Oh Meu Deus Ultra Trail Serra da Estrela 104 km (que acabaram por ser cerca de 115 km) É, com certeza absoluta, uma das provas mais duras realizadas em Portugal. Não só pela altimetria, mas também pela distância e dificuldades do terreno. O Clube MBCP fez-se representar por 6 Atletas, todos eles inscritos para a prova rainha, ou seja, o Ultra-Trail, pois também havia o Trail (50 km) e o Mini-Trail (20 km). Mas vamos ao relato da prova. Saída de Lisboa no carro do Hugo Luz, onde eu (Jorge Lanzinha) também me incluía, por volta das 17.45h. E, lá fomos em direção a Manteigas, no coração da Serra da Estrela, onde chegámos por volta das 20.30h. Os restantes atletas, Miguel Cruz, Fernando Alcides, Eduardo Rodrigues, Francisco Reis e mais um atleta que tinha pedido boleia, de seu nome Tiago Dionísio, saíram de Lisboa por volta das 20.30h. Passagem pelo pavilhão Municipal onde ficaríamos a pernoitar, para marcar lugar e tentar apanhar colchões de ginásio, para não ficarmos a dormir com as costas tão perto do chão. Infelizmente para os outros 4 atletas, quando chegámos só havia 2 colchões Deixámos o lugar marcado no pavilhão e fomos tratar do jantar. Ora como Covilhanense que sou e conhecedor da região, digo eu, e como no ano passado tinha jantado, e bem, no restaurante que nos tinham aconselhado, lá fomos procurar uma das iguarias da região: Feijocas!! O Hugo ficou-se pela Chanfana. Jantar finalizado, fomos em direção ao secretariado, para ouvirmos o briefing da prova e levantar dorsais. No briefing, o organizador falou na extrema dureza da prova em alguns sítios do percurso e naquilo que podia vir a ser um grande contratempo. As condições climatéricas que estavam previstas para a noite que antecedia a prova e para o dia da prova. E, as previsões não podiam estar mais certas. Durante a noite de 6.ª feira para sábado, caíram 2 ou 3 cargas de água, que parecia que o teto do pavilhão ia cair, passe o exagero.
Quando me levantei por volta das 6h, vim espreitar a rua, continuava chovendo intensamente. A vontade de sair era nula, mas conhecendo o organizador, sabia que este nunca iria anular a prova, a não ser que a GNR de Montanha o obrigasse a isso. Depois de tomado o pequeno-almoço e vestir a roupa adequada às condições climatéricas que estavam na rua, fomos para a zona de partida. Esta não distava muito do pavilhão. Feito o controlo zero, estamos prontos para a partida.
A partida foi dada às 7h. Saída dentro de Manteigas para rapidamente entrarmos num trilho onde já tínhamos que vencer uma certa inclinação. Aqui, mais ou menos, já tínhamos definido como é que iria ser feito o Ultra-Trail, no que a parcerias, se assim lhe pudermos chamar, diz respeito. O Francisco Reis assumia as despesas sozinho. Eu, o Hugo Luz e o Tiago Dionísio, encetávamos uma parceria que nos havia de levar quase desde o início ao fim da prova. O Fernando Alcides, o Eduardo Rodrigues e o Miguel Cruz, encetavam outra parceria, que não iria até ao fim. Mais adiante será explicado o porquê. Vencida a subida, entramos numa zona de estradões em que a progressão é rápida. Rapidamente chegamos ao rio Mondego, e vamos com ele durante uns bons quilómetros, chegando mesmo a atravessá-lo de uma margem para outra, através de uma ponte de madeira.
Ao atravessarmos o rio Mondego, iniciamos uma subida ingreme que nos irá levar a trilhos com alguma dificuldade em termos técnicos. São trilhos com muita rocha, pedra solta e raízes de árvores. Todo o trilho requer atenção redobrada.
Mais uns poucos quilómetros em estradão e chegamos à estação meteorológica das Penhas Douradas, onde também se encontram instaladas uma série de antenas de comunicações.
De seguida iniciamos uma descida que nos irá levar ao 1.º posto de abastecimento. Neste abastecimento estamos com cerca de 16,5 km e 2h15m de prova. Continuamos a descer em direção ao rio Zêzere, que iremos acompanhar em quase todo o vale glaciar, num trilho que nos irá levar à Nave de Sto. António.
Chegada à Nave de Sto. António: aqui recordo-me de acampamentos com amigos durante a minha adolescência. Era um sítio de eleição, para onde íamos passar uma semana, ou mais, durante o verão. É um local magnífico, com uma espécie de relvado, que segundo o que é dito, só existe na Serra da Estrela e numa outra serra na Suíça. Na altura em que fazia os acampamentos, existiam muitas casas clandestinas. Neste momento só existe a capela, tudo o mais foi deitado abaixo.
