A sílaba, unidade de organização melódica da fonologia

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UCPEL - VII SENALE 2012 A sílaba, unidade de organização melódica da fonologia 1 Introdução Gisela Collischonn UFRGS/CNPq A sílaba tem sido uma parte integrante do desenvolvimento das teorias da representação fonológica bem como uma parte importante do desenvolvimento da teoria de regras, restrições, e de suas interações. Mas o estudo da sílaba não tem tido um desenvolvimento linear. Em vários momentos do desenvolvimento da Fonologia, a sílaba vai e volta como postulado teórico. O presente texto apresenta, brevemente, alguns dos temas considerados no minicurso com o mesmo título ministrado no VII Senale. Os objetivos são discutir algumas questões no desenvolvimento do estudo da sílaba e considerar as evidências favoráveis ou contrárias a noções como marcação de tipos silábicos e papel do peso silábico. O trabalho organiza-se principalmente pelo cotejo entre dois capítulos de Blevins (1995 e 2006), observando as mudanças no pensamento da autora no período de aproximadamente 10 anos. No primeiro capítulo, ainda dentro de uma perspectiva da fonologia sincrônica, há uma síntese das principais questões que preocupavam os fonólogos relativamente à definição de como as línguas podem variar em termos de estruturas silábicas. No segundo capítulo, a escolha é por assumir menos postulados teóricos e por dar espaço maior a dados de língua que vão contra algumas das principais afirmações da(s) teoria(s) da sílaba, tais como a generalização de Seqüência de Sonoridade, que, segundo Blevins (2006), é visivelmente desobedecida em diversas línguas. O texto critica também as soluções propostas para tratar de casos assim através de soluções ad hoc, que não são explicativamente satisfatórias. Embora Blevins (2006) não explicite um modo alternativo para dar conta dessas questões, podemos supor que a abordagem defendida pelo texto seja o modelo de Fonologia Evolucionária proposto em Blevins (2004). O texto organiza-se da seguinte forma: na primeira parte, trazemos um breve resumo do capítulo de 1995, que tanta influência teve nos estudos fonológicos. Em seguida, apresentamos os tipos silábicos previstos pelos parâmetros propostos na teoria. Em seguida, consideram-se as críticas a esse modo de análise apresentadas em Blevins 2006. A quinta seção trata do peso silábico, tanto na perspectiva de 1995, quanto de suas críticas em 2006. 2 Blevins (1995) Just as the feet of metrical theory supply rhythmic organization to phonological strings, syllables can be viewed as the structural units providing melodic organization to such strings. A citação acima, que inspirou o título deste texto, também é uma boa síntese do pensamento de Blevins no capítulo-síntese publicado na edição do Handbook of Phonological Theory da Blackwell de 1995 (Goldsmith, 1995).

Blevins aponta alguns argumentos para a relevância da sílaba como unidade fonológica: 1. Sílaba como domínio de processos fonológicos: por exemplo, de acento e tom, bem como de processos de faringealização. 2. Fronteira de sílaba como lócus de aplicação de regras. 3. Sílaba como alvo de processos morfofonológicos, tais como a reduplicação; há também evidências para o papel da sílaba em jogos de linguagem. 4. Existência de intuições do falante, quanto ao número de sílabas e quanto à localização de quebras de sílaba. Algumas questões complexas recebem uma resposta muito objetiva em Blevins (19950: Sobre a divisão interna da sílaba, a melhor é a estrutura Onset-Coda. Tipos silábicos das línguas variam de acordo com um conjunto de parâmetros préfixados. (ver ao final do handout o conjunto de parâmetros) Estes parâmetros definem também os valores marcados e não marcados. A organização dos segmentos em termos de sonoridade segue uma hierarquia dos segmentos expressa em termos de traços distintivos, a qual é universal. A sílaba não está presente nas representações lexicais, ou seja, é gerada no curso da derivação. Para explicar como a estrutura silábica é obtida, a autora prefere abordagens de regras a abordagens de templates, por duas razões: (1) em algumas línguas, parece haver ordenamento de regras de silabificação e (2) há evidência de que regras de construção de estrutura silábica têm de ser ordenadas intrinsecamente. Sobre o momento da derivação em que se realiza a silabificação, Blevins considera que, em algumas línguas, a silabificação tenha de ser cíclica, porque o acento é cíclico (e depende da silabificação). No entanto, a autora não afirma que a silabificação deva ser cíclica universalmente. Para a questão relacionada sobre o domínio (fonológico ou morfológico) em que a silabificação acontece, também não há uma definição universal, pois em alguns casos a silabificação acontece em domínios menores do que a palavra (morfemas), em outros, na palavra. A discussão em Blevins (1995) não leva em conta a análise por restrições, que, na época em que o capítulo foi escrito, estava sendo proposta. O capítulo de Zec (2007) é, sob muitos aspectos, uma retomada das idéias sintetizadas em Blevins (1995) sob uma perspectiva de restrições. Blevins (1995) identifica ainda, ao final do capítulo, alguns problemas da teoria da sílaba, tal como ela estava caracterizada naquele momento: - natureza das restrições de coda; - silabificações VC.V em algumas línguas; - desencontros entre sílaba fonológica e fonética. No capítulo de 2006, Blevins critica diversas das convicções apresentadas no texto de 1995. Para a autora, a base empírica sobre a qual se baseiam as afirmações da teoria é frágil. Antes de analisarmos mais detidamente as ressalvas deste texto, é importante olharmos para alguns aspectos tidos como definidos no texto de 1995.

