Olhares sobre a Histeria ensaio.



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Transcrição:

Olhares sobre a Histeria ensaio. Anelise Scheuer Rabuske 1. Poeminha de Insatisfação Absoluta Millôr Fernandes O que me dói É que quando está tudo acabado Pronto pronto Não há nada acabado Nem pronto pronto Pintou-me a casa toda Está tudo limpado O armário fechado A roupa arrumada Tudo belo, perfeito. E no mesmo instante Em que aperfeiçoamos a perfeição Uma lasca diminuta, ténue, microscópica, Não sei onde, Está começando Na pintura da casa E as traças, não sei onde, Estão batendo asas E a poeira, em geral, está caindo invisível, E a ferrugem está comendo não sei quê E não há jeito de parar. O poema de Millor Fernandes me faz questão no início desta escrita, pela vinculação existente entre o conceito de histeria e insatisfação. Aqui, me proponho a olhar para o conceito de histeria, atravessamentos e formas, na tentativa de compreender um pouco mais sobre algo que, parece-me, pode pertencer a todos nós. A leitura dos casos clínicos de Freud e a aproximação com as teorias psicanalíticas durante a formação me despertam o desejo de conhecer um pouco mais a respeito da histeria, já que a própria Psicanálise se constituiu, num primeiro momento, em torno de pacientes que apresentavam quadros histéricos. A partir destas pacientes, Freud, utilizando inicialmente a hipnose e a sugestão, desenvolveu a técnica da associação livre e a concepção de Inconsciente, entre tantos outros conceitos que hoje embasam a práxis psicanalítica. Não são da época de Freud as preocupações com a histeria. Estas já remontam à Antiguidade. O termo deriva da palavra grega hystera, de útero. Roudinesco e Plon (1998) referem que a histeria é uma espécie de neurose que pode apresentar quadros clínicos variados: os conflitos psíquicos inconscientes aparecem através de sintomas corporais 1 Psicóloga, Mestre em Educação (UFRGS), Psicanalista em Formação pelo Circulo Psicanalítico do Rio Grande do Sul. Tel: (51) 9742-4280. E-mail: anelisesr@ig.com.br.

como ataques ou convulsões aparentemente epiléticas, ou então, de paralisias, contraturas, cegueiras (p.337). Roudinesco e Plon (1998, p.338-339) reconstroem dados históricos da histeria na Humanidade: para Hipocrates, uma doença feminina, orgânica, proveniente do útero. Para Platão, suas portadoras estavam próximas da animalidade. A Idade Média, influenciada religiosamente por Santo Agostinho, coloca em desuso a noção médica, passando as histéricas a serem vistas como possuídas pelos demônios. Michelet, no século XIX, descreve-as como feiticeiras, dotadas de um poder sobrenatural. Durante o Renascimento ocorre uma disputa entre a Igreja Católica Romana e a Medicina. Durante quase dois séculos, a Igreja entende as manifestações histéricas como casos de bruxaria e as manda para a fogueira, no período conhecido como caça as bruxas. Um médico alemão chamado Jean Wier (1515-1588), divulga seus entendimentos de que essas mulheres não podem ser responsabilizadas por seus atos pois estão fora de si, devem ser consideradas doentes mentais. Em função dessas idéias, sofre grandes perseguições da Igreja. É o inicio de um movimento que culmina por volta do século XVIII, grandemente influenciado por Franz Anton Mesmer, com a passagem de um conceito demoníaco da histeria, para um conceito científico, que entende que as doenças dos nervos são decorrentes de um desequilíbrio do fluido universal. O medico então, deve magnetizar essas pacientes para alcançar a cura. Sobre esse conceito desenvolve-se mais tarde a técnica da hipnose. É o inicio da psiquiatria dinâmica, com o predomínio dos tratamentos magnéticos. Mesmo com essa evolução, o conceito de doença uterina vigorava, somente mais tarde tornando-se dessexualizada: se passava a entender que era uma doença do cérebro e, portanto, poderia também atingir aos homens. Ainda antes dos estudos de Charcot, outros entendimentos foram realizados em torno da histeria e sua origens: condições de vida e trabalho, ciclos da natureza, movimentos dos astros... Com Pinel, inaugura-se um novo momento: confrontam-se os defensores do organicismo com os pensadores da psicogênese, em um movimento que já sinaliza alguns entendimentos em torno das afecções psíquicas (doenças nervosas), nos casos em que havia dor em algum órgão do corpo, embora este não apresentasse qualquer lesão. Charcot, por volta de 1870, passa a utilizar a hipnose para tratar das afecções histéricas, que com cada vez mais intensidade, se apresentam na população, agora industrializada. Os aspectos da realidade social da época não ficam de fora do entendimento da histeria. De acordo com Roudinesco e Plon (1998) escritores, médicos e historiadores concordavam em ver nas crises da sociedade industrial sinais convulsivos da

