Entrevista Site Transparência e Governança



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Transcrição:

Entrevista Site Transparência e Governança 1. Como as Transações com Partes Relacionadas ( TPRs ) ou outras transações sob conflito de interesses poderiam ser mais bem divulgadas aos acionistas? O caminho seria através do aumento do rigor dos órgãos reguladores ou deveria partir das companhias? Já existem mecanismos para as Transações com Partes Relacionadas serem divulgadas adequadamente aos acionistas, reguladores e público em geral por meio do Formulário de Referência. Esse instrumento instituído pela Instrução 480 da CVM estabelece que devem ser informadas (e se manter atualizadas) questões referentes a: (i) transações com partes relacionadas nos últimos exercícios sociais nos itens 16.1, 16.2, e 16.3 1, e (ii) conflitos de interesses nos itens 12, 12.2 e 12.4 2. Assim, as companhias tem a obrigação de divulgar nos referidos itens tanto as políticas existentes referentes às transações com partes relacionadas e aos conflitos de interesses, quanto um relato detalhado das operações que ocorreram no período (notadamente, aquelas envolvendo o acionista controlador). O problema ocorre principalmente nas informações fornecidas pelas companhias nesses itens. Nesse sentido, realizamos uma pesquisa 3 junto a uma amostra de companhias do Novo Mercado 4 para verificar o cumprimento da regulação e a efetiva utilização do Formulário de Referência como oportunidade de incremento de transparência. 1 Formulário de Referência: 16.1. Regras, políticas e práticas da Companhia quanto à realização de transações com partes relacionadas; 16.2. Informar, em relação às transações com partes relacionadas que, segundo as normas contábeis, devam ser divulgadas nas demonstrações financeiras individuais ou consolidadas do emissor e que tenham sido celebradas nos 3 últimos exercícios sociais ou estejam em vigor no exercício social corrente; 16.3 Medidas relativas a conflitos de interesses e demonstração do caráter estritamente comutativo das condições pactuadas ou o pagamento compensatório adequado em transações com partes relacionadas (a) identificar as medidas tomadas para tratar de conflitos de interesses; e (b) demonstrar o caráter estritamente comutativo das condições pactuadas ou o pagamento compensatório. 2 Formulário de Referência: 12. Assembleia geral e administração; 12.2. Descrever as regras, políticas e práticas relativas às assembleias gerais, indicando: (...) d. identificação e administração de conflitos de interesses; 12.4. Descrever as regras, políticas e práticas relativas ao conselho de administração, indicando: (...) c. regras de identificação e administração de conflitos de interesses. 3 Ver artigo de DONAGGIO e PRADO (2011), Conflito de Interesses: Lei das Sociedades por Ações, Governança Corporativa ou Ética? (no prelo). 4 A amostra da pesquisa foi composta por companhias: (i) listadas no Novo Mercado que tem, em tese, maior preocupação em atender às melhores práticas de governança; e (ii) que compõem o Ibovespa, mais importante indicador do desempenho do mercado de ações brasileiro porque retrata o comportamento das principais ações negociadas na Bolsa. As companhias que fizeram parte da amostra são as seguintes: ALL América Latina, B2W Varejo, BM&Fbovespa, Banco do Brasil, BRF Foods, Cosan, CPFL Energia, Ecodiesel, Embraer, JBS, LLX, Lojas Renner, Marfrig, MMX, MRV, Natura, OGX, PORTX, Sabesp, 1

