O BRASIL E A GUERRA DO PACÍFICO: AS RELAÇÕES DO IMPÉRIO COM CHILE, BOLÍVIA E PERU (1876-1889). Rafael Canaveze. (UNESP/Assis graduando) A pesquisa tem como objetivo fazer um levantamento historiográfico sobre as relações do governo imperial brasileiro frente um dos maiores conflitos bélicos sulamericanos, a Guerra do Pacífico (1879-1883), que envolveu o Chile frente à aliança Peru-Bolívia. Nossa análise perpassa a periodização do conflito, pois o nosso objetivo é fazer uma análise completa sobre o tema, sendo para isso necessário estabelecer relações com o período anterior e posterior ao conflito, para vermos as relações e os posicionamentos dos países envolvidos no conflito com o Brasil a médio prazo. Os limites da pesquisa são os anos de 1876 e1889. Os critérios utilizados para esta delimitação foram, respectivamente, a desocupação completa das tropas brasileiras do território paraguaio, ainda conseqüência da Guerra do Paraguai, encerrada em 1870, os subseqüentes acordos de Buenos Aires, do mesmo ano, dos quais Brasil e Argentina resolveram seus últimos atritos em relação a Guerra do Paraguai e a bacia platina, e a participação do Brasil e dos países andinos na Conferência de Washington ( Estados Unidos) e a queda do regime monárquico brasileiro ambas em 1889. Contudo, a análise deste tema não é tarefa tão simples, pois, a ênfase dada pela historiografia tradicional sobretudo trata das relações imperiais frente a países europeus, aos Estados Unidos e aos países platinos, tratando das relações com os países andinos de maneira marginal, daí, de certa forma, a importância de nosso trabalho, que obviamente não é o primeiro a tratar do assunto, pois existem algumas publicações recentes no campo historiográfico. Os temas levantados pela diplomacia imperial, em relação ao continente, se baseavam na definição de limites territoriais, questões relativas ao comércio internacional, à definição de regras para a navegação dos rios internacionais e ao tráfico de escravos. Como chama a atenção Villafañe G. Santos, podemos perceber que estamos nos referindo a questões essenciais para o jovem Estado brasileiro: limites, navegação, comércio e importação de mão-de-obra básica da economia escravista. Nesse contexto, chama a atenção a quase invariabilidade da posição do Império brasileiro ante as iniciativas interamericanas 1. 1 SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O Brasil entre a América e Europa: o Império e o internacionalismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington), São Paulo; Editora UNESP, 2004. p. 23 e 24
Essa firmeza e consistência na política americanista do Império esteve relacionada à natureza da legitimação do Estado brasileiro, que era diferente à de seus vizinhos americanos. A adoção da monarquia condicionava decisivamente a política externa do Estado brasileiro para temer e repudiar as iniciativas interamericanas. O nacionalismo passou a condição de princípio legitimador do Estado (dando origem à formula desde então hegemônica do Estado-nação) apenas no decorrer do século XIX. Ao manter o princípio dinástico como fonte de legitimação de seu Estado o Brasil se diferenciava decisivamente de seus vizinhos americanos, que passariam a representar para o Império o outro irreconhecível. A construção da identidade das repúblicas americanas se fazia em grande parte na idéia de ruptura com o Antigo Regime e, metaforicamente, com a Europa. Essa noção de ruptura entre o Novo e o Velho Mundo, entre a América e a Europa impregnava as iniciativas interamericanas, tornando muito difícil ao Império associar-se a elas sem pôr em risco as bases de sua própria legitimidade. Nesse contexto, o Império adotaria desde o início uma postura de resistência às iniciativas interamericanas. (...) Entre estes dois continentes [Novo e Velho Mundo] em um desafio à geografia, o Império inventava-se como um bastião da civilização ( européia naturalmente) cercado de repúblicas anaárquicas. Um império distante e tropical, mas fundamentalmente civilizado, e, portanto, europeu. 2 A natureza peculiar do sistema político brasileiro foi relevante no seu comportamento internacional. Com isso, o Estado brasileiro tinha dificuldades em apoiar iniciativas americanas, que buscassem a integração política e econômica com seus vizinhos. Assim sendo, o Brasil se absteve ou ignorou os convites feitos pelas nações vizinhas para participar de congressos interamericanos, temendo um isolamento diplomático ou até sofrer retaliações por parte das nações republicanas. Desse modo, o Brasil optou pelas negociações bilaterais com seus vizinhos, sem a participação de terceiros princípio da arbitragem como desejavam os mesmos, em especial para as disputas de territórios litigiosos. O Império considerava-se suficientemente forte para fazer prevalecer suas vontades com os países vizinhos, como de fato ocorreu na Guerra do Paraguai (1864-1870), onde este se saiu vitorioso. Esse conflito gerou várias transformações internas para o regime monárquico brasileiro; contudo, no âmbito das relações internacionais, o Brasil teve de tomar algumas medidas diferentes das de até então. O Brasil há décadas tinha boas relações com o governo paraguaio, justamente para tentar contrabalancear o poderio argentino na bacia platina. Porém, como cita Cervo & Bueno: 2 SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O Brasil entre a América e Europa: o Império e o internacionalismo (do Congresso do Panamá à Conferência de Washington), São Paulo; Editora UNESP, 2004. p. 24 e 25.
