PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: <http://www.pubvet.com.br/texto.php?id=174>.

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Transcrição:

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: <http://www.pubvet.com.br/texto.php?id=174>. Efeito da nutrição sobre a reprodução de ruminantes: uma revisão Daniele Maggioni 1, Polyana Pizzi Rotta 2, Roberto Haruyoshi Ito 1, Jair de Araújo Marques 3, Fernando Zawadzki 4, Rodolpho Martin do Prado 2 e Ivanor Nunes do Prado 5 1 Doutorado Zootecnia Universidade Estadual de Maringá 2 Graduação Zootecnia Universidade Estadual de Maringá 3 Professor Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia 4 Mestrado Zootecnia Universidade Estadual de Maringá 5 Professor Titular Universidade Estadual de Maringá

Introdução Durante as últimas décadas, a produtividade dos rebanhos bovinos tem aumentado significativamente. Este aumento tem sido atribuído principalmente à intensa seleção de características produtivas, tais como maiores produções de carne e leite, melhor manejo sanitário e reprodutivo, e também um manejo nutricional mais adequado. Com o aumento no desempenho animal, há um acréscimo nas demandas por nutrientes para síntese de leite e de tecidos. O aumento nos requerimentos nutricionais pode afetar as funções reprodutivas, se o animal não apresentar um aumento compensatório de ingestão de nutrientes. Inúmeros trabalhos têm demonstrado que o desempenho reprodutivo pode ser comprometido pelas grandes demandas nutricionais, principalmente as de energia e proteína em animais de alta produção. A alimentação exerce influência sobre a reprodução e os nutrientes apresentam mecanismos específicos de atuação sobre a eficiência reprodutiva. Os níveis nutricionais podem afetar o desenvolvimento e a função dos órgãos reprodutivos, além de acarretar alterações do funcionamento do sistema endócrino envolvido com a reprodução. Ao serem absorvidos, os nutrientes são direcionados a determinadas prioridades estabelecidas. São elas: metabolismo basal, atividades (andar, deitar, etc.), crescimento, reservas corporais básicas, lactação, acúmulo de reservas corporais, ciclo estral e início da gestação. Por essa seqüência de prioridades observa-se que o animal só direcionará nutrientes para a atividade reprodutiva quando todas as prioridades anteriores tiverem sido atendidas. Por tanto, as funções fisiológicas para manter a lactação têm prioridade sobre as funções reprodutivas, dessa forma, quando ocorre algum desajuste

nutricional as conseqüências afetam primeiro a reprodução e posteriormente a produção de leite. Baixos níveis nutricionais são conhecidos como deletérios no retorno da atividade ovariana pós-parto (Dunn, 1980). Schilo (1992) afirmou que o efeito da subnutrição na reprodução pode ser exercido em nível de hipófise, hipotálamo e ovários. De acordo com estudo realizado por Ferguson (1988), animais com nível de produção menor que 5900 kg de leite apresentaram maior taxa de fertilidade (48,5 %) que os animais que produziram mais de 8800 kg de leite (38,5 %). Observa-se assim que o incremento na produção tem sido associado com redução nas taxas de concepção. Este trabalho tem o objetivo demonstrar a relação existente entre a nutrição e a fisiologia da reprodução de ruminantes e se concentrará no estudo metabolismo energético. 1. Metabolismo energético x reprodução O consumo insuficiente de energia no período pré e pós-parto está relacionado com um pobre desempenho reprodutivo, resultando em um período prolongado de anestro após o parto, baixa produção de progesterona pelo corpo lúteo, e baixa taxa de concepção (Tabela 1). Nos machos, o baixo consumo de energia está associado ao atraso na idade à puberdade, redução da libido e queda na produção de espermatozóides (Pires & Ribeiro, 2006).

Tabela 1. Efeito do nível de energia antes e depois do parto sobre a eficiência reprodutiva de vacas. Nível de ingestão de energia Parto/1ºcio (dias) Vacas em cio (%) Concepção Prenhez (%) Alto-alto 48 100 1,55 95 Alto-baixo 43 83 2,35 77 Baixo-alto 65 95 1,6 95 Baixo-baixo 52 22 3 20 A idade à puberdade em novilhas também pode ser influenciada pelo nível energético da dieta. Novilhas que consomem maior quantidade de energia e apresentam maior taxa de ganho de peso diário atingem a puberdade com menor idade. A ocorrência da puberdade parece estar associada com o aumento na freqüência e na amplitude de pulsos de LH. A maior ingestão de energia aumenta a pulsatilidade da secreção de LH, o que está associado ao aparecimento mais precoce da puberdade. 1.1. Balanço energético negativo Vacas de alta produção de leite no início da lactação não conseguem consumir quantidade de nutrientes suficientes para atender a elevada exigência nutricional determinada pela produção de leite. Desta forma, estes animais entram em um balanço energético negativo (Santos et al., 1993). Para suportar o déficit energético negativo o animal tem que mobilizar nutrientes através das suas reservas corporais e, com isso, perde peso. O balanço energético é influenciado pela produção de leite, e quanto maior o nível de produção da vaca mais longo é o período em que a mesma permanece em balanço energético negativo. Geralmente, a primeira ovulação pós-parto em vacas ocorre entre 10 a 14 dias após o ponto mais baixo de balanço energético negativo (Tabela 2). O retorno

