodicamente em muitos países, de 5 em 5 a 10 em 10 anos (por exemplo, Fago, 1992). Nos EUA, rastreios piscícolas permanentemente actualizados são fornecidos pelos Forest and Wildlife Services de muitos estados aos pescadores, e a todos os indivíduos e entidades que necessitem destas informações por razões várias, por exemplo, estudos de impacte ambiental. Estes rastreios não dizem respeito apenas à distribuição das espécies, em termos absolutos já bastante conhecida nestes países, mas sobretudo à evolução temporal da sua abundância relativa e quantitativos, e (um conceito mais recente) à sua integridade biológica (Ferreira e Godinho, 1996). Com efeito, as populações piscícolas, tal como o meio aquático em geral, encontram-se permanentemente submetidas a pressões ambientais derivadas do desenvolvimento humano (regularização, artificialização e poluição), podendo ser traduzidos estes efeitos em índices de integridade biológica. Os rastreios piscícolas para efeitos de gestão são tipicamente expeditos, e baseiam-se na variação espacial e temporal de capturas por unidade de esforço, por exemplo: em sistemas fluviais, 15-30 min de pesca eléctrica em todos os habitats do troço fluvial, uma única vez entre Junho e Setembro, dependendo da região, e redes em rios de maior caudal; e em albufeiras, duas a três amostragens com sets (conjuntos de várias malhas) de redes de emalhar pelágicas (um set na zona profunda e um set na zona superficial) durante 12 horas, seguidas de um número variável de troços de pesca eléctrica (dependendo da dimensão e desenvolvimento da linha de margem da albufeira). De facto, para objectivos de ordenamento piscícola, são inúteis quantificações da abundância absoluta, morosas, custosas e com uma mais-valia ecológica pequena nos instáveis sistemas mediterrâneos do nosso país, mas sobretudo é fundamental o conhecimento espacial e temporal da proporção e abundância relativa das espécies existentes. A actividade de repovoamento em meio lótico constitui, no entanto, excepção, uma vez que para avaliar a sua necessidade e quantificar posteriormente o seu esforço e eficácia, é necessário conhecer os quantitativos piscícolas existentes, e relacioná-los com a capacidade biogénica natural do ecossistema. No que toca à caracterização dos pescadores, igualmente muito se encontra por fazer. Até aos anos sessenta, existia um cenário de actividades piscatórias profissionais bem desenvolvido e sendo a base única da economia familiar, centrado em espécies migradoras como o salmão, o sável e a lampreia, mas também em espécies de água doce como o barbo e a boga, cujo 10

escoamento era facilmente realizado em mercados locais. No presente, devido ao quase desaparecimento das espécies migradoras e aos sistemas de conservação de pescado que permitiram a penetração dos mercados do interior do país pelos peixes marinhos, os pescadores profissionais, para subsistirem, apresentam uma actividade piscatória associada a outras, normalmente agricultura e comércio, com grande aumento sazonal de elementos temporários e com fins exclusivamente lucrativos, sem grandes conhecimentos da actividade ou do meio aquático, centrados em espécies alvo, normalmente as migradoras. O número de pescadores entre 1980 e 1998 oscilou entre um mínimo de 1296 e um máximo de 3150, com uma média anual de 2260 licenças vendidas e uma considerável variação entre anos. Em paralelo, os pescadores desportivos aumentaram significativamente, existindo actualmente mais de 250 000 pescadores desportivos (Figura 1.2). O universo muito regionalista dos anos sessenta, centrado na pesca de pequeno esforço, perto do local de habitação e com meios pouco sofisticados (por exemplo, iscos vivos ou manufacturados pelo próprio pescador), deu lugar a um universo de pescadores de origem urbana ou periurbana, já com grande mobilidade e um razoável investimento na pesca (barco, ecosondas, artefactos, iscos artificiais). Assiste-se igualmente a uma diversificação dos locais de pesca (rios, açudes, albufeiras) e dos objectivos da actividade desportiva (pesca de competição, pesca dirigida a uma só espécie, etc). 300000 250000 200000 150000 100000 50000 0 1 3 5 7 9 11 13 15 17 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 Figura 1.2. Evolução anual (eixo x) do número de pescadores licenciados (eixo Y) para a prática da pesca em águas interiores (Dados da Direcção Geral das Florestas, DGF) Os pescadores desportivos de origem urbana tem já preocupações ambientalistas, e exigem um nível superior de oferta de serviços na actividade de gestão, por exemplo, o repovoamento de 11