natureza feminina... massas trabalhadoras eram chamadas de histéricas quando entravam em greve... quando ameaçavam a ordem estabelecida (p. 339). Relacionando essa citação com o poema no inicio deste texto, parece não ser de agora que a histeria encontra-se vinculada ao conceito de insatisfação... Charcot dedicava-se a estudar a neurose no Salpêtrière e utilizava a hipnose para produzir sintomas e retira-los logo após das pacientes, buscando comprovar o caráter neurótico dos sintomas que lhe eram apresentados (Roudinesco e Plon, 1998). Foi criticado em suas praticas pela Escola de Nancy, mais especificamente por Bernheim, que o acusava de fabricar sintomas e não tratar com dignidade suas pacientes, que acabavam sendo objeto de exposição. A Escola de Salpetriere colocava a pesquisa teórica no centro de suas preocupações. A Escola de Nancy estava mais focada na busca do bem estar dos pacientes, em função de suas terapêuticas. Discípulo de Charcot, Freud optou por também se aproximar da Escola de Nancy, tirando proveito tanto das produções teóricas de Charcot quanto da terapêutica de Bernheim. Assim, entre 1888 e 1893, Freud construiu um conceito novo sobre a histeria, sustentando-a na hipótese de uma origem traumática, primeiramente compreendida como fruto de um abuso sexual real e posteriormente, sendo compreendida como fruto de fantasias sexuais vivenciadas na infância (Roudinesco e Plon, 1998). Em 1893, Freud e Breuer escrevem o Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos - Comunicação Preliminar, onde sinalizam para o papel dos afetos na formação dos sintomas histéricos. Todo evento, toda impressão psíquica é revestida de uma determinada carga de afeto (Affektbetrag) da qual o ego se desfaz, seja por meio de uma reação motora, seja pela atividade psíquica associativa (Freud, 1893 [1888-1893],p.215). De Bernheim, Freud retomou o conceito de sugestão, desenvolvendo-o até chegar a técnica da associação livre, na qual as pacientes deveriam dizer tudo o que lhes vinha a mente. O percurso de Freud na compreensão da sexualidade encontra-se presente em toda sua a obra iniciando-se com os Estudos sobre a Histeria (1893-1895). Nesta leitura observamos que as questões que Freud coloca sobre a histeria se confundem com as que ele coloca sobre a mulher. Talvez porque a histeria seria mais freqüente entre as mulheres, ou então por que a mulher era um enigma para Freud, questão que ecoa em sua obra: O que quer a mulher?

