ENSAIOS DE CARACTERIZAÇÃO LABORATORIAL DE SOLOS COM VISTA À SUA UTILIZAÇÃO EM ARQUITECTURA DE TERRA CRUA

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Transcrição:

ENSAIOS DE CARACTERIZAÇÃO LABORATORIAL DE SOLOS COM VISTA À SUA UTILIZAÇÃO EM ARQUITECTURA DE TERRA CRUA Teresa Santana e Paulina Faria Rodrigues Faculdade de Ciências e Tecnologia - Universidade Nova de Lisboa 2829-516 Caparica Tel.00351212948580, Fax.00351212948398 e-mail: mtgs@fct.unl.pt, mpr@fct.unl.pt Tema 4: Investigação, ensino e formação/capacitação/transferência Palavras-chave: solos, ensaios, caracterização Resumo Tendo em vista um maior conhecimento, a uniformização de procedimentos e a possibilidade de comparação de resultados da caracterização laboratorial efectuada em solos utilizados em arquitectura de terra crua, procedeu-se a uma compilação e à descrição dos ensaios de laboratório que se consideram mais significativos para a aplicação em causa. São disso exemplo os ensaios de identificação de solos - análise granulométrica e por sedimentação, limites de consistência, propriedades básicas de apoio - teor em água, peso volúmico das partículas sólidas - ensaio de compactação Proctor e resistência à compressão simples, não confinada. 1. Introdução As propriedades dos solos que mais condicionam o comportamento das estruturas de terra crua são as relacionadas com a sua própria constituição, nomeadamente no que se refere à fracção argilosa e à sua interferência no comportamento à água e na resisitência à compressão. Indo ao encontro do interesse demonstrado na caracterização de solos utilizados em arquitectura de terra crua, este artigo pretende indicar, de um modo genérico, os procedimentos a utilizar nos ensaios laboratoriais mais significativos, à luz dos métodos utilizados em Mecânica dos Solos e correspondentes normas e especificações. Trata-se de ensaios de simples realização, mas com procedimentos e cálculos que devem ser efectuados com rigor. Estes ensaios são realizados no Laboratório de Mecânica dos Solos do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL) ao nível da formação de licenciados em engenharia civil e em engenharia geológica [1], no apoio a investigação de pós-graduação e a investigação corrente. Neste sentido, são apresentados os ensaios de identificação de solos, análise granulométrica e limites de consistência, focando as técnicas de amostragem. Em seguida são referidas as propriedades básicas, determinação do teor em água e do peso volúmico das partículas sólidas. Finalmente a caracterização mecânica é traduzida pelos ensaios de compactação e de resistência à compressão simples não confinada. Uma vez que se trata de ensaios correntes e genericamente aceites pela comunidade internacional, far-se-á referência às especificações e normas dos diferentes ensaios, procurando incidir a atenção para a técnica de realização específica de cada ensaio e para as grandezas a medir, apresentando (vidé links em CD) os correspondentes boletins de ensaio.

