Construção de uma residência sobre grande bloco de rocha Barata, F. E. Escola Politécnica da UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, mcbarata@globo.com Pereira Pinto, C. CEFET RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, cppinto@terra.com.br Resumo: O trabalho descreve os aspectos que nortearam a execução das fundações de uma residência familiar de dois pavimentos, numa encosta situada no Bairro do Jardim Botânico, na Cidade do Rio de Janeiro. O terreno apresenta algumas particularidades. Além de uma inclinação acentuada (cerca de 25º), grande parte da área onde a casa foi edificada é ocupada por um afloramento rochoso. Na verdade, trata-se de um grande bloco coluvionar, sobre o qual foram apoiadas quase todas as fundações da estrutura. Descrevem-se as avaliações do comportamento desse bloco e as técnicas empregadas para a execução das fundações, que exigiram cortes em rocha, aplicação de chumbadores, enchimentos, etc. Todo esse trabalho foi feito baseado num reconhecimento geológico-geotécnico da área e na observação das construções vizinhas. Não foram realizadas sondagens e ensaios específicos. Quanto à construção, foram empregados recursos técnicos relativamente simples, compatíveis com a disponibilidade do proprietário, sem prejuízo da segurança como um todo. Abstract: This paper describes the aspects concerning the foundations of a two-story house located on a hill in Jardim Botânico, Rio de Janeiro. The terrain presents some particularities. Besides a strong inclination (about 25º), most of the area where the house was built is occupied by rock. In fact, it is a large coluvionar block. Over this block all the foundations were constructed. This report presents the evaluation of the behavior of such block and the techniques applied to build the foundation, which demanded rock excavations, use of bolts and concrete backfill. This work was based on geological-geothecnical exploration and observation of the neighboring constructions. Borings and specific tests were not performed. Simple methods were applied in the construction, considering the financial availability of the owner, but preserving the security as a whole. IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 713
1. INTRODUÇÃO Muito freqüentemente, as construções de residências, prédios e edifícios ficam fortemente condicionadas às condições geotécnicas do terreno, por exigirem contenções e/ou fundações especiais, que podem apresentar um custo elevado, às vezes incompatível com o empreendimento. Em resi-dências familiares, essa condicionante torna-se ainda mais crítica, pois nem sempre o proprietário dispõe de recursos para realizar a obra. Nesses casos o envolvimento de um especialista costuma ser determinante, na tomada de decisões quanto ao que fazer, desde a fase de reconhecimento do terreno até o detalhamento da obra. Em 1999, os autores participaram de um projeto de fundações de uma residência de 2 (dois) andares, localizada numa encosta na Cidade do Rio de Janeiro, no bairro do Jardim Botânico. O envolvimento ocorreu em função da existência de um grande bloco de rocha, justamente na área prevista para implantação da construção. O interessado foi a ÁREAS Engenharia, empresa responsável pela construção. Seria viável a construção? Que investigações, cuidados e medidas deveriam ser tomados? O custo das obras eventualmente necessárias seria compa-tível com o orçamento inicialmente previsto? Essas as questões que os autores depararam. Vale lembrar que, quando ocorreu a consulta, o terreno já havia sido adquirido pelo proprietário e já existia um projeto da construção. O trabalho apresenta as investigações realizadas e decisões tomadas. O projeto foi desenvolvido no sentido de minimizar intervenções, sem prejuízo da segurança da construção. 2. CARACTERÍSTICAS DO TERRENO As figuras 1 e 2 ilustram o terreno em planta e corte. O terreno, com 12 m de largura e 66 m de extensão, localiza-se a montante da Rua Joaquim Campos Porto e a jusante da Rua Sara Vilela. Destacam-se a existência de diversos blocos de rocha (gnaisse) e um córrego canalizado, que corta o terreno transver-salmente. Figura 1 planta geral A inclinação do terreno era da ordem de 15º, na parte inferior, e de 25º, aproximadamente, na parte superior. Os blocos, em número de oito, apresentavam-se sãos e estáveis. Não havia evidências de movimentações recentes ou iminência de futuros movimentos. Isso decorria do fato de os blocos terem, em sua maioria, grande parte de sua massa embutida no terreno, ou seja, estavam bem encaixados. Também não apresentavam trincas, fissuras nem superfícies angulosas. A princípio, julgou-se tratar-se de blocos residuais, porém, ao examinar a encosta como 714 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA
Figura 2 perfil do terreno, na área da construção um todo, concluiu-se que esses blocos eram provavelmente coluvionares, muito embora não aparentassem essa condição quanto à origem. Acrescente-se o fato de não existir, em área próxima, uma escarpa rochosa a montante. A figura 3 mostra uma vista frontal dos blocos 1 e 2, sendo este o maior de todos. A figura 4 ilustra os blocos 5 e 6, que ocupam parte do terreno vizinho, onde já havia uma construção. A inspeção do terreno e áreas vizinhas permitiu concluir que não havia riscos de movimentações em torno da área a ser construída. Além de não apresentar massas instáveis, o terreno encontrava-se com boa cobertura vegetal. Quanto ao córrego, havia água permanente, pois tratava-se de uma drenagem das águas que descem por um talvegue existente a montante da rua Sara Vilela. Sua seção era de 2,2 m de largura por 20 cm de profundidade. A posição dos blocos e suas dimensões, bem como a do córrego, foram obtidas por levantamento topográfico. Figura 3 vista frontal dos blocos 1 e 2 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 715
