AVANÇOS E RECUOS: O ARCAICO E O MODERNO NA CONSTRUÇÃO DA CONJUGALIDADE

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Transcrição:

1 AVANÇOS E RECUOS: O ARCAICO E O MODERNO NA CONSTRUÇÃO DA CONJUGALIDADE Elaine Cristina Mourão Maria Luisa L. de Castro Valente Pedro Henrique Godinho Faculdade de Ciências e Letras Campus de Assis RESUMO: Buscando compreender a dinâmica e as características do relacionamento conjugal e considerando elementos arcaicos e modernos presentes nas vivências da conjugalidade atual, o presente trabalho aplicou um questionário em 106 sujeitos (65% do sexo feminino e 35% do sexo masculino) que se declararam casados independentemente da institucionalização do relacionamento. O questionário aplicado abordou questões relativas às estruturações afetivas, econômicas, sexuais e à tomada de decisões nos relacionamentos conjugais. Os dados foram coletados na cidade de Osasco 1 através de um bate-papo informal visando facilitar a apreensão dos dados já que se havia definido uma amostragem não aleatória (amostragem por cota). Os pontos de coleta foram definidos buscando-se estabelecer pontos de fluência e visando-se abarcar sujeitos de diferentes regiões da cidade. Em cada ponto da cidade foram entrevistadas aproximadamente 20 pessoas já que para a pesquisa um número de sujeitos estatisticamente significativos constava de 3 a 4 vezes o número de questões que compunha o questionário aplicado. Os conceitos de continuidade e descontinuidade propostos por Nicolaci-da-Costa (1985), os de socialização primária e secundária propostos por Berger e Luckmann (apud Nicolaci-da-Costa, 1985) e o de desmapeamento proposto por Figueira (1985) permitiram compreender se nos sujeitos investigados há continuidade ou descontinuidade entre sistemas simbólicos. O presente estudo e trabalhos semelhantes (Jablonski, 2003; Goldenberg, 1991; Costa & Katz et. al., 1992; Vaitsman, 1994; Figueira, 1987; Carneiro, 2003) têm evidenciado a coexistência desses dois modelos de casamento nos relacionamentos o que decorre da busca por igualdade (tão desejada, mas ainda não alcançada), da atribuição de novos fatores como necessários para o relacionamento e do questionamento dos papéis préestabelecidos. Tal fato permite inferir a presença de certa descontinuidade, confronto de valores e atitudes nos relacionamentos estudados. O que também nos leva a crer que os sujeitos foram submetidos a processos de socialização secundária que contestam ou diferem do de socialização primária e que há coexistência de mapas e ideais diversos nos relacionamentos do sujeitos investigados. elaine_mourao@ig.com.br - Graduanda do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Professora do Departamento de Psicologia Clínica da Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Professor do Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da Faculdade de Ciências e Letras de Assis. 1 Osasco é uma das cidades com maior índice de desenvolvimento do Estado, possui hoje cerca de 700 mil habitantes e ocupa o posto de 5ª maior cidade do Estado de São Paulo e o 24º município brasileiro.

2 AVANÇOS E RECUOS: O ARCAICO E O MODERNO NA CONSTRUÇÃO DA CONJUGALIDADE Elaine Cristina Mourão, Maria Luisa L. de Castro Valente e Pedro Henrique Godinho Os termos família e casamento já designaram realidades diversas e diferentes das que designam nos dias atuais. Ao contrário do que se possa imaginar, a Igreja Católica, nos primórdios do cristianismo, não se preocupou em se referir, em seus escritos, ao casamento nem à família, pois sua preocupação primordial era com a virgindade e a continência - valores essenciais do ascetismo - virgindade e continência. Só no século XII, a Igreja Católica buscando controlar a sexualidade dos indivíduos, estabelecer regras morais em relação ao casamento e o concebendo como um remédio contra as tentações e perdições da carne, o instituiu um sacramento. A sacramentalização do casamento, unida às necessidades econômicas e sociais da época, tornou a relação conjugal um ritual sagrado e uma prática racional já que os cônjuges deveriam amar-se com discrição e a cópula deveria subordinar-se à continência. Por cerca de 18 séculos, a Igreja foi responsável pela institucionalização dos relacionamentos, apesar do sacramento do matrimônio ter sido concedido, outrora, apenas àqueles que pertenciam às camadas socialmente mais elevadas. No Brasil, em 1870, cria-se a lei 1829 que regulamenta o registro civil das pessoas e só mais tarde, em 1890, cria-se o casamento civil que passa a ser o único com validade jurídica e civil. No fim do século XIX e início do século XX, os casamentos vão deixando de ser meros acordos entre famílias e passam a realizar-se pela livre escolha dos cônjuges e a ter como base o amor, que anteriormente era uma característica das relações ilícitas. As reivindicações e as transformações ocorridas nos casamentos pretendem uma relação