2. Identificação de solos A identificação de uma amostra de solos engloba a análise granulométrica, conduzida segundo a Especificação E 196 1966 do LNEC [2], e a determinação dos limites de consistência, ensaio realizado segundo a NP 143 [3] (norma portuguesa definitiva). 2.1 Amostragem A recolha de amostras de solo está descrita na Especificação E 218 do LNEC [4], Prospecção Geotécnica de Terrenos. Colheita de amostras. A recolha de amostras remexidas de solo para ensaios de identificação é feita com pás, picaretas, enxadas, etc. e, mais em profundidade, com trados, manuais ou mecânicos. Na especificação referida são indicadas as quantidades de solo a recolher para a realização dos ensaios de laboratório, sendo essa quantidade função do tipo de solo e do ensaio a que se destina. As amostras recolhidas devem ser devidamente identificadas, de acordo com a sua natureza e respectivo local de colheita, e transportadas evitando perder qualquer material, especialmente finos [5]. Para garantir a representatividade das amostras, deve usar-se um repartidor, ou seja, as amostras, nas quantidades estritamente necessárias para os ensaios a realizar, devem manter as características do conjunto de onde foram retiradas. A técnica de preparação das amostras para os ensaios de identificação, tal como são recebidas do campo, é descrita na Especificação E 195 do LNEC [6]. 2.2 Análise granulométrica A análise granulométrica serve para definir a composição granulométrica de um solo, ou seja, determinar a distribuição, em percentagem, do peso total das partículas de uma amostra de um solo, de acordo com as suas dimensões. Após a preparação da amostra, faz-se passar uma porção de solo, de peso conhecido, por uma série normalizada de peneiros de malha (quadrada) de dimensões crescentes. O material retido num determinado peneiro representa a fracção do solo com dimensão superior à da malha desse peneiro, mas inferior à do peneiro precedente. Esse material é pesado para averiguar que percentagem representa do peso total da amostra, ou seja, as fracções retidas nos diversos peneiros são referidas ao peso total inicial. Em solos arenosos a peneiração é geralmente efectuada com o solo seco, enquanto em solos com maior fracção argilosa é realizada por via húmida. Esta análise pode ser efectuada com a mostra de solo no estado seco ou húmido. As análises granulométricas da fracção retida no peneiro de 2,00 mm (nº 10) e da fracção passada no mesmo peneiro, são efectuadas separadamente: para as partículas de maiores dimensões, maiores que 0,06 mm e menores que 2,00 mm, o método que se usa para a determinação da composição granulométrica é ainda o da peneiração; para as partículas de dimensões muito reduzidas, passadas no peneiro de 0,074 mm (nº 200), a análise granulométrica é, em regra, realizada por sedimentação. O processo de sedimentação consiste em misturar o solo com água destilada e, segundo a especificação LNEC E 196-1966 anteriormente referida, o ensaio é feito medindo a densidade do líquido em certos intervalos de tempo, segundo a lei de Stokes. A diferença de densidades medirá a quantidade de partículas que sedimentaram ao fim de um certo tempo t. Este método implica uma calibração prévia do densímetro com a proveta que irá ser utilizada. É ainda necessário que o solo esteja convenientemente desfloculado, isto é, que as partículas estejam separadas umas das outras, de forma a que possam cair livremente e individualmente. Caso tal não aconteça, os flocos sedimentarão muito mais depressa, falseando a distribuição granulométrica. A desfloculação ou dispersão consiste em remover os materiais de agregação (cimentos), o que é conseguido adicionando à 2

