Palavras-chave: teatro de rua; território; ressignificação.

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Transcrição:

TEIXEIRA, Adailtom Alves. Teatro de rua e território: entrelaçamentos. Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNESP. Professor de Teatro na Universidade Federal de Rondônia. Resumo Tomando as definições do teatro de rua e do território, buscamos suas aproximações estéticas, procurando tornar claro de que maneira um influencia o outro, isto é, como o território interfere na criação do espetáculo e na apresentação cênica e como a ocupação teatral ressignifica o próprio território. Palavras-chave: teatro de rua; território; ressignificação. Abstract Taking the definitions of street theater and territory, seek their aesthetic approaches, seeking to make clear how one influences the other, ie, as the territory interferes with the creation of the show and scenic presentation and how the theatrical occupation resignifies own territory. Keywords: street theater; territory; resignify. Cada vez mais a mundialização econômica dota os espaços das cidades contemporâneas de novos significados e valores, solicitando de pesquisadores, artistas, gestores públicos e demais agentes, uma reflexão acerca do(a)s mesmo(a)s. É nesse sentido que se insere este texto, no qual se busca discutir as questões territoriais e o teatro de rua. Primeiro passando por suas definições, para, depois, demonstrar seu entrelaçamento. Segundo o geografo Milton Santos, na obra Metamorfoses do espaço habitado, O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável, de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento (2008b: 28). Assim, o espaço é também histórico, pois se modifica conforme o movimento da sociedade que o anima, sendo a somatória da paisagem, do território e da sociedade. Esses elementos, contidos no espaço, estão em constante relação (SANTOS, 2008a).

Por isso mesmo, são variáveis, isto é, modificam-se conforme o movimento da história. Dessa forma, o espaço é totalidade e está sempre em constante transformação. Na medida em que os meios técnicos e científicos se alteram, isto é, se a ciência se desenvolve e possibilita a criação de novas ferramentas, de novas técnicas, entre outros elementos, modifica-se também o espaço, porque este é produzido pelo conjunto de sujeitos sociais. Dessa forma, homens e mulheres, conforme os meios disponíveis, agem sobre o espaço, transformando-o de acordo com as circunstâncias. Assim, (...) a posição relativa de cada lugar é dada, em grande parte, em função das técnicas de que é portador o respectivo meio de trabalho (SANTOS, 2008c: 58-9). Por isso, na concepção de Santos, os espaços têm valores diferenciados conforme as técnicas e os meios científicos de que dispõem. De forma rápida e em escala macro, é possível ilustrar tal conceito com os considerados países desenvolvidos e os em desenvolvimento. O mesmo vale para escalas menores, como um bairro popular quase sem infraestrutura comparado a um bairro destinado às classes mais abastadas, com toda infraestrutura necessária. Quanto ao significado de território sempre esteve ligado a certo limite e ao terror, isto é, diz respeito a certa delimitação e à coerção empregada para manter esses limites (HAESBERT, 2006). Com o tempo essa significação foi ganhando novas conotações, daí designarmos território a uma determinada região, um bairro, certo lugar ou mesmo o pedaço. Este último tem seus limites fluídos e é mantido também por uma rede de relações, fazendo do pedaço, em certa medida, móvel, pois determinadas atitudes e relações podem ser transpostas para outro lugar. Se território diz respeito a limites, a territorialização ocorre quando há apropriação simbólica e política do mesmo, isto é, a territorialização ocorre quando grupos sociais ou sujeitos apropriam-se de determinado território, em determinado tempo-espaço, criam significação, afetividade ou enraizamento social. Em sendo este um campo das ações dos diversos poderes, portanto, político por definição, a territorialização se dá por meio de disputas. Em outro momento já defini teatro de rua como uma manifestação artística que utiliza o corpo e o discurso em espaço aberto a serviço do estético, apropriando-se ou não da paisagem como cenário, permitindo, assim, a fruição ao público passante (TEIXEIRA, 2012). Evidente que, se toda prática humana está relacionado a uma ética e a um posicionamento político, os teatreiros não estão isentos dessa premissa. Logo, esse discurso e esse corpo são estéticos, éticos e políticos.