O resultado da pesquisa decepcionou ao mostrar que: (i) uma ínfima minoria das companhias apresenta regras de identificação e administração de conflitos de interesses; (ii) apenas algumas companhias admitem não ter esse tipo de regra; e (iii) a imensa maioria simplesmente transcreve a legislação ou documentos societários (que, por sua vez, transcrevem o previsto na legislação). Esse resultado mostra que o assunto é tratado, no mínimo, de forma opaca e com descaso aos acionistas e regulador. Estudos sobre TPRs já demonstraram seu potencial de causar prejuízo aos acionistas em geral. 5 Além disso, casos como os das companhias Enron (transações com sociedades de propósito específico), Worldcom (empréstimos para executivos), Parmalat (empréstimos para empresas do controlador) e Agrenco (canalização de recursos via operações comerciais para empresas de administradores) 6 também evidenciaram o potencial destrutivo das TPRs. Em relação à segunda parte da pergunta, vários estudos recentes demonstraram que o grau de desenvolvimento do mercado de capitais e o aumento da riqueza dos países está relacionado à proteção dos minoritários nas transações com partes relacionadas 7. Isso reforça a necessidade não apenas de uma regulação adequada, mas principalmente de uma fiscalização efetiva de seu cumprimento, não sendo tema que possa ser deixado nas mãos das companhias para ser cumprido voluntariamente pelas companhias. Cielo, Duratex, Brookfield, CCR, Cyrela Realty, Fibria, Gafisa, Hypermarcas, Light, PDG Realty, Redecard e Rossi Residencial. 5 Segundo artigo de SILVEIRA et al. (2008) Related Party Transactions: Legal Strategies and Associations with Corporate Governance and Firm Value in Brazil, cada companhia reportou em média ter realizado 6,4 TPRs no período, havendo predominância de transações operacionais e, mais importante, as TPRs representaram 4,5% da receita operacional líquida, 3% dos ativos e 1,8% do valor de mercado da empresa intermediária da amostra. O artigo verifica a existência de uma relação negativa entre qualidade da governança e TPRs, isto é, companhias deficientes em governança utilizam mais TPRs e ainda corrobora com a hipótese de que as TPRs sinalizam a existência de maiores conflitos de interesses nas companhias. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1307738. 6 SILVEIRA (2010). Governança corporativa no Brasil e no mundo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier. 7 Ver BLACK (2001) The Legal and Institutional Preconditions for Strong Securities Markets. UCLA Law Review, V. 48. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=182169, BEBCHUK (1999). A rent protection theory of corporate ownership and control. NBER Working Paper N. W7203, Cambridge: Harvard Law School. LA PORTA et al. (1997) Legal Determinants of External Finance. The Journal of Finance, V. LII, N.3. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=8179>. LA PORTA et al. (1998) Law and Finance. Journal of Political Economy, 1113. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=1505246>. NENOVA (2001) Control Values and Changes in Corporate Law in Brazil. EFMA 2002 London Meetings. Disponível em <http://ssrn.com/abstract=294064>. 2

Logo, antes de se pensar em mudança legal 8, deve-se pensar prioritariamente em aumentar o rigor da fiscalização das informações prestadas pelas companhias o que pode começar a ser feito sem a necessidade de mudança legal ou regulatória. 2. Que melhorias deveriam ser implementadas no Formulário de Referência e nas Informações prestadas em Conselho ou Assembleia quanto a essas transações? A princípio, me parece se tratar mais de uma questão de aprimoramento da fiscalização da divulgação de informações e do rigor do regulador quanto à qualidade das informações prestadas pelas companhias do que de mudanças no Formulário de Referência, o qual parece ser adequado para a divulgação das TPRs pelas companhias. Nosso artigo de 2011, já mencionado nesta entrevista, revela que apenas uma ínfima minoria das companhias possui regras de identificação e administração de conflitos de interesses, com a imensa maioria simplesmente transcrevendo a legislação direta ou indiretamente. Já temos a obrigatoriedade de divulgação de tais transações e de política de gerenciamento de conflitos por meio do Formulário de Referência. Contudo, nosso estudo mostra que as companhias simplesmente não têm prestado as informações requeridas no Formulário de Referência com qualidade. Regulador e acionistas não se tornam mais informados quando a companhia simplesmente divulga que segue a legislação devida, já que isto não passa de mera obrigação para negociar seus valores no mercado acionário. Tal comportamento generalizado das companhias não parece ter tido qualquer consequência negativa até o momento por parte do regulador (ao questionar a companhia e exigir prestação de informação de qualidade) e dos investidores institucionais (os quais poderiam exigir melhores práticas ou se desfazer dos papéis de companhias que tratam com descaso exigências regulatórias sobre um tema tão relevante). 3. As TPRs foram tratadas no Parecer de Orientação n o 35 da CVM, tendo já ocorrido várias transações com essas diretrizes. Como você avalia as orientações do Parecer? Melhoraram a equidade das operações com partes relacionadas? O Parecer é importante para reforçar os deveres de diligência dos administradores. Entretanto, a forma escolhida para instrumentalizar as decisões e evitar conflitos pode apenas mascará-los e dificultar a sua identificação. A eficácia desses instrumentos foi investigada por mim na operação Tenda-Gafisa, um dos estudos de casos abordados em 8 Ver Projeto de Lei 6.962 de 2010 que pretende acrescentar ao art. 136 da Lei 6.404 de 1976, o inciso XI e o 5º a fim de estabelecer a obrigatoriedade da participação das Assembleias de Acionistas no conhecimento prévio de transações com partes relacionadas e nas operações que envolvam conflitos de interesses da companhia. O projeto foi devolvido sem manifestação pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) em 22/03/2012. 3

