GUERRA, J.V. (1) (1) Departamento de Oceanografia-IGEO-UERJ - Rua São Francisco Xavier, 524, sala 4028-E, tel: ;

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INFERÊNCIA DO PADRÃO DE TRANSPORTE DE SEDIMENTOS JUNTO ÀS SAND RIDGES DA PLATAFORMA CONTINENTAL INTERNA DO RIO GRANDE DO SUL A PARTIR DA APLICAÇÃO DE MODELOS DE TENDÊNCIA DIRECIONAL GUERRA, J.V. (1) (1) Departamento de Oceanografia-IGEO-UERJ - Rua São Francisco Xavier, 524, sala 4028-E, tel: 21-2587-7838; josie.guerra@gmail.com AZEVEDO, M.M. (1) (1) Departamento de Oceanografia-IGEO-UERJ - Rua São Francisco Xavier, 524, sala 4028-E, tel: 21-2587- 7838; azevedomm@gmail.com VILLENA, H.H. (1) (1) Departamento de Oceanografia-IGEO-UERJ - Rua São Francisco Xavier, 524, sala 4028-E, tel: 21-2587- 7838; hvillena@uerj.br RESUMO Modelos que representem a dinâmica sedimentar de ambientes costeiros e marinhos são de grande aplicabilidade em estudos de engenharia, em análises de risco ambiental e na prática do gerenciamento costeiro, bem como em estudos de sua evolução geológica. Há cerca de 25 anos iniciou-se o desenvolvimento e aplicação de modelos conceituais baseados na análise da variação dos três primeiros momentos estatísticos de sedimentos superficiais (média, desvio-padrão e assimetria). Posteriormente, estes modelos foram reformulados e o novo modelo serviu de base para o desenvolvimento dos programas grain size trend analysis (GSTA) e grain size trend analysis with significance tests (GSTAST). Neste trabalho, foi testada a aplicabilidade desses programas à porção sul da plataforma continental do Estado do Rio Grande do Sul. Os testes dos programas foram realizados com o uso da malha amostral original e de malhas gridadas a partir dos dados originais, além da comparação dos resultados obtidos com e sem a aplicação de filtros e de testes de significância. Entre os resultados obtidos, um dos mais interessantes se refere ao padrão de tendência de transporte de sedimentos observado na região de um campo de sand ridges situado na porção norte da área de estudo, conhecido como Banco Minuano. Estas sand ridges se situam por volta dos 20 m de profundidade e orientam-se segundo um eixo NW-SE. Os vetores de tendência direcional de transporte mostram um nítido padrão convergente em direção ao centro da área do Banco Minuano. A origem e os mecanismos de manutenção das sand ridges são, há décadas, objeto de grande controvérsia. Embora haja um certo consenso quanto ao fato de as sand ridges terem sua origem ligada a antigos depósitos de antepraia (shoreface), os mecanismos de sua manutenção, sob as condições de nível do mar atual, permanecem desconhecidos. Estudo realizado na Austrália no entorno de um banco arenoso associado a um promontório (Berthot & Pattiaratchi 2006, Cont Shelf Res 26: 295-317) registrou, em ambos os flancos, a existência de fluxos secundários dirigidos para o centro do banco arenoso. Os autores especulam que esses fluxos seriam os responsáveis pela localização do banco e pelo acúmulo de areia em direção à sua porção central. Embora os resultados do estudo conduzido na plataforma continental do Rio Grande do Sul não possam ser confrontados com medições realizadas in situ, o padrão convergente exibido pelos vetores de tendência direcional são encorajadores e parecem indicar intensa atividade sedimentar. Palavras-chave: transporte de sedimentos, modelos de tendência direcional, sand ridges, plataforma continental, RS INTRODUÇÃO A compreensão dos processos físicos envolvidos no transporte de sedimentos em ambientes atuais tem importância crucial em campos como a engenharia fluvial e costeira, 1

