NOVAS PROPOSTAS DE PRODUTOS DE MODA E A SUSTENTABILIDADE: A PERCEPÇÃO DO CONSUMIDOR

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Transcrição:

NOVAS PROPOSTAS DE PRODUTOS DE MODA E A SUSTENTABILIDADE: A PERCEPÇÃO DO CONSUMIDOR NEW FASHION PRODUCTS PROPOSALS AND SUSTAINABILITY: THE CONSUMER PERCEPTION Lima, Verena Ferreira Tidei de; Mestranda; Universidade de São Paulo verenalima@gmail.com Vicentini, Cláudia Regina Garcia; Doutora; Universidade de São Paulo claudiagarcia@usp.br Resumo O excesso de produção, consumo e descarte de produtos de moda constitui um sistema incompatível com a sustentabilidade. O presente trabalho atenta para a necessidade de alterar esse sistema, e sugere reais reformulações desses produtos. Ao identificar o comportamento do consumidor em relação aos produtos de moda e ao compreender a sua percepção a respeito de novas propostas desses produtos, propõe-se que o design de moda considere essas informações no projeto e desenvolvimento de novos produtos. Palavras-chave: design de moda; sustentabilidade; prolongamento da vida útil. Abstract The excess of production, consumption and disposal of fashion products is an incompatible system with sustainability. This paper attentive to the need of changing this system, and suggests some real reformulations of these products. By identifying the consumer behavior in relation to fashion products and understanding their perception about new proposals for those products, this paper proposes that the fashion design consider this information in the design and development of new products. Keywords: fashion design; sustainability; useful life extension. Introdução A questão do desenvolvimento sustentável se faz presente e relevante na contemporaneidade. Introduzido oficialmente em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, comandada pela Organização das Nações

Unidas (ONU), o conceito de desenvolvimento sustentável como um crescimento para todos integra o meio ambiente com o futuro econômico, social e cultural da humanidade (KAZAZIAN, 2005). Nesse contexto, o excesso de produção, consumo e descarte de produtos em geral constitui um sistema incompatível com a sustentabilidade, onde encaixam-se com destaque os produtos de moda em função de sua ampla cadeia produtiva, e da multiplicação e potencialização dos inputs e outputs ao longo de seu ciclo de vida. As intervenções do design ao longo do ciclo de vida dos produtos de moda são válidas e necessárias, porém insuficientes e limitadas. Logo, são imprescindíveis as intervenções que alterem o sistema onde esses produtos de moda estão inseridos, alterando sua maneira de produção e consumo. Algumas novas propostas de produtos de moda merecem destaque, e o sucesso de sua implementação está condicionado à sua aceitação por parte do consumidor. Ao identificar o que permite que essas novas propostas de produtos de moda sejam assimiladas pelo consumidor, cabe o design de moda considerar essas informações no projeto e desenvolvimento de novos produtos. Produtos de moda e a sustentabilidade De acordo com o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES, 2009), a indústria têxtil e de confecção é uma cadeia produtiva bastante ampla, composta por diversas etapas produtivas inter-relacionadas que compreendem diversos segmentos autônomos (como a indústria química e o setor agropecuário) cuja interação é fundamental. Basicamente, podem ser destacadas quatro etapas produtivas da cadeia têxtil e de confecção: fiação, tecelagem, acabamento/ beneficiamento, e confecção. Na etapa final, o produto confeccionado pode tomar a forma de artigos de vestuário, de artigos para o lar, e de artigos de uso técnico ou de uso industrial. Fruto dessa indústria encontra-se o produto de moda, que ao longo de seu ciclo de vida (que vai da concepção ao descarte do mesmo, abrangendo toda a cadeia produtiva) interage direta e indiretamente com o meio; tal interação determina, na maioria das vezes, aspectos negativos nas esferas socioambientais, resultando em uma consequente incompatibilidade com a sustentabilidade.

