A Influência do Gênero nas Características E Gravidade do Trauma

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ORIGINAL RESEARCH A Influência do Gênero nas Características 10.5005/jp-journals-10030-1115 E Gravidade do Trauma A Influência do Gênero nas Características E Gravidade do Trauma 1 Alina Yukie Handa, 2 Cristiane de Alencar Domingues, 3 Lilia de Souza Nogueira RESUMEN Embora a literatura mostre resultados cada vez mais sugestivos de que as mulheres traumatizadas apresentem melhores desfechos em relação aos homens, algumas conclusões ainda são inconsistentes. Este estudo comparou os sexos (masculino/ feminino) segundo características e gravidade do trauma e identificou a influência desta variável na mortalidade. Trata-se de um estudo retrospectivo, quantitativo, das vítimas de trauma atendidas em um hospital terciário localizado em São Paulo, Brasil, entre janeiro/2006 e dezembro/2010. Os testes Qui- Quadrado de Pearson, Mann-Whitney, t-student e regressão logística múltipla foram aplicados no tratamento dos dados, considerando-se um nível de significância de 5%. A casuística foi composta por 2.380 pacientes, a maioria masculina (79,70%), com idade média de 39,93 anos (DP = 17,81). A causa externa mais frequente foi pedestre traumatizado (24,54%). Atendimento pré-hospitalar foi recebido pela maioria das vítimas (91,22%) e 50,21% dos pacientes foram admitidos na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A taxa de mortalidade hospitalar foi de 16,43%. Diferenças significativas entre os grupos (masculino e feminino) ocorreram em relação ao tipo de trauma, causa externa, admissão na UTI, injury severity score (iss), new injury severity score (NISS), revised trauma score (RTS) e idade. As variáveis NISS, idade e número de regiões corpóreas acometidas foram fatores de risco para mortalidade hospitalar das vítimas de trauma e o tempo de permanência hospitalar foi considerado fator de proteção para este desfecho. O sexo, variável de interesse do estudo, não foi preditor de mortalidade nesta casuística. Como conclusão, variáveis relacionadas às características e gravidade do trauma, além da idade, diferiram entre os sexos e o gênero não foi considerado fator de risco para mortalidade nesta população. Palavras chave: Estudo comparativo, Ferimentos e lesões, Mortalidade, Sexo. How to cite this article: Handa YA, de Alencar Domingues C, de Souza Nogueira L. A Influência do Gênero nas Características E Gravidade do Trauma. Panam J Trauma Crit Care Emerg Surg 2015;4(2):43-47. 1 Nursing Student, 2 National Coordinator, 3 Professor 1,3 Nursing School of University of São Paulo, São Paulo, Brazil 2 Brazilian Committee on Trauma, Brazil Corresponding Author: Alina Yukie Handa, Nursing School of University of São Paulo, São Paulo, Brazil, e-mail: alinayukiehanda@gmail.com Source of support: Nil Conflict of interest: None ABSTRACT Although the literature shows results increasingly suggestive that women traumatized present better outcomes compared to men, some conclusions are still inconsistent. This study compared the gender (male/female) according to characteristics and severity of trauma and identified the influence of this variable in mortality. This is a retrospective, quantitative study of trauma victims treated at a tertiary hospital in São Paulo, Brazil, between January/2006 and December/2010. The Pearson Chi-square, Mann-Whitney and t-student tests, and multiple logistic regression were applied to the processing of data, considering a 5% significance level. The casuistic consisted of 2,380 patients, mostly male (79.70%) with a mean age of 39.93 years (SD = 17.81). The most frequent external cause was injured pedestrians (24.54%). Prehospital care was received by the majority of victims (91.22%) and 50.21% of patients were admitted to the intensive care unit (ICU). The hospital mortality rate was 16.43%. Significant differences between groups (male and female) occurred in the type of trauma, external cause, ICU admission, injury severity score (ISS), new injury severity score (NISS), revised trauma score (RTS) and age. The variables NISS, age and number of body region injured were risk factors for hospital mortality of trauma victims and the length of hospital stay was considered protective factor in the outcome. The gender, variable of interest of the study, was not a predictor of mortality in this study. In conclusion, variables related to the