Saída da Nave de Sto. António, em direção ao Centro de Limpeza de Neve, para entrarmos no alcatrão e fazer cerca de 2 km nesse mesmo alcatrão até entrar num trilho, de seu nome Caminho do Major, que nos irá levar à Torre. Este caminho tem como pano de fundo todo o vale e a estrada que vai para Unhais da Serra, bem como a barragem do Padre Alfredo. Benemérito que resolveu mandar construir esta e mais outras duas barragens a seguir a esta. As barragens abastecem Unhais da Serra. Paisagem fabulosa!
Este trilho (caminho do Major), que vai em direção à Torre, irá primeiramente passar pela zona da Santa. É uma imagem de uma Santa, Senhora da Boa Estrela, padroeira dos pastores, que foi esculpida nas rochas de granito em baixo relevo e fica no chamado Covão do Boi.
Estamos a cerca de 3 km da Torre, para onde somos levados pela estrada de alcatrão. E foi pelo alcatrão porque o trilho que devíamos fazer que nos levaria à Torre, estava cheio de neve e a GNR de Montanha não autorizou a passagem por este trilho. Chegados à Torre, estamos com cerca de 36 km (mais 6 do inicialmente previsto, fruto de ajustes que tiveram que ser feitos por causa da neve) e com cerca de 6h15m de prova. 2.º abastecimento. Neste abastecimento há comida sólida (uma canja quente) e líquida. É tempo de retemperar forças. Mas não se pode estar muito tempo parado. A temperatura está a baixar e nota-se o frio. Pelo que, rapidamente abastecemos e saímos.
Começamos a fazer a descida que nos irá levar de novo à Nave de Sto. António. Na descida cruzamo-nos com o Fernando Alcides e o Eduardo Rodrigues. Perguntamos se está tudo bem, ao que eles respondem afirmativamente e informam que o Miguel Cruz vem um pouco mais atrás. O que é confirmado por nós. O Miguel Cruz, vinha num andamento mais calmo, mas vinha bem.
A descida devia ter sido toda ela feita pelo alcatrão até novamente à zona do Centro de Limpeza de Neve, mas eu, e o Hugo Luz e o Tiago Dionísio, chegamos a uma zona onde vimos fitas a balizarem o caminho que nos trazia por dentro da Nave de Sto. António, e lá metemos por este caminho. A progressão é mais lenta, devido ao terreno, mas também fizemos menos 1 km, pois foi encurtar terrenos até ao Centro de Limpeza de Neve. Aqui somos levados para o lado esquerdo, por forma a virmos para Manteigas, mas agora por cima e do lado direito do Vale de Manteigas. Iniciamos a descida que nos irá levar até Manteigas. Estamos com cerca de 44 km e com 7h23m de prova. Já deu para perceber que a estimativa que tínhamos para fazer a prova em cerca de 17h, já não vai ser conseguida. A zona por onde andamos não é muito técnica, mas é de progressão lenta, pois existe muita rocha e muitos arbustos (Zimbro) queimados, mas cujas raízes perduram e dificultam a progressão. Nesta zona, tenho que reconhecer, ia já um bocado cansado, e com uma dor na zona acima da virilha, mais propriamente na dobradiça que une a perna com a anca. Mas fui gerindo, o Hugo Luz à frente com o Tiago Dionísio a impor ritmo e eu no encalço.
Já se avista Manteigas, mas para lá chegarmos, ainda temos que fazer um trilho, todo ele a descer, tipo calçada romana, cheio de pedra e rocha. A massacrar o músculo. O Tiago Dionísio, aqui, foi-se embora e chegou ao 3.º abastecimento uns quantos minutos à nossa frente.
Chegamos a Manteigas e ao 3.º abastecimento, com 56 km e 9h10m e prova. Havia uma sopa quente de legumes, estava 5*. Mais água, coca-cola, café, chá e comida variada. Troco de camisola de 1.ª camada, visto um novo jersey do Clube, troco de meias, abasteço a mochila com água, gels e barras; para aliviar a dor, tomo um Brufen 600 e digo ao Hugo Luz que estou pronto para sair. Entretanto tinham entrado neste abastecimento o Fernando Alcides e o Eduardo Rodrigues. Estavam bem, sem problemas e bem dispostos. Como já estávamos prontos para sair e eles tinham acabado de entrar, arrancámos. Aqui terminava a prova dos Trilhos (50 km). Fomos ovacionados à saída, pois as pessoas que estavam presentes e o organizador, acharam que éramos uns heróis por encetarmos àquela hora a 2.ª parte do percurso. Aqui ficaram cerca de 20 atletas que já não quiseram fazer a 2.ª parte da prova. Saída novamente de Manteigas pelo mesmo trilho, até fletir para a direita, para fazermos a 2.ª parte da prova. Esta 2.ª parte, iria ser no sentido contrário à que fizemos o ano passado, na 1.ª parte. Começamos a fazer uma subida algo íngreme e penosa, quase toda em estradão. Vamos acompanhados com chuva, não muita. Esta volta irá levar-nos ao Ski Parque, mas ainda temos um abastecimento líquido pelo meio (4.º abastecimento, só líquidos). Este acontece cerca dos 78 km e 12h25m de prova. Nesta fase, houve um atleta que já não ia bem fisicamente e juntou-se a nós. Por outro lado, o Hugo Luz vinha com alguns problemas de estômago e tínhamos que vir a gerir estas duas situações.