pesqueiros depauperados, melhores acessos aos pesqueiros e a zonas de ancoragem de barcos ou a protecção das zonas de desova das suas espécies preferidas. Tal como em outros países europeus, a situação provavelmente evoluirá para formas de associativismo próprio, que colaborarão na gestão activa e consultiva das actividades do sector. Um exemplo de alguma dinâmica associativa no sector é a Associação Portuguesa de Pesca ao Achigã e Conservação da Natureza, criada em 1992. Verifica-se assim, um aumento crescente do interesse pelas actividades piscatórias desportivas em águas doces, consubstanciado num crescendo de pedidos de licenças; um decréscimo relativamente acentuado das licenças profissionais, embora difícil de avaliar dado não existirem elementos sobre o número de pescadores envolvidos nas licenças profissionais colectivas; um aumento das licenças desportivas, sendo particularmente evidente um aumento das licenças nacionais e regionais que representam cerca de 65% do total, contra apenas cerca de 35% de licenças concelhias, situação inversa da que ocorria há uns anos atrás, em que as licenças concelhias e dominicais representavam a maioria das licenças vendidas. Esta inversão indicia um significativo aumento da mobilidade dos pescadores. É conhecida a existência de tipos diferentes de pescadores desportivos (CFB, 1986), por exemplo o pescador familiar, que realiza a sua actividade de pesca em complemento com o lazer da família; o pescador de competição, cujo interesse reside na biomassa piscícola obtida em competição; e o pescador direccionado, particularmente devotado a dada espécie, em Portugal tipicamente a truta Samo trutta no norte do país e o achigã Micropterus salmoides no centro e sul. Os interesse destes três tipos de pescadores são diferentes e em consequência são diferentes as formas de gestão piscícola a adoptar, por exemplo, e respectivamente para cada tipo, o acesso fácil ao pesqueiro e a existência de áreas de apoio ao lazer, o aumento da produtividade piscícola da massa de água e a condução da massa de água para a produção de tamanhos grandes da espécie preferida. Em Portugal, contudo, não tinha sido realizada ainda a caracterização sociológica dos tipos existentes de pescadores profissionais e desportivos, incluindo informações sobre as suas motivações, os métodos de pesca utilizados, os montantes envolvidos no material gasto e deslocações, e tão pouco estão caracterizados numa base regular os utilizadores dos pesqueiros e concursos de pesca. A mais valia sócio-económica da pesca em águas doces, nomeadamente os seus benefícios económicos indirectos, tão pouco foi ainda avaliada. 12

Após ser realizada a caracterização tipológica das comunidades piscícolas e da actividade piscatória (e de outros usos associados) que sobre elas se excerce, recorre-se frequentemente a inquéritos periódicos aos pescadores desportivos, por abordagem directa ou com o auxílio de Clubes de Pesca e Câmaras Municipais, com vista ao conhecimento da evolução do estado piscícola de uma área ou de um conjunto de pesqueiros (veja-se, por exemplo, o trabalho de inquéritos desenvolvido por Castelnaud et al., 1985, no rio Gironde, França). A metodologia de inquéritos a pescadores, encontra-se bem desenvolvida na literatura da especialidade bem como as formas de aferição da sua validade (Malvestuto, 1983; Demory e Golden, 1983). Contudo, esta metodologia nunca foi desenvolvida em águas portuguesas, pelo que a avaliação da sua eficácia e viabilidade constitui uma actividade de investigação aplicada, que se encontra a montante dos estudos de intervenção no meio aquático no âmbito de acções de gestão aquícola. A avaliação da selectividade dos métodos de pesca é igualmente um tema desenvolvido em muitos trabalhos e no limite, deveria ser realizado para qualquer trabalho de amostragem de populações piscícolas (Cowx, 1994). Os