minha dissertação de mestrado defendida em 2011 na Direito GV/FGV-SP (no prelo). Nele, pude desvendar diversos descumprimentos da regulação vigente, que explicito aqui no que cabe ao comitê especial independente. Embora o Parecer de Orientação n o 35 da CVM seja importante por ressaltar a importância dos administradores agirem com diligência e lealdade à companhia que administram (art. 153, 154, 155 e 245 da Lei 6.404 de 1976) ao negociarem operação de fusão, incorporação ou incorporação de ações, os instrumentos nele previstos apresentaram problemas de fiscalização e enforcement no caso analisado. Dois mecanismos 9 alternativos são previstos no Parecer, mas apenas um deles parece ter sido escolhido pelos administradores/controladores até o momento 10 : a constituição de comitê especial independente. Ele pode ser composto de três maneiras: (i) exclusivamente por administradores, em sua maioria independentes; (ii) por não-administradores, todos independentes e com notória capacidade técnica 11 ; ou (iii) por um administrador escolhido pela maioria do conselho; um conselheiro eleito pelos acionistas não-controladores; e um terceiro, administrador ou não, escolhido em conjunto pelos outros dois membros. Investiguei o caso da operação Tenda-Gafisa (de 2008) que, dentre outros problemas de descumprimento da regulação, revelou questões importantes quanto à efetividade de um comitê especial constituído nos moldes do Parecer n o 35. Em 2009, uma das operações entre as companhias gerou a necessidade de conformidade a um dos dois mecanismos previstos no Parecer da CVM, tendo sido constituído comitê especial independente. Aparentemente, Tenda teria cumprido o requisito previsto no Parecer que sugere a contratação no comitê de assessores jurídicos e financeiros independentes em relação ao controlador. Contudo, a análise da composição desse comitê mostrou falta de independência. O referido comitê de Tenda teve como assessor financeiro o Banco Itaú BBA S.A., responsável pela coordenação da oferta de ações de Tenda no ano anterior e, portanto, com relacionamento prévio com os ex-controladores da companhia. Claramente o assessor financeiro não poderia ter sido considerado independente em decorrência do relacionamento prévio com o ex-controlador em nova operação na mesma companhia. 9 Segundo o Parecer de Orientação n o 35 da CVM, a companhia incorporada pode constituir comitê especial independente para negociar a operação e submeter suas recomendações ao conselho de administração; ou a operação pode ser condicionada à aprovação da maioria dos acionistas nãocontroladores, inclusive titulares de ações sem direito a voto ou de voto restrito. 10 Essa era, inclusive, a intenção da Tractebel Energia S.A. na consulta à CVM no Processo RJ 2009/13179. 11 O comitê só pode ser formado por não-administradores se estiver previsto no estatuto, para os fins do art. 160 da Lei 6.404 de 1976. 4

