AS MUDANÇAS NO ESTATUTO JURÍDICO DOS DOMÉSTICOS EC 72/13 Gáudio R. de Paula e José Gervásio Meireles A aprovação do projeto de Emenda Constitucional 66/2012, e a subsequente edição da EC 72/13, relativo às empregadas domésticas pelo Congresso Nacional configura uma das mais relevantes atitudes em direção a erradicar a discriminação do trabalho doméstico. A Constituição da República, em 1988, a qual já havia assegurado uma série de direitos à referida categoria, ainda não havia avançado suficientemente. A emenda constitucional corrobora as principais diretrizes da Convenção 189 da OIT (relativo ao trabalho doméstico), muito embora esta norma internacional não tenha sido ratificada pelo Brasil. A principal inovação da emenda centra-se na fixação de jornada de trabalho padrão para a empregada doméstica, qual seja, oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (art. 7º, XIII da CF). E a delimitação de jornada implica a necessidade de controle de horário, o que gera, no caso de violação, o direito às horas extras (devidamente acrescidas de adicional de 50%, no mínimo art. 7º, XVI da CF). Nesse tópico ainda se torna relevante o fato de que o art. 7º, XIII não apenas fixa a jornada, mas também autoriza a compensação desta e a redução da jornada por negociação coletiva. No que tange à compensação, ressalte-se que esta noção (laborar mais horas em dia para compensar com folga em outro) era até então inimaginável, pois além de pressupor controle de horário, permite uma série de debates sobre quais serão as espécies de compensação aceitáveis (semanal, regime 12x36, semana espanhola ou mesmo banco de horas). Outro ponto de profunda alteração refere-se à obrigatoriedade
do FGTS (art. 7º, II da CF), contribuição que antes era facultativa e a opção era do empregador, além do direito ao seguro-desemprego (art. 7º, III da CF), benefício que apenas era garantido quando o empregado doméstico já estava incluído no FGTS (art. 6º-A, 1º da Lei 5.859/72). Terceiro aspecto que altera completamente o panorama de direitos dos domésticos envolve o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI da CF). Entretanto, neste tópico, uma ponderação deve ser feita. Provavelmente apenas as convenções coletivas serão admitidas, porquanto os acordos coletivos, por abrangerem transações entre sindicatos de trabalhadores e empregador/empregadores (art. 611, 1º da CLT), são impraticáveis em virtude da própria natureza individual do labor doméstico (não há coletividade suficiente para justificar um acordo coletivo de trabalho). Novos direitos foram reconhecidos com a inclusão da remuneração noturna superior à diurna (art. 7º, IX da CF), saláriofamília pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei (art. 7º, XII da CF) e assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas (art. 7º, XXV da CF), todas situações que dependem de regulamentação em lei, uma vez que a CLT não se aplica ao empregado doméstico (art. 7º, a da CLT) e o art. 65 da Lei 8.213/91 exclui o doméstico do salário-família. Garantias como proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa (art. 7º, X, CF) e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CF), proibição de diferença de salários, de
exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX, CF) e proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI, CF) ainda não haviam sido expressamente elencados. Desta forma, a Justiça do Trabalho aplicava, no que coubesse, as medidas de proteção genéricas estabelecidas para os demais trabalhadores, sobretudo quando o salário possui natureza alimentar e a proibição de discriminação e a redução dos riscos inerentes ao trabalho estão diretamente atreladas à concreção da dignidade da pessoa humana (este fundamento da República art. 1º, III da CF). Diante do novo contexto, o Ministério do Trabalho poderá editar normas específicas de proteção sobre o trabalho doméstico, considerando as peculiaridades de tal trabalho. Dessarte, diversos são os questionamentos, os quais serão intensificados tanto pela aplicação prática dos novos direitos e garantias como pela regulamentação que alguns direitos ainda receberão. Antiga Redação Nova Redação
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. Nesse contexto, atente para o quadro que preparamos com a relação dos novos direitos e a natureza de cada regra (eficácia plena ou limitada): DIREITOS DOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS SEMPRE TEVE PASSOU A TER NUNCA TEVE (antes EC 72/13) (depois EC 72/13) (antes ou depois JÁ TEM TERÁ (eficácia EC 72/13) (eficácia plena) limitada) Salário mínimo Salário mínimo Proteção contra Piso regional (V) (IV) despedida Remuneração arbitrária ou variável (VII) sem justa causa (I) Irredutibilidade Proteção do Segurodesemprego Participação nos salarial (VI) salário - Crime (II) lucros e retenção resultados (XI) dolosa (X) 13º salário (VIII) Jornada 8 hs/d FGTS (III) Jornada especial e 44hs /s e para turnos
Compensação de jornada (XIII) RSR (XV) Adicional de horas extras (XVI) Férias (XVII) Licençamaternidade (XVIII) Licençapaternidade (XIX) Aviso (XXI) prévio Redução riscos inerentes ao trabalho - Normas de saúde, higiene e segurança (XXII) Negociação coletiva (XXVI) Proibição de discriminação - Salários, exercício de funções e critério de admissão - Motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (XXX) Proibição de discriminação - Salário e critérios de admissão - Portador de deficiência Adicional noturno (IX) Salário-família (XII) Auxílio-creche (XXV) Seguro e indenização em razão de acidente de trabalho (XXVIII) ininterruptos de revezamento (XIV) Proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (XX) Adicional p/ atividades penosas, insalubres ou perigosas (XXIII) Proteção em face da automação (XXVII) Proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual (XXXII)
Aposentadoria (XXIV) XXXI Idade mínima para o trabalho - Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos (XXXIII)