mistura solo-água determinados produtos químicos designados por antifloculantes (solução de hexametafosfato de sódio). O principal cimento a remover nos solos das regiões temperadas é a matéria orgânica. Quando haja carbonatos nos solos, estes actuam também como cimentos. Por outro lado, a lei de Stokes aplica-se a partículas esféricas. No entanto, muitas das partículas mais pequenas - precisamente aquelas cujas dimensões são determinadas usando o processo de sedimentação - têm uma forma muito diferente da esférica. Assim, o que acaba por ser determinado pelo processo da sedimentação não é verdadeiramente o diâmetro da partícula mas o diâmetro equivalente, ou seja, o diâmetro de uma esfera do mesmo material que a partícula e que sedimenta com a mesma velocidade desta. A análise granulométrica da fracção fina do solo pelo método de sedimentação, além de ser susceptível de erros mais ou menos apreciáveis, é muito pouco cómoda e extremamente morosa. É pois de saudar a divulgação recente de aparelhos (granulómetros) que por meio de técnicas usando raios laser, fornecem a composição granulométrica da fracção fina de forma muitíssimo mais rápida. Os resultados da análise granulométrica são registados no boletim de ensaio elaborado para o efeito, apresentando-se na fig. 1 exemplos de curvas granulométricas cumulativas, em que as dimensões das partículas (em mm) são representadas em abcissas, em escala logarítmica, enquanto as percentagens (em peso) de material com partículas inferiores a uma determinada dimensão surgem em ordenadas. Assim, um determinado valor da curva obtém-se da soma de todos os outros valores que lhe são inferiores. 100 % DE MATERIAL PASSADO 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0,001 0,01 0,1 1 10 100 MALHA DO PENEIRO (mm) Fig. 1 Curvas granulométricas de solos As curvas granulométricas permitem aferir a distribuição granulométrica das partículas constituintes do solo e se existe (ou não) predominância e homogeneidade entre elas. Por comparação com curvas granulométricas que limitem determinadas gamas, permitem avaliar a adequabilidade de determinado solo a um tipo de aplicação em construção em terra. 2.3 Limites de consistência A determinação destes limites é somente aplicável a solos com cerca de 30% ou mais, em peso, de partículas inferiores a 0,05 mm, excluindo-se, portanto, os solos predominantemente arenosos. Para a execução dos ensaios empregam-se pastas constituídas unicamente com a fracção que passa no peneiro nº 40 (0,42 mm) Uma porção de pasta de solo húmida é colocada na concha de Casagrande e é traçado um sulco com o riscador normalizado. Por meio de uma manivela, a concha sobe a uma altura de 1 cm e cai depois livremente sobre um bloco rígido. O solo encontra-se no limite de liquidez, quando são necessárias vinte e cinco pancadas para fechar o sulco. É 3

porém difícil ajustar a quantidade de água de amassadura, para que o sulco do riscador feche na extensão de 1 cm, precisamente ao fim de 25 pancadas. Por isso amassam-se quatro porções de solo com diferentes quantidades de água e determina-se na concha de Casagrande, o número de pancadas para as quais, em cada ensaio, os bordos se unem na extensão de 1 cm. De cada ensaio retira-se uma porção de solo, da região em que os bordos se uniram, determinando-se os respectivos teores em água, como indicado em 3.1. Estes resultados são registados no boletim de ensaio realizado para o efeito, dispondose, os pontos correspondentes aos ensaios efectuados, segundo uma recta, numa representação semi-logarítmica: em ordenadas os teores em água e em abcissas os logaritmos dos números de pancadas. A ordenada correspondente a 25 pancadas indica o teor em água que define o limite de liquidez (fig. 2). Fig. 2 Determinação do limite de liquidez O limite de plasticidade é o menor teor em água com que ainda é possível moldar um cilindro de solo de 3 mm de diâmetro, por rolagem entre a palma da mão e uma placa de vidro. Com uma pasta de solo húmido procura-se obter um filamento que rompa ao atingir 3 mm de diâmetro rolando entre a palma da mão e uma placa de vidro. Se não parte, faz-se uma pequena bola e repete-se o ensaio (a pasta vai entretanto secando) tantas vezes quantas as necessárias para que a rotura se verifique ao atingirse o diâmetro especificado. Realiza-se o ensaio em mais três provetes, sendo o limite de plasticidade a média dos quatro teores em água assim determinados. Estes valores são registados no mesmo boletim de ensaio. 3. Propriedades básicas 3.1 Teor em água Em Mecânica dos Solos, o teor em água dos solos (anteriormente referido) é definido como a relação, expressa em percentagem, entre o peso de água que se evapora do provete por secagem à temperatura de 105±3 o C, e o peso do provete, depois de seco. Este ensaio é conduzido segundo a NP-84 [7] e aplica-se a todos os tipos de solos. Os valores obtidos são registados no boletim de ensaio elaborado para o efeito. Deve, no entanto, ter-se em atenção que no caso de solos contendo matéria orgânica não se deve exceder uma temperatura de 60 o C, visto que aquela pode ser calcinada, diminuindo assim o peso real de solo seco. Por outro lado, nos solos contendo gesso, as temperaturas elevadas podem contribuir para evaporar água de constituição deste material [5]. 4

