175 ALIMENTAÇÃO DO CARNÍVORO Rhamdia quelen (QUOY & GAIMARD, 1824) NO RESERVATÓRIO DE CACHOEIRA DOURADA, MG/GO. Marcela R. Velludo 1*, Tatiane F. Luiz 1, Daniela Fernandes 1, Elisa M. de Oliveira 1, Nelsy Fenerich Verani 1, Alberto C. Peret 1 1 UFSCar, DHb, Laboratório de Dinâmica de Populações. * marcelavelludo@gmail.com RESUMO A caracterização do espectro alimentar dos peixes além de prover informações sobre a biologia das espécies, possibilita o acompanhamento das alterações tróficas decorrentes dos barramentos e introduções de espécies. Para caracterizar o hábito alimentar de Rhamdia quelen foi empregado o Índice Alimentar. Os itens predominantes foram insetos (46%) e moluscos (45%). Vegetais e peixes contribuíram com menos de 10% do IA. Apesar de habitar o fundo, são encontrados no conteúdo estomacal desta espécie organismos representativos de diversas comunidades da fauna aquática e terrestre, além de elementos vegetais, e não apenas aqueles restritos à comunidade bentônica, sugerindo ser generalista na escolha do seu alimento. ABSTRACT The characterization of the feeding spectrum of fishes besides providing information about the species biology, made possible the follow-up of trophic alterations due the dam constructions and species introduction. The Alimentary Index was used to characterize Rhamdia quelen diet. The predominant items had been insects (46%) and clams (45%). Vegetables and fishes contributed with less than 10% of the AI. Although the bottom feeding habit, in the stomach content of this species are found aquatic and terrestrial organisms of diverse communities, beyond plant matter, and not only those ones restricted to the benthonic community, suggesting they may be generalist in the choice of food. INTRODUÇÃO A necessidade de estudos aprofundados sobre a ictiofauna neotropical de água doce e o direcionamento das pesquisas devido à crescente alteração dos ecossistemas hídricos, onde a construção de barragens é um evento de grande impacto, têm sido enfatizados nas discussões atuais. As construções de hidrelétricas visando os benefícios econômicos levam a alterações no meio ambiente com implicações tanto sobre flora como sobre a fauna, especialmente a ictiofauna (Britski, 1994).
176 O Jundiá Rhamdia quelen é um peixe de hábitos noturnos e habita local calmo e profundo. São encontrados desde o centro da Argentina até o sul do México e de acordo com seu ciclo reprodutivo realiza migrações variando sua dieta conforme as características ambientais. Assim a construção de barragens influencia significativamente seu comportamento (Rissato et al, 2003). Este estudo visa conhecer a ecologia alimentar da espécie Rhamdia quelen contribuindo para o conhecimento da ecologia da comunidade ictica do Reservatório da UHE Cachoeira Dourada e com possíveis planos de manejo da fauna. MATERIAL E MÉTODOS Área de estudo A barragem de Cachoeira marca a divisa entre os trechos Médio e Baixo do Rio Paranaíba. A sub-bacia em estudo está localizada entre as usinas hidrelétricas de Itumbiara e São Simão, e totaliza uma área de drenagem de 3.111km 2. O regime hidrológico dos afluentes do Paranaíba, no trecho de estudo, apresenta sazonalidade bem definida. O período úmido está compreendido entre novembro e abril, com vazões médias máximas entre fevereiro e março. Os valores mínimos ocorrem entre agosto e outubro. A vegetação original era composta, predominantemente, por Floresta Tropical (semi-caducifólia) e Cerrado, com áreas de transição ou tensão ecológica entre os dois tipos. Atualmente predominam as áreas de pastagem e agricultura. Coleta dos exemplares de peixes Os exemplares foram amostrados de fevereiro de 2007 a fevereiro de 2008 em 2 pontos do reservatório com redes de espera de malhas variando entre 2,0 a 6,5 cm entre nós adjacentes cada, durante 24 horas com vistorias de 12 em 12 horas. Em laboratório, os peixes foram submetidos à biometria e os estômagos pesados e fixados em formol 4% para o estudo da alimentação. Análise do conteúdo estomacal Os conteúdos dos estômagos foram