Figura 4 Vista dos blocos 5 e 6, existentes a montante do bloco 2 3. FUNDAÇÕES De acordo com o projeto da residência, a maior parte dos pilares veio a ficar sobre o bloco 2. Dessa forma, esse bloco, devido às suas dimensões, forma, massa e rigidez, atuaria como uma única fundação, de modo semelhante a uma sapata associada, que recebe a carga de diversos pilares. No caso, a carga total a ser transmitida era da ordem de 4.000 kn. Um dos aspectos analisados dizia respeito à segurança dessa solução, ou seja, se o bloco, como fundação de toda a construção, ofereceria segurança satisfatória em relação à ruptura e se a magnitude dos recalques devidos ao peso da construção seria compatível com a estrutura projetada. Conforme já comentado, o bloco encontrava-se bem encaixado no terreno, não oferecendo riscos de deslocamentos, mesmo considerando o acréscimo de carga devido aos pilares. Não havia certeza quanto ao material subjacente ao bloco, que poderia ser um solo residual ou o próprio embasamento rochoso. A julgar pelas características observadas no reconhecimento de superfície, o substrato deve apresentar boas condições de apoio para fundações superficiais. Decidiu-se dispensar as sondagens, pois teriam um custo elevado. No caso, seria necessária a execução de pelo menos 2 (duas) sondagens rotativas, com vários metros de profundidade. Estimou-se para o bloco em questão um volume da ordem de 520 m 3, o que correspondia a um peso aproximado de 15.000 kn, admitindo-se um peso específico de 28 kn/m 3. Como a área de contato é da ordem de 80 m 2, tem-se uma pressão média transmitida ao terreno de 180 kn/m 2. O acréscimo de pressão, devido ao peso de 4.000 kn da construção, representa um valor de 50 kn/m 2, considerado perfeitamente compatível com as características do terreno. A verificação de recalques compreendeu uma estimativa de recalque imediato, admitindo-se duas possíveis situações: bloco assente sobre solo residual, com espessura de 2 m, e bloco assente diretamente sobre o maciço rochoso. Na primeira hipótese, ter-se-ia um recalque da ordem de 7 mm, valor de pequena magnitude, que não representa qualquer problema para a estrutura. Na segunda hipótese, o recalque, obviamente, seria desprezível. Para o projeto e execução das fundações (sapatas), foram definidos os seguintes parâmetros: Pressão admissível: 2.000 kpa; Largura mínima das sapatas: 50 cm; Profundidade mínima: 10 cm; Emprego de chumbadores para os pilares que ficassem sobre superfície muito inclinada 716 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA
Figura 5 detalhes construtivos das sapatas As figuras 6 e 7 ilustram a parte inferior da residência, em construção, destacando-se o apoio dos pilares na rocha. Onde foram empregados chumbadores, as sapatas ficaram parcialmente projetadas acima da superfície do bloco. Complementando a execução das fundações, recomendou-se a obturação do terreno que circunda o grande bloco, por meio do lançamento de concreto ciclópico, evitando-se assim a infiltração de água na região de contato do bloco com o terreno. A figura 8 mostra uma vista frontal da residência já praticamente concluída. A figura 9 mostra a residência na condição atual, em maio de 2005. Figura 8 vista frontal da construção, já pratica-mente concluída (ano 2000) Figura 6 vista inferior da construção Figura 7 vista inferior Figura 9 vista frontal da construção, maio de 2005 As figuras 10, 11 e 12 ilustram a residência pronta, em maio de 2005. IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 717
Figura 10 vista da parte inferior da residência, com pilares apoiados sobre rocha O córrego teve sua seção hidráulica ampliada, por meio do alteamento de 30 cm nas laterais. Esse cuidado objetivava diminuir o risco da água transbordar e atingir a residência por ocasião de uma chuva mais forte. Para os blocos de rocha recomendou-se uma proteção com concreto ciclópico, aplicado em sua base, no contato no terreno, para protegêlos de uma eventual erosão. O concreto seria aplicado em eventuais espaços vazios, a serem identificados após a limpeza do terreno (figura 13). Recomendou-se também a plantação de árvores e arbustos a montante do córrego, como proteção (obstáculo) adicional contra eventual movimentação de algum bloco de rocha situado na região superior do terreno. Figura 11 vista do andar térreo, em maio de 2005. Figura 13 proteção dos blocos de rocha 5. CONCLUSÕES Figura 12 vista do córrego, junto ao bloco 5 e sob o deck construído no andar térreo 4. ENCOSTA A MONTANTE Os cuidados com o terreno, a montante da construção restringiram-se ao córrego canalizado e aos demais blocos de rocha. O trabalho apresenta os principais aspectos referentes à construção de uma residência apoiada sobre um grande bloco de rocha. Tratava-se de um caso bastante inusitado de construção em terreno de encosta natural. Na região da Guanabara, ocorrem com freqüência encostas de morros apresentando muitos matacões e blocos à superfície do talude. Os blocos, muitas vezes arredondados, podem ter grandes dimensões (10 m até 30 m de diâmetro médio). Isso ocorre, por exemplo, na Estrada Grajaú-Jacarepaguá, nas encos-tas em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas (face voltada para o Norte), Morro do Engenho Novo, etc. 718 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA
Mas dificilmente ocorre o caso, como o presente, em que uma residência, de porte razoável, é construída sobre um bloco desses. Os autores visitaram agora (maio de 2005) a residência a que se refere este trabalho e tiveram a melhor das impressões técnicas e estéticas. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT (1996) NBR 6122. Projeto e execução de fundações. Rio de Janeiro. Barata, F.E (1986). Propriedades mecânicas dos solos. Livros Técnicos Editora, Rio de Janeiro. Bowles J. B. (1988) Foundations. Analysis and Design. Mc Graw Hill, New York, 1004 p. IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA 719
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