Avaliação espirométrica de crianças e adolescentes asmáticos acompanhados em ambulatório especializado

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5/28-3/161 Rev. bras. alerg. imunopatol. Copyright 25 by ASBAI ARTIGO ORIGINAL Avaliação espirométrica de crianças e adolescentes asmáticos acompanhados em ambulatório especializado Spirometric evaluation of asthmatic children and adolescents followed in specialized out-patient clinic Dela Bianca AC 1, Carvalho PC 1, Nobre AG 1, Wandalsen GF 2, Mallozi MC 3, Naspitz CK 4, Solé D 4. Resumo Objetivo: descrever características espirométricas de crianças e adolescentes asmáticos acompanhados em ambulatório especializado. Métodos: cem asmáticos maiores de seis anos foram aleatoriamente convidados para o estudo. Sete recusaram-se a participar. Testes de função pulmonar (FP) foram realizados pela manhã (espirômetro Vitalograph ), quando os pacientes estavam livres de infecções respiratórias há pelo menos duas semanas e após suspensão de broncodilatadores de curta e longa ação. Foram obtidas curvas de fluxo-volume antes e 15 minutos após inalação de 4µg de salbutamol. Doze pacientes não foram capazes de realizar curvas reprodutíveis. Resultados: a mediana de idade, foi 11,5 anos. Dezenove pacientes apresentavam asma intermitente (AI), 24 asma persistente leve (APL), 22 asma persistente moderada (APM) e 16 asma persistente grave (APG). As medianas dos valores basais de FP para AI, APL, APM e APG foram respectivamente: capacidade vital forçada (CVF): 96%, 88%, 84% e 9%; volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF 1): 84%, 82%, 73% e 65%; fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF (FEF 25-75%): 78%, 66%, 6% e 43%. Houve aumento significante nos valores de FP após salbutamol para todos os parâmetros avaliados. Não houve correlação entre a gravidade da asma e o incremento de FP após salbutamol. O FEF 25-75% foi o parâmetro que melhor discriminou a gravidade da asma e que indicou alterações funcionais em maior número de casos. Não houve correlação entre o tempo de doença e os valores de FP. Conclusões: a espirometria é útil na avaliação de crianças e adolescentes asmáticos. O FEF 25-75% é o parâmetro mais sensível para a avaliação da gravidade da doença. Rev. bras. alerg. imunopatol. 25; 28(3):161-165 asma, crianças, adolescentes, função pulmonar, espirometria. Abstract Objective: to describe spirometric characteristics of asthmatic children and adolescents followed in specialized out-patient clinic. Methods: one hundred patients with asthma, older than six years, were randomized invited to the study. Seven patients refused to participate. Lung function (LF) tests was performed in the morning (Vitalograph spirometer), when patients were free of respiratory infections for at least two weeks, and after suspension of short and long action beta agonists. Flow-volume curves were obtained before and 15 minutes after inhalation of 4µg of salbutamol. Twelve patients were unable to perform reproducible maneuvers. Results: the median age was 11.5 years. Nineteen patients had diagnosis of intermittent asthma (IA), 24 of mild persistent asthma (MIPA), 22 of moderate persistent asthma (MOPA) and 16 of severe persistent asthma (SPA). The median of basal values of LF for IA, MIPA, MOPA and SPA were, respectively: forced vital capacity (FVC): 96%, 88%, 84% and 9%; forced expiratory volume in one second (FEV 1): 84%, 82%, 73% and 65%; forced expiratory flow at 25-75% of FVC (FEF 25-75%): 78%, 66%, 6% and 43%. There was a significant increase in LF values after salbutamol for all analyzed parameters. No significant correlation was found between asthma severity and increase in LF after salbutamol. Among all analyzed spirometric parameters, FEF 25-75% was the one that indicated functional alterations in most cases and best distinguished asthma severity. LF values did not correlate significantly with disease duration. Conclusions: spirometry is useful in evaluation of children and adolescents with asthma. FEF 25-75% is the most sensitive parameter to evaluate asthma severity. Rev. bras. alerg. imunopatol. 