O conceito do ciclo de vida dos produtos, introduzido por Manzini e Vezzoli (2008), compreende também os produtos de moda; refere-se às trocas entre o ambiente e o conjunto de processos que acompanham o nascimento, a vida e a morte de um produto. Essas trocas são fluxos de matéria, energia e emissão, que são denominados inputs quando retirados do ambiente, e outputs quando devolvidos ao ambiente. Esses fluxos encontram-se agrupados nas seguintes fases, que esquematizam o ciclo de vida de um produto (MANZINI; VEZZOLI, 2008, pp. 91-98): Pré-produção: corresponde à aquisição dos recursos (matéria-prima), ao transporte dos recursos do local da aquisição ao local da produção, e à transformação dos recursos em materiais e em energia; Produção: corresponde à transformação dos materiais, à montagem e ao acabamento. Outras atividades atribuíveis a essa fase são a pesquisa, o desenvolvimento, o projeto e os controles produtivos; Distribuição: corresponde à embalagem, ao transporte e à armazenagem; Uso: corresponde ao uso ou consumo, e ao serviço. Outra atividade atribuível a essa fase é a manutenção. Descarte: corresponde ao percurso do produto após seu descarte (incineração, compostagem, reciclagem, refabricação ou reutilização - ainda que apenas de alguns de seus componentes). Considerar o ciclo de vida requer a adoção de uma visão sistêmica do produto, analisando o conjunto de inputs e outputs em todas as fases, a fim de serem avaliadas suas consequências socioambientais e econômicas. No caso específico dos produtos de moda as consequências socioambientais e econômicas do conjunto de inputs e outputs ao longo do seu ciclo de vida são multiplicadas e potencializadas pela efemeridade e sazonalidade características dos mesmos, que acarretam um excesso de produção, consumo e descarte desses produtos. Martins e Santos (2008, p. 2900) destacam que o sistema da moda impõe um ritmo de obsolescência programada muito rápido em que os produtos de moda são descartados muito antes do final de sua vida potencial, e dessa maneira reafirmam a incompatibilidade desse sistema com a sustentabilidade. Logo, intervenções ao longo do ciclo de vida dos produtos de moda são válidas e necessárias ao se pensar em uma maior compatibilidade desses produtos com a sustentabilidade.

Manzini e Vezzoli (2008) apresentam alguns conceitos que recaem sobre o ciclo de vida dos produtos em geral: o Life Cycle Design (LCD ou design do ciclo de vida), estratégia para o projeto e desenvolvimento de produtos sustentáveis; e o Life Cycle Assessment (LCA ou avaliação do ciclo de vida), método e instrumento de avaliação e otimização do impacto ambiental dos produtos. Sob este mesmo viés interventivo do design ao longo do ciclo de vida dos produtos, e especificamente dos produtos de moda, Fletcher e Grose (2011, pp. 13-73) agrupam, de acordo com a fase do ciclo de vida em que incidem, possíveis intervenções: Materiais: os materiais são decisivos para a sustentabilidade, pois são a síntese tangível de fluxos de recursos, uso de energia e trabalho. Tem sido o ponto de partida para a maior parte da inovação para a sustentabilidade, se enquadrando na esfera de ação da maioria dos designers. As inovações em relação aos materiais podem ser divididas basicamente em quatro áreas: o interesse crescente por materiais provenientes de fontes renováveis, levando, por exemplo, à adoção de fibras têxteis de rápida renovação; os materiais com nível reduzido de insumos de produção, como água, energia e substâncias químicas, resultando em técnicas de produção de fibras sintéticas com baixo consumo de energia e no cultivo de fibras naturais orgânicas, por exemplo; os materiais produzidos com menos desperdício, despertando interesse por fibras biodegradáveis e recicláveis provenientes dos fluxos de resíduos da indústria e do consumidor; as fibras produzidas em melhores condições de trabalho para os agricultores e produtores, conforme ilustram os códigos de conduta dos produtores e as fibras com certificação de comércio justo. Processos: o processamento têxtil e da confecção é parte essencial da conversão de fibras em tecidos e posteriormente em peças de vestuário, e o design, estando à frente da cadeia produtiva, influencia essa etapa. A inovação para a sustentabilidade em relação aos processos compreende, basicamente: branqueamento tingimento e com uso reduzido de substâncias químicas; cor sem tingimento; corantes naturais; desperdício mínimo no corte e na costura; questões de trabalho justo e digno na etapa de corte e costura; metais e aviamentos de baixo impacto, entre outros.

