CRIMES PASSIONAIS. O CIÚME NA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM VITÓRIA/ES NO ANO DE 2003 Alexandre Pereira Faustini Universidade Federal do Espírito Santo Palavras chaves: Gênero; Mulher; Violência; Ciúme. O presente trabalho é uma exposição preliminar dos dados coletados pelo grupo de Iniciação Científica da Universidade Federal do Espírito Santo, no projeto O silêncio dos dados: fundamentos da violência contra a mulher em Vitória (ES) 2003-2007, coordenado pela Professora Doutora Maria Beatriz Nader, do Departamento de História desta Universidade. Consiste em fazer o mapeamento dos casos registrados na Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher (DEAM) entre os anos de 2003 e 2007. O subprojeto aqui exposto trata especificamente da visão sobre os crimes cometidos por ciúme. Discutiremos aqui os resultados já digitados e tabelados, que consistem no primeiro semestre de 2003. Antes de discutirmos estes resultados, trataremos brevemente de definir a violência contra a mulher, um breve histórico das DEAMs e da questão do ciúme, além de demonstrar como estamos executando tal projeto. Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994), a violência contra a mulher é qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada (OEA, 1993 apud INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO,2010). Em consonância com a definição acima, a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, em seu texto diz que: A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres. (ONU, 1994 apud INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2010) 1
Segundo NADER (2010), a violência contra a mulher, historicamente, tem como base a hierarquia e a desigualdade entre os sexos, que deixam a mulher em uma posição subalterna e não ocorre somente no ambiente doméstico, mas também no ambiente comunitário e de trabalho. Logo, não existem grupos imunes a tais agressões, que se entranham em todas as camadas sociais. A luta do movimento feminista, conforme NADER (2010), trouxe a tona o problema da violência contra a mulher, e batalhou para a criação de políticas públicas, que buscassem erradicar tal espécie de violência. Ao longo do tempo, foram sendo conseguidas uma série de conquistas, tais como as DEAMs, a partir de 1985, servindo como um espaço institucional para que, a mulher vítima de violência, seja ela de gênero ou não, pudesse denunciar seu agressor e obter proteção para não mais sofrer violência. A primeira DEAM foi criada em São Paulo, no governo de Franco Montoro, em 1985, e logo se espalharam por todo o território paulista (SANTOS, 2010). O movimento feminista e sua militância logo fez com que os outros estados da federação seguissem o exemplo de São Paulo, e criassem tais delegacias especializadas desde a segunda metade da década de 1980. A DEAM de Vitória, foi uma das primeiras a ser fundadas em território brasileiro, sendo criada em outubro de 1985 (NADER, 2010). Dentre os vários motivos que levam a mulher a sofrer violência estão o excesso do consumo de bebidas alcóolicas, o uso de entorpecentes ilícitos, desentendimentos familiares, desavenças movidas por questões financeiras ou pelo impacto do desemprego, entre outros. A motivação do presente ensaio é o ciúme, que pode ser entendido como o sentimento de ameaça de perda de algo que se possui. Para algumas pessoas o ciúme é natural, para outras o ciúme é encarado como um sinal de amor. Porém, esse é um sentimento que pode se tornar nocivo, fazendo com que a violência cometida em seu nome seja tolerada. A dependência emocional é a base da relação violenta, tanto do lado do homem, quanto do lado da mulher. Para ele, cuja dependência e infantilidade emocional é mais visível, o ciúme pode tornar-se um comportamento doentio de possessão, chegando, por muitas vezes, a levalo a cometer crimes passionais. Para a mulher, o ciúme pode se tornar um sentimento tanto de forma passiva, quando coloca o amor e a dependência financeira acima de sua vida e integridade, como de forma ativa, quando tenta defender sua posse perante outras mulheres. Assim, a mulher também, movida pelo ciúme que possui em relação a seu namorado, 2
