OSTRACODES NEOQUATERNÁRIOS BATIAIS DA BACIA DE SANTOS: TAXONOMIA, PALEOECOLOGIA, ELEMENTOS TRAÇO E ISÓTOPOS ESTÁVEIS Cristianini Trescastro Bergue 1 ; João Carlos Coimbra 2 1 Departamento de Ciências Exatas e da Natureza, Colégio de Aplicação, UFRGS; 2 Departamento de Paleontologia e Estratigrafia, Instituto de Geociências, UFRGS. Abstract. This work deals with the study of 60 samples taken from three cores drilled in Santos basin (SAN 26, 384 m; SAN 23, 630 m; SAN 65, 1130 m). A taxonomic, paleoecological and paleozoogeographical approach was carried out on the autochtonous ostracode assemblages of each core. Seventy nine species, eleven of these new, were found. Besides the faunistic study, both trace-elements (Mg/Ca) and oxygen stable isotope analysis were carried out. These measures have shown that the sample range covers the last 30 ka, where the Last Glacial Maximum (LGM) and the Pleistocene/Holocene transition were the most noticeable events. Data from Mg/Ca ratios have shown also some small temperature changes, possibly related to millennial-scale climatic events. The assemblages have shown changes both on diversity and abundance, not only among but also along the cores. Faunal changes were associated mainly to the bathymetry, the Oxygen Minimum Zone (OMZ) and thermocline. At last, faunal affinities between Santos basin, North Atlantic, Mediterranean and South Pacific, were found out. These relations suggest the existence of migration routes between those regions and corroborate the statement that some taxa have pandemic distribution on deep waters. Palavras chave: Micropaleontologia, Ostracodes, Paleoceanografia, 1. Introdução Por muito tempo o estudo dos ostracodes marinhos esteve centrado em faunas neríticas devido as limitações impostas pelos métodos de amostragem até então existentes. Nas últimas décadas, entretanto, os trabalhos em águas profundas difundiram-se e revelaram as potencialidades apresentadas pelo grupo em pesquisas paleoceanográficas.
No Brasil, embora o estudo dos ostracodes marinhos tenha se tornado uma das mais produtivas áreas da pesquisa micropaleontológica, as faunas batiais foram estudadas apenas esporadicamente. Dentre os trabalhos mais significativos destacam-se Carmo & Sanguinetti (1995, 1999), Bergue (2000), Coimbra & Bergue (2001), Drozinski et al. (2003) e Bergue (2005). O trabalho de Brady (1880) que tratou preliminarmente da taxonomia de ostracodes de diferentes oceanos, também registrou algumas espécies batiais ao longo da costa brasileira. Já no século XX, Benson (1977) e Bemson & Peypouquet (1983) estudaram ostracodes de perfurações do DSDP no Atlântico Sudoeste. O presente trabalho teve por objetivo principal o estudo dos ostracodes quaternários batiais da bacia de Santos, abordando a paleoecologia e a composição taxonômica das assembléias recuperadas de três perfurações. Complementando o enfoque faunístico foram exploradas as potencialidades do grupo para a paleoceanografia através do emprego de análises geoquímicas nas carapaças. Conforme a classificação proposta por Martins & Coutinho (1981), a bacia de Santos localiza-se na província Cabo Frio-Cabo de Santa Marta. Nesta região a largura da plataforma continental varia entre 90 e 210 km, e a zona de quebra entre 150 e 185 m de profundidade. O talude apresenta-se com relevo pouco desenvolvido e inclinação suave o que, juntamente com as feições da linha de costa, têm profundas implicações na circulação oceânica e nos processos sedimentares. A área de estudo está sob a influência da Corrente do Brasil, que origina-se a partir da divisão da Corrente Equatorial Sul Atlântica e percorre a costa brasileira até convergir para leste, com a Corrente das Malvinas, a aproximadamente 40 S. Os testemunhos estudados provêm da porção superior do talude e foram obtidos nas seguintes coordenadas: 23 42 S/42 21,1 W (SAN 26), 23 49,5 S/42 17,8 W (SAN 23) e 24 03,3 S/41 54,9 W (SAN 65) (Fig. 1). 