análises de risco ambiental, e gerenciamento costeiro (HAYES & NAIRN 2004). Por este motivo, existe uma demanda por modelos práticos e confiáveis a serem utilizados como ferramentas na identificação dos padrões de transporte de sedimentos; dentre os modelos desenvolvidos, vêm se popularizando aqueles que utilizam a variação das características granulométricas ao longo de um eixo preferencial de transporte (McLAREN 1981, McLAREN & BOWLES 1985, GAO & COLLINS 1992). A premissa básica desses modelos é que, sob transporte, os sedimentos sempre formam depósitos gradativamente melhor selecionados, podendo ocorrer aumento ou diminuição do tamanho granulométrico médio e da assimetria dos sedimentos superficiais. A principal vantagem dessa abordagem, em relação às outras existentes, reside na facilidade de aquisição de sedimentos superficiais. A motivação inicial deste trabalho foi investigar a aplicabilidade dos modelos de tendência direcional de transporte de sedimentos à porção sul da plataforma continental do Rio Grande do Sul (Fig. 1). Para isso foram realizados diversos testes com dois programas baseados no modelo de GAO & COLLINS (1992): grain-size trend analysis (GSTA, GAO 1996) e grain-size trend analysis with significance test (GSTAST, CHANG et al. 2001). Nesta publicação, são discutidos apenas os padrões de tendência de transporte de sedimentos obtidos em associação a sand ridges presentes na porção norte da área de estudo. Os resultados indicam a potencialidade da aplicação de modelos de tendência direcional de transporte em plataformas continentais carentes de observações diretas, como um passo inicial na identificação dos padrões da dinâmica sedimentar atual. ÁREA DE ESTUDO A área de estudo se localiza na porção sul da plataforma continental do Estado do Rio Grande do Sul, entre as latitudes 31º45 S e 33º30 S e as longitudes 51ºW e 53ºW, abrangendo a plataforma continental adjacente às praias do Albardão e do Cassino, bem como ao Canal de Rio Grande e ao litoral de Mostardas (Fig. 1). Esta plataforma é extremamente dinâmica e fortemente influenciada por ondas e ventos; a porção interna recebe a descarga do Canal de Rio Grande, cuja pluma sedimentar contribui com significativa quantidade de sedimentos em suspensão (Fig. 1). 2

f. e. a. d. b. c. Figura 1: Área de estudo: (a) Laguna Mirim; (b) Laguna Mangueira; (c) praia do Albardão; (d) praia do Cassino; (e) pluma de sedimentos proveniente do Canal de Rio Grande; (f) Mostardas. Imagem tomada em 17/08/2000, disponível no site www.visibleearth.nasa.gov (sensor OrbView2-SeaWifs). As marés astronômicas atingem altura média de 0,5 m embora, quando associadas a uma baixa descarga fluvial, sejam capazes de gerar desníveis significativos no interior do estuário da Laguna do Patos (CALLIARI & FACHIN 1993). Durante eventos extremos, a maré meteorológica pode elevar o nível do mar em até 1,5 m, aumentando a capacidade erosiva das ondas de tempestade (CALLIARI et al. 1998). Nos meses de primavera e verão, prevalecem os ventos de NE, enquanto que no inverno e no outono há uma maior ocorrência de ventos do quadrante S. Em média, ao longo de um ano, 55% dos ventos provêm de N, NE e E, com velocidade média de 3,1 m s -1, e 39% provêm do quadrante S, com velocidade média de 3,8 m s -1 (VILLWOCK & TOMAZELLI 1995). O clima de ondas apresenta dois sistemas: o swell proveniente do quadrante sul, mais energético e gerado nas altas latitudes do Atlântico Sul; e o sistema local, mais freqüente e normalmente associado aos ventos de NE. Entretanto, devido à maior energia do swell de S, o transporte de sedimentos arenosos se dá preferencialmente no sentido NE ao longo de toda a costa sul-rio-grandense (TOMAZELLI & VILLWOCK 1992). O valor médio da altura 3