Distribuição: a amplitude da indústria da moda requer inúmeras formas de transporte, dispostas de maneira a transportar o estoque de produtos da fibra ao processamento, às peças acabadas e ao varejo. Tamanha amplitude gera um determinado número de emissões de carbono, e a inovação para a sustentabilidade em relação à distribuição procura contrabalancear esse número de emissões por meio de algumas condutas: substituição de transporte aéreo e rodoviário por ferroviário e marítimo; conversão dos veículos para biocombustível, gás ou eletricidade; implementação de programas de compensação de carbono, entre outras. Cuidados do consumidor: ao se pensar em consumo de recursos, os cuidados do consumidor em relação à manutenção das peças de vestuário - como lavar, passar e secar - determinam aspectos socioambientais por vezes mais significativos do que os determinados em outras etapas do ciclo de vida. Dessa maneira, a inovação para a sustentabilidade em relação aos cuidados do consumidor contempla, por exemplo, a existência de etiquetas de cuidados com a peça, e a lavagem e secagem das peças com baixo consumo de energia. Descarte: o descarte é o destino final de muitos produtos de vestuário. É preciso reformular radicalmente a maneira de lidar com os resíduos, redefinindo as noções de valor e fazendo melhor uso dos recursos inerentes às peças, antes de enfim descartá-las. A inovação para a sustentabilidade em relação ao descarte, atualmente, concentra-se em procedimentos de reutilização, restauração e reciclagem. Naturalmente, decisões pragmáticas e práticas sobre as fases do ciclo de vida dos produtos de moda são imprescindíveis; todavia, seus benefícios socioambientais são limitados, pois não alteram significativamente o sistema onde encontram-se os produtos de moda, responsável pelos excessos produzidos, consumidos e descartados. De acordo com Manzini e Vezzoli (2008), para que os produtos sejam verdadeiramente sustentáveis, é preciso que cada um deles: Baseie-se fundamentalmente em recursos renováveis; Otimize o emprego dos recursos não renováveis; Não acumule lixo que o ecossistema não seja capaz de renaturalizar;

Aja de modo com que cada indivíduo e cada comunidade das sociedades ricas permaneça nos limites de seu espaço ambiental, e que cada indivíduo e cada comunidade das sociedades pobres possa efetivamente gozar do espaço ambiental ao qual potencialmente tem direito. Para tanto, os autores (2008) reforçam a ideia da necessidade de articulação e intervenção em planos diversos de todos os atores sociais; a respeito do design, apresentam quatro níveis fundamentais de interferência deste em relação à sustentabilidade: Nível 1: o redesign ambiental do existente; Nível 2: o projeto de novos produtos ou serviços que substituam os atuais; Nível 3: o projeto de novos produtos-serviços intrinsecamente sustentáveis; Nível 4: a proposta de novos cenários que correspondam ao estilo de vida sustentável. Esses níveis de interferência evoluem, crescentemente, de ações paliativas como melhorias na eficiência global de um produto em relação à matéria e energia (redesign ambiental do existente), a ações radicais que confiram mudanças aos estilos de vida e consequentemente aos hábitos de produção e consumo, reduzindo drasticamente ou até mesmo eliminando o impacto do ser humano sobre o ambiente (proposta de novos cenários que correspondam ao estilo de vida sustentável). Por sua vez, Santos (2009) desenvolve e aprofunda os níveis fundamentais de interferência do design em relação à sustentabilidade propostos por Manzini e Vezzoli (2008), resultando em cinco níveis que o autor (2009) descreve como níveis de maturidade do design sustentável na dimensão ambiental: Nível 1: melhoria ambiental dos fluxos de produção e consumo; Nível 2: redesign ambiental do produto; Nível 3: projeto de novo produto intrinsecamente mais sustentável; Nível 4: projeto de sistemas produto + serviço; Nível 5: implementação de novos cenários de consumo suficiente. Esses níveis de maturidade evoluem, crescentemente, em direção ao consumo e à produção sustentável. Com foco nos produtos de moda e sob o mesmo viés evolutivo da abordagem do design rumo à sustentabilidade, Martins e Santos (2008, pp. 2901-2903) reiteram os níveis fundamentais de interferência do design em relação à sustentabilidade