inquéritos podem ser de dois tipos, os indirectos e os directos (Malvestuto, 1983). Os primeiros são realizados através do telefone e correio enquanto os últimos são, como o próprio nome indica, realizados directamente pelo entrevistador durante o acto de pesca (Malvestuto 1983). Ambos os tipos de inquérito permitem estimar, em particular o directo, os descritores usuais da actividade piscícola: - a quantidade de pescado retirado e o esforço de pesca (por exemplo o nº de horas de pesca/pessoa/ha de área inundada) (Malvestuto 1983). A quantidade de pescado pode ser caracterizada mais detalhadamente incluindo, por exemplo, o nº de exemplares capturados, a sua espécie e a sua dimensão. Com base nestes dois factores, pode ser finalmente determinado um índice de capturas por unidade de esforço, por exemplo qual o nº de exemplares de determinada espécie capturados por hora de pesca (Malvestuto 1983). Estes índices de capturas por unidade de esforço são finalmente utilizados como índices de densidade de stock. Sendo selectivos os métodos de captura utilizados pelos pescadores (Johnson 1983) é necessário conhecer a selectividade (para as várias espécies e dimensões) dos métodos de pesca utilizados (por exemplo pesca com isco artificial, pesca com anelídeos e larvas de insecto, pesca com farinácios, etc.), por forma a corrigir a informação obtida junto dos pescadores, nomeadamente durante os concursos de pesca. 13

4.2. Técnicas de Base Consideram-se como técnicas utilizadas na gestão piscícola o conjunto de acções de campo que alteram, controlam, afeiçoam, e conduzem os sistemas aquáticos onde se realizam actividades de pesca, por forma a promover as comunidades piscícolas e a actividade piscatória, de uma forma ecologicamente correcta. Estas técnicas podem ser agrupadas da seguinte forma: a) As que se referem às intervenções no meio físico e químico. São exemplos: criação de habitats como margens compostas e terraços marginais, introdução de desovadouros ou de abrigos, compartimentação de dado volume de água, ensombramento, alteração da granulometria média dos sedimentos para criar leitos de desova ou promover o crescimento de vegetação aquática, criação de rápidos, fundões ou empoçamentos laterais, fertilizações ou controle das entradas de nutrientes. b) As que se referem a intervenções sobre as comunidades biológicas. São exemplos: povoamento ou repovoamento de uma ou mais espécies, plantação ou sementeira de vegetação nas zonas marginais da massa de água, controle de espécies (predadores ou presas) por remoção ou biomanipulação. O conhecimento e implementação destas técnicas é ainda incipiente em Portugal, sendo raramente utilizadas de uma forma sistemática e com objectivos definidos. Não foi até ao momento elaborado qualquer manual de técnicas em Portugal, aliás igualmente pouco frequentes na literatura (dois exemplos interessantes são os de Jalon et al., 1993; e Templeton, 1995). Óbviamente, a escolha das técnicas depende do conhecimento da ecologia do sistema aquático e comunidades piscícolas aí existentes, nomeadamente dos factores de desiquilíbrio encontrados para ambos. A selecção das técnicas a utilizar varia em termos temporais, e as acções técnicas devem ser enquadradas num planeamento a curto ou médio prazo, e ajustadas de acordo com a evolução das comunidades e actividade piscatória. 4.3. Instrumentos de Base A gestão piscícola em Portugal tem sido centrada essencialmente em dois instrumentos de base: a legislação e a fiscalização. As actividades de pesca profissional e desportiva em águas doces, apresentam um quadro legal bem estabelecido, radicado na Lei nº 2097 de 6 de Junho de 1959 e complementado por legislação posterior. Este conjunto legislativo, pese embora os 14