companheiro ou marido, age de forma violenta contra outra mulher. Logo, ambos os sexos podem direcionar esse sentimento aos seus rivais ou aos seus companheiros. (ZAMERUL, 2007; ELUF,2006) É importante também verificar como a violência passional é disseminada em todas as classes sociais. Com a possibilidade de mapeamento dos crimes movidos a ciúme, aumenta-se a informação sobre tal categoria de delitos, evitando-se assim que mais e mais mulheres sofram com o lado negativo do ciúme. Este ensaio, especificamente, busca traçar o perfil socioeconômico do agressor passional, da vítima de tais crimes e também mensurar a participação das mulheres em delitos contra outras mulheres, por causa do ciúme. Para alcançar tal feito os resultados foram divididos em duas etapas. A primeira foi o levantamento dos dados constantes nos Boletins de Ocorrência dos arquivos da DEAM - Vitória (ES), nos quais foram obtidos os dados. A segunda etapa, foi a programação de um Banco de Dados no programa Microsoft Access, e a subsequente digitação dos dados, a fim de nos permitir o cruzamento de dados e o tabelamento de resultados. Esta dinâmica computacional proporciona possibilidades de cruzamento de dados, com uma especificidade que não seria possível sem esta tecnologia. RESULTADOS Com a pesquisa, realizada nos Boletins de Ocorrência da DEAM Vitória (ES) observamos alguns fatores peculiares na violência passional na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo, promovida por homens e mulheres, que podem ser assim apresentados: Quadro 1 Sexo dos agressores Total de casos 740 Masculino 585 Feminino 133 Ambos os sexos 19 Não Informado 3 3
Fugindo do lugar comum, de que só o homem é que é sujeito ativo da violência contra a mulher, provocada pelo ciúme, observamos que um pouco mais de um sexto dos autores de agressão contra as mulheres são promovidas pelas próprias mulheres. Aproximadamente um quinto dos casos relatados na DEAM de Vitória/ES tem como raiz o ciúme. A mesma proporção se visualiza nos casos em que a própria mulher é sujeito ativo do delito, sublinhando-se assim o fato de que este é um tipo de agressão não exclusivo do homem. Analisando tal assertiva, observamos que além da dependência financeira do homem, ainda é comum haver mulheres que entendem o casamento como o seu destino biológico, o que comprova que muitas mulheres desejam o casamento acima de qualquer coisa e, para isso recorrem a todos os tipos de estratégia para assegurar o seu lugar no relacionamento com o homem. Exemplo disso pode ser observado no quadro 2 Quadro 2 Sexo dos agressores, nos casos movidos por ciúme Casos motivados por ciúme 146 Masculino 144 Feminino 29 Ambos os sexos 3 É interessante observar que, para que ocorra esse tipo de motivação de agressão, ciúme, não há distinção de etnia como mostra o quadro 3. Quadro 3 Etnia dos Envolvidos Vítima Agressor Não informada 17 10 Branca 48 51 Negra 20 19 Parda 61 66 Não se observa aqui uma determinada etnia como predominante tanto como vítima quanto como agressor. 4
A proporção da etnia entre os autores e vítimas, denota uma indicação de poucas relações afetivas inter-étnicas na capital capixaba, o que um estudo mais aprofundado poderá corroborar. No tocante a idade das mulheres que denunciam seus parceiros na DEAM-Vitória (ES), observa-se que a mulher sofre mais violência passional no auge de sua juventude, enquanto o agressor age em uma fase onde se começa a sentir o peso da idade, o que talvez provoque uma maior insegurança dele.(quadro 4) Quadro 4 Idade dos Envolvidos Vítima Agressor Menor que 21 anos 19 13 De 22 a 25 anos 24 15 De 26 a 30 anos 33 16 De 31 a 35 anos 21 22 De 36 a 40 anos 24 20 De 41 a 45 anos 11 13 De 46 a 50 anos 51 11 Maior que 51 anos 6 8 Não informada 1 28 Em relação a idade da vítima, nota-se que há um pico na faixa dos 20 a 30 anos, e a seguir uma tendência decrescente, enquanto o agressor costuma não conseguir mais refrear seus impulsos passionais no interstício entre os 30 e 40 anos. Em relação aos tipos de agressão, os boletins de ocorrência da DEAM-Vitória não confirmam o que a historiografia da violência contra a mulher vem mostrando ao longo de três décadas. Quadro 5 Tipos de agressão mais comuns Ameaça 36 Lesão Corporal 34 Perturbação 11 Agressão 10 Ameaça - Perturbação 6 5