2. Material e métodos Das 60 amostras estudadas, 21 foram obtidas do testemunho SAN 26, perfurado a 384 m, 16 do testemunho SAN 23, perfurado a 630 m, e 23 do testemunho SAN 65, perfurado a 1130 m. As amostras foram preparadas conforme a
metodologia tradicionalmente empregada para a recuperação de ostracodes marinhos. 22 S 45 W 43 W 41 W BRASIL Rio de Janeiro * Rio * de Janeiro 24 S São Ilha de Sebastião 50 m 100 m SAN 26 400 m 1000 m 2000 m... SAN 65 SAN 23 Oceano Atlântico N 40 km 26 S Figura 1. Mapa de localização dos testemunhos estudados. As análises geoquímicas utilizadas foram a razão Mg/Ca e isótopos estáveis de oxigênio. As análises de elementostraço foram realizadas em ostracodes do gênero Krithe, visando a obtenção de paleotemperaturas. Já as de isótopos estáveis de oxigênio, foram obtidas visando a identificação do Último Máximo Glacial (LGM) e do limite Pleistoceno/Holoceno, utilizando-se para esta o foraminífero bentônico Cibicidoides. 3. Resultados A fauna de ostracodes mostrou-se diversificada, embora pouco abundante em alguns intervalos, permitindo a identificação de 46 gêneros. Destes, Clinocythereis, Cobanocythere, Jonesia, Loxocauda, Loxoconchidea, Macromckenziea, Philoneptunus, Swainocythere e Xylocythere são pela primeira vez registrados no Atlântico Sudoeste.
Considerando os três testemunhos, 79 espécies autóctones foram identificadas, sendo Cytheropteron (9 espécies), Krithe (8 espécies) e Cytherella (4 espécies) os gêneros mais diversificados. Onze espécies são novas: Cytherella sp. nov. A, Cytherella sp. nov. B, Cobanocythere sp. nov., Microcythere sp. nov, Saida sp. nov., Trachyleberis sp. nov., Ambocythere sp. nov., Parakrithe sp. nov, Cytheropteron sp. nov. A e Cytheropteron. sp. nov. B. Os resultados apresentam um bom nível de concordância com a curva padrão do Quaternário, permitindo situar as amostras dentro dos estágios isotópicos marinhos (MIS) 1, 2 e 3. A comparação dos resultados deste trabalho com o de Costa (2000), realizado na bacia de Santos e balizados por datações de radiocarbono, permitiu estimar que o testemunho SAN 65 abrange um intervalo de tempo de aproximadamente 30 Ka. 4. Discussão Quanto a composição taxonômica as associações podem ser divididas em dois grupos. O primeiro corresponde àquelas registradas no testemunho SAN 26, perfurado na região da termóclina, no qual predominam gêneros como Bradleya, Cytherella, Parakrithe e Macrocypris. O segundo grupo corresponde às associações dos testemunhos SAN 23 e SAN 65, que apresentam características tipicamente psicrosféricas, e onde registram-se táxons como Apatihowella, Cytheropteron, Philoneptunus e várias espécies de Krithe. A diversidade específica destas duas perfurações é maior do que a observada na perfuração mais rasa. As análises de isótopos estáveis foram realizadas apenas no testemunho SAN 65 e as mudanças faunísticas associadas ao LGM e ao limite Pleistoceno/Holoceno foram tomadas como base para a proposição do intervalo de ocorrência daqueles eventos nos dois testemunhos mais rasos. As temperaturas de fundo obtidas nos testemunhos SAN 23 e SAN 65, apresentaram uma tendência de aumento do LGM em direção ao Holoceno, assemelhando-se a de outros estudos realizados no Quaternário. 5. Conclusões Numa perspectiva taxonômica este estudo constituiu um grande avanço para o conhecimento dos ostracodes batiais brasileiros, através da proposição de