3 Os tipos silábicos Blevins (1995) propõe uma teoria paramétrica com os seguintes parâmetros: Complex Nucleus, Oblig.Onset, Complex Onset, Coda, Complex Coda, que traduzimos como abaixo: 1 Parâmetros da teoria da sílaba: a) Parâmetro de Ramificação do Núcleo: uma língua pode proibir núcleo ramificado ou permitir a existência de sílabas com núcleo constituído por dois segmentos. b) Parâmetro do Onset Obrigatório: uma língua pode exigir que as sílabas tenham onset 2 ou, então, permitir a existência de sílabas sem onset. c) Parâmetro do Onset Complexo: uma língua pode exigir onset simples ou permitir a existência de onsets complexos. d) Parâmetro da Coda: uma língua pode proibir sílabas com coda ou, então, permitir a existência de sílabas com coda. e) Parâmetro da Coda Complexa: uma língua pode exigir coda simples ou permitir a existência de codas complexas Os parâmetros codificam os valores de marcação: não é o valor não-marcado e sim é o valor marcado. Portanto, os casos não-marcado são: - que os onsets sejam obrigatórios; - que não haja onset complexo; - que não haja codas; - que não haja nenhuma diferença sistemática entre sílabas internas e de borda. A autora indica algumas observações que sustentam esses valores de marcação: (1) nos estágios iniciais do desenvolvimento da língua (balbucio inicial), crianças parecem produzir sílabas em que os onsets são obrigatórios, não há nenhum onset complexo, não há codas e não há diferenças entre sílabas internas e externas (Vihman et al. 1985). (2) todas as línguas têm sílabas do tipo CV; (3) se clusters C n são possíveis em uma posição (onset/coda) então clusters com C n- 1 segmentos também são possíveis na mesma posição; (4) há uma variedade de processos fonológicos que transformam sílabas marcadas em não-marcadas (regras de epêntese e de apagamento de segmento), mas há poucas regras, se houver, que resultam consistentemente em codas obrigatórias, onsets complexos, ou codas complexas obrigatórias. Blevins (1995) indica o que se pode entender como um programa de investigação, dizendo que os parâmetros acima associados com a generalização de sequenciamento de 1 A autora ainda utiliza outro parâmetro, Edge Effect, que podemos traduzir como efeito de borda, que determina se as palavras da língua podem apresentar segmento adicional (apêndice) na borda direita/esquerda das palavras. Este parâmetro é traduzido na teoria de Zec (2007) para a restrição *APPENDIX. 2 Embora onset tenha sido traduzido como ataque (ver Bisol, 2005; Silva, 2011), preferimos, por questões de uniformidade terminológica, empregar neste texto apenas a denominação onset.