Quanto à independência dos membros do comitê especial, o Parecer da CVM ressalta que ela deve ser analisada caso a caso, presumindo como independente a pessoa que atenda à definição de conselheiro independente prevista no Regulamento do Novo Mercado da BM&FBovespa. Assim, parece que a CVM confia à Bolsa a verificação do cumprimento às regras de seu Regulamento, ao menos no que concerne a independência dos conselheiros. Infelizmente, quanto a essa verificação, o próprio estudo de caso da Tenda é um exemplo de que as regras de independência não são necessariamente cumpridas pelas companhias listadas nem seu cumprimento é verificado pela Bolsa. Isto porque o estudo de caso mostrou que o próprio ex-controlador de Tenda foi eleito novamente conselheiro após a operação com Gafisa com o predicado de independente, contrariando os requisitos do Regulamento do Novo Mercado. 12 Dessa forma, pude concluir neste estudo de caso que houve descumprimento pelas companhias do caráter de independência (de assessores e membros de comitê especial), o qual deveria ser fiscalizado pela CVM (no caso do comitê especial e de seus assessores) e pela BM&FBovespa (no caso de conselheiros independentes). 4. Como avalia o uso pela CVM de termos de compromisso para endereçar questões relacionadas ao conflito de interesses, ou dever de lealdade e diligência de administradores? É inegável o aumento da atuação da CVM no que se refere a Termos de Compromisso. 13 A média de acordos celebrados era de cinco por ano entre 1997 a 2005 e aumentou para 60 por ano de 2005 a 2009. Embora por um lado a celebração desse grande número de termos de compromisso possa ser positiva por resultar em alguns de milhões de reais para a autarquia 14, por outro é negativa, já que perde-se o caráter educativo-punitivo à ilicitude, uma vez que a assinatura do Termo pelo acusado suspende o procedimento administrativo instaurado para apuração das infrações, encerrando a questão sem configurar confissão ou reconhecimento de ilicitude da conduta. 12 Ver ata da assembleia geral extraordinária de 27/04/2009. 13 Os Termos de Compromisso são uma forma de solução consensual de litígios administrativos. O art. 11, 5º e 6º da Lei 6.385/1976 (com alterações de Lei 9.457/1997 e Decreto 3.995/2001) define que a CVM pode celebrar Termos de Compromisso para suspender, em qualquer fase, procedimento administrativo instaurado para apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos pela CVM e corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos. No entanto, a assinatura do Termo de Compromisso pelo investigado ou acusado não configura confissão ou reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. 14 Segundo o Jornal O Estado de São Paulo de 03/07/2010, a CVM chega a arrecadar por ano até R$ 50 milhões em Termos de Compromisso. 5

Além disso, o suposto caráter educativo que poderia existir no caso da punição pecuniária quando de celebração de Termo de Compromisso deixa de existir quando da proliferação de Seguros D&O (Directors&Officers). De forma inusitada, o número crescente de celebração de Termos de Compromisso pode resultar, na verdade, no fomento do mercado de Seguros e não em uma mudança de comportamento dos administradores. Acredito que, embora sejam úteis e aplicáveis em grande parte dos casos, os Termos de Compromisso não deveriam ser utilizados em casos emblemáticos e complexos. Neles, a investigação aprofundada com eventual punição tem maior potencial educativopunitivo dos atores do mercado. 5. Como entidades auto regulamentares, tais como a ANBIMA, a AMEC e o IBGC poderiam incentivar políticas endereçando a questão de conflito de interesses? O endereçamento da questão já foi feito. Falta agora exigir o cumprimento da regulação, da autorregulação e das melhores práticas previstas nos Códigos por parte do regulador, da BM&FBovespa, dos investidores (especialmente os fundos de investimento) e também de entidades auto regulamentares como a AMEC e o IBGC. O IBGC, por exemplo, em seu Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa considera existir conflito de interesses quando alguém não é independente em relação à matéria em discussão e pode influenciar ou tomar decisões motivadas por interesses distintos daqueles da organização. Entre outras recomendações importantes, o Código do IBGC recomenda que: as operações com demais partes relacionadas observem políticas definidas e sejam inequivocamente benéficas à organização; o conselho deve buscar condições iguais ou melhores que as de mercado, ajustadas pelos fatores de risco envolvidos nessas operações. Ainda ressalta que o conflito deva ser imediatamente comunicado, ocorrendo o afastamento da pessoa em conflito da matéria a ser deliberada, além da inclusão no estatuto social de mecanismos para resolução de conflito de interesses. Percebemos, assim, que não há falta de regras ou de recomendações. Há sim, falta de fiscalização de regras que as companhias devem cumprir devido à exigência legal e vinculação a contrato (no caso de listagem em níveis) por parte do regulador e da Bolsa. Falta ainda certa conscientização por parte dos investidores institucionais em relação à importância do tema. Enquanto a companhia investida cresce e apresenta lucros, não parece haver questionamento enérgico quanto às práticas de governança adotadas e ao tratamento dado aos conflitos de interesses. Os administradores das companhias (e seus controladores) começarão a se comportar diferentemente se os investidores de fato começarem a deixar mais claro a necessidade de boas práticas de governança, mostrando isso pelos seus atos: cada vez mais atenção à 6

prestação de informações das companhias e cada vez mais exemplos de desinvestimento quando houver má prática. 7