25; 28(3):161-165 asthma, children, adolescents, pulmonary function, spirometry. 1. Especializandas em Alergia e Imunologia Clínica; 2. Mestre em Medicina; 3. Doutora em Medicina, Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC, Pesquisadora Associada; 4. Professor Titular. Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM) Artigo submetido em 1.5.25, aceito em 23.8.25. Introdução A asma é uma doença inflamatória crônica que acomete cerca de 2% das crianças brasileiras, com alto índice de morbidade 1. Consensos nacionais e internacionais recomendam que a classificação e o tratamento dos asmáticos devem ser baseados na freqüência e intensidade dos sintomas clínicos, no impacto da doença sobre as atividades rotineiras, no uso de medicação de resgate e na função pulmonar (FP) dos pacientes 2. A avaliação funcional dos asmáticos também é de reconhecida importância no diagnóstico da asma e na avaliação do tratamento, sendo a manutenção da FP normal um dos objetivos a serem alcançados 2. A espirometria é o teste de FP mais empregado na prática clínica, tanto por sua praticidade, quanto pelo baixo custo e elevada reprodutibilidade dos dados obtidos 3. Apesar do reconhecimento da importância e da utilidade dos testes funcionais no manejo da asma, poucos são os estudos nacionais que descrevem as características espirométricas de crianças e adolescentes asmáticas, assim como suas particularidades decorrentes de variáveis como a gravidade e o tempo de manifestação da doença. 161

162 Rev. bras. alerg. imunopatol. Vol. 28, Nº 3, 25 Avaliação espirométrica Este trabalho teve como objetivo principal avaliar a FP de crianças e adolescentes com asma, acompanhados em serviço especializado. Os objetivos secundários foram: avaliar a reversibilidade da obstrução pulmonar a agente broncodilatador; identificar os parâmetros espirométricos mais sensíveis nos asmáticos e correlacionar os achados funcionais com dados clínicos. Casuística e Métodos Um grupo de cem pacientes, maiores de seis anos, com diagnóstico de asma há mais de seis meses e em acompanhamento no ambulatório de Alergia Pediátrica da Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), presentes em consulta no período de dois a 3 de Setembro de 23, foi convidado para o estudo. Sete pacientes não aceitaram participar e os demais responderam questionário com perguntas sobre: idade de início dos sintomas de asma, evolução da doença, medicação prévia e em uso na época do estudo, crises recentes e uso de medicação broncodilatadora. Também foram inquiridos quanto à presença de rinite alérgica, conjuntivite alérgica e dermatite atópica. Todos os pacientes tiveram peso e estatura mensurados antes do exame. Todos os testes de FP foram realizados pela manhã (espirômetro Vitalograph Spirotrac III - versão 1.31) após calibração diária e suspensão por doze horas de broncodilatador de curta e longa ação, sempre na ausência de processo infeccioso nos quinze dias que precederam o teste. Foram incluídos apenas os asmáticos que conseguiram realizar um mínimo de três curvas reprodutíveis e aceitáveis antes e após uso de broncodilatador, conforme padronizado 4. Doze pacientes não cumpriram esse critério e foram excluídos. A avaliação da resposta broncodilatadora foi realizada após quinze minutos da administração de 4mcg de salbutamol em aerossol, com espaçador de grande volume (Flumax ). Foram selecionados os maiores valores obtidos de todas as manobras aceitáveis. A gravidade da asma foi definida de acordo com o III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma 2, na avaliação feita na última consulta ambulatorial e que estava documentada em prontuário médico. Os parâmetros espirométricos estudados