3.2 Peso volúmico das partículas sólidas O peso volúmico das partículas sólidas de um solo é o peso das partículas que ocupariam a unidade de volume, depois de excluídos os vazios. Este ensaio é realizado segundo a NP-83 [8]. A técnica de ensaio implica a utilização de um picnómetro e aplica-se apenas à determinação do peso volúmico das partículas sólidas de um solo com dimensões inferiores a 4,76 mm. Para o efeito, a norma contempla 2 métodos: com secagem prévia do provete e sem secagem prévia do provete, sendo este último o mais utilizado. Os valores obtidos são registados no boletim de ensaio respectivo. 4. Compactação Proctor Este ensaio é conduzido segundo a especificação do LNEC E 197 [9]. Consoante a energia de compactação, assim se definem dois tipos de ensaio: Proctor normal e Proctor modificado. O tamanho do molde é função da granulometria do material a ensaiar: o molde pequeno é utilizado quando a percentagem de material retido no peneiro nº 4 não é superior a 20%. O molde grande aplica-se em todos os casos, excepto se a percentagem retida no peneiro de 19 mm for superior a 20%. Neste caso, a especificação considera que o ensaio de compactação não tem significado. O ensaio consiste basicamente em compactar uma amostra de solo, num molde cilíndrico, em 3 ou 5 camadas, consoante o tamanho do molde. Cada camada é compactada com 25 ou 55 pancadas, com o pilão de compactação, de peso normalizado, leve (2,5 kg) ou pesado (4,5 kg), consoante o tipo de compactação utilizada. A amostra de solo é assim compactada utilizando uma energia de compactação normalizada. O peso do solo contido no molde é calculado, determinandose o seu teor em água, podendo então deduzir-se o seu peso volúmico seco. O ensaio é repetido várias vezes (normalmente cinco), aumentando-se gradualmente o teor em água da amostra até se obter uma gama de teores em água que inclua o óptimo. É traçada a curva de compactação, colocando em abcissas os teores em água e em ordenadas os correspondentes pesos volúmicos secos. Os dados obtidos são registados no boletim de ensaio específico. Na fig. 3 estão representados o molde pequeno, a respectiva alonga e o pilão de compactação leve, bem como uma fase da compactação executada manualmente. Quer seja manual ou mecânica (compactador automático), deve garantir-se uma base rígida e uniforme para o molde, por exemplo um paralelipípedo de betão. Fig. 3 Molde pequeno e pilão leve (ensaio Proctor) 5. Resistência à compressão simples, não confinada Não existe nenhuma norma ou especificação portuguesa para a realização deste ensaio. De acordo com a norma ASTM D 2166 [10], a resistência à compresão simples 5

não confinada é definida como a tensão de compressão para a qual um provete cilíndrico de solo, não confinado lateralmente, rompe num ensaio de compressão simples. As dimensões do provete devem ter uma relação altura (L o )/diâmetro (d) de 2 a 2,5 [11]. Estas dimensões devem ser aferidas em 3 pontos distintos, separados de 120º, registando-se os valores médios. Eventualmente pode haver necessidade de rectificar as faces inferior e superior do provete para melhorar o contacto com os pratos da prensa. Devem ser ainda registados o peso do provete e a deformação, ΔL, correspondente a 15% de extensão, ε, sendo: ε = De acordo com a mesma norma, este ensaio só é aplicável a solos coesivos ou estabilizados com cimento, não sujeitos a exsudação (expelição de água devido a deformação ou compactação), excluindo-se assim solos muito secos, fissurados, siltes e areias. Para a realização do ensaio, o provete é colocado na prensa, centrado (fig. 4), ajusta-se a placa de topo e colocam-se os deflectómetros a zero. Aplica-se a carga, a deformação constante (ε=0,005 a 0,02/min) e registam-se as leituras dos