méritos que já foram realçados antes, deveria ser substituída por uma legislação mais moderna e consentânea com os conhecimentos e realidades actuais, incorporando-os. Por exemplo, a aplicação do princípio e da figura do utilizador/gestor piscícola, poderia vantagens inegáveis, reforçando economicamente a componente conservacionista, permitindo a responsabilização legal do utilizador na reposição das condições ecológicas originais do sistema, abrindo caminho à regulamentação de formas de pagamento do uso e usufruto dos ecossistemas, e promovendo o desenvolvimento de uma actuação interventiva de fomento e de recuperação. Um outro exemplo é constituído pelas ZPCs, que podem apresentar diferentes tipos e intensidades de intervenção no sistema aquático, à semelhança dos coutos de pesca em Espanha. Contudo, na situação mais frequente em Portugal, estas zonas são insuficientemente promovidas enquanto locais de pesca e geridas de uma forma demasiado passiva. As ZPCs poderiam ser reactivadas, e o concessionário apresentaria um plano detalhado e faseado da gestão aquícola a realizar, aprovado e fiscalizado pela Direcção Geral das Florestas, para um período determinado (no caso mais corrente 5 anos). A fiscalização do cumprimento da legislação da pesca nas águas interiores, bem como de toda a legislação do sector florestal, é assegurada pelo Corpo Nacional da Guarda Florestal da Direcção Geral das Florestas, o qual conta com cerca de 700 efectivos que operam em cerca de 160 brigadas móveis distribuídas por todo o país. A fiscalização mútua e denúncia são pouco populares entre os pescadores portugueses, uma forma de controle de prevaricações muito praticada nalguns países, como a Irlanda. O pequeno desenvolvimento que algumas áreas da gestão piscícola apresentam, nomeadamente o interesse pelas ZPCs, está em grande parte, relacionado com a falta de formação especializada nesta área, ou seja, de gestores piscícolas. Face ao desenvolvimento de técnicas e metodologias verificado nos últimos vinte anos, e também da evolução dos conceitos e conhecimentos ecológicos que presidem à gestão piscícola, é urgente promover acções de formação especializada destinados quer a gestores piscícolas privados, quer aos técnicos superiores envolvidos em actividades de gestão piscícola, e bem assim garantir também uma formação sólida nesta área aos Guardas Florestais envolvidos nas acções de fiscalização. A promoção da actividade da pesca em águas continentais portuguesas passa necessáriamente pelo desenvolvimento destas acções de formação. Por exemplo, entre 1988 e 2000, foram promovidos pela Direcção Geral das Florestas, e ministrados pelo Instituto Superior de Agronomia, várias acções de formação para o Corpo de Guardas Florestais na área de gestão piscícola e ainda uma 15

acção de formação em gestão das pescas continentais para técnicos superiores do quadro administrativo, em Dezembro de 1999. Noutros casos, o pequeno desenvolvimento da actividade de gestão piscícola está relacionado com a fraca expressão associativista que caracteriza a pesca em Portugal e Espanha, ao contrário do que ocorrre em outros países como o Reino Unido e França. Os pescadores têm apresentado uma fraca capacidade de se estruturarem em grupos sociais, pelo que também é diminuta a sua capacidade promotora e reinvindicativa, que constitui o móbil de muitas acções de gestão piscícola nestes países. Uma parte importante desta incipiente expressão associativista pode estar relacionada de novo com a carência de acções de formação, mas estará sobretudo relacionada com a necessidade de divulgação e promoção deste tipo de actividades. À semelhança da actividade da caça, seria importante implementar uma carta de pescador desportivo, para os praticantes da modalidade. A existência de uma carta de pescador implica uma formação individual básica nesta área e pode actuar como um precioso auxiliar do cumprimento das normas legais em vigor, frequentemente não cumpridas por ignorância. Finalmente, é urgente canalizar esforços humanos e financeiros para actividades de experimentação e investigação na área da pesca, que apoiem as acções de gestão piscícola a desenvolver. A título de exemplo de actividades de IED necessárias, citaríamos os modelos económicos de avaliação de benefícios indirectos, a biologia das espécies indígenas para sustentação dos períodos de defeso, metodologias de cultura de espécies para repovoamento, metodologias de aferição de inquéritos, a avaliação da eficácia de técnicas de repovoamento, casualidade ambiental e previsão dos padrões de distribuição de espécies e métodos de avaliação da integridade ecológica de comunidades piscícolas. Alguns deste temas estão a ser desenvolvidos no âmbito de acções IED, promovidas pelo Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, ou pela Fundação para a Ciência e Desenvolvimento, no entanto, encontramo-nos muito aquém das necessidades existentes. 5. GESTÃO DO MEIO AQUÁTICO E GESTÃO DA PESCAS CONTINENTAIS A gestão do meio aquático, ou seja, a actividade conjunta de aproveitamento, fomento e protecção dos ecossistemas aquáticos, é uma área de intervenção com profundas ligações à gestão piscícola, uma vez que a integridade e sanidade destas depende daquela. Trata-se da gestão conjunta e ambientalmente sustentável dos recursos hídricos e dos ecossistemas aquáticos 16