foram: capacidade vital forçada (CVF); volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF 1); fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF (FEF 25-75%); relação entre VEF 1 e CVF (VEF 1/CVF). Os valores obtidos foram comparados a valores previstos de normalidade 5. A resposta broncodilatadora foi calculada pelo porcentual de aumento em relação ao valor previsto. Foi definido como tendo FP normal aquelas crianças e adolescentes que apresentavam valores de VEF 1, CVF e VEF 1/CVF iguais ou superiores a 8% do previsto e valores de FEF 25-75% iguais ou superiores a 7% do previsto. Nesse estudo, foram utilizados métodos estatísticos não paramétricos, devido à natureza das variáveis, e fixou-se em 5% a rejeição da hipótese de nulidade. Este trabalho foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Todos os pacientes e/ou responsáveis assinaram consentimento pós-informado escrito. Resultados Oitenta e uma crianças e adolescentes completaram o estudo, sendo 41 (5,6%) do sexo feminino. A idade variou entre seis e 2 anos, com mediana de 11,5 anos. O tempo prévio de doença variou entre um e 15 anos, com mediana de nove anos. Setenta e nove pacientes (97,5%) apresentavam rinite alérgica associada à asma. Não houve correlação significativa entre o tempo de doença e os valores de FP, sendo o VEF 1 pós broncodilatador o parâmetro que apresentou maior correlação (r= -,23, p=,6). Quanto à gravidade da asma, 19 (23,4%) foram classificados como tendo asma intermitente (AI), 24 (29,6%) asma persistente leve (APL), 22 (27,1%) asma persistente moderada (APM) e 16 (19,7%) asma persistente grave (APG). Na ocasião do estudo, 21 pacientes (25,9%) estavam sem medicação profilática, 3 (37%) em uso exclusivo de corticosteróide inalado, 29 (35,8%) da associação broncodilatador de longa ação e corticosteróide inalado, três (3,7%) antileucotrienos e um (1,2%) corticosteróide oral. Do total de pacientes avaliados, 57 (7,3%) foram classificados como tendo FP alterada. Destes, 42 apresentaram valores alterados de VEF 1, 48 de FEF 25-75% e 17 da relação VEF 1/CVF. A associação da relação VEF 1/CVF e do FEF 25-75% contribuíram para aumentar a sensibilidade do teste de FP (figura 1). Vinte e quatro pacientes (29,6%) apresentaram FP normal, entre eles dois com APG, três com APM, sete com APL e doze com AI. Figura 1 - Pacientes com função pulmonar alterada segundo critério empregado (da esquerda para direita: Somente VEF 1; VEF 1 ou VEF 1/CVF; VEF 1 ou VEF 1/CVF ou FEF 25-75%). Número total (dentro da coluna) e porcentagem (acima da coluna). 6 4 2 52% VEF 1 <8% 56% VEF 1/CVF <8% 7% 42 45 57 FEF 25-75% <7% Analisando a relação destes parâmetros, observamos que sete pacientes apresentaram valores de FEF 25-75% normais quando os de VEF 1 estavam alterados e, em 13 casos, observamos o oposto (figura 2). Quando analisamos o comportamento da relação VEF 1/CVF e do FEF 25-75%, 36 pacientes apresentaram a relação VEF 1/CVF normal quando os valores de FEF 25-75% estavam alterados e apenas dois o oposto (figura 2). Os valores basais (pré-broncodilatador) da CVF (mediana: 9%) e da relação VEF 1/CVF (mediana: 88%) foram significantemente maiores que os de VEF 1 e FEF 25-75% (mediana: 79% e 65%, respectivamente), enquanto que os valores de VEF 1 foram significantemente maiores que os de FEF 25-75%. Não houve diferenças nos valores de CVF, quando os pacientes foram separados por gravidade da asma. Pacientes com AI apresentaram valores de VEF 1 significantemente maiores que os com APM e APG. Os valores de VEF 1 dos pacientes com APL foram significantemente maiores que os com APG. O FEF 25-75% foi o parâmetro que melhor discriminou os graus de classificação clínica. Os valores deste parâmetro, dos classificados como AI foram significantemente superiores aos dos com APL, APM e APG. O inverso foi observado em relação aos com APG, que foram inferiores aos com APM e APL (figura 3).

