Centros de Endemismos da Mata Atlântica: um estudo de caso com Bromeliaceae dos campos de altitude GUSTAVO MARTINELLI - INSTITUTO DE PESQUISAS JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO gmartine@jbrj.gov.br A grande biodiversidade da Mata Atlântica tem sido apontada como resultante da grande variação latitudinal, com uma extensão de 27 graus em latitude, e em menor grau, pela variação altitudinal, desde o nível do mar até 2.700 metros de altitude e também climática, decorrente da história geológica do bioma, apresentando hoje climas que variam desde sub-úmidos com estação seca até ambientes de extrema pluviosidade, os quais promovem uma grande variabilidade de condições ecológicas e conseqüentemente, de alta diversidade biológica e grande numero de espécies endêmicas. A riqueza de espécies do bioma Mata Atlântica não se distribui de forma continua e homogênea por toda a sua área de domínio, sugerindo diversas divisões biogeográficas em sub-regiões, os chamados centros de diversidade, com base principalmente no número de espécies e na diversidade de paisagens, ecossistemas e habitats (Silva & Casteleti, 2005). A compressão destes fatores sobre uma mesma área ou região geográfica facilita a ocorrência de endemismos. Como endemismo é um conceito relativo, tem sido normalmente aplicado, quando existe uma considerável restrição quanto à localização e tamanho da área geográfica em consideração, portanto, a caracterização de endemismos implica na necessidade de uma escala geográfica. Na maioria das vezes o termo endemismo tem sido usado de forma simplificada, considerando apenas a distribuição espacial, sem identificar os fatores importantes que controlam a distribuição espacial altamente variável da diversidade de espécies e expressos ou como uma percentagem de todos os táxons existentes ou através do número absoluto de táxons endêmicos de uma área (Gaston, 1991). Na Mata Atlântica, as informações sobre endemismos se concentram em poucos grupos de organismos como aves, borboletas, primatas e alguns poucos grupos de plantas vasculares, e ainda, sobre apenas alguns poucos e distintos ecossistemas. As informações disponíveis sobre o numero de espécies e o grau de endemismo da flora da Mata
Atlântica são ainda inconsistentes e variáveis, geralmente decorrentes de levantamentos realizados em diferentes épocas, a maioria deles sem monitoramento. As estimativas variam de 20 mil a 30 mil espécies de plantas e os endemismos apontados em percentagens, com taxas variando de 40% a 48%. Centros de endemismos são geralmente apontados com base na diversidade e na distribuição das espécies em uma região. Numa escala global, para a maioria dos grupos de organismos, o grau de endemismo aumenta com a diminuição da latitude (Gentry, 1986; Stevens, 1989). Em escala regional, endemismos podem ser categorizados em diferentes contextos, tais como: áreas restritas, tipos de vegetação ou ecossistemas, biomas, regiões biogeográficas e regiões geopolíticas. Na Mata Atlântica, padrões de sobreposição ou congruência de endemismos são importantes para a identificação de áreas prioritárias para conservação de diferentes ecossistemas. Em ecossistemas isolados, como ilhas oceânicas e montanhas tropicais, os padrões de endemismos são freqüentemente congruentes em diversos grupos taxonômicos, demonstrando que isolamento geográfico é uma importante expressão de endemismo, entre outras causas. Montanhas têm sido consideradas hotspots de diversidade biológica (Shylajan & Bandyopadhyay, 2003), sendo a biodiversidade de montanhas considerada como um tema focal na 4ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (UNEP/CDB, 2002). Ecossistemas de montanhas tropicais, na maioria das vezes possuem grande riqueza de espécies, em áreas relativamente restritas e níveis altos de endemismos, muitas vezes maiores do que as regiões baixas adjacentes, devido à compressão de uma grande variedade de ecossistemas e zonas climáticas ao longo de gradientes altitudinais e de extensões espaciais relativamente pequenas. Ecossistemas de montanhas servem também como refúgios de mudanças ambientais, representando áreas de especiação ou de floras relíquias. No bioma Mata Atlântica, a vegetação das montanhas de grandes altitudes são constituídas na maioria das vezes de florestas de altitude e de campos de altitude, uma vegetação de fisionomia litólica e campestre, adaptada as condições específicas dos afloramentos rochosos, muitas vezes com ausência de solos. As mata nebulares ou matas de altitude, são constituídas de árvores de pequeno porte que geralmente circundam os afloramentos rochosos ou inselbergs,