examinados e submetidos ao método de freqüência de ocorrência (F), que corresponde ao percentual de ocorrência de cada item em relação ao número total de estômagos com conteúdo; método gravimétrico (V), obtido através do deslocamento de água em uma proveta graduada. Esses métodos são combinados para obtenção do Índice Alimentar (Kawakami & Vazzoler, 1980). RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram coletados 29 indivíduos com comprimento padrão variando de 12,5 a 23,2 cm e peso corpóreo 28,39 a 227,48 g. 14 exemplares foram analisados quanto à dieta e 1 deles não constava alimento no estômago. A dieta caracterizou-se como sendo diversificada, com
177 participação dominante de insetos (46%) e moluscos (45%) (Figura 1), vegetais e peixes foram secundários na dieta com contribuição de menos de 10% do IA. Os gastrópodes tiveram grande participação contribuindo com 26,04% do IA. Dentre os insetos identificados coleóptera foi o que mais contribuiu na dieta, com 10% do IA (Tabela 1). Fig. 1 Índice Alimentar para os grandes grupos alimentares de Rhamdia quelen. Tabela 1 Índice alimentar dos itens encontrados para Rhamdia quelen no reservatório de Cachoeira Dourada. Itens Alimentares IA Vegetal 0,1354 Semente + Molusco n.i. 0,2708 Gastrópode 0,2604 Inseto n.i. 0,125 Coleoptera 0,1 Hymenoptera 0,0007 Tricoptera 0,0208 Diptera + Odonata 0,0625 Hemiptera + Peixe n.i. 0,0243 IA = Índice alimentar; n.i. = não identificado; + = presente em volume inferior a 0,01.
178 Outros trabalhos, como o de Ferreira (2006), descrevem para a espécie uma alimentação insetívora aquática generalista. Casatti (2002) descreveu o hábito da espécie de forragear a partir do anoitecer, entre rochas, sem revolver o substrato ( crepuscularnocturnal bottom predator, cf. Sazima, 1986). Em outro ambiente Deus & Petrere-Junior (2003) observaram que Rhamdia quelen teve uma dieta bastante diversificada, mais generalista durante o verão, com a ingestão de mais sementes durante o inverno. Pereira et al. (2004) colocaram esta espécie em um grupo trófico com a dieta mais diversificada e composta tanto por grupos de origem vegetal como animal, classificando-a como generalista e Nakatani et al. (2001) como onívora, com tendência à piscivoria. De um modo geral, são encontrados no conteúdo estomacal e intestinal desta espécie organismos representativos de diversas comunidades de fauna aquática, sugerindo ser um organismo generalista na escolha do seu alimento (Meurer & Zaniboni-Filho, 1997). CONCLUSÃO Por apresentar hábito generalista a espécie tem sua dieta fortemente influenciada pela disponibilidade local de recursos, apresentando insetos e moluscos como principais fontes alimentares. Estudos mais aprofundados serão realizados a fim de verificar a existência de variação na dieta em função da sazonalidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINHO, ÂNGELO ANTONIO. Pesquisas, monitoramento e manejo da fauna aquática em empreendimentos hidrelétricos. In: Comase, Seminário sobre fauna aquática e o setor elétrico brasileiro, Rio de Janeiro, ELETROBRÁS, 1994, Cad. 1, pp. 23-30. BRITSKI, HERALDO ANTONIO. A fauna de peixes brasileiros de água doce e o represamento de rios. In: COMASE, Seminário sobre fauna aquática e o setor elétrico brasileiro, Rio de Janeiro, ELETROBRÁS, 1994, cad. 1, pp. 23-30. CABRAL, JOÃO BATISTA PEREIRA, BECEGATO, VALTER ANTONIO, SCOPEL, IRACI, et al. Uso de técnicas de geoprocessamento para mapear o potencial natural de erosão da chuva na Bacia Hidrográfica do Reservatório de Cachoeira Dourada GO/MG. RA E GA, O espaço Geográfico em Análise, 2005, vol.10, pp. 107-116. CASATTI, LILIAN. Alimentação dos peixes em um riacho do Parque Estadual Morro do Diabo, bacia do Alto Rio Paraná, Sudeste do Brasil. Biota Neotropica, 2002, vol.2, pp. 1-14. DEUS, CLÁUDIA PEREIRA DE, PETRERE JUNIOR, MIGUEL. Seasonal diet shifts of seven fish species in na atlantic rainforest stream in southeastern brazil. Braz. J. Biol., 2003, vol.63(4), pp. 579-588.
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