propostos por Manzini e Vezzoli (2008), resultando em quatro níveis de estratégias genéricas para tornar o vestuário mais sustentável. Novamente, esses níveis de estratégia evoluem crescentemente em direção ao consumo e à produção sustentável; caracterizam-se por possíveis intervenções, contribuições e limitações, descritas abaixo: Nível 1: redesign ambiental do vestuário existente. Corresponde à simples readequação ambiental de um vestuário existente, onde são consideradas todas as etapas do ciclo de vida. Por meio da substituição de materiais nãorenováveis por materiais renováveis, da facilitação da reciclagem, e do reuso de elementos do vestuário, entre outros, esse nível: otimiza a eficiência no consumo de matéria-prima e energia ao longo de toda a cadeia produtiva e de todo o ciclo de vida do vestuário, reduz os impactos ambientais provocados pelo transporte e pelo processo de fabricação de fibras virgens, tingimentos e acabamentos, e sensibiliza o usuário para a escolha de produtos mais responsáveis ambientalmente. É o nível mais enfatizado pela indústria têxtil e de confecção atualmente, porém sua adoção não exige mudanças reais nos estilos de vida e consumo. Nível 2: projeto de novo vestuário intrinsecamente mais sustentável. Corresponde ao projeto de vestuário com melhor desempenho em todas as etapas do ciclo de vida, e que já na sua origem evite ou elimine os impactos que o nível anterior (nível 1) apenas ameniza. Por meio da minimização de recursos, da escolha de recursos de baixo impacto, da extensão e otimização da vida dos materiais, da facilitação de desmontagem, do fortalecimento e da valorização de recursos locais, entre outros, esse nível: possibilita a completa eliminação de operações que são o foco do nível anterior (nível 1), e promove consideráveis mudanças no estilo de vida do usuário e também na estrutura da cadeia produtiva envolvida. As dimensões social e econômica da sustentabilidade também são contempladas com maior eficácia nesse nível. Porém, existe a probabilidade de resistência para sua implementação em situações reais. Nível 3: projeto de sistemas vestuário + serviço. Corresponde à desmaterialização de todo ou parte do consumo mediante a satisfação do usuário via serviços associados ao vestuário, centrando-se no resultado final

e não no bem físico. Por meio do aluguel de produtos, de atividades de cuidado doméstico terceirizadas, de serviços pós-venda, e de uso coletivo, entre outros, esse nível: estimula a ecoeficiência do vestuário, impulsiona o surgimento de oportunidades de inovação e desenvolvimento de mercados, e promove relações mais estáveis com os consumidores/ fornecedores. No entanto, esse nível interfere na noção de posse do produto, o que pode dificultar sua aceitação social e seu reconhecimento, pois exige uma mudança cultural/ comportamental por parte do consumidor. Nível 4: mudanças no estilo de vida. Por meio da promoção de novos valores culturais radicalmente diferentes do paradigma corrente, esse nível promove a mudança efetiva de estilos de vida, e de hábitos de consumo e produção, de maneira a reduzir ou eliminar o impacto do ser humano sobre o meio ambiente. Todavia, a percepção da maioria das pessoas de que aumento na qualidade de vida implica necessariamente em aumento de renda, em aumento no uso de recursos naturais e tecnologia, e em aumento do consumo, representa uma barreira significativa para esse nível ser implantado. Ao observar essa evolução crescente dos níveis, é notório que as limitações socioculturais das estratégias genéricas para tornar o vestuário mais sustentável, são mais significativas do que as limitações tecnológicas. Muitas das mudanças técnicas necessárias, como a substituição de materiais não-renováveis por materiais renováveis, entre outras intervenções possíveis ao longo do ciclo de vida do vestuário, já estão ocorrendo; essas intervenções estimulam as mudanças comportamentais necessárias nos dois últimos níveis. Martins e Santos (2008) evidenciam que as soluções genuinamente inovadoras na direção da sustentabilidade são essenciais e cada vez mais plausíveis, na medida em que os consumidores desenvolvem, progressivamente, uma noção ambiental capaz de incitar uma mudança em seus hábitos. Neste mesmo sentido, Fletcher e Grose (2011) argumentam que a busca por tornar os produtos de moda mais sustentáveis exige uma reflexão mais profunda e que vá além de intervenções pontuais no ciclo de vida desses produtos, pois [...] muitos dos problemas ambientais e sociais na indústria da moda não têm soluções puramente técnica ou mercadológica; ao contrário, as