Avaliação espirométrica Rev. bras. alerg. imunopatol. Vol. 28, Nº 3, 25 163 Figura 2 - Relação entre os valores do fluxo expiratório forçado entre 25 e 75% (FEF 25-75%) da Capacidade vital forçada (CVF) e os outros parâmetros espirométricos avaliados. Figura 3 - Distribuição dos valores individuais de função pulmonar (% previsto) segundo a intensidade da asma (AI: asma intermitente; APL: asma persistente leve; APM: asma persistente moderada; APG: asma persistente grave). 15 12 CVF VEF1 FEF25-75% VEF1/CVF 9 % 6 3 AI APL APM APG AI APL APM APG AI APL APM APG AI APL APM APG Friedman CVF: p>,5 VEF 1: AI > APM e APG; APL > APG FEF 25-75%: AI > APL, APM e APG; APL > APG; APM > APG VEF 1/CVF: AI > APL e APG; APL e APM > APG : mediana Figura 4 - Boxplot dos valores espirométricos pré e pós uso de broncodilatador. 15 1 % 5 CVF VEF1 FEF25-75% VEF1/CVF pre pós pre pós pre pós pre pós Mann Whitney p <,5 Trinta e quatro (42%) asmáticos permaneceram com alguma alteração nos valores espirométricos após administração de agente broncodilatador. De forma isolada, FEF 25-75% permaneceu alterado em 23 casos, VEF 1 em 26 e a relação VEF 1/CVF em nove. Todos os parâmetros estudados (CVF, VEF 1, FEF 25-75% e VEF 1/CVF) apresentaram aumento estatisticamente significante após administração de broncodilatador (figura 4). Quarenta e dois pacientes (51%) apresentaram incremento de VEF 1 igual ou superior a 7% do valor previsto, correspondendo a 44% dos com APG, 5% dos com APM, 58% dos com APL e 53% dos com AI. Discussão Neste estudo, descrevemos os achados de FP (espirometria) de crianças e adolescentes asmáticos acompanhados em ambulatório especializado. Apesar da espirometria ser uma medida objetiva da FP, que deve ser utilizada no diagnóstico e acompanhamento desses pacientes, há evidências que este recurso é sub-utilizado pelos médicos que atendem crianças e adultos com asma. Em um grande estudo europeu, com sete países envolvidos e mais de 34 asmáticos entrevistados, cerca de 45% dos adultos e 6% das crianças nunca haviam realizado prova de FP 6. Apesar da ausência de dados nacionais a esse respeito, acreditamos que este fato seja ainda mais acentuado no nosso meio. A espirometria mostrou ser um teste útil e sensível na avaliação de crianças e adolescentes asmáticos. Evidenciou

164 Rev. bras. alerg. imunopatol. Vol. 28, Nº 3, 25 Avaliação espirométrica alterações funcionais em cerca de 7% dos pacientes avaliados, principalmente nas formas mais graves da doença. Decidimos incluir no estudo apenas crianças com pelo menos seis anos de idade pela maior facilidade em realizar as manobras espirométricas. De fato, a grande maioria das crianças avaliadas (81 de 93) conseguiu realizar manobras aceitáveis e reprodutíveis. Alguns autores, porém, já relataram que parte das crianças menores, entre três e cinco anos de idade, também conseguem realizar satisfatoriamente este exame 7,8. Não encontramos correlação entre o tempo de existência de sintomas de asma e o grau de limitação ao fluxo aéreo. Esta avaliação, entretanto, foi prejudicada pelo pequeno número de pacientes com doença recente e pela heterogeneidade do grupo, tanto na gravidade, quanto em seu tratamento. A sensibilidade do teste em detectar alterações funcionais foi maior quando analisamos todos os parâmetros em conjunto e não apenas o VEF 1 (figura 1). Apesar do VEF 1 ser o principal parâmetro estudado em asmáticos, já tendo sido demonstrado correlação de seus valores com a gravidade da doença, risco de crises e a necessidade de hospitalização em crises agudas 9,1, nenhum parâmetro, isoladamente, é capaz de descrever completamente as alterações funcionais encontradas nos asmáticos. Neste estudo, os valores de VEF 1 estiveram alterados em 52% dos pacientes, enquanto que a análise conjunta dos parâmetros indicou alterações em 7% dos casos. Na avaliação dos distintos parâmetros de FP estudados (CVF, VEF 1, FEF 25-75% e VEF 1/CVF) observamos que o FEF 25-75% foi o