Ao tratar as primeiras pacientes histéricas - Emmy von N., Lucy R., Katharina, Elisabeth Von R., Freud (1895) estava fundamentalmente preocupado com a questão do trauma e já destacava então que o traumático não era a sedução em si, mas a recordação da cena. As histéricas sofriam de reminiscências inconscientes, ou seja, as histéricas sabiam, mas não sabiam que sabiam. E poderiam não querer saber... Nasio (1991) explica que o trauma não é a agressão externa mas o vestígio psíquico deixado pelo trauma, as marcas deixadas no eu: a causa da histeria não é uma acidente mecânico externo e datavel na historia do paciente, mas o vestígio psíquico superinvestido de afeto; não é o fato em si da sedução que atua, mas a representação psíquica que constitui seu traço vivo (p.27). O autor também fala do recalcamento, dizendo que a neurose histérica é provocada pela inabilidade do eu para lidar com a representação sexual intolerável, que passa a ser isolada, recalcada, enquanto que o eu continua a conservar em si um trauma psíquico latente. Refere: complexo de Édipo. O impulso essencial da histeria, portanto, consiste no conflito entre uma representação portadora de um excesso de afeto, por um lado, e por outro, uma defesa infeliz - o recalcamento que torna a representação ainda mais virulenta. Quanto mais o recalcamento se encarniça contra a representação, mais ele a isola e a torna perigosa. Assim, o eu se esgota e se enfraquece num combate inútil, que produz o efeito inverso da meta buscada (Nasio, 1991, p.29). Em seus estudos sobre a sexualidade humana Freud desenvolve o conceito de O Édipo é a experiência vivida por uma criança de cerca de quatro anos que, absorvida por um desejo sexual incontrolável, tem de aprender a limitar seu impulso e ajustá-lo aos limites do seu corpo imaturo, aos limites de sua consciência nascente, aos limites de seu medo e, finalmente, aos limites de uma Lei tácita que lhe ordena que pare de tomar seus pais por objetos sexuais. Eis então o essencial da crise edipiana: aprender a canalizar um desejo transbordante. (...) a experiência vivida no terremoto edipiano fica registrada no inconsciente da criança e perdura até o fim da vida como uma fantasia que definirá a identidade sexual do sujeito, determinará diversos traços de sua personalidade e fixará sua aptidão para gerir conflitos afetivos. No caso de a criança ter experimentado, por ocasião da crise edipiana, um prazer precoce demais, intenso demais e inesperado demais, isto é, no caso de a experiência de um prazer excessivo ser traumática, a fantasia daí resultante seria a causa de uma futura neurose (Nasio, 2007, p.12). O complexo de Édipo é apresentado em duas fases: uma fase inicial na qual o bebê deseja proteção e amor total, vinculados aos cuidados intensos que recebe por sua condição frágil e que estão relacionados de maneira mais significativa, à figura materna. Com o passar dos dois ou três primeiros anos a criança vai se dando conta que não é o centro do mundo já que a mãe tem outros interesses: estudos, trabalho, outras pessoas, um

homem o pai, que se apresenta como um rival na disputa pela atenção da mãe. A criança ama e hostiliza essa figura. A descoberta das diferenças sexuais e o conseqüente temor a castração, produzem diferentes direcionamentos para meninos e meninas em sua resolução do Complexo Edípico. A menina somente chega ao amor do pai pela via do amor da mãe. Essa mudança de objeto de amor ocorre a partir da percepção da própria castração. À medida que o desejo da mãe se volta para esse outro que a menina percebe que não completa a mãe, que não é tudo para a mãe. É só quando se dá conta de que sua mãe não é completa, mas faltante, assim como ela mesma, que então pode abandonar seu apego primário à mãe e tomar o pai como objeto. Na histeria, a função paterna é recalcada, esta caracterizada por um pai caído, fraco, impotente. Ele é impotente porque não foi investido falicamente pela mãe. Esse pai não consegue atender as demandas femininas, então a histérica vai sustentar esse pai tornando-o sedutor e fantasiando ser seduzida por ele. Por isso, ela se faz na insatisfação com seu desejo, também como forma de proteção, defesa, de forma a não se deparar com sua própria castração. No Caso Dora ela se questiona: O que é ser uma mulher? : só pode ser desejada, não sabe o que é ser uma mulher, o que esta deseja. Portanto, ela não sabe do desejo da mãe. E por isso, não sabe sobre seu próprio desejo. Por isso, deseja o desejo do outro e também se identifica com os traços do outro. Assim, na histeria, o desejo é insatisfeito, pois seu desejo é o desejo do outro. Faz-se na insatisfação e se protege para não ter que deparar-se com sua própria castração. Zimerman (1999) prefere não falar em histeria, fala em histerias, justificando a existência de diversas modalidades e graus de quadros clínicos dentro das neuroses histéricas, sinalizando também para a existência de traços histéricos em todas as estruturas de personalidade, inclusive nos psicóticos (p.207). Este autor traz algumas características que são comuns nas histerias: Existência de uma mãe que provoca na criança sentimentos muito contraditórios (é dedicada mas cobradora, carinhosa mas falsa, projetando muitas culpas no filho) bem como confusão no sentimento de identidade; Pai ao mesmo tempo sedutor e frustrador, desqualificado pela mãe (é comum na mulher histérica uma idealização do pai e uma mãe desvalorizada, com sentimentos muito intensos de amor e ódio a ela dirigidos) Angustia de castração bem como de cair em desamparo e baixa auto-estima.