characteristics and severity of trauma, as well as age, differed between males and females and gender was not considered a risk factor for mortality in this population. Keywords: Comparative study, Gender, Mortality, Wounds and injuries. INTRODUCCIÓN A Organização Mundial da Saúde, por meio de dados da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), 1 reconhece os acidentes e violências como causas externas, consideradas problemas de saúde pública e sinalizadas como a grande epidemia do século XXI. Em relação ao gênero, as estatísticas mostram que, de janeiro a agosto de 2013, do número total de internações por causas externas no Brasil, 70% foram do sexo masculino. 2 Neste sentido, alguns estudos têm demonstrado que homens e mulheres apresentam diferentes respostas Note: Paper presented in General Research Competition at the annual congress of Panamerican Trauma Society, Panama City, Panama, November 2015. Panamerican Journal of Trauma, Critical Care & Emergency Surgery, May-August 2015;4(2):43-47 43

Alina Yukie Handa et al Tabla 1: Fatores de risco para mortalidade hospitalar de vítimas de trauma. São Paulo, Brasil, 2006 to 2010 Variável β Exp (β) IC 95% (Exp β) p VIF Gênero Ref: feminino 0,31 1,37 0,95-2,00 0,099 - Idade 0,03 1,03 1,02-1,04 <0,001 1,14 Tempo de permanência hospitalar 0,10 0,90 0,88-0,92 <0,001 1,48 Número de regiões corpóreas acometidas 0,41 1,50 1,32-1,70 <0,001 1,12 NISS 0,12 1,13 1,11-1,15 <0,001 1,19 frente às lesões traumáticas. 3,4 Pesquisa retrospectiva que analisou 612 vítimas de trauma revelou que os homens, entre 15 e 45 anos, apresentaram significativamente maior incidência de falência múltipla de órgãos, maior tempo de internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e no hospital, além de menor taxa de sobrevida em relação às mulheres da mesma faixa etária. Nas vítimas com idade superior a 45 anos, essas diferenças não foram encontradas. 3 Outra investigação analisou retrospectivamente 6.763 vítimas de trauma na Austrália e identificou que os homens foram mais gravemente feridos do que as mulheres e tiveram maior tempo de permanência no hospital. Não houve diferença entre os sexos em relação à mortalidade. 4 Na tentativa de esclarecer estas diferenças entre os gêneros feminino e masculino e a possível influência protetora do hormônio estrogênio, foi realizada uma pesquisa que estratificou os pacientes de acordo com a idade reprodutiva da mulher, considerando a fases de pré e pós menopausa (< 48 e > 52 anos) e comparou homens e mulheres, vítimas de trauma que apresentaram choque hemorrágico. Os resultados evidenciaram que o sexo feminino apresentou valores significativamente menores de taxa de infecção nosocomial e falência múltipla dos órgãos do que o masculino, tanto no período pré quanto pós menopausa, mostrando que os hormônios femininos não exercem influência sobre estas diferenças. 5 Embora a literatura mostre resultados cada vez mais sugestivos de que mulheres apresentam melhores desfechos em relação aos homens após eventos traumáticos, algumas conclusões ainda são inconsistentes perante as diferentes variáveis analisadas e as limitações dos estudos. Neste contexto de indagações e considerando a escassez de pesquisas sobre o tema no Brasil, propõe-se a realização desta pesquisa, cujos resultados contribuirão para fundamentar a prática clínica da equipe que presta assistência ao traumatizado, bem como elaborar estratégias de prevenção. OBJETIVOS Verificar a associação entre o gênero e as características do trauma e gravidade das lesões, além de identificar a influência desta variável na mortalidade das vítimas. MÉTODOS Trata-se de um estudo retrospectivo, com abordagem quantitativa das vítimas de trauma atendidas em um hospital terciário localizado na cidade de São Paulo, centro de referência para o atendimento ao traumatizado, entre o período de janeiro de 2006 a dezembro de 2010. Os critérios de inclusão dos pacientes foram: idade igual ou superior a 14 anos, ser vítima de trauma do tipo contuso ou penetrante (V01 V89 do Capítulo XX da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CID 10) 1 e ser admitido no hospital nas primeiras 24 horas do evento traumático. Os pacientes transferidos de outros hospitais foram excluídos da casuística. Neste estudo, a variável independente analisada foi o gênero (masculino ou feminino). As variáveis dependentes abordadas foram idade, causa externa segundo o capítulo XX da