a estes associados, e a mitigação ecológica dos impactes negativos das obras hidráulicas fluviais, de acções de engenharia fluvial, ou de perturbações derivadas de actividades humanas. A ecohidráulica, em que se incluem as questões relacionadas com as passagens para peixes e os caudais ecológicos, constitui um dos ramos mais importantes desta área, e é definida como o estudo do conjunto das características hidráulicas e ecológicas dos sistemas aquáticos e da sua interdependência (Pinheiro et al., 1996). Quadro 1.2. Diagnose da situação em Portugal e linhas de actuação futura para a gestão integrada de albufeiras, passagens para peixes e caudais ecológicos (extraído e adaptado de Bochechas et al. 1998) ACTIVIDADES DE GESTÃO DO MEIO AQUÁTICO Gestão integrada de albufeiras Passagens para Peixes SITUAÇÃO ACTUAL O conhecimento das comunidades, ecologia e funcionamento ecológico de albufeiras portuguesas é escasso A gestão da quantidade da água, da qualidade da água e das comunidades biológicas é efectuada por entidades diferentes, públicas ou privadas, sem concertação e muitas vezes, sem contacto ou conhecimento mútuo Não existe de uma forma geral o reconhecimento de que as passagens devem servir os movimentos das populações locais para além dos das espécies migradoras, e também para movimentos de descida A eficácia dos dispositivos de passagem existentes (salvo duas excepções) não foi ainda avaliada, nem em pequenos nem em grandes aproveitamentos Não existe obrigatoriedade legal de o usufrutuário avaliar e corrigir as condições de funcionamento e eficácia das passagens existentes LINHAS DE ACTUAÇÃO FUTURA Rastreio ecológico das albufeiras portuguesas (peixes e plancton) e criação de uma tipologia ecológica funcional Concertação do regime de descargas com a gestão das populações piscícolas Criação de uma quadro legislativo apropriado para as acções de concertação de usos. Activação de estruturas ou legislação já existentes. Profilaxia e controle das fontes poluentes, e implementação de uma gestão anbientalmente corrrecta, por exemplo garantia da possibilidade de descargas a várias alturas da coluna de água Criação de instrumentos legais para consignar os critérios de dispositivos de passagem para peixes a instalar, e a demonstração pelos concessionários da eficácia dos mesmos Estabelecimento de um programa nacional de avaliação da eficácia das passagens existentes e tecnologia para sua eventual reabilitação Promoção de trabalhos de investigação na área das passagens para peixes, nomeadamente biomecânica dos dispositivos e comportamento de espécies mediterrâneas Reforço da fiscalização das condições de funcionamento das passagens já existentes Caudais ecológicos A obrigatoriedade de manutenção de regimes de caudais ecológicos não está prevista na legislação portuguesa embora a necessidade de conservação de recursos aquáticos a jusante conste de muitos articulados legislativos O método corrente utilizado baseia-se na análise do registo de caudais, indicando como valor a seguir 2 a 5% do caudal modular, em todos os meses do ano, e não um conjunto de caudais médios de base mensal Não existe uma metodologia oficial para o cálculo dos caudais ecológicos, obrigatória ou recomendada Definição imediata pela Administração de um método oficial de determinação de regimes de caudais ecológicos para rios portugueses Criação de instrumentos legais de actuação na prevaricação, nomeadamente obrigatoriedade de registo permanente de caudais ecológicos nas obras existentes, para efeitos de fiscalização Obrigatoriedade de inclusão de orgãos hidromecânicos específicos para caudais ecológicos, no projecto de obras hidráulicas de retenção e derivação 17