precoce ao ciclo estral é importante para que ocorra a concepção rapidamente. Assim, os efeitos deletérios da alta produção de leite na taxa de concepção resultam do atraso do início da atividade ovulatória no período pós-parto, ocasionando menor número de ciclos estrais antes das inseminações artificiais / cobrição e, consequentemente resulta em baixa fertilidade. Isto evidencia que os efeitos negativos da lactação na fertilidade estão relacionados ao grau e extensão do balanço energético negativo. Tabela 2. Relações entre produção de leite, balanço energético negativo (BEN) e dias para pós-parto para a primeira ovulação Produção de leite (kg/ano) Duração BEM (dias) 1ª ovulação pós-parto (dias) 7131 35 22 9386 84 76 O escore de condição corporal (ECC) tem sido muito utilizado como indicador do balanço energético e da probabilidade de reconcepção. Quando a perda de condição corporal (CC) pós-parto é severa (maior que um ponto de CC), o intervalo pós-parto à primeira ovulação é maior. No entanto, perdas moderadas (menos que um ponto de CC), parecem não afetar significativamente os parâmetros reprodutivos, por isso, recomenda-se que o animal não perca mais que um ponto de condição corporal no período pós-parto. Uma alternativa ao uso da condição corpórea é a avaliação da composição láctea para estimar o balanço energético do animal, uma vez que animais com déficit energético tendem a apresentar baixos níveis de proteína no leite e conteúdo elevado de gordura, (Grieve et al., 1986). Animais em balanço energético negativo se caracterizam por níveis sanguíneos elevados de hormônio do crescimento (GH) e

ácidos graxos não esterificados e baixos níveis sanguíneos do fator de crescimento similar a insulina tipo I (IGF-I), insulina e glicose. Nestas condições, os mecanismos de regulação homeorrética estabelecem a prioridade de utilização de nutrientes para a produção e secundariamente para a função reprodutiva. Kirkland & Gordon (2001), secaram duas das quatro glândulas mamárias de vacas para estudar os efeitos do nível de produção sobre a partição energética. Quando a ingestão de energia foi limitada abaixo dos requerimentos, as vacas com só duas glândulas ativas dirigiram 20 % da energia ingerida para a produção de leite, enquanto que as vacas com as quatro glândulas ativas dirigiram 43 %. Isto sugere a existência de algum mecanismo endócrino que assegure que a produção de leite seja mantida. Por tanto, é de se esperar que vacas de maior produção tenham menos energia disponível para as funções reprodutivas em situações de balanço energético negativo, pois uma maior proporção de energia se dirigirá para a produção de leite. Depois do parto os folículos que estão no ovário dependem da concentração e secreção pulsátil de LH para ovular. Caso o balanço energético seja negativo, a secreção de LH diminui e estes folículos que estão em desenvolvimento entram em atresia. A produção de LH é regulada fisiologicamente pelo GnRH produzido pelo hipotálamo. A retomada dos pulsos de GnRH pós-parto é altamente dependente da intensidade do balanço energético negativo e por tanto, a diminuição do LH é conseqüência direta da diminuição da secreção de GnRH. A diminuição da secreção de GnRH durante o balanço energético negativo, está em parte induzida pela leptina. A leptina é um hormônio secretado pelo tecido adiposo e que regula várias funções metabólicas, como, ingestão e reprodução. Uma das funções da leptina é manter um adequado balanço energético. Se a secreção