Baixa tolerância a frustração acompanhada de labilidade emocional, alta sugestionabilidade bem como relação de idealização e denegrimento dos outros significativos. Falso self (falta de autenticidade, insiceridade, sentimento de falsidade) bem como duvidas em relação a identidade sexual e outras identificações (adulto/criança, homem/mulher, hetero/homo). Dificuldade para aceitar falhas e faltas utilizando recursos inconscientes para manter fantasias identificatorias. Os vínculos que organiza são de busca de reconhecimento; necessidade de serem amadas, valorizadas, reconhecidas, em alguns casos chegando a extremos o outro deve lhe prover todas as suas necessidades: materiais e emocionais. Sentimento de vazio existencial, que muitas vezes aparece na forma de depressões narcisísticas. O corpo é altamente erotizado, sendo utilizado como ferramenta de sedução, seja pela via da sensualidade ou do adoecimento. Sexualidade prejudicada, com tendências a inibir ou castrar a genitalidade do parceiro, impotência, frigidez que pode estar a serviço de tornar o parceiro um fracassado, bem como comportamentos promíscuos, sendo que a insatisfação aparece habitualmente como marca primordial. Para finalizar, com desejo de continuar, trago um citação de Nasio, que fala sobre a recusa da histérica de se entregar ao gozo. Sua profundidade me instiga tanto a estudar quanto a me autoconhecer: Recusando-se a se entregar, a histérica se vê inevitavelmente arrastada para o precipício da insatisfação. Quer seja o homem que manifestamente se recusa a penetrar a mulher, ou a mulher que, aceitando a penetração, se recusa a perder sua virgindade fundamental, ambos viverão, infalivelmente, um estado de permanente e latente insatisfação. Uma insatisfação que não se restringe unicamente ao registro sexual, mas se estende para a totalidade da vida; e o faz, as vezes, de maneira muito dolorosa, através de episódios depressivos ou até de tentativas de suicídio. Pois bem, a despeito dessa dor, o histérico se agarra surpreendentemente a sua insatisfação (...) O histérico deseja estar insatisfeito por que a insatisfação lhe garante a inviolabilidade fundamental de seu ser. Quanto mais insatisfeito ele é, mais fica protegido da ameaça de um gozo que ele percebe como um risco de desintegração e loucura (Nasio, 1991, p. 46). Referencias Bibliográficas: FREUD, Sigmund. 1888. Histeria (1888). Vol. I. In: Obras Completas. Rio de Janeiro:Imago, 1996., Sigmund. Etiologia da histeria (1896). In Obras Completas, vol III, Rio de Janeiro: Imago, 1969.

, Sigmund. Fragmento da análise de um caso de histeria (O caso Dora), 1905. Rio de Janeiro: Imago, 1997., Sigmund. Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade, 1908. In Obras Completas, vol IX,Rio de Janeiro: Imago, 1969. Feminilidade (1932). In:. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de janeiro: Imago, 1996. v. XXII. Três ensaios sobre a sexualidade [1905]. In:. Rio de Janeiro: Imago, 1972. v.vii. NASIO, J.D. A Histeria Teoria e clinica psicanalítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1991. NASIO, J.D. Édipo o complexo do qual nenhuma criança escapa. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. ZIMERMAN, David. Fundamentos Psicanalíticos teoria, técnica e clínica. Poa: Artmed, 1999. ROUDINESCO; PLON. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.