formando um cinturão em torno dos campos de altitude, cuja importância é fundamental na conservação destes campos por agirem como uma zona tampão, mantendo as condições micro-climáticas especificas e evitando a ocupação de espécies invasoras (Martinelli, 1988, 1996; Safford & Martinelli, 2000; Porembski & al., 1998). Bromeliaceae, uma família predominantemente neotropical, é um importante grupo taxonômico considerado indicador de biodiversidade ou ampliador de biodiversidade (Rocha & al., 1997), possui alto valor ecológico, devido ao seu reconhecido relacionamento com a fauna e numa menor escala, com outras espécies de plantas, pelo elevado número de espécies endêmicas, e pela alta diversidade de espécies, o que tem colocado este grupo de plantas em evidência no contexto da conservação, principalmente pela destruição dos habitats e pelo extrativismo. Apresentando uma interessante história evolucionária e fitogeográfica, Bromeliaceae se distribui pela América tropical desde o sul do Texas, até a Patagônia, com exceção de Pitcairnia feliciana, que ocorre no oeste da África. Constitui-se como uma das mais importantes famílias de monocotiledôneas neotropicais, seja em função da riqueza de espécies, por sua capacidade adaptativa em conquistar habitats diversos, por apresentar diversas formas de vida ou ocupar substratos e nichos dos mais variados e extremos. Três principais centros de diversidade de espécies de Bromeliaceae ou de desenvolvimento da família como interpretado por Smith (1934) são bem caracterizados: os Andes com extensão para as florestas das encostas baixas andinas (Colômbia e Equador), o Planalto das Guianas especialmente na elevada região dos tepuis e o leste do Brasil, concentradas nos limites do bioma Mata Atlântica (Smith, 1934;). Com aproximadamente 3160 espécies distribuídas em 56 gêneros (Luther, 2001), Bromeliaceae encontra-se representada nos diversos biomas brasileiros, onde ocorrem 43 gêneros (77%) da família. No bioma Mata Atlântica, ocorrem cerca de 920 táxons, distribuídos em 30 gêneros, sendo 10 destes gêneros, considerados endêmicos para o bioma. No domínio da Mata Atlântica, Bromeliaceae ocorre na maioria dos ecossistemas e tipos de vegetação, ocupando todas as faixas de altitude, do nível do mar até os extremos altitudinais das regiões montanhosas e nas mais diversas condições climáticas, topográficas e
pedológicas, com quatro centros de diversidade (Martinelli, 1994), sendo três destes centros, correspondentes as bioregiões consideradas como corredores ecológicos : Centro de Endemismo de Pernambuco, Corredor Central e Corredor da Serra do Mar. Visando avaliar preliminarmente a hipótese de que os campos de altitude se caracterizam como centros de endemismos restritos e refúgios de uma flora relíquia, são apresentados alguns dados sobre a riqueza de espécies, os padrões de distribuição e o grau de endemismos encontrados na família Bromeliaceae, em algumas das principais áreas de campos de altitude ao longo das montanhas existentes no Corredor da Serra do Mar da Mata Atlântica. Os dados obtidos com a família Bromeliaceae sugerem que estas áreas de campos de altitude se caracterizam como centros de endemismos restritos e de grande importância para a conservação. REFERÊNCIAS GASTON, K.J. 1991. How large is a species geographic range. Oikos 61: 434-438. GENTRY, A.H. 1986. Endemism in tropical vs temperate plant communities. In: Soulé, M. (ed), Conservation Biology: The science of scarcity and diversity, 153-181. Sinauer Associates, Sunderland, Mass. GENTRY, A.H. 1992. Tropical Forest biodiversity: distributional patterns and their conservation significance. Oikos 63: 19-28. LUTHER, H.E. 2001. De Rebus Bromeliacearum III. Selbyana 22(1): 34-67. MARTINELLI, G. 1994. Reproductive biology of Bromeliaceae in the Atlantic rain forest of southeastern Brazil. PhD thesis. St. Andrews: University of St. Andrews. pp. 1-197. MARTINELLI, G. 1988. Padrões fitogeográficos em Bromeliaceae dos campos de altitude da floresta pluvial tropical costeira do Brasil, no Estado do Rio de Janeiro. Rodriguesia 66(40): 3-10. MARTINELLI, G. 1996. Campos de Altitude. 157pp. Editora Index. MARTINELLI, G. 1997. Biologia reprodutiva de Bromeliaceae na Reserva Ecológica de Macaé de Cima. In: Serra de Macaé de Cima: Diversidade Florística e Conservação em Mata Atlântica. (H.C.Lima & R.R.Guedes-Bruni, eds.). Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. p. 213-250. POREMBSKI, S., MARTINELLI, G., OHLEMULLES, R. & BARTHLOTT, W. 1998. Diversity and ecology of saxicolous vegetation mats on inselbergs in the Brazilian Atlantic Rainforest. Diversity and Distribution 4: 107-119. ROCHA, C.F.D, COGLIATTI-CARVALHO, L, ALMEIDA, D.R. (FREITAS?). 1997. Bromélias: ampliadoras da biodiversidade. Bromélia 4(4): 7-10. SAFFORD, H.D. & MARTINELLI, G. 2000. Inselbergs in Southeast Brazil. In: Inselbergs: Biotic diversity of isolated rock outcrops in tropical and temperate regions. Ecological Studies 146: 339-389. Springer Verlag, Bonn.
SHYLAJAN, C.S. & BANDYOPADHYAY, J. 2003. Creating economic incentives for biodiversity conservation: an exigency for sustainable mountain development. Abstract of poster presentation in the 8 Meeting of the Subsidiary Body on Scientific, Technical and Technological Advice of the Conservation on Biological Diversity: Status and trends of, and threats to mountain biodiversity, marine, coastal and inland water ecosystems 20-21. SMITH, L.B. 1934. Geographical evidences on the lines of evolution in the Bromeliaceae. Boot. Jar. 66: 446-468. STEVEN, G.C. 1989. The latitudinal gradient in geographic range: how so many species coexist in the tropics. American Naturalist 133: 240-256. TERBORGH, J. & WINTER, B. 1982. Evolutionary circumstances of species with small ranges. In: Prance, G.T. (ed), Biological Diversification in the Tropics. 587-600. Columbia University Press, New York. UNEP/CDB/COP4. 2002. Mountain Biodiversity as a focal theme. UNEP/CDB document.