Continuamos a descida em direção ao Ski Parque. A dado momento, aparece o Fernando Alcides, e as notícias não eram nada boas. O Eduardo Rodrigues estava com problemas na planta dos pés e tinha ficado no abastecimento a tentar recuperar e à espera do Miguel Cruz, para ver se conseguia vir com ele. Só quando chegámos ao final da prova é que soubemos que o Eduardo tinha desistido, pois não conseguia sequer andar.
A equipe agora era constituída por 5 atletas. E, lá fomos andando, gerindo as situações atrás descritas. Entretanto começa a cair a noite. Não conseguimos chegar ao Ski Parque de dia. 5.º abastecimento. Estamos com cerca de 92 km e 14h45m de prova, mesmo junto ao Ski Parque. Abastecimento novamente com sopa, cai bem e está novamente 5*, ou então àquela hora já tudo está bom O Hugo já não consegue comer bem. Bebeu um chá com bastante açúcar e comeu uma sopa. Os restantes, comemos, bebemos, tiramos umas pedras de dentro dos sapatos, abastecemos e saída em direção ao Poço do Inferno. Mas para lá chegarmos ainda tínhamos que vencer uma subida que começava nos 581m (Ski Parque) e nos levaria até aos 1.179m. Isto já com mais de 90 km nas pernas!! A subida é feita a um ritmo lento, mas sempre com os 5 atletas a incentivarem-se, outra coisa não era de esperar. Já não há fotografias. Ou, por outra, ainda há, mas à Lua. Esta estava no dia em que se podia ver melhor e o Fernando Alcides sacou a fotografia seguinte. Pena na altura estar um tanto ou quanto nublado.
Chegamos ao trilho do Poço do Inferno (o Poço do Inferno é uma cascata de quase 10m de altura e é formada pela ribeira de Leandres) com cerca de 102 km e 17h45m de prova, e, como o nome indica, foi mesmo um inferno!!, para fazermos aquele km (não sei se chega a ter esta distância). É um trilho praticamente todo ele feito em rocha granítica, com precipícios vários, a requerer toda a atenção e cuidado. Aqui e apesar de debilitado, quem fez o percurso à frente foi o Hugo. Abrindo caminho para o resto da rapaziada. O relógio GPS que levava tinha parado por falta de pilha, no início deste trilho. Mas quando chegamos ao 6.º e último abastecimento, devíamos estar com cerca de 103,5 km e quase 19h de prova. No último abastecimento, não havia sopa, mas havia bebidas e comidas várias, entre elas uma Bôla de carne e outra de atum. Compostos, o Hugo já pouco conseguia comer, lá partimos para os últimos 11 km que nos trariam de regresso a Manteigas. Com exceção de um trilho a descer num misto de terra e pedras, a grande maioria foi feita em estradão. Com os quilómetros a passar íamo-nos aproximando de Manteigas, era visível pela iluminação noturna. Chegámos às 3h26m da manhã, com 20h26m de prova e cerca de 115 km. Parabéns a todos os que acabaram. Foi uma prova com uma dureza acima da média. As condições climatéricas ajudaram ao sucesso da chegada. Ao Eduardo Rodrigues, uma palavra de apreço e de valentia. Não é fácil tomar a decisão de desistir, muito menos a faltarem cerca de 28 km para finalizar a prova. Continua a treinar, para o ano há mais!! Outra ao Miguel Cruz, pela sua tenacidade e teimosia, pois terminou a prova em 23h20m!! A nota menos positiva no que à organização diz respeito, é o facto de ter posto parte dos atletas a fazer o Poço do Inferno de noite, quando poderia e deveria fazê-lo durante o dia.
As classificações dos atletas do Clube Millennium bcp foram as seguintes: 27. Francisco Reis 18h24m29s; 43. Jorge Lanzinha 20h26m56s; 44. Hugo Luz - 20h26m57s; 45. Fernando Alcides - 20h26m58s; 51. Miguel Cruz 23h20m37s.