sonoridade e outras generalizações da teoria definem o conjunto de tipos silábicos existentes translinguisticamente. Levelt & Vijver (2004) fazem o exercício, considerando apenas as possibilidades combinatórias dos parâmetros acima e encontram 12 tipos de línguas diferentes: Quadro retirado de Levelt e Vijver (2004) Zec (2007) mostra como estes tipos silábicos podem ser obtidos a partir de rankings entre restrições. Apresentamos abaixo, alguns desses rankings silábicos básicos (cf. Zec, 2007, p. 7): (a) CV Onset, *Coda >> Max ou Dep (b) CV, V *Coda >> Max ou Dep >> Onset (c) C, CVC Onset >> Max ou Dep >> *Coda (d) CV, CVC, V, VC Max e Dep >> Onset, *Coda 4 Reformulações em Blevins (2006) No texto de 2006, a autora critica essa abordagem, dizendo que sua base empírica é frágil. Os valores não marcados para os parâmetros não parecem ser verdadeiros. Na esteira dessa crítica, embora não considere análises em Teoria da Otimalidade, o texto aponta que a abordagem por restrições, derivada da abordagem paramétrica, não é adequada como teoria universal. São poucas as línguas do mundo que têm apenas sílabas CV, se é que existem. Nas línguas que têm apenas sílabas abertas, normalmente onsets não são obrigatórios. Em muitas das línguas do mundo, as palavras começam com vogais, sem evidência de uma exigência de onset. Ao mesmo tempo, há muitas línguas em que as palavras livremente

terminam em consoantes, sem evidências de uma preferência por sílaba aberta. Em pelo menos duas famílias de línguas diferentes, não há evidência de uma preferência para sílabas fechadas. Em Olgol e Oykangand, línguas Paman de Cape York, não existem sílabas abertas no vocabulário nativo. Em vários subgrupos diferentes da família austro-asiática, todas as palavras terminam em consoantes. Além disso, a maioria destas línguas permite vogais longas e ditongos que podem ser analisadas como núcleos complexos. E, em alguns casos raros (como, por exemplo, o Arrernte Oriental), mesmo sequências VCV mediais parecem desafiar a restrição de onset, sendo sillabificadas como VC.V Podemos nos perguntar se existe uma maneira de a teoria sintetizada em Blevins (1995) - e reformulada em termos de restrições por Zec (2007) - poder abarcar essas observações. Que reformas precisariam ser feitas para isso? Para Blevins (2006), os fatos acima são indicação de que a teoria está errada. No texto, não há proposição de uma nova teoria que dê conta dos fatos. Na verdade, estas observações servem de argumento favorável para a teoria da Fonologia Evolucionária, proposta pela autora em 2004 (Blevins, 2004). Há também diversas questões que não são abordadas. Por exemplo, no texto de 1995, Blevins mostra que há uma variedade de processos fonológicos que transformam sílabas marcadas em não-marcadas (regras de epêntese e de apagamento de segmento), mas não há regras que resultam consistentemente em codas obrigatórias, por exemplo. Parece que continua válida a observação de que não há processos que têm como alvo a obtenção de estruturas silábicas marcadas e isso a abordagem diacrônica de Blevins (2004) não explica. 5 A estruturação da sílaba e o peso silábico Blevins (1995) adota a estrutura Onset-Coda com os seguintes argumentos: (i) o fato de que generalizações de sonoridade não se refiram à relação entre a consoante do onset e a vogal do núcleo, e entre a vogal do núcleo e consoante da coda e (ii) o fato de que as relações de sonoridade que existem entre consoantes no onset não sejam imagemespelho das relações entre consoantes na coda. Porém, o argumento mais forte, considera, é o do peso silábico. Só há três tipos de língua, quanto às distinções de peso possíveis e a teoria onset/coda dá conta dessa distinção: Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Leve Pesada Ultrapesada C 0 V C 0 VX (rima ñ- (rima ramificada) ramificada) C 0 V, C 0 VC (núcleo ñ- ramificado) C 0 V (rima ñ- ramificada) C 0 VV (núcleo ramificado) C 0 VC (rima ramificada) C 0 VV (núcleo ramificado) Sierra Miwok, Hausa, etc. Huasteco, Hawaiian, etc. Klamath, Yupik

