FÍSICA NUCLEAR E PARTÍCULAS Apêndice - O Tubo de Geiger - Müller 1 - Descrição sumária O tubo de Geiger é constituido essencialmente por dois eléctrodos, o cátodo e o ânodo, encerrados num recipiente de paredes metálicas ou de vidro, recipiente esse onde existe uma atmosfera especial. Este conjunto tem, no geral, simetria cilíndrica, sendo o cátodo constituído por uma manga metálica e o ânodo por um fio metálico, colocado segundo o eixo do cátodo (Fig. 1). As paredes do tubo, a envolver o cátodo podem ser mais ou menos espessas, designando-se o tubo, no caso de elas serem bastantes finas, (cerca de 30 mg/cm 2 quando de vidro) por tubo de Geiger de paredes finas. Existem outros tubos em que uma das extremidades do invólucro é particularmente fina, com uma expessura de poucos mg/cm 2 de mica: são os tubos de Geiger de janela que permitem a detecção de partículas facilmente absorvíveis como é o caso das partículas α. A atmosfera que enche o tubo é em geral constituida por argon a uma pressão de 4 a 10cmHg podendo ou não ter misturado um gás poliatómico como o álcool etílico, a uma pressão de 1cmHg. Fig. 1 2 - Princípio de funcionamento Aplica-se entre o ânodo e o cátodo uma diferença de potencial elevada da ordem de grandeza das centenas de volt fornecida por uma fonte de alta tensão (F.A.T. na Fig. 2). Utiliza-se uma resistência R de cerca de 1 MΩ e liga-se o cátodo à terra. Na resistência R não passa corrente (o circuito está interrompido dentro do tubo, entre o cátodo e o ânodo). O potencial a que se encontra o ânodo é pois a tensão V fornecida pela fonte. Quando uma radiação nuclear atravessa as paredes do tubo produzem-se, na atmosfera
gasosa interior, fenómenos de ionização: são arrancados electrões às moléculas que a radiação encontra no seu percurso formando-se iões positivos. O número de electrões assim libertados depende da velocidade (energia) e natureza da partícula ionizante e também do gás utilizado. Para termos uma ideia da ordem de grandeza desse número, basta dizer que um electrão rápido com um percurso de 2 cm, num tubo cheio de argon a uma pressão de 10 cm Hg, liberta em média 8 electrões. Cada um dos electrões libertados nesta ionização, que chamaremos primária, é acelerado em direcção ao ânodo por uma força de grandeza F = ee em que e é o valor da carga de electrão e E a grandeza do campo eléctrico no ponto em que se encontra o electrão. Fig. 2 Devido à geometria dos eléctrodos utilizada Fig.1, o campo cresce à medida que se consideram pontos mais próximos do ânodo, atingindo valores muito elevados nas suas proximidades. Por outro lado o percurso livre médio dum electrão no seio do gás que enche o tubo, nas condições que indicámos, é da ordem de grandeza de 10-3 cm. Quer isto dizer que, cada um dos electrões formados na ionização primária percorre no seu trajecto em direcção ao ânodo, cerca de 10-3 cm, em média, antes de chocar com uma molécula de gás, e que depois do choque reinicia o seu movimento de migração percorrendo outra vez aquela distância até novo choque, e assim sucessivamente. A energia que o electrão adquire em cada um desses percursos livres depende da força que sobre ele está aplicada, ou seja do valor do campo eléctrico em cada ponto da sua trajectória. Percebe-se portanto que nas proximidades do ânodo, onde o campo é muito forte, o electrão possa adquirir entre dois choques sucessivos uma energia cinética superior ao potencial de ionização das moléculas do gás (11,3 ev para álcool metílico e 15,7 ev para o argon). Assim do choque desse electrão com uma molécula vai resultar uma nova ionização, a que chamaremos secundária. Estas sucessivas ionizações dão origem a um processo de multiplicação de electrões (avalanche) até que todos os electrões sejam recolhidos no ânodo. Entretanto, mais lentamente que os electrões, os iões positivos que se vão formando, dirigem-se para o cátodo onde são recolhidos. 2
Nesses choques dos iões com o cátodo podem libertar-se novos electrões. É para evitar que estes electrões iniciem nova série de ionizações sucessivas (que conduziria a um novo processo de avalanche) que se mistura o álcool etílico ao argon, não nos interessando discutir como isso se consegue. O tempo que demora o processo completo, isto é, desde que se produz a primeira ionização até os últimos iões positivos serem recolhidos, é da ordem de grandeza de 10-4 segundos. Durante este lapso de tempo o circuito da Fig. 2 fica fechado e existe uma pequena queda de tensão δv ao longo da resistência. Como consequência o potencial do ânodo, que era V, passa a V - δv. 3 - Sistema contador de radiações nucleares com o tubo de Geiger Vimos que, quando a tensão aplicada ao tubo de Geiger é convenientemente escolhida, a cada radiação nuclear que nele incide, atravessando as suas paredes, corresponde uma pequena variação -δv do potencial do ânodo. Uma contagem destas pequenas variações dá-nos o número de radiações que, nesse intervalo de tempo, produzem interacção no interior do tubo de Geiger. Essa contagem consegue fazer-se com o auxílio de circuitos electrónicos que amplificam aquele pequeno sinal δv até que accione um contador de impulsos. Todo este conjunto, esquematizado na Fig. 3 e constituído por um tubo de Geiger, com a respectiva fonte de alta tensão, FAT, amplificador e contador funciona pois como um sistema contador de radiações nucleares. Fig. 3 3