espécies novas e do registro de táxons até então registrados apenas para o Pacífico Sul. A nálise paleoecológica, associada as geoquímicas forneceram informações que dificilmente seriam obtidas apenas com o estudo faunístico, permitindo a identificação do LGM, do limite Pleistoceno/Holoceno, estimar a idade do intervalo amostral, e as variações de temperatura ao longo dos últimos 30 Ka. O LGM e o limite Pleistoceno/Holoceno estão bem marcados nos três testemunhos estudados, e associados a mudanças faunísticas. Os resultados das análises de elementos-traço mostraram variações na temperatura de fundo não apenas entre o Último Máximo Glacial (LGM) e o Holoceno, mas também dentro destes intervalos, influenciando de forma especial a composição taxonômica das associações. A distribuição das espécies ao longo dos testemunhos é descontínua e varia de acordo com as mudanças hidrológicas ocorridas ao longo do último período glacial. A similaridade em nível genérico com outras faunas batiais reforça os pressupostos de Benson et al. (1984) e Coles (1990) a respeito do pandemismo de alguns táxons em águas profundas. 6. Referências BRADY G. 1880. Report on the Ostracoda dredged by H. M. S. Challenger during the years 1873-76. Report of Scientific Results of the Voyage of H. M. S. Challenger - Zoology, 1: 1-184. BENSON R. 1977. The Cenozoic ostracode faunas of the São Paulo Plateau and Rio Grande Rise (DSDP LEG 39, sites 356 and 357). Initial Reports DSDP, 39: 856-883. BENSON R and PEYPOUQUET J P. 1983. The upper and mid-bathyal cenozoic ostracode faunas of the Rio Grande rise found on Leg 72 Deep Sea Drilling Project. Initial Reports DSDP, 62: 805-818. BENSON R, CHAPMAN R and DECK L. 1984. Paleoceanographic events and deep-sea ostracodes. Science, 224: 1234-1336. BERGUE C T. 2000. Tafonomia e distribuição dos ostracodes quaternários do talude da bacia de Santos, Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
BERGUE C T. 2005. Aspectos da Paleoceanografia da bacia de Santos, Atlântico Sudoeste, nos Últimos 30000 anos: isótopos estáveis, elementos-traço, paleoecologia e taxonomia de ostracodes. Tese de Doutorado, Programa de Pósgraduação em Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. CARMO D and SANGUINETTI Y. 1995. Krithe occurrence on the Brazilian continental margin an ecological approach. In: RIHA, J. (ed.) Ostracoda and Biostratigraphy. Rotterdam: Balkema, 1995. p. 407-412. CARMO D and SANGUINETTI Y. 1999. Taxonomy and palaeoceanographical significance of the genus Krithe (Ostracoda) in the Brazilian margin. Journal of Micropalaeontology, 18: 111-123. COIMBRA J C and BERGUE, C. T. Ostracodes Quaternários do talude da bacia de Santos, Brasil. In: CONGRESSO DO QUATERNÁRIO DE PAÍSES DE LÍNGUAS IBÉRICAS, I, 2001, Lisboa, Actas I Congresso do Quaternário de Países de Línguas Ibéricas, Lisboa, CGTPEQ, AEQUA, SGP, 2001, p. 105-108. COLES G. 1990. A comparison of the evolution, diversity and composition of the Cainozoic Ostracoda in the deep water North Atlantic and shallow water environments of North America and Europe. In: WHATLEY, R. & MAYBURY, C. (ed.) Ostracoda and Global Events. Cambridge: Chapmann and Hall, p. 71-86. DROZINSKI N G S, COIMBRA J C, CARREÑO A L and BERGUE C T. 2003. Ostracoda cool water masses indicators from the Rio Grande do Sul state, Brazil a first approach. Revista Brasileira de Paleontologia, 5: 59-71. MARTINS L R and COUTINHO P N. 1981. The Brazilian Continental Margin. Earth Sciences Reviews, 17: 87-107.