C 0 VV, C 0 VR Creek Blevins (1995) compara isso a abordagens moraicas da sílaba como a teoria de Hayes (1989). Para a autora, essas teorias têm dificuldade de expressar distinções como as de Klamath e Creek. De fato, ao dispensarem as distinções de rima e de núcleo, estas teorias não conseguem estabelecer a preferência pelas sílabas de núcleo ramificado. 3 Em Blevins (2006), a autora não desconstrói essas observações, mas inclui alguns acréscimos que seguramente modificam a orientação da argumentação: a) Há uma diferença entre acento em tom, no que se refere ao tipo de sílaba que tem peso. Para o tom, a divisão mais comum é entre VV pesada e V leve ou, então VV e VR são pesadas e V e VT são leves. Gordon (2002) mostrou que o peso tem relação com propriedades fonéticas relevantes para tom, por um lado, e acento, por outro. Portanto, há línguas em que acento e tom têm sistemas de peso distintos. Em suma: a busca por uma teoria unificada do peso silábico para acento e tom talvez não seja a melhor ideia. b) Há algumas línguas em que o peso é determinado pelo onset da sílaba. Pirahã: sílabas com onset desvozeado atraem o acento preferencialmente sobre sílabas com onset vozeado. Escala de peso: TVV > DVV > VV > TV > DV > V. A existência de uma espécie de sensibilidade do acento ao onset parece ser uma séria contraevidência aos argumentos que dividem a sílaba em onset e rima. Entretanto, o que parece, acento sensível ao onset refere-se apenas à presença de onset ou à qualidade de consoante no onset (Topintzi, 2011), não à distinção entre onset simples e complexo. while there is evidence that onsets participate in at least some of the phenomena that codas do, the frequency with which they do so is indisputably much lower and in some cases exceedingly rare. (Topintzi, 2011, p. 1302) Isso mostra que a chamada sensibilidade ao onset tem uma natureza diferente da sensibilidade à rima. A questão seguramente merece aprofundamento e dados de aquisição da linguagem e de variação fonológica podem contribuir nesse sentido. Conclusão Apresentamos aqui um breve resumo de Blevins (1995) e os questionamentos a algumas das afirmações apresentadas naquele capítulo, enunciadas em Blevins (2006). Esses questionamentos mostram que o papel da sílaba e sua estrutura precisam ser repensados. Em Blevins (2004, 2006) adota-se uma perspectiva de que não são parâmetros ou restrições universais que determinam a forma como as línguas organizam a sua estrutura silábica; os padrões emergem do fato de que as línguas mudam e que a mudança deixa suas marcas na língua. Não foi nosso objetivo defender essa perspectiva, com a qual não concordamos. O que nos interessou foi a reavaliação das afirmações fundamentais com que fonologia opera, que sempre parece importante de ser feita a cada nova geração de lingüistas que se forma. Esperamos ter contribuído para este fim. Referências 3 Essa dificuldade não é compartilhada por abordagens como a proposta em Zec (2007), que propõe escalas de preferência para segmentos no núcleo da sílaba e nas posições moraicas.

BLEVINS, J. The syllable in phonological theory. In J. A. Goldsmith (ed.) The Handbook of Phonological Theory. Oxford: Blackwell, 1995. 206-244. BLEVINS, J.. Syllable typology. Encyclopedia of Language and Linguistics, 2nd Edition, Volume 12. Keith Brown, editor. Oxford: Elsevier, 2006. 333-337. GORDON, Matthew. A phonetically-driven account of syllable weight. Language, v. 78, 2002. p. 51-80. LEVELT, C.C.; VIJVER, R., van de Syllable types in cross-linguistic and developmental grammars. In Kager, R., Pater, J., Zonneveld, W. (Eds.) Constraints in phonological acquisition. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 204-218. TOPINZTI, N. Onsets. In Marc van Oostendorp, Colin J. Ewen, Elizabeth Hume and Keren Rice (eds).the Blackwell Companion to Phonology, Blackwell, 2011. Versão prépublicação disponível em http://www.uni-leipzig.de/~topintzi/papers/companion_ onsets.pdf ZEC, D. The syllable. In P. de Lacy (ed.) The Cambridge Handbook of Phonology. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 161-194.