3 que seja igualitária o que não a torna mais fácil já que estabelecer acordos requer discussões e reflexões que nem sempre são facilmente atingidas. Contudo, como mostra Figueira (1986), a relação existente entre o grupo familiar é ainda impregnada de idealizações e demarcações de papéis que decorrem de uma impossibilidade de se adaptar ao novo sem conflitos. Assim, buscamos compreender a dinâmica e as características do relacionamento conjugal considerando elementos arcaicos e modernos presentes nas vivências da conjugalidade atual. Método 1) Instrumento: o questionário aplicado abordou questões relativas às estruturações afetivas, econômicas, sexuais e à tomada de decisões nos relacionamentos conjugais. Nesse sentido, os fatores níveis de escolaridade e situação financeira foram relevantes na medida em que permitiram investigar se implicam em estruturações conjugais diferentes, se interferem e de que forma na construção da conjugalidade. Além disso, a coleta de dados buscou elencar alguns fatores considerados positivos e negativos para os sujeitos entrevistados dentro de um relacionamento. 2) Local: os dados foram coletados na cidade de Osasco através de um batepapo informal visando facilitar a apreensão dos dados já que se havia definido uma amostragem não aleatória (amostragem por cota). Os pontos de coleta foram definidos buscando-se estabelecer pontos de fluência e visando-se abarcar sujeitos de diferentes regiões da cidade. Em cada ponto da cidade foram entrevistadas aproximadamente 20 pessoas já que para a pesquisa um número de sujeitos estatisticamente significativos constava de 3 a 4 vezes o número de questões que compunha o questionário aplicado.

4 3) Sujeitos: o questionário foi aplicado em 106 sujeitos (65% do sexo feminino e 35% do sexo masculino) que se declararam casados independentemente da institucionalização do relacionamento. Os participantes têm idade entre 16 e 62 anos. No caso dos sujeitos do sexo feminino, a categoria mais expressiva foi a de 26 a 31 anos (26%). Já nos sujeitos do sexo masculino foi a de 29 a 35 anos (32%). A escolaridade, tanto dos sujeitos do sexo masculino como do sexo feminino, concentrou-se, majoritariamente, na categoria ensino médio completo (45% dos sujeitos do sexo feminino e 46% dos sujeitos do sexo masculino). No que se refere ao nível econômico dos sujeitos do sexo masculino, prevaleceu a categoria de 2 a 4,9 salários mínimos (65%) o que condiz com o nível de escolaridade prevalecente e as profissões exercidas. Entretanto, no caso dos sujeitos do sexo feminino prevaleceu a categoria até 1,9 salários mínimos (59%) o que também parece ser decorrente do nível de escolaridade e das profissões exercidas (como a de dona de casa). A duração do relacionamento dos sujeitos com seus cônjuges variou de menos de 1 a 36 anos. Nos sujeitos do sexo feminino, prevaleceu a categoria menos de 1 a 4 anos (22%) já nos sujeitos do sexo masculino prevaleceu a categoria menos de 1 a 6 anos (59%). A maior parte do sujeitos entrevistados têm filhos (80% dos sujeitos do sexo feminino e 76% dos sujeitos do sexo masculino). No caso dos dois grupos, o número de filhos prevaleceu entre 1 e 2 o que evidencia que os casais têm tido menos filhos com o acesso aos métodos anticoncepcionais e às transformações sociais como o trabalho feminino. A presença de filhos de outros relacionamentos (9% no grupo dos sujeitos do

5 sexo feminino e 14% no dos sujeitos do sexo masculino) nos dois grupos, ainda que pequena, indica a tendência a recasamentos e rearranjos familiares. Resultados A análise dos dados no que se refere às fontes de atrito, modo de resolução de divergências, aos fatores em que o relacionamento dos sujeitos difere do relacionamento de seus pais e a administração das questões econômicas, dos afazeres domésticos e da educação dos filhos evidenciou a forte presença do binômio moderno/arcaico coexistindo e interferindo na definição dos papéis dentro do relacionamento dos sujeitos. As fontes de atrito mais citadas, pelos dois grupos, foram as categorias situação financeira (25 sujeitos do sexo feminino e 11 do sexo masculino) e família (25 sujeitos do sexo feminino e 14 do sexo masculino). Da mesma maneira, os dois grupos citaram como forma de resolução de divergências em seus relacionamentos o diálogo e a negociação (75% no grupo dos sujeitos do sexo feminino e 89% no grupo do sujeitos do sexo masculino) em detrimento da imposição de uma opinião sobre a outra. As questões econômicas são administradas por ambos os cônjuges no relacionamento tanto dos sujeitos do sexo feminino (68%) quanto no dos sujeitos do sexo masculino (59%). A educação dos filhos também é administrada por ambos os cônjuges no relacionamento dos sujeitos femininos (54%) e masculinos (38%). Ao contrário, nos dois grupos, os afazeres domésticos são administrados apenas pelo sexo feminino. No grupo do sexo masculino, 51% dos sujeitos responderam que os afazeres domésticos são administrados pela cônjuge e no do sexo feminino, 70% das entrevistadas são as responsáveis pela administração dos afazeres domésticos. Tal fato evidencia que apesar das diversas transformações ocorridas nos relacionamentos conjugais e ainda que tenham o mesmo nível de escolaridade dos