CID-10, tipo de trauma, tipo de atendimento pré-hospitalar, injury severity score (ISS), 6 new injury severity score (NISS), 7 revised trauma score (RTS), 8 trauma and injury severity score (TRISS), 9 número de regiões corpóreas acometidas, tempo de permanência hospitalar, admissão na UTI e condição de saída hospitalar. Na comparação dos grupos (homens e mulheres) em relação às variáveis nominais, foi utilizado o Teste Qui- Quadrado de Pearson. Quanto às variáveis quantitativas discretas e contínuas, a comparação dos grupos foi feita pelos Testes de Mann-Whitney ou t-student, conforme o tipo de distribuição identificada pela análise de Kolmogorov-Smirnov (normal ou não-normal). A regressão logística múltipla foi utilizada para identificar os fatores associados à mortalidade, sendo o gênero considerado variável de interesse. O fator de inflação da variância (VIF) foi aplicado para detectar a possibilidade de multicolinearidade do modelo final. O nível de significância adotado em todas as análises foi de 5%. RESULTADOS A casuística foi composta por 2.380 pacientes, a maioria do sexo masculino (79,70%), com idade média de 39,93 anos (DP = 17,81), vítimas de trauma contuso (88,23%). A causa externa mais frequente foi pedestre traumatizado (24,54%), seguida por quedas (19,87%) e mototociclistas 44

(17,27%). Atendimento pré-hospitalar foi recebido pela maioria das vítimas (91,22%) e um total de 1.195 pacientes (50,21%) foi admitido na UTI. A taxa de mortalidade hospitalar foi de 16,43%. Diferenças significativas entre os grupos ocorreram em relação ao tipo de trauma (p = 0,009), causa externa (p < 0,001), tipo de atendimento pré-hospitalar (p = 0,004), admissão na Unidade de Terapia Intensiva (p = 0,003), ISS (p = 0,019), NISS (p = 0,015), RTS (0,002) e idade (p < 0,001). Observa-se na Tabla 1 que as variáveis idade, número de regiões corpóreas acometidas e NISS foram fatores de risco para mortalidade hospitalar das vítimas de trauma e o tempo de permanência hospitalar foi considerado fator de proteção para este desfecho. O acréscimo de um ano de vida, uma região corpórea acometida ou um ponto do NISS aumentou a chance de óbito das vítimas em 3%, 50% e 13%, respectivamente. Além disso, a cada dia de internação hospitalar diminuiu a chance de morrer em 10%. O gênero, variável de interesse deste estudo, não foi fator preditivo de mortalidade na população. Os valores do VIF encontrados demonstram que não houve indicação de colinearidade entre as variáveis que permaneceram no modelo final. CONCLUSÕES Variáveis relacionadas às características e gravidade do trauma, além da idade, diferiram entre os sexos masculino e feminino e o gênero não foi considerado fator de risco para mortalidade nesta população. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. CID -10 Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Causas externas de morbidade e de mortalidade [texto na Internet]. Brasília; 2014 [citado 2014 jan 10]. Disponível em: Available at: http://www.datasus.gov.br/ cid10/v2008/cid10.htm 2. Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de saúde. Estatísticas de morbidade. Morbidade hospitalar por causas externas no Brasil [texto na Internet]. Brasília; 2014 [citado 2014 jan 10]. Disponível em: Available at: http://tabnet. datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/fiuf.def 3. Mostafa G, Huynh T, Sing RF, et al. Gender-related outcomes in trauma. J Trauma 2002;53(3):430-435. 4. Mitchell R, Curtis K, Fisher M. Understanding Trauma as a Men s Health Issue: sex differences in traumatic injury presentations at a level 1 trauma center in Australia. J Trauma Nurs 2012;19(2):80-88. 5. Sperry JL, Nathens AB, Frankel HL, et al. Characterization of the gender dimorphism after injury and hemorrhagic shock: Are hormonal differences responsible? Crit Care Med 2008; 36(6):1838-1845. 6. Baker SP, et al. The injury severity score: a method for describing patients with multiple injuries and evaluating emergency care. J Trauma 1974;14(3):187-196. 7. Osler T, Baker SP, Long W. A modification of the injury severity score that both improves accuracy and simplifies scoring. J Trauma 1997;43(6)922-925. 8. Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, et al. A revision of the trauma score. J Trauma 1989;29(5):623-629. 9. Boyd CR, Tolson MA, Copes WS. Evaluating Trauma Care: The TRISS Method. J Trauma 1987;27(4):370-378. Panamerican Journal of Trauma, Critical Care & Emergency Surgery, May-August 2015;4(2):43-47 45