Entre os temas da gestão do meio aquático em Portugal que se consideram mais importantes para a gestão piscícola, incluem-se: as passagens para peixes, os caudais ecológicos, a gestão integrada de albufeiras, as limpezas e esvaziamentos de albufeiras, o controle ou reversão da eutrofização, e a mitigação de actividades como a extracção de inertes e a reabilitação e limpeza de sistemas fluviais. Foi feita uma revisão, em trabalho anterior, do fundamento ecológico dos três primeiros temas mencionados, da sua situação actual em Portugal e recomendações de acções futuras (Bochechas et al., 1998). O Quadro 1.2 sumariza esta revisão. Este tipo de diagnóstico e sumário de necessidades pode ser feito para qualquer dos outros temas. Por exemplo, o licenciamento da extracção de inertes (local, número, área e período de concessão), deveria ter em conta os leitos de desova locais (e sua abundância/raridade regional), as obras deveriam ser conduzidas de acordo com as regras de minimização destes impactes, nomeadamente a criação de bacias de extracção isoladas do rio para evitar as grandes variações de parâmetros químicos da água e as descargas de sólidos finos típicos desta actividade, e que causam grande perturbação às comunidades de jusante. Todo o processo deveria ser fiscalizado constantemente em termos ambientais. Como se desenvolveu noutro texto, embora o valor piscatório da fauna piscícola de albufeiras seja elevado, o seu valor patrimonial é baixo (Ferreira et al., 1998), porque estas são dominadas por espécies exóticas e espécies indígenas muito tolerantes e de distribuição generalizada. Contudo, o esvaziamento acarreta grandes alterações ecológicas no ecossistema, incluindo normalmente mortalidade massiça de peixes, à medida que se verifica a diminuição do nível da água. Entre as acções mais importantes a desenvolver pelo responsável e beneficiário da obra, contar-se-iam: a abertura prévia de uma fase de pesca livre, para extracção do máximo de biomassa e rentabilização do processo; a remoção da biomassa morta para fora da área da albufeira e sua disposição final (farinha de peixe, enterramento, outras opções); recuperação pósenchimento das populações piscícolas, por repovoamento e promoção de habitats. Todas estas acções deveriam constar de um caderno de encargos a submeter previamente à Direcção Geral das Florestas, incluindo o tipo e faseamento das acções previstas de mitigação e recuperação das populações piscícolas. As técnicas e regras de conduta associadas à reabilitação e limpeza de sistemas fluviais de uma forma ecologicamente correcta, são hoje aplicadas em rotina nalguns países, por exemplo U.K. e Dinamarca. Entre as regras mais comuns a adoptar durante o processo de intervenção, 18

contam-se: evitar as épocas de nidificação ou de posturas (aliás, a colheita da vegetação na Primavera resulta no seu crescimento acrescido durante o Verão: Ferreira e Moreira, 1990, pelo que a época de colheita do Verão é a mais eficaz); realizar cortes seriados ou em margens alternadas; deixar núcleos intervalados de vegetação representativos dos vários estratos; não aprofundar ou alargar demasiado ou em grandes extensões o leito menor; manter ou promover a sinuosidade do leito e associada a empoçamentos laterais; e outras. O processo de intervenção deveria ser precedido de um caderno de proposta de actuação, com o tipo, faseamento e esboço gráfico das intervenções, sendo estas fiscalizadas durante o seu decurso. A controle ou reversão da eutrofização apresenta objectivos que ultrapassam a gestão piscícola, e que são a manutenção da potabilidade e qualidade da água, e de condições aquáticas sem perigosidade para a saúde pública. Contudo, ambientes muito eutrofizados são também muito nocivos para as comunidades piscícolas, reduzidas a um pequeno número de espécies, de elevada biomassa, com mortalidades massiças frequentes. A prevenção e reversão desta situação inclui medidas profiláticas bem conhecidas mas difíceis de implementar (desvio e tratamento das fontes poluidoras, pontuais ou difusas, nutritivas ou orgânicas) e interventivas de elevados custos (como arejamento do hipolimnion, injecção de água oligotrófica, dragagem de sedimentos, e introdução de espécies filtradoras). 