de leptina aumenta (devido excesso de energia ou gordura no animal) ocorre diminuição da ingestão mediante a inibição da secreção do neuropeptídeo Y (potente estimulador da ingestão) por parte do hipotálamo. Quando existe queima de gordura, os níveis de leptina diminuem e o cérebro responde este sinal com o aumento do apetite. A participação da leptina na regulação da reprodução ocorre mediante a modulação da quantidade de aporte de energia presentes nas reservas corporais que se dirigem para as funções reprodutivas e através da estimulação da secreção de GnRH a nível hipotalâmico. Em ruminantes a leptina está correlacionada com o nível de IGF-I, sendo este hormônio um dos indicadores mais claros do balanço energético do animal. De acordo com Cassady (2000), quando o conteúdo de gordura corporal da vaca é inferior a 12,1%, a atividade reprodutiva cessa, pois como a leptina é secretada pelo tecido adiposo, a sua concentração está diretamente ligada com a proporção de gordura corporal. A observação constatada por Cassady (2000), demonstra a importância da leptina na regulação da reprodução. Em resumo, os programas nutricionais devem assegurar que os níveis de gordura corporal durante o pré-parto não sejam elevados, pois isto deprimiria a ingestão ao mesmo tempo em que devem assegurar que os níveis de gordura corporal não sejam muito baixos, pois desta forma não haverá secreção de leptina suficiente para permitir uma boa função reprodutiva, uma vez que a concentração de leptina influencia a liberação de GnRH. 1.2. Efeitos da energia sobre a insulina Durante a última década, tem-se evidenciado que não somente as gonadotrofinas, FSH e LH, mas também a insulina e o fator de

crescimento semelhante à insulina (IGF-I) têm um importante papel na fisiologia ovariana (Pires & Ribeiro, 2006). A insulina é considerada um dos principais hormônios metabólicos relacionado com a reprodução, apresentando efeitos direto na cultura de células ovarianas, incluindo a estimulação da mitogênese das células e produção de progesterona pelas células luteal. A insulina além de atuar diretamente na manutenção da glicemia, ainda é responsável pela estimulação da secreção de FSH, secreção pulsátil de LH, secreção de progesterona pelo corpo lúteo e IGF-I. O aumento ou diminuição na concentração de insulina pode estar associado com a relação acetato/propionato no rúmen, uma vez que o propionato é um dos maiores precursores de glicose nos ruminantes, e a glicose está relacionada com as concentrações sangüíneas de insulina (McGlure, 1994). Quando a concentração de glicose sangüínea está alta, eleva-se também a concentração de insulina o que acarreta um melhor crescimento folicular, haja visto a importância da insulina sobre os hormônios gonadotróficos. Além disso, a maior concentração de glicose também é responsável por um melhor recrutamento de folículos. No entanto, quando o contrário ocorre, ou seja, menor concentração de glicose sanguínea, consequentemente observa-se também menor concentração de insulina que acarreta menor liberação dos hormônios gonadotróficos (FSH e LH) além de reduzir a concentração de IGF-I. Este perfil hormonal irá causar desenvolvimento lento e anormal de folículos que nunca chegarão a ovular. Embora o nível de glicose plasmática tenha um efeito direto sobre a concentração sangüínea de insulina, existem outros mecanismos capazes de atuar sobre o nível deste hormônio. Um destes

mecanismos é realizado pelo hormônio do crescimento (GH). As concentrações séricas de GH aumentam logo após o parto (Bauman, 1999). O nível sérico maior de GH coordena a partição de nutrientes, processo através do qual os nutrientes são preferencialmente direcionados para a produção de leite. Múltiplos tecidos são afetados pelo GH na vaca em lactação, mas os eventos coordenados no fígado e no tecido adiposo podem ser os mais importantes. No fígado, o aumento de GH no pós-parto estimula a gliconeogênese. Acredita-se que o aumento na gliconeogênese envolva um efeito direto do GH sobre a via gliconeogênica, bem como um efeito indireto do GH através de um antagonismo à ação da insulina. As ações de GH sobre a gliconeogênese hepática em vacas leiteiras no periparto são essenciais para atender às demandas da produção de leite. No tecido adiposo, o GH aumenta a lipólise o que, por sua vez, aumenta as concentrações de ácidos graxos não esterificados (AGNE) no sangue. Os AGNE podem ser oxidados no fígado ou em tecidos extrahepáticos ou podem ser incorporados diretamente à gordura do leite. Durante a lactação ocorre hipoglicemia porque a glândula mamária usa a glicose como fonte de energia e para a síntese de lactose. Na vaca, a baixa glicemia no período pós-parto está associada com baixas concentrações séricas de insulina. Parece haver uma resistência à insulina durante este período, particularmente em vacas leiteiras de alta produção. As baixas concentrações de insulina e a resistência parcial à insulina redirecionam o pool de glicose existente para a glândula mamária. Vacas que estão em balanço energético negativo as concentrações séricas de GH estão mais elevadas, e isto acarreta uma menor concentração de insulina e do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I). Este perfil hormonal então irá resultar em menores