Para aproximar o teatro de rua do território, é importante saber que, se os territórios são dotados de valores, logo, as pessoas que o ocupam também carregam consigo esses valores. Por isso mesmo, o artista que opta pelo espaço da rua sabe que sua arte, em relação aos valores hegemônicos, é tida como menor. Ora, os próprios sujeitos, fruto de seu tempo histórico, carregam consigo os valores de seu tempo e de seu território, consciente ou inconscientemente. Essa é a primeira forma de relação do teatro de rua com o território, isto é, os praticantes se relacionam com sua arte e com o mundo a partir de determinadas referências, dentre as quais o contexto no qual se inserem. É possível afirmar, assim, que há uma corpografia, resultado da história do sujeito e do território que ocupa. No entanto, para o teatro de rua, o território é também fonte de inspiração, cenário, palco para trocas simbólicas e espaço de disputa do imaginário. Aqui caberia certo desdobramento que, devido ao curto espaço de discussão, não será possível aprofundar. Mas, cabe lembrar que o teatro de rua é uma interferência no espaço e uma apropriação territorial, ainda que breve, e possibilita aos sujeitos a apropriação simbólica de um território. Cabe destacar ainda que a carga semântica do lugar apropriado pelos teatreiros adentra o espetáculo, daí o cuidado que deve haver nessa relação, afinal uma igreja difere e muito de um banco, um fórum difere de um museu e assim sucessivamente. Se tomarmos a ideia de paisagem como cenário do espetáculo, na qual a carga semântica do lugar apropriado passa a ser utilizado de maneira consciente, pode-se utilizar elementos históricos para desconstruir a própria história da cidade. No entanto, essa prática ainda é pouco utilizada pelos praticantes do teatro de rua brasileiro. Ora, em sendo o território um campo de forças que envolve obras e relações sociais (econômicas-políticas-culturais) historicamente determinadas (SAQUET, 2010), o espetáculo teatral, ao disputar o imaginário do espectador, disputa uma concepção de cidade, dando novo significado ao lugar da apresentação, sobretudo quando há afetividade envolvida. Dito de outra forma: se a territorialização só ocorre por meio de disputas, e se somos feitos pelo mundo enquanto o fazemos e em determinadas condições, os artistas, ao se colocarem em espaços públicos abertos com o seu teatro, criam novas possibilidades para o espectador, pois ressignificam o lugar da apresentação e, de forma conjunta com os mesmos, apropriam-se de um mesmo território por determinado tempo. Se para Certeau (2003) o caminhante, ao caminhar, apropria-se da cidade e recria as regras impostas e se o território é fonte de

identificação, pois cria carga afetiva nos sujeitos, o teatro de rua ao ressignificar os lugares em que se coloca cria novas relações espaciais e sociais, ligando realidade e imaginação. Para ilustrar como ocorre essa modificação, tomemos como exemplo um transeunte que presencia um espetáculo em uma praça pela qual passa todos os dias. Ora, o grupo de pessoas que assiste ao espetáculo, juntamente com os artistas, modifica a paisagem. Logo, essa imagem se forma na mente do transeunte, alimentando seu imaginário, pois parte da cidade, naquele instante, foi reconfigurada. Ao parar para assistir ao espetáculo torna-se parte dessa ressignificação e também um espectador da obra. Se a relação com o espetáculo for prazerosa, também haverá afetividade envolvida. Provavelmente, ao voltar ao mesmo local, a imagem da roda, ou seja lá qual for a distribuição cênica utilizada pelo grupo teatral, voltará à sua mente. O mesmo ocorre quando um circo é desmontado em determinado lugar, modificando a paisagem. Em tese, do ponto de vista físico, a paisagem volta a ser o que era, embora, subjetivamente, ela tenha sido modificada duas vezes: com a chegada do circo e com sua partida. Isso ocorre porque não olhamos apenas a coisa em si, mas a relação entre as coisas e nós mesmos. (BERGER, s/d.). Dessa forma, o teatro de rua, ao entrelaçar-se com o território, cria fissuras nos espaços públicos abertos ao transformar um local de passagem em um espaço de trocas simbólicas, e o passante em um assistente da obra teatral, criando a territorialização. Assim, é uma arte que pode fortalecer os laços identitários dos cidadãos com sua cidade e com seus diversos pedaços e territórios, pois, a partir desse encontro, transeuntes podem lançar novos olhares sobre a paisagem, vendo-se nela, desvendando-a e sendo desvendados por ela. O teatro de rua, portanto, apropria-se dos lugares, cria espaços de encontro, alimenta a imaginação do espectador e disputa seu imaginário em relação às formas hegemônicas de arte, além de propiciar o lazer e a reflexão, em geral, numa relação horizontal. Em tempos de medo, de isolamento, de falta de afetividade e de mercantilização da arte e da vida, ocupar o espaço público aberto com arte é demonstrar que é possível criar novas relações com os territórios da cidade e entre os cidadãos, e criar possibilidades da arte para além do mercado. Bibliografia BERGER, John. Modos de ver. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, s/d.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. 9ª ed. Petrópolis: Vozes, 2003. HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. SANTOS, Milton. Espaço e método. 5ª ed. São Paulo: Edusp, 2008a.. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. 6ª ed. São Paulo: Edusp, 2008b.. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional. 5ª ed. São Paulo: Edusp, 2008c. SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções de território. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. TEIXEIRA, Adailtom Alves. Identidade e território como norte do processo de criação teatral de rua: Buraco d`oráculo e Pombas Urbanas nos limites da zona leste de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo: Instituto de Artes, UNESP, 2012. 190 f.