parâmetro que evidenciou alteração funcional em maior número de asmáticos e que melhor discriminou os diversos níveis de gravidade clínica da asma (figuras 2 e 3). Apesar da nítida interposição entre os grupos, os valores de FEF 25-75% foram significantemente diferentes entre praticamente todos os níveis de gravidade clínica da asma, à exceção dos grupos classificados como persistentes leves e moderados. Há outros relatos na literatura que apontam este parâmetro como o mais sensível e específico em crianças asmáticas, provavelmente por avaliar a função de vias aéreas de pequeno e grande calibre 11,12. O FEF 25-75% parece alterar-se precocemente na asma e nas formas mais leves da doença 13,14. Além disso, alterações no FEF 25-75% indicam fortemente a presença de hiper-reatividade brônquica em asmáticos 15. Na avaliação do broncoespasmo induzido por exercício, o FEF 25-75% também se mostrou mais sensível que outros parâmetros espirométricos, como o VEF 1 16. Entre os pacientes que apresentaram espirometria classificada como normal, encontramos dois com diagnóstico clínico de asma persistente grave. Esses dois pacientes apresentavam história relevante de crises graves recentes. Alterações na FP não são exclusivamente encontradas na asma e podem ocorrer em diversas doenças. Melhora significativa na FP após administração de agente broncodilatador é altamente sugestivo de asma e, tal avaliação é rotineiramente solicitada na investigação diagnóstica de pacientes com sintomas respiratórios crônicos. Decidimos analisar a magnitude desta resposta calculando a variação dos valores basais em relação aos previstos, pois esta análise é independente da idade, estatura, sexo e dos valores basais de FP, além de identificar maior número de respondedores em comparação com outras existentes 17. Observamos, no nosso estudo, que cerca de metade dos pacientes apresentaram resposta significativa ao uso de agente broncodilatador. Esta porcentagem é semelhante à descrita por outros autores 18 e confirma a baixa sensibilidade do teste de reversibilidade em asmáticos. Ao distribuirmos os respondedores em suas diferentes classificações de gravidade clínica, não observamos correlação entre a gravidade da asma e a magnitude da resposta broncodilatadora. Tão pouco, encontramos correlação entre os valores basais de VEF 1 e o incremento após broncodilatador (r=-,14; p>,5), como demonstraram outros autores 17,19. O remodelamento das vias aéreas constitui a principal causa de perda de reversibilidade da obstrução ao fluxo aéreo em asmáticos 2. A ausência de valores de FP dentro da faixa de normalidade, após o uso de agente broncodilatador, na ausência de quadros agudos é, então, uma forma indireta de estimar a presença de alterações estruturais nas vias aéreas. Empregando-se esse critério simples podemos inferir que tais alterações foram detectadas em parcela significativa do grupo avaliado (42%). Em conclusão, este trabalho descreve as características funcionais de um grupo de crianças e adolescentes asmáticos, demonstra que a espirometria é um exame útil na avaliação dessas crianças e aponta o FEF 25-75% como parâmetro mais sensível na avaliação da gravidade da doença. Ressaltamos a importância do conhecimento e do uso da espirometria como uma ferramenta na prática clínica de profissionais que acompanham crianças e adolescentes com asma. Referências 1. Solé D, Vanna AT, Yamada E, Werneck G, Solano de Freitas L, Sologuren M, et al. International study of asthma and allergies in childhood (ISAAC): Prevalence of asthma and asthma-related symptoms among Brazilian schoolchildren. J Invest Allergol Clin Immunol 21; 11: 123-8. 2. Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia, Sociedade Brasileira de Pediatria, Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Sociedade Brasileira de Clínica Médica. III Consenso Brasileiro no Manejo da Asma. J Pneumol 22; 28(Supl 1):1-28. 3. 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