índices de ovulações haja visto a importância da insulina na regulação de vários outros hormônios que participam da foliculogênese e ovulação. 1.3. Elevado consumo de matéria seca e de energia A elevada produção de leite e os limites impostos na formulação de rações fazem com que a densidade energética (ENL/kg) seja insuficiente para atender as necessidades do animal. Nestas condições, a única alternativa para reduzir o balanço energético negativo durante o pico de produção é incrementar a capacidade de ingestão de alimentos para aumentar assim o aporte energético diário. As práticas de manejo como a distribuição de alimentos várias vezes ao dia, a colocação dos cochos de água e ração à sombra, o acesso ad libitum aos cochos, utilização de ingredientes de qualidade, podem ajudar a estimular a ingestão de alimentos. O fornecimento de dietas ricas em grãos aos ruminantes, altera a população de microorganismos, bem como produção e a proporção dos ácidos graxos voláteis produzidos no rúmen, favorecendo a produção de ácido propiônico. O ácido propiônico, como já citado anteriormente no decorrer de seu metabolismo pode elevar o nível de insulina sangüínea. No entanto, conseguir elevadas ingestões pode também afetar de maneira negativa a reprodução, apesar de melhorar notoriamente o balanço energético e a produção de leite. Vários autores (Bach, 1999; Huntington, 1990) têm demonstrado que existe uma relação positiva entre o consumo energético e o fluxo sanguíneo através do fígado, assim o maior consumo aumenta o volume hepático e o fluxo sangüíneo do fígado. O fígado é o principal órgão responsável pelo

metabolismo de hormônios esteróides. Por tanto, é de se esperar que quando o fluxo sanguíneo hepático aumenta, o metabolismo (oxidação) de hormônios esteróides como progesterona e estrógeno também aumentam. Isto resulta em um reduzido feedback negativo à secreção de LH e FSH. Dessa forma, quando se aumenta a ingestão, a eficiência reprodutiva pode diminuir por causas fisiológicas em conseqüência do metabolismo hepático exacerbado dos hormônios esteroidais. Entre as conseqüências deste metabolismo hepático se encontram as maiores incidências de ovulações múltiplas e a alteração da qualidade embrionária. Por tanto, a estratégia nutricional para melhorar a reprodução de vacas de alta produção leiteira consiste em encontrar o ponto de equilíbrio entre um balanço energético não muito acentuado e uma ingestão energética excessivamente alta. Para isso, é necessário que os animais cheguem em perfeito estado corporal ao parto e tenham um consumo regular de matéria seca. 1.4. Suplementação com gordura Suplementar as rações das vacas principalmente as leiteiras com fontes lipídicas (gorduras ou óleos) é uma prática comum para aumentar a concentração energética da ração com a finalidade de minimizar o período de balanço energético negativo. Diversos tipos de gordura suplementar são utilizados na alimentação de vacas de leite e de corte em lactação. O perfil de ácidos graxos nestas fontes de gordura é bastante variável. Geralmente, óleos vegetais são ricos em ácidos graxos poliinsaturados, enquanto que a gordura animal é rica em ácidos graxos saturados.

Nas vacas leiteiras, a suplementação de rações com lipídios pode afetar positivamente o desenvolvimento folicular, a longevidade do corpo lúteo e a duração do intervalo anovulatório do pós-parto (Beam & Butler, 1997). Os mecanismos fisiológicos destas melhoras não são bem conhecidos, o que se sabe é que não se deve somente a uma melhora do balanço energético. Existem outras três possibilidades por quais os lipídios podem melhorar a reprodução: 1) representam um substrato direto para a produção de colesterol - precursor da progesterona; 2) modulam o metabolismo do ácido araquidônico - precursor das prostaglandinas; 3) a suplementação lipídica poupa a glicose, aumentando os níveis sangüíneos de IGF-I e consequentemente a liberação de LH. Williams et al. (1987) utilizando sementes inteiras de oleoginosas, obtiveram aumentos no nível do colesterol, que se traduziram em incrementos no nível de progesterona e maior tempo de vida do corpo lúteo. Mais tarde, Rabiee et al. (1999) demonstraram que o colesterol não é um fator limitante para a produção de progesterona, dessa forma a hipótese descrita por Williams et al. (1987) poderia ser descartada. A hipótese mais forte que se tem é a que as gorduras podem modular a síntese de progesterona através de alterações na síntese de prostaglantina. As prostaglandinas de ocorrência natural são derivados de ácidos graxos essenciais. Esses precursores são os ácidos dihomo-γlinolênico, o ácido araquidônico e o ácido eicosapentaenóico (EPA). Todavia, destes precursores o ácido araquidônico é o mais importante na área da reprodução por originar a PGF 2 α. O ácido linoleico (C18:2 n-6) comumente encontrado no girassol, soja, algodão entre outros, pode ser dessaturado e elongado para formar o ácido dihomo-γ-