6. PLANIFICAÇÃO DO SECTOR DAS PESCAS CONTINENTAIS A expressão gestão das pescas continentais refere-se à planificação, regulamentação e fomento da actividade piscatória desportiva e profissional em águas interiores, num quadro de equilíbrio ecológico e sustentabilidade das populações piscícolas (Jalon et al, 1993; Crean, 1994). Contudo, existem essencialmente dois níveis de actuação na gestão piscícola: a) o nível local/regional, consistindo no conjunto de medidas e acções a tomar para dada massa de água, em função das suas características ecológicas e dos interesses dos pescadores envolvidos (tal como ilustrado no Quadro 1.3); b) o nível nacional, consistindo no conjunto de medidas e acções que criam o quadro de actuação conceptual e legislativo no seio do qual é desenvolvida a gestão piscícola local/regional. Cada massa de água e bacia hidrográfica apresentam características específicas e uma individualidade ecológica própria, reconhecendo-se presentemente a necessidade da gestão 19

dirigida, numa base local ou regional, para além das directrizes gerais e estratégia que possam ser adoptadas para o sector (Templeton, 1995). De facto, o ordenamento aquícola implica uma tomada de decisões técnicas, anual ou pelo menos regular, tais como o número permitido de capturas por pescador, as dimensões regulamentares das capturas, o número de pescadores por dia num pesqueiro, o total de capturas por quilómetro de rio, quais a espécies a repovoar, seu quantitativo e onde, as zonas e épocas de protecção, etc. (Fox, 1975). Estas decisões devem ser realizadas em função da demanda social do recurso, e das potencialidades e limitações que este apresenta em cada sistema ecológico. A título de exemplo, o Quadro 3 indica, para três albufeiras de diferentes características limnológicas e comunidades piscícolas, diferentes propostas de objectivo e medidas de gestão piscícola. Quadro 1.3. Nível local/regional da gestão das pescas continentais e meios aquáticos associados. Tipo trófico, ictiofauna, proposta de objectivo de gestão piscícola e medidas a implementar no âmbito dessa gestão, para três albufeiras portuguesas (detalhes dos estudos efectuados em Albuquerque, 1996) ALBUFEIRAS ESPÉCIES OBJECTIVO MEDIDAS DE GESTÃO A IMPLEMENTAR CABRIL (oligotrófica) AZIBO (mesotrófica) MONTARGIL (eutrófica) EXISTENTES boga, escalo, achigã, carpa, verdemã e truta Boga, achigã, pimpão, lúcio, carpa Barbo, achigã, perca-sol, escalo, carpa, boga PROPOSTO Pesca dirigida ao Achigã Pesca dirigida ao Lúcio Pesca de concurso e pesca dirigida ao achigã Alteração dos tamanhos mínimos permitidos ou estabelecimen uma classe de dimensão interdita, 20-35 cm Limitar o número de capturas diárias por pescador Fiscalização dirigida ao achigã Fomentar a pesca com isco artificial Adoptar a técnica de pescar e libertar Programa plurianual de acompanhamento da albufeira para estudo da evolução trófica e da evolução das populações piscícolas Manutenção do nível mesotrófico por vigilância e controle das fontes poluidoras Fomentar a pesca desportiva ao lúcio: divulgação e informação, organização de concursos Controle das flutuações do nível da água durante as posturas Criação de acessos e infraestruturas de apoio à pesca Definir como tamanhos capturáveis <30 cm e > 75 cm Fiscalização dirigida ao lúcio Evitar a introdução de outros ictiófagos como o achigã Determinar um número máximo de exemplares capturáveis por pescador por dia Fomentar a pesca com isco artificial Adoptar a técnica de pescar e libertar Programa plurianual de acompanhamento da albufeira para estudo da evolução trófica e da evolução das populações piscícolas Repovoamento correctivo com achigãs, 62 a 123 alevins por ha Diminuição de efectivos de perca-sol, por envenenamento selectivo, pesca eléctrica, pesca com covos ou redes de arrasto Definir 30 cm como dimensão mínima capturável de achigã Controle das flutuações do nível da água durante as posturas Fomentar a pesca com isco artificial Adoptar a técnica de pescar e libertar Proibir a pesca profissional até a população de achigãs recuperar Fiscalização dirigida ao achigã Regressão da albufeira ao nível meso-eutrófico 20