Dado o início da Guerra do Paraguai, apagado momentaneamente o tradicional trunfo estratégico que representava aquele país nos cálculos do Império, a diplomacia brasileira buscou atrair a Bolívia e o Chile em sua esfera de influência, em mais um esforço para fazer pender a seu favor a balança de poder. Concluiu com a Bolívia o tratado de amizade, limites navegação, comércio e extradição em 1867, prometendo-lhe uma saída para a Bacia Amazônica, e franqueou-lhe conseqüentemente em 1882, por outro acordo, o uso da estrada de ferro Madeira-Mamoré, a ser construída. A aproximação com o Chile se fez pela via diplomática trocando ambos os governos representantes de altíssimo nível, escolhidos cuidadosamente entre intelectuais, poetas e historiadores (...). Secundava essa ação diplomática militar, com troca de visitas honrosas de navios de guerra. 3 Diante das relações imperiais anteriores à Guerra do Pacífico com os países sulamericanos, iremos tratar agora sobre as origens deste conflito. No período colonial as fronteiras entre as unidades administrativas na América hispânica eram, em geral, imprecisas. Após o processo de independência e o surgimento de vários países americanos a questão sobre a definição de fronteiras foi constantemente adiada, seja pelas guerras civis dos novos Estados, seja por verem estas regiões como inóspitas e desprovidas de qualquer valor econômico imediato, não havendo assim qualquer interesse em fazer a demarcação dessas fronteiras. Contudo, a partir de meados do século XIX, essas áreas interioranas foram alvo de maior atenção por parte destes Estados. Isso se deveu segundo Francisco Doratioto a maior operacionalidade administrativa destes, além do novo significado econômico que estas regiões assumiram dada a necessidade crescente de produtos primários por parte da Europa. Nesta perspectiva os governos buscam diferentes formas para legitimar ou ampliar seus territórios frente aos países vizinhos. Isso gerou várias tensões entre estes países, algumas destas se converteram até em confrontos armados; o exemplo mais conhecido fora a Guerra do Pacífico (1879-1883), objeto de nossa análise. Em meados do século XIX, o deserto do Atacama, adquiriu importância econômica. Descobriram ali depósitos de minerais, em especial de nitratos, que eram utilizados na fabricação de fertilizantes e pólvora. O deserto era uma área em litígio entre Chile e Bolívia, mas, economicamente, havia um predomínio do capital chileno na região. Foram tentados uma série de acordos na década de 1860, porém sem sucesso. Com isso, o governo boliviano, temendo uma ação bélica chilena, buscou uma aliança 3 CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil (1822-1985) São Paulo: Ática, 1992. p. 121
com o Peru, que pelos mesmos motivos, além do interesse na região norte do deserto, assinou com a Bolívia um tratado secreto de defesa contra uma ação militar chilena. Como cita Francisco Doriatioto; Em 1874 os governos chilenos e boliviano assinaram um tratado pelo qual este comprometeu-se a não aumentar, durante 25 anos, os impostos sobre as empresas chilenas dedicadas à extração de nitratos. Contudo, no início de 1878, o Congresso boliviano estabeleceu um imposto de 10 centavos sobre cada 100 quilos de salitre exportado. Simultaneamente, houve a ameaça boliviana de encampar os bens da Companhia Anônima de Salitre e Ferrovia de Antofagasta, de capital chileno. Pretextando o não-cumprimento do tratado de 1874, o Chile conhecedor do acordo secreto peruano-boliviano, declarou, em 1879, guerra aos dois países (...). A motivação real para o conflito foi o interesse da burguesia chilena em apoderar-se dos territórios com nitratos, onde havia feito grandes investimentos. 4 O vencedor do confronto fora o Chile, com a rendição do Peru e da Bolívia, respectivamente, em 1883 e 1884. Com a vitória o Chile teve ampliado o seu território em 1/3, anexando territórios até então bolivianos e peruanos. A Bolívia perdeu seu acesso ao oceano pacífico e o Peru parte da costa sul, todos estes territórios com grande potencial em nitratos. Segundo os autores Cervo & Bueno, durante a Guerra do Pacífico, a diplomacia imperial teve condições para manter e fazer respeitar sua neutralidade, bem vista pelos contendores ; 5 ademais, o Brasil tomou parte nas comissões arbitrais do pós-guerra, em uma demonstração de seu prestígio diplomático. Nas últimas décadas do século XIX, o Brasil firmou uma nova relação estratégica com o Chile, em substituição do eixo Rio de Janeiro-Assunção, em decorrência da guerra com o Paraguai. No ano de 1889 ocorreu nos Estados Unidos a Conferência de Washingtom, encontro de todos os países americanos, cuja pauta variava desde assuntos diplomáticos até a integração econômica do continente. O Império então a mais republicana das realezas 6 confirmou presença, porém, por ser a única monarquia do continente temia seu isolamento diplomático. Contudo, o Brasil não era o único país que tinha esta preocupação. O Chile, vencedor da Guerra do Pacífico, onde havia conquistado territórios antes peruanos e bolivianos, temia que a Conferência decidisse a arbitragem 4 DORIATIOTO, Francisco. Espaços nacionais na América Latina: da utopia bolivariana à fragmentação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994 p. 105 5 CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil (1822-1985) São Paulo: Ática, 1992. p. 121 6 Termo utilizado por Villafañe G. SANTOS
como meio obrigatório e talvez, retroativo de resolução das disputas territoriais entre os países americanos. Com vistas de solucionar ambos os seus problemas, Brasil e Chile se aproximaram mais ainda diplomaticamente, as vésperas do encontro em Washington. Porém, esta aliança não produzira frutos, dada a proclamação da República no Brasil simultaneamente a realização da Conferência em novembro de 1889. Com a queda do regime monárquico, os representantes do Brasil imperial foram substituídos por outros diplomatas, agora republicanos, na Conferência de Washingtom. Estes por sua vez tiveram um posicionamento em muitos aspectos diferentes e até contrários aos seus antecessores. Como podemos perceber, o tema possui muitos aspectos relevantes e interessantes que podem contribuir para uma historiografia especializada na área, já que se trata de uma temática pouco explorada pelos estudiosos.