significativa das ondas é de 1,5 m segundo medições realizadas a 15-20m (MOTTA 1969). DILLENBURG et al. (2004) chamam a atenção para o fato de a linha de costa do Rio Grande do Sul ser suavemente ondulada, levando à concentração da energia das ondas nas protuberâncias, como a associada à praia do Albardão (Fig. 1c). ZAVIALOV & MÖLLER (2000) documentaram, a 15 m abaixo da superfície ( 35 m acima do fundo), fluxos com velocidades médias de 50 cm s -1 e com o registro de um valor máximo de 100 cm s -1, em associação com a Corrente de Rio Grande, que se dirige para norte e que, aparentemente, determina as condições oceanográficas na região costeira do Uruguai e do sul do Brasil. Já em relação à circulação transversal à costa, LIMA et al. (1996) apresentam um modelo conceitual em que o verão, devido à dominância dos ventos de NE, é caracterizado por transporte de Ekman em direção ao oceano, o que resulta em ressurgência na zona costeira e intrusão, na plataforma, das Águas Centrais do Atlântico Sul. No inverno, os episódios de ventos de SW, associados à chegada de frentes frias, geram transporte de Ekman em direção à costa e conseqüente subsidência das águas superficiais. A área de estudo localiza-se na porção central da bacia de Pelotas, tendo sido retrabalhada a partir do máximo glacial, há cerca de 17.500 anos AP, quando o nível do mar estava entre 120 e 130 m abaixo do nível atual (CORRÊA 1996). Este autor estudou os eventos de transgressão holocênica até a época presente, encontrando vestígios de quatro prováveis níveis de estabilização do nível do mar na plataforma continental do Rio Grande do Sul, situados a -120/-130 m, -60/-70 m, -32/-45 m e -20/-25 m de profundidade. Morfologicamente, a plataforma continental da área de estudo pode ser dividida em 2 setores distintos: a porção mais rasa, que se estende da linha de costa até cerca de 25 m de profundidade, e a porção situada entre 25 e 50 metros de profundidade. O primeiro setor se apresenta-se extremamente irregular em função da presença de bancos arenosos (sand ridges) identificados como Banco Minuano e Banco do Albardão (Fig. 2); em contraste, apresenta-se extremamente homogêneo e liso na região adjacente à praia do Cassino, possivelmente em função da deposição de sedimentos finos recentes (CALLIARI & FACHIN 1993). O segundo setor, limitado pela batimétrica de 50 m, apresenta-se mais retilinizado, à exceção de uma feição observada na porção central da área de estudo. O mapa textural da área de estudo (Fig. 3) mostra a presença significativa de sedimentos arenosos entre a linha de costa e a profundidade de 30 metros, e o predomínio de sedimentos mais finos, principalmente areia 4

lamosa e lama arenosa, a maiores profundidades. Nas proximidades da saída do Canal de Rio Grande observa-se a deposição de sedimentos muito finos como siltes e argilas. Alguns bolsões de areia lamosa observados nas porções mais rasas, tanto podem representar depósitos formados pela ressuspensão e redeposição de sedimentos finos (Fig. 1) como podem ser artefatos criados pela interpolação dos dados, devido à malha amostral pouco densa. METODOLOGIA Para a realização deste trabalho, foram levantados dados sobre sedimentos superficiais de fundo junto ao Banco Nacional de Dados Oceanográficos (BNDO) e ao Banco de Dados Ambientais para a Indústria do Petróleo (BAMPETRO), num total de 322 amostras. Adicionalmente, como parte do Experimento Cassino, em outubro de 2004 e maio de 2005 foram coletadas 24 amostras na plataforma continental interna adjacente à praia do Cassino. A distribuição espacial das estações para as quais havia informações acerca dos valores dos parâmetros estatísticos (média, desvio-padrão e assimetria), exibe um grande adensamento de dados próximo ao Canal de Rio Grande e algumas áreas com densidade amostral extremamente baixa (Fig. 3). Dois programas baseados no modelo de GAO & COLLINS (1992) foram testados: grain-size trend analysis (GSTA, GAO 1996) e grain-size trend analysis with significance test (GSTAST, CHANG et al. 2001). Os testes foram aplicados ao grid amostral original (Fig. 3) e à malha gridada, obtida pelo método kriging. A partir da premissa de que um grid pode ser formado por padrões de transporte consistindo apenas de ruídos, GAO & COLLINS (1992) propuseram um teste de significância dos vetores residuais, através do cálculo de seu comprimento médio a ser usado como variável no cálculo do teste de significância. Desse modo, para o teste de significância dos vetores de tendência direcional, foram realizadas 700 iterações para estabelecer o comprimento do vetor característico, com 95% de confiança. 5