4 - Patamar do tubo de Geiger. Declive do patamar. Como foi referido, uma vez escolhida de modo conveniente a diferença de potencial V aplicada entre o ânodo e o cátodo do tubo, existe uma relação simples entre o número de radiações que provocam ionização primária no interior do tubo e o número de impulsos registados: a cada radiação corresponde um impulso. Não nos interessa agora discutir as causas de origem electrónica que podem falsear esta relação (e que levam à consideração da duração do impulso do tempo morto de Geiger e do tempo de resolução do aparelho em conjunto). Vamos estudar agora o modo como reage o tubo a um aumento contínuo da tensão V a partir do valor zero. Suponhamos que é X o número de partículas que penetram no tubo por unidade de tempo e representamos por N o número de impulsos registados no contador no mesmo intervalo de tempo. Quando V=0 é evidente que não existe qualquer impulso: N=0. Enquanto V não for suficientemente grande para permitir a formação de avalanches, continuará a ser N=0. A partir dum certo valor V 1 (valor este que depende do tubo de Geiger que se está a utilizar) começam a aparecer valores de N diferentes de zero (Fig. 4): umas partículas produzirão avalanches e portanto impulsos, e outras não. À medida que V cresce irá crescendo o número de partículas às quais correspondem impulsos. A certa altura, para um valor V P da tensão, todas as partículas que entram no tubo produzem impulsos: N=X. Este valor da tensão tem o nome de "limiar do tubo de Geiger". Pode-se aumentar agora V que N não aumenta: continuará a corresponder um impulso a cada partícula incidente. Mas a partir dum certo valor V P começam a aparecer impulsos que têm outras origens e N atinge rápidamente valores muito superiores a X. Fig. 4 4
Na prática a transição entre estas zonas não é tão nítida e a curva apresenta entre valores V P e V P', um certo declive. Chama-se patamar do tubo de Geiger e essa região da tensão onde o número de impulsos registados varia muito pouco com a tensão aplicada. Para o tubo estar em perfeitas condições de trabalho, essa zona deve estender-se por uma centena de volt, pelo menos, e a curva apresentar aí um declive inferior a 5/100 por 100 volt. O declive define-se como sendo o coeficiente D = N(V +100) - N(V) x 100 (% por 100V) com N = N(V) + N(V+100) 2 em que a diferença de potencial se exprime em volt como se mostra na fig. 4. 5 - Tempo de resolução Quando pela passagem de uma partícula (electrão, fotão, etc.) num detector de Geiger produzindo um sinal, há um certo intervalo de tempo durante o qual o detector fica insensível a outras radiações. Este intervalo de tempo, variável de sistema para sistema, denomina-se tempo de resolução do sistema e designa-se usualmente pela letra τ. Qualquer partícula que chegue ao detector durante este intervalo de tempo não é contada, podendo dar ("paralyzable systems" - tipo I) ou não ("non-paralyzable systems" - tipo II) origem a novo tempo de resolução. É necessário, portanto, corrigir a taxa de contagem observada, para obter a taxa verdadeira. Essa correcção deve ser feita a cada medida individual e antes de lhe subtraír o fundo. Os sistemas que mais vulgarmente se usam - contadores Geiger-Muller self-quenching, cintiladores, contadores proporcionais, etc. - são do tipo II: o intervalo de tempo morto não aumenta pela chegada de nova(s) partícula(s). Para estes, se for n a taxa de contagem medida e τ o tempo de resolução, a correspondente taxa corrigida, n τ, vem dada por n = n τ e- τn Esta expressão, quando τn<<1, toma a forma: n τ = n 1 - τn 5
Portanto, esta expressão correntemente utilizada, para corrigir as taxas medidas é aproximada e serve apenas para taxas de contagem a que correspondem valores de τn<<1. 6 - Correcção de fundo Mesmo na ausência de qualquer fonte radioactiva junto de detector, o sistema de medição acusa sempre uma certa taxa de contagem. A existência destas contagens, denominadas contagens de fundo, ou simplesmente fundo, pode ser também devida ao ruído electrónico próprio do sistema, à radiação cósmica, a poeiras radioactivas, etc.. Uma vez que não é possível eliminar totalmente estas contagens, mas apenas reduzi-las utilizando uma protecção conveniente, o fundo vem, necessáriamente, incluído na taxa de contagem obtida. Antes ou após efectuar a medição da taxa de contagem global deve, portanto, medir-se a taxa de fundo, f, cujo valor se subtrairá à taxa medida para obter a taxa líquida da fonte: n F = n - f. 6