6 homens e estejam no mercado de trabalho, as mulheres continuam sendo as responsáveis pelos afazeres domésticos. O que, juntamente com o fato de os homens serem mais bem remunerados, explicita a coexistência do moderno e do arcaico e de certa segregação de papéis nos relacionamentos conjugais do sujeitos. Contrapondo-se a essa idéia, o fato de os sujeitos terem citado o diálogo como o fator em que o seu relacionamento difere do de seus pais (28 sujeitos do sexo feminino e 16 do sexo masculino) juntamente com o fato de as questões econômicas e a educação dos filhos serem administrados por ambos os cônjuges e as divergências serem resolvidas através do diálogo e da negociação leva a crer que os relacionamentos dos sujeitos tendem a ser mais flexíveis e democráticos ainda que o arcaico ainda esteja presente no relacionamento conjugal dos sujeitos entrevistados. Considerações finais Os conceitos de continuidade e descontinuidade propostos por Nicolaci-da- Costa (1985), os de socialização primária e secundária propostos por Berger e Luckmann (apud Nicolaci-da-Costa, 1985) e o de desmapeamento proposto por Figueira (1985) permitiram compreender se nos sujeitos investigados há continuidade ou descontinuidade entre sistemas simbólicos. O presente estudo e trabalhos semelhantes (Jablonski, 2003; Goldenberg, 1991; Costa & Katz et. al., 1992; Vaitsman, 1994; Figueira, 1987; Carneiro, 2003) têm evidenciado a coexistência desses dois modelos de casamento nos relacionamentos o que decorre da busca por igualdade (tão desejada, mas ainda não alcançada), da atribuição de novos fatores como necessários para o relacionamento e do questionamento dos papéis pré-estabelecidos. Tal fato permite inferir a presença de certa descontinuidade, confronto de valores e atitudes nos relacionamentos estudados. O

7 que também nos leva a crer que os sujeitos foram submetidos a processos de socialização secundária que contestam ou diferem do de socialização primária. A análise qualitativa e quantitativa dos dados sugere que, como evidenciou Figueira (1987), há coexistência de mapas e ideais diversos nos relacionamentos estabelecidos. Por fim, os dados coletados evidenciam que a conjugalidade, como entendida por Magalhães (2003), enquanto vivência compartilhada dos parceiros, alicerçada na relativa continuidade e estabilidade do vínculo conjugal e propiciadora da afirmação das subjetividades dos parceiros tem sido um espaço de (re) construção de modelos ou modos diversos de relacionamentos e que tal processo dá-se através de questionamentos e reflexões constantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERQUÓ, Elza. Arranjos familiares no Brasil: uma visão demográfica. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. v. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. COSTA, Gley P. A cena conjugal. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. DEL PRIORE, Mary. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005. DINIZ, Gláucia; COELHO, Vera. Mulher, família, identidade: a meia-idade e seus dilemas. In: FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. (org.) Família e casal: arranjos e demandas contemporâneas. Rio de janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. (org.) Família e casal: arranjos e demandas contemporâneas. Rio de janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.. (org.) Relação amorosa, casamento, separação e terapia de casal. Rio de Janeiro: ANPEPP, 1996.

8 FIGUEIRA, Sérvulo A. (org.) Cultura da psicanálise. São Paulo: Brasiliense, 1985.. Uma nova família? O moderno e o arcaico na família de classe media brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. GOLDENBERG, Mirian. O macho em crise: Um tema em debate dentro e fora da academia. In: GOLDENBERG, Mirian (org.). Os novos desejos: das academias de musculação às agências de encontros. Rio de Janeiro: Record, 2000. JABLONSKI, Bernardo. Afinal, o que quer um casal? Algumas considerações sobre o casamento e a separação na classe média carioca. In: FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. (org.) Família e casal: arranjos e demandas contemporâneas. Rio de janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. MAGALHÃES, Andrea Seixas. Transmutando a subjetividade na conjugalidade. In: FÉRES-CARNEIRO, Terezinha. (org.) Família e casal: arranjos e demandas contemporâneas. Rio de janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Mal-estar na família: descontinuidade e conflito entre sistemas simbólicos. In: FIGUEIRA, Sérvulo A. (org.) Cultura da psicanálise. São Paulo: Brasiliense, 1985. VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no ocidente cristão. 2 ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1992.