soluções são morais e éticas [...], e para isso precisamos tomar distância do modo convencional de fazer negócio e examinar o que define, dirige e motiva os sistemas maiores. (FLETCHER; GROSE, p. 75) Existe, portanto, uma necessidade de se pensar em novas maneiras de produção e consumo de produtos de moda, que alterem o sistema onde esses produtos estão inseridos, desacelerando o ritmo de sua produção, consumo e descarte. Novas propostas de produtos de moda Novas maneiras de produção e consumo de produtos de moda exigem novas propostas de produtos de moda. Segundo Fletcher e Grose (2011), a inovação precisa partir de propostas apoiadas em princípios genuínos de sustentabilidade; para tanto, sugerem algumas propostas que merecem destaque por serem transformadoras dos sistemas da moda e constituírem boas oportunidades de inovação: Adaptabilidade propiciada por peças de vestuário versáteis e multifuncionais, transazonais e modulares; Vida útil otimizada a partir da durabilidade física e emocional das peças de vestuário; Naturalmente esse tipo inovação é mais lento, complexo e estratégico, e o sucesso de sua implementação está condicionado à aceitação, por parte do consumidor, dessas novas propostas. A percepção do consumidor a respeito de novas propostas de produtos de moda A produção e o consumo de produtos de moda está diretamente relacionada ao comportamento do consumidor em relação ao consumo, ao uso e ao descarte desses produtos, e novas propostas de produtos de moda podem alterar o consumo, o uso e o descarte dos mesmos. Para detectar esse comportamento e também a percepção, por parte do consumidor, dessas novas propostas, um questionário foi elaborado e posteriormente aplicado junto a esse consumidor. Em um primeiro momento, questionou-se o consumidor acerca de três situações vivenciadas em relação aos produtos de moda: consumo, uso e descarte.

Em um segundo momento, questionou-se o consumidor acerca de três novas propostas de produtos de moda (produtos duráveis e atemporais, produtos versáteis e multifuncionais, e produtos modulares). E em um último momento, questionou-se o consumidor acerca de sua opinião sobre os produtos de moda e a sustentabilidade. As respostas foram analisadas quantitativamente, justificando a importância da pesquisa e validando a continuidade da mesma, e qualitativamente, compreendendo e interpretando a percepção e a opinião do consumidor, pois essas estão intimamente relacionadas ao seu comportamento. O questionário, disponível online i por meio do Google Forms ii, foi submetido aos consumidores por email e pelas redes sociais Facebook iii e Twitter iv. O foco do questionário incidiu primordialmente sobre o consumidor tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino pertencentes à classe B, mas considerando também a classe C; segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE, 2012) e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE, 2012), a classe B é a classe com maior potencial de consumo atualmente (42%), seguida pela classe C (38%). No total, foram analisados cerca de 100 questionários respondidos. A partir das respostas obtidas, destacam-se alguns pontos fundamentais da análise realizada: O consumo, o uso e o descarte dos produtos de moda apresentaram-se condicionados a determinados aspectos dos produtos. Mostrou-se notória a valorização expressiva de aspectos como vestir bem e gostar muito, em contraposição a uma valorização menos expressiva de aspectos como estar na moda, revelando a existência de consumidores exigentes e maduros a respeito dos produtos de moda; A doação de produtos de moda, opção da grande maioria dos consumidores ao se desfazerem desses produtos, evidencia que ainda é bastante incerto o real destino final desses produtos; Embora a questão da sustentabilidade tenha sido inserida apenas ao final do questionário, muitos foram os consumidores que, ao longo do mesmo, relacionaram as novas propostas de produtos de moda com a sustentabilidade;