deflectómetros a cada 20 ou 50 divisões do deflectómetro de deformação. ΔL L o Fig. 4 - Ensaio de compressão O ensaio termina quando i) a carga aplicada diminui significativamente; ii) a carga se mantém constante pelo menos durante quatro leituras ou iii) a deformação ultrapassa significativamente o valor correspondente a 15% de extensão calculada anteriormente. Recolhe-se uma amostra de solo para determinação do teor em água. Os dados obtidos para cada escalão são registados no boletim de ensaio respectivo. Os diferentes valores da tensão, para cada escalão de carga, são calculados com uma área A corrigida para a deformação do provete, partindo do princípio que o volume se mantém constante, ou seja: A ' A0 = 1 ε A tensão q u é a tensão de pico (ou a que corresponde a 15% de ε) obtida num gráfico tensão (ordenadas) - extensão (abcissas) elaborado com os valores do ensaio. A coesão não drenada é, como já foi referido, q u /2. A resistência à compressão simples pode ainda ser avaliada através de compressão diametral efectuada sobre o mesmo tipo de provetes cilíndricos ou obtida através de ensaio à compressão de provetes cúbicos (como os realizados no caso do betão). 6

6. Considerações finais Com a compilação aqui apresentada pretendeu-se fornecer um guia de apoio a alunos e investigadores de áreas diversas que, no âmbito da caracterização de solos para aplicações em arquitectura de terra crua, utilizem os laboratórios do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa no Campus da Caparica ou outros, e cuja formação de base possa apresentar lacunas relativamente a estas matérias. Tratam-se de ensaios geralmente normalizados ou sujeitos a especificações genericamente aceites, que permitem aumentar o conhecimento sobre os solos, de modo a melhor fundamentar a possibilidade da sua utilização em construção. No entanto, através de uma descrição dos procedimentos de ensaio, pretendeu-se, na medida do possível, contribuir para a uniformização destes procedimentos laboratoriais, com vista a possibilitar a comparação de resultados de ensaios realizados sobre diferentes amostras de solos por diferentes pessoas num mesmo laboratório e/ou em laboratórios diferentes. Bibliografia [1] SANTANA, Teresa (1995): Mecânica dos Solos - Aulas de laboratório, Dep. Engenharia Civil, FCT/UNL, Lisboa. [2] LNEC (1966): Especificação E 196-1966, Solos - Análise granulométrica, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa. [3] NP (1969): Norma portuguesa NP 143, Solos Determinação dos limites de consistencia, Lisboa. [4] LNEC (1968): Especificação E 218-1968, Prospecção geotécnica de terrenos- Colheita de amostras, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa. [5] CORREIA, António (1980): Ensaios para Controlo de Terraplenagens, LNEC, Lisboa. [6] LNEC (1966): Especificação E 195-1966, Solos - Preparação por via seca de amostras para ensaios de identificação, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa. [7] NP (1965): Norma portuguesa NP 84, Solos - Determinação do teor em água, Lisboa. [8] NP (1965): Norma portuguesa NP 83, Solos - Determinação do peso específico das partículas sólidas, Lisboa. [9] LNEC (1966): Especificação E 197-1966, Solos Ensaio de compactação, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Lisboa. [10] ASTM (2000): ASTM D 2166-00 - Standard Test Method for Unconfined Compressive Strength of Cohesive Soil, ASTM Standards, American Society for Testing and Materials, Volume 04.08, Philadelphia. [11] KRISHNA, R. Reddy (2002): Engineering Properties of Soils based on Laboratory Testing. UIC, Chicago. Curriculum das autoras Teresa Santana é engenheira civil e Mestre em Mecânica de Solos, doutorada em Geotecnia pela FCT/UNL, onde é responsável pelas instalações laboratoriais e lecciona nas áreas da Mecânica de Solos e Engenharia Sísmica às licenciaturas de engenharias geológica e civil. Paulina Faria Rodrigues é engenheira civil e Mestre em Construção pelo IST/UTL, doutorada em Reabilitação do Património Edificado pela FCT/UNL, onde lecciona Materiais, Física, Tecnologias e Patologias da Construção. É membro fundador da Associação Centro da Terra. In IV SIACOT Seminário Ibero-Americano de Construção em Terra. Monsaraz, PROTERRA/CdT, Outubro 2005 (CD-rom) 7