-33 30' -33 15' -33-32 45' -32 30' -32 15' -32-31 45' -53-52 45' -52 30' -52 15' -52-1 0-5 B -53-52 45' -52 30' -52 15' -52-1 5-3 0-4 0 5-25000 0 25000 metros WGS 84 / UTM zone 22S -51 45' -51 30' -51 15' -51 A - 7 5-1 0 0-51 45' -51 30' -51 15' -51-31 45' -32-32 15' -32 30' -32 45' -33-33 15' -33 30' -2.0-3.0-4.0-5.0-6.0-7.0-8.0-9.0-10.0-12.5-15.0-17.5-20.0-22.5-25.0-27.5-30.0-32.5-35.0-37.5-40.0-42.5-45.0-47.5-50.0-55.0-60.0-65.0-70.0-75.0-80.0-85.0-90.0-95.0-100.0-110.0-120.0-130.0-140.0 profundidade (m) Figura 2: Mapa batimétrico da área de estudo. Destacam-se a suave ondulação da linha de costa e a morfologia irregular associada aos Bancos Minuano (A) e Albardão (B). Observar possiveis níveis de estabilização do nível do mar há cerca de ±8.000 anos AP (CORRÊA 1996). Mapa elaborado com dados de cartas batimétricas publicadas pela Marinha do Brasil. RESULTADOS E DISCUSSÕES Neste trabalho é apresentado apenas o resultado obtido com a aplicação do modelo de GAO & COLLINS (1992) à malha amostral original e discutido, em maior detalhe, o padrão dos vetores de tendência obtido na região das sand ridges situadas ao norte da área de estudo (Banco Minuano, Figs 2 e 4); os demais resultados bem como uma descrição detalhada dos modelos de tendência direcional de transporte e uma análise de suas limitações serão 6

apresentados em outra publicação (GUERRA et al. em preparação). Os vetores apresentados na Figura 5 representam tendências estatisticamente robustas de direção de transporte de sedimentos pois são significativos a um nível de 95% de confiança. A existência de vastas áreas da plataforma continental sem a presença de qualquer vetor não indica a ausência de tendências direcionais de transporte mas é, em grande parte, fruto da baixa densidade da malha amostral (Fig. 4). Isso é particularmente verdadeiro nas regiões situadas a menos de 15 m e a mais de 50 m de profundidade, bem como na região do Banco do Albardão. -33 30' -33 15' -33-32 45' -32 30' -32 15' -32-31 45' -53-52 45' -52 30' -52 15' -52-51 45' -51 30' -51 15' -51-5 -31 45' -32 Areia Areia Siltosa Areia Lamosa Areia Argilosa -32 15' Silte Arenoso Lama Arenosa Argila Arenosa -32 30' Lama Argila -32 45' - 1 5-33 - 5-1 0-3 0-4 0-7 5-1 0 0-33 15' -53-52 45' -52 30' -52 15' -52-51 45' -51 30' -51 15' -51 Figura 3: Mapa textural dos sedimentos superficiais da plataforma continental interna do Rio Grande do Sul. Limites texturais baseados nos percentuais de areia, silte, lama e argila (Folk 1954). Dados sedimentológicos fornecidos pelo BNDO e BAMPETRO. As sand ridges são bancos arenosos alongados encontrados em plataformas continentais de baixa declividade e com farto suprimento de areia, estendendo-se desde a linha de costa até 20-25 metros de profundidade (SWIFT et al. 1978). A formação das sand ridges parece estar ligada a antigos depósitos de antepraia (shoreface) relacionados a ilhas barreiras -33 30' 7