Agressão - Ameaça 4 Perseguição - Perturbação 4 Ameaça - Injúria 3 Ameaça - Lesão Corporal 3 Ameaça por telefone 3 Vias de Fato 3 Estas modalidades mais comuns de agressão perfazem 114 das 146 agressões movidas pelo ciúme dentro do primeiro semestre de 2003. As outras 32 agressões se espalham por outros 16 tipos diferentes. Visualiza-se aqui uma prevalência do agressor usar da violência psicológica para atingir seu intento em relação a vítima. 70 desses casos envolvem este tipo de violência supracitado. Porém não devemos deixar de lado a violência física, mais visível, que está na raiz de 50 destas agressões. Na ausência de informações mais detalhadas, como a renda do indivíduo, a profissão nos traz um importante vetor de análise da condição sócio econômica dos sujeitos de nosso estudo. Existem profissões que pertencem a classes mais abastadas, assim como profissões comumente exercidas por classes mais populares, nos ajudando a traçar o perfil da situação financeira do agressor: Quadro 6 Profissões mais comuns dentre os agressores Desempregado 11 Pedreiro 6 Motorista 5 Vendedor 5 Do lar 4 Pintor 4 Vigilante 4 Aposentado 3 Auxiliar de Serviços Gerais 3 Biscateiro 3 Comerciante 3 Doméstica 3 6
Lavador de Carros 3 Dentre as profissões mais observadas, vemos que são em sua maioria ligadas a classes sociais mais populares. Há de se destacar dois pontos. O primeiro é do grande incidência de desempregados. O desemprego aflora a insegurança e o sentimento de perda, talvez sendo responsável por este elevado número de agressores. O segundo é a presença razoável de mulheres do lar, que por terem um grau de dependência econômica acentuado, acabam sendo, elas mesmas, agentes ativas da agressão, visando defender seu relacionamento, e talvez, a sua condição econômica atual. Mas, há de se ressaltar a presença de várias profissões ligadas a extratos mais nobres da sociedade, como comerciantes, médicos, dentistas, funcionários públicos e advogados. Assim, não se deve inferir que classes mais baixas são mais propensas a cometer crimes passionais. A prevalência de tais profissões se deve mais a desigualdade social existente na capital capixaba e não a uma propensão dos profissionais mais humildes a executar crimes movidos por ciúme. Figura 1 Mapeamento da violência passional, segundo as regiões administrativas de Vitória 7
As agressões por ciúme são democráticas, estando relativamente bem distribuídas entre os bairros ricos e pobres, com os dois bairros com mais casos no primeiro semestre de 2003 (10) sendo, ambiguamente, Jardim Camburi, um dos mais ricos e São Pedro, um dos mais pobres (São Pedro). Porém, esta observação pode advir do fato de que o nível educacional e a consciência de direitos é maior nos bairros de elite, ao passo que em bairros mais populares, a dependência econômica da mulher pelo homem é mais acentuada, assim como o déficit de informação, o que desencoraja a mulher denunciar as violências sofridas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Secretaria de Segurança do Estado do Espírito Santo. Delegacia Especializada em Atendimento a Mulher. Boletins de Ocorrência. Vitória: PCES, 2003. ELUF, Luiza Nagib. O homicida passional não merece compaixão nem perdão. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-out- 06/homicida_passional_nao_merece_compaixao_nem_perdao>. Acesso em: 06 out. 2006. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. Belém: OEA, 1994. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Nova Iorque: ONU, 1993. NADER, Maria Beatriz. O silêncio dos dados: fundamentos da violência contra a mulher em Vitória (ES) 2003-2007. Vitória: UFES, 2010. (Projeto de Pesquisa) INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO. Portal Violência Contra a Mulher. Disponível em: < http://copodeleite.rits.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml?x=105 >, Brasil. Acessado em: 22 de Setembro de 2010. SANTOS, Cecília Macdowell. Delegacias Da Mulher em São Paulo: Percurso e Percalços. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh/br/jglobal/redesocial/redesocial_2001/cap4_del egacia.htm>. Acesso em: 29 set. 2010. ZAMERUL, Elizabeth. Dependência emocional: a base da relação violenta. Disponível em: <http://www.wmulher.com.br/template.asp?canal=relacionamento&id_mater=3687>. Acesso em: 30 jul. 2007. 8