Alina Yukie Handa et al INVITED COMMENTARY O presente estudo realizado por Handa et al apresenta uma proposta interessante abordando a influência do gênero nas características e gravidade do trauma causado por causa externas. O tema foi bem desenvolvido e problematizado na introdução demonstrando a importância em analisar essas questões quando estuda-se o trauma como uma doença. A redação é coerente e adequada tendo o objetivo uma boa relação com a problemática abordada na introdução. Entretanto faz-se necessário e importante discutir alguns aspectos apresentados no presente manuscrito. O método estatístico utilizado no estudo foi adequado para esse tipo de análise. Entretanto ao considerar como critério de inclusão trauma admitido no hospital nas primeiras 24 horas após o evento traumático, ao meu ver, os autores possibilitaram que traumatismos menos graves fossem incluídos tornando a amostra pouco representativa em relação a ocorrência de traumas de maior gravidade. Sabe-se que a grande maioria das lesões que colocam a vida do paciente em risco acontecem, habitualmente, nas primeiras horas após o evento traumático. Os resultados encontrados pelos autores foram interessantes, porém foram apresentados de maneira confusa dificultando uma análise mais pormenorizada dos mesmos pelo leitor. Além disso, acredito que a leitura seria mais proveitosa se os autores provessem uma tabla com resultados de ambos os grupos de gênero estudados (masculino e feminino) permitindo ao leitor compreender, mais facilmente, os resultados relatados. A ausência do tópico discussão, momento em que os autores devem discutir e levantar hipóteses sobre os resultados obtidos, além de analisá-los face aos outros estudos já realizados, dificulta a compreensão da importância dessa temática. Considerando a conclusão desse manuscrito e os demais estudos relacionados na introdução pode-se perceber que a questão do gênero como fator de risco para mortalidade no trauma de causas externas ainda é controverso e deve merecer novos estudos para uma melhor avaliação dessa influência. Sizenando Starling Hospital Surgeon John XXIII Hospital of the State of Minas Gerais Foundation (FHEMIG) Trauma Surgery Coordinator Lifecenter Hospital, Brazil 46

INVITED COMMENTARY The present study published by Handa et al. shows an interesting approach of the influence of gender on the characteristics and severity of trauma by external causes. The theme is well developed and discussed in the introduction, showing the importance of analyzing these questions when trauma is studied as a disease. The writing is coherent and satisfactory. The aim has a good relation with the problem discussed in the introduction. However it is necessary to discuss some aspects of the manuscript. The statistical method used in the study was appropriate for this type of analysis. However, when the authors considered trauma admitted within the hospital in the first 24 hours after the traumatic event as an inclusion criterion, they created a possibility that less severe trauma was included, making the sample less representative in relation to the occurrence of more severe traumas. It is known that the major injuries that put the patient s life at risk, most of the time, occur in the first hours after the traumatic event. The results found by the study were interesting, but they were presented in a confusing way making it difficult to do a more detailed analysis. In addition, the reading would be more advantageous if the authors provided a table with results of both genders (men and women) allowing the reader to understand, more easily, the results presented. The absence of the discussion section, where the authors may discuss and analyze the results found from other studies of similar themes, makes the understanding of the importance of this issue more difficult. Considering the conclusion of this manuscript and the others studies mentioned in the introduction, it is noticed that the topic of gender as a risk factor for mortality in trauma by external causes is controversial and deserves further research for a better evaluation of its influence. Sizenando Starling Hospital Surgeon John XXIII Hospital of the State of Minas Gerais Foundation (FHEMIG) Trauma Surgery Coordinator Lifecenter Hospital, Brazil Panamerican Journal of Trauma, Critical Care & Emergency Surgery, May-August 2015;4(2):43-47 47