- em recuo devido à elevação do nível do mar (FIGUEIREDO Jr. 1984, HAYES & NAIRN 2004). Ao longo da plataforma continental do Rio Grande do Sul, são encontradas sand ridges cujo eixo maior se orienta obliquamente à linha de costa, segundo um ângulo de aproximadamente 35 (FIGUEIREDO Jr 1980). As sand ridges associadas ao Banco Minuano se situam por volta dos 20 m de profundidade e orientam-se segundo um eixo NW-SE. Os vetores de tendência direcional de transporte mostram um nítido padrão convergente em direção ao centro da área do Banco Minuano e refletem a complexidade da circulação desta plataforma. O resultado indica que, ao menos numa escala de alguns anos, estas sand ridges são ativas e respondem à hidrodinâmica atual. -33 30' -33 15' -33-32 45' -32 30' -32 15' -32-31 45' -53-52 45' -52 30' -52 15' -52-51 45' -51 30' -51 15' -51-31 45' -32 5-32 15' - 25-32 30' -32 45' - 1 5-33 - 5-1 0-3 0-4 0-7 5-1 0 0-33 15' -53-52 45' -52 30' -52 15' -52-51 45' -51 30' -51 15' -51-33 30' Figura 4: Localização das amostras utilizadas para a aplicação dos modelos de tendência direcional de transporte de sedimentos; estes assumem que as mudanças espaciais nos parâmetros granulométricos (média, desvio-padrão e assimetria) estão relacionados aos padrões residuais de transporte. Embora não exista consenso quanto aos mecanismos exatos que mantêm as sand ridges como feições vivas sabe-se que todas têm em comum o fato de funcionarem como 8

armadilhas para os sedimentos arenosos. Na área de estudo, o padrão exibido pelos vetores de tendência direcional reflete a resultante da combinação de uma série de processos que, simultanea ou alternadamente afetam a circulação e, conseqüentemente, a dinâmica sedimentar da plataforma continental: episódios de subsidência das águas costeiras durante a passagem de frentes frias; gradientes de altura das ondas ao longo da costa, possivelmente gerando a alternância de regiões de convergência e divergência dos fluxos além de longos períodos de ventos, e ondulações provenientes de NE, entre outros. Figura 5: Vetores de tendência de transporte de sedimentos na plataforma continental interna do Rio Grande do Sul, a partir da variação espacial dos parâmetros estatísticos dos sedimentos superficiais. Os vetores representam tendências de transporte estatisticamente robustas pois foram submetidos a um teste de significância de 95%. 9

CONCLUSÕES A origem e os mecanismos de manutenção das sand ridges são, há décadas, objeto de grande controvérsia. A crescente necessidade de identificar áreas potencialmente exploráveis para fins de mineração e, ao mesmo tempo, compreender o possível impacto dessa atividade sobre a dinâmica sedimentar costeira, tem se refletido no aumento expressivo do número de estudos observacionais e de modelagem voltados à compreensão e reprodução da complexa dinâmica sedimentar dessas feições (DYER & HUNTLEY 1999, van de MEENE et al. 2000, HAYES & NAIRN 2004, entre outros). Embora os resultados do estudo conduzido na plataforma continental do Rio Grande do Sul não possam ser confrontados com medições realizadas in situ, o padrão convergente exibido pelos vetores de tendência direcional na região conhecida como Banco Minuano é encorajador e parece indicar intensa atividade sedimentar. Estudo realizado na Austrália no entorno de um banco arenoso associado a um promontório (BERTHOT & PATTIARATCHI 2006) registrou, pela primeira vez, que em ambos os flancos ocorrem fluxos secundários dirigidos para o centro do banco arenoso. O modelo conceitual apresentado pelos autores expressa o papel desses fluxos na própria localização do banco arenoso e no transporte de sedimentos em direção à crista e, possivelmente, pode ser adequado às condições encontradas na região do Banco Minuano. AGRADECIMENTOS Ao Comandante Luiz Carlos Torres por dados cedidos para a confecção do mapa batimétrico. Ao BNDO e BAMPETRO pela cessão de dados utilizados na confecção do mapa textural e na aplicação dos modelos de tendência direcional de transporte. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERTHOT A & PATTIARATCHI C. 2006. Field measurements of the three-dimensional current structure in the vicinity of a headland-associated linear sandbank. Cont Shelf Res 26: 295-317. CALLIARI LJ & FACHIN S. 1993. Laguna dos Patos. Influência nos depósitos lamíticos costeiros. Pesquisas 20(1): 57-69. CALLIARI LJ, TOZZI HAM, KLEIN AHF. 1998. Beach morphology and coastline erosion associated with storm surges in southern Brazil - Rio Grande to Chuí, RS. An Acad Bras Ciências 70: 231-247. CHANG YH, SCRIMSHAW MD, LESTER JN. 2001. A revised grain-size trend analysis program to define net sediment transport pathways. Computers and Geosciences 27: 109-114. 10

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