linolênico (C20:3) que é o precursor imediato para a síntese de prostraglandina da série 1 ou pode ainda ser mais dessaturado para formar o ácido araquidônico (C20:4) que serve como precursor das prostraglandinas da série 2. Já o ácido linolênico (C18:3 n-3) encontrado em grandes proporções na linhaça e farinha de peixe, sofre dessaturação e elongação para formar o ácido eicosapentaenóico (C20:5), que é o precursor imediato para a síntese de prostaglandina da série 3 (Figura 1). Dietas com altos teores de girassol, soja e demais fontes alimentares ricas em ácido linoleico irão acarretar nas vacas, consequentemente um aumento nas concentrações sanguíneas deste ácido, fato este que pode estimular a síntese de prostraglandina da série 1 e 2. Enquanto que dietas constituídas com alto teor de linhaça ou farinha de peixe (alimentos ricos em ácido linolênico e ácido eicosapentaenóico) ocasionam um aumento sangüíneo destes ácidos, que são os precursores da prostaglandina da série 3. Alimentação rica em ácido linolênico pode inibir a síntese de prostraglandina da série 2, pois atuam como um inibidor competitivo do metabolismo do ácido araquidônico pelas enzimas responsáveis pela síntese de PGF 2 α. Este mecanismo ocorre pelo fato de que as prostaglandinas da série 3 são formadas à partir da mesma seqüência de enzimas responsáveis pela formação das protaglandinas da série 2, assim acabam competindo com estas, de forma à diminuir a liberação das prostaglandinas da série 2. Esta situação é desejada durante a gestação, devido a relação negativa existente entre a PGF 2 α e progesterona. Uma redução da síntese de PGF 2α pode melhorar os índices de fertilidade, pois permite maior tempo de vida ao corpo lúteo e com isso maior síntese de progesterona (hormônio de grande importância durante a gestação). No entanto, durante o período que antecede o parto deve-

se favorecer a formação de prostaglandina da série 2 (PGF 2 α), através do fornecimento de uma dieta rica em ácido linoleico, para que seja estimulado o processo de parto. Na transferência de embriões a taxa de prenhez é inferior quando se utilizam embriões congelados em comparação a utilização de embriões a fresco. Porém, muitas vezes o congelamento se faz necessário. Os danos aos embriões ocorrem devido à incapacidade do crioprotetor penetrar pela membrana do mesmo e evitar a formação de cristais de gelo no seu interior, causando redução na qualidade e na viabilidade do embrião. Dessa forma, pode-se concluir que é a fluidez da membrana que irá determinar o nível de lesões ocorridas no interior do embrião. No entanto, estas alterações podem ser minimizadas através do uso de ácidos graxos poliinsaturados na alimentação das vacas doadoras. A dieta rica em ácidos graxos poliinsaturados (AGPI) modifica o perfil dos ácidos que constituem a membrana que envolve o embrião. O aumento dos AGPI na membrana embrionária irá aumentar a fluidez da mesma e assim, a entrada do crioprotetor no embrião se torna mais fácil, o que favorece a resistência ao congelamento. Conclusões A nutrição exerce um papel muito importante na modulação da reprodução de ruminantes, sendo talvez, um dos fatores mais limitantes da expressão do potencial genético dos animais. Os animais em balanço energético negativo apresentam mudanças no perfil hormonal, que são as principais responsáveis pela alteração reprodutiva. As deficiências nutricionais são mais evidentes nos animais de alta produção, pois uma reduzida proporção da escassa

energia disponível poderá ser usada para manter as funções reprodutivas. Ácidos graxos ômega-6 Ácidos graxos ômega-3 Ácido linoléico C18:2 n-6 Ácido alfa-linolênico C18:3 n-3 Ácido gamalinolênico C18:3 n-6 1 2 Ácido di-homo-gamalinolênico C20:3 n-6 PGE 1 2 Ácido araquidônico C20:4 n-6 Tromboxano A 1 PGE 3 Ácido eicosapentaenóico C20:5 n-3 3 Tromboxano A 3 PGE 2 Tromboxano A 2 Ácido docosaexanóico C22:6 n-3 Figura 1. Representação esquemática do metabolismo dos ácidos graxos essenciais nos animais domésticos. 1: enzima delta-6- dessaturase; 2: enzima delta-5-dessaturase; 3: enzima delta-4- dessaturase. (Adaptado de EWIN, 1997)

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