Quanto maior foi o nível de inovação das novas propostas de produtos de moda, ou seja, quanto mais estas se distanciaram do que normalmente é encontrado em termos de produtos de moda, menor foi a aceitação das mesmas por parte do consumidor. A aceitação das novas propostas, na maioria das respostas analisadas, esteve condicionada a determinados aspectos do produto, principalmente à qualidade, ao conforto, e à aparência agradável e desejável. A intenção do questionário não foi a de fundamentar o desenvolvimento de novas propostas de produtos de moda, mas sim a de identificar o que permite que essas novas propostas sejam assimiladas pelos consumidores; os resultados foram bastante satisfatórios. Considerações finais Indiscutivelmente, os produtos de moda fazem parte do cotidiano dos consumidores e merecem destaque no sistema contemporâneo de produção e consumo, incompatível com a sustentabilidade. As intervenções do design ao longo do ciclo de vida dos produtos de moda são necessárias e benéficas, porém limitadas, na medida em que não alteram significativamente o sistema onde encontram-se os produtos de moda, responsável pelos excessos produzidos, consumidos e descartados. Existe, portanto, uma necessidade de se implementar novas maneiras de produção e consumo de produtos de moda, que alterem o sistema onde esses produtos estão inseridos, desacelerando o ritmo de sua produção, consumo e descarte. Isso exige a apresentação, por parte do design, de novas propostas de produtos de moda, e a aceitação, por parte do consumidor, dessas novas propostas. A análise das respostas obtidas por meio da aplicação do questionário evidenciou claramente o interesse do consumidor por essas novas propostas, desde que os produtos de moda apresentem determinados aspectos, como conforto, qualidade e aparência agradável e desejável. Esses mesmos aspectos também condicionam o comportamento do consumidor em relação ao consumo, uso e descarte de produtos de moda.

Os aspectos acima citados são indubitavelmente projetáveis por meio do design de moda, que deve, então, considerá-los no projeto e desenvolvimento de novos produtos. Certamente se faz necessária uma investigação aprofundada sobre o que compete ao design de moda, considerando o desenvolvimento sustentável, em termos de requisitos projetuais. Este trabalho constitui parte, então, de uma pesquisa maior, que visa aprofundar o estudo acerca do prolongamento da vida útil dos produtos de moda como alternativa para a redução do impacto socioambiental, a partir de uma abordagem do design acerca de determinados aspectos desses produtos. Agradecimentos Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo número 2011/04739-5. Referências BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO. Panorama da Cadeia Produtiva Têxtil e de Confecções e a Questão da Inovação. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 29, 2009, p. 159-202 FLETCHER, K.; GROSE, L. Moda e sustentabilidade: design para mudança. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. KAZAZIAN, T. (org.). Haverá a idade das coisas leves: design e desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2005. INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA. Notícias. Disponível em: http://www.ibope.com.br/calandraweb/servlet/calandraredirect?temp=6&proj=portal IBOPE&pub=T&nome=home_materia&db=caldb&docid=0500707209449822832579 8A00390127. Acesso em: 16 mar. 2012. MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O desenvolvimento de produtos sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. São Paulo: EdUSP, 2008.

MARTINS, S. B.; SANTOS, A. dos. Estratégias genéricas para a sustentabilidade no setor do vestuário. CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 8, São Paulo, 2008. Anais... São Paulo, 2008. CD ROM. SANTOS, A. Níveis de maturidade do design sustentável na dimensão ambiental. In: KRUCKEN, L. (org.); MORAES, D. de (org.). Design e sustentabilidade. Barbacena: EdUEMG, 2009, p. 13-26. (Caderno de Estudos Avançados em Design) SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. Tendências de consumo: setembro 2010. Disponível em: http://portal2.pr.sebrae.com.br/staticfile/inteligenciacompetitiva/docs/vestu%c3%a 1rio/Tend%C3%AAncias%20de%20Consumo/Tend%C3%AAncias%20de%20Consu mo.pdf. Acesso em: 15 mar. 2012. i Disponível em: https://docs.google.com/spreadsheet/viewform?formkey=dfliuw8tqlhqcuhyohnidc1uqmrwake6m Q. ii Ao organizar um questionário, este é conectado automaticamente a uma planilha; quando o questionário é respondido, as respostas são coletadas automaticamente nessa planilha. Disponível em: http://www.google.com/google-d-s/forms/. iii Disponível em